Possuímos no Brasil uma cultura muito particular, seja na nossa maneira de vestir, calçar, fazer festa, brincar, ficar triste, etc. Mas somos muito exclusivos culturalmente na nossa forma de rezar. Esta forma única que o brasileiro tem de experienciar o transcendente é o que caracteriza o Fenômeno Religioso.

O Fenômeno Religioso requer uma análise detalhada e sistemática para entendermos todos os seus mecanismos. Não é fácil analisá-lo, há muitos aspectos que o compõe; o social, o político, o econômico. Mas de fato, é no aspecto psicológico onde detectamos mais dados para compreendê-lo melhor.

Segundo E. Fron o ser humano é um ser que se constitui, ou seja, vai construindo um caminho. Nesta afirmação, está centrada também a angustia, por isso é que na maioria das vezes delegamos às divindades decidir o nosso caminho e o nosso destino. Esta atitude faz a pessoa ficar tranquila, em paz, mas ao mesmo tempo a pessoa se torna desumana, infantilizada.

O ser humano é um ser que está sempre em conflito, porque os desejos parecem nunca ser alcançados.

A vida consiste numa externa busca de sentido e aquele que busca é sempre um ser insatisfeito com a sua situação. É por essas e por outras que o ser humano se utiliza de símbolos, ele é essencialmente um ser simbólico, busca nos símbolos algo que lhe dê significado, sentido, algo que faça uma ponte com o sagrado, com o transcendente; a água, o fogo, a fitinha, o objeto benzido, o amuleto, etc. O símbolo lança o ser humano para além de sua situação, faz com que ele sonhe e o sonho é fundamental, ou seja, é parte da concretização dos nossos ideais

Mas não podemos nos esquecer que o ser humano também é um ser de relação, isto significa que ele está no processo de construção do outro, que pode ser Deus, um santo, uma fada, um anjo, etc.

No decorrer da disciplina de Psicologia da Religião, vários foram os parâmetros de observação do fator religioso, mas nenhum foi tão significante como o filme de Dias Gomes: O pagador de promessa, que nos deixou bem claro o sincretismo religioso no qual o Brasil está imbuído e como é forte o Fenômeno Religioso brasileiro. A religiosidade popular do filme nos traz uma personagem muito interessante, nos mostra um homem que busca em Santa Bárbara a solução do seu problema e para tanto se submete a promessa de levar uma cruz de madeira à igreja da santa, não importando o tanto que isto lhe custasse. Infelizmente nem todos o compreenderam e nestes desentendimentos notamos a diversidade cultural e ideológica da nossa religiosidade.

Percebe-se no filme como o ser humano consegue delimitar o seu espaço a partir da sua prática e do seu discurso (linguagem). Somos vinculados ao espaço e as vezes fazemos disso uma forma de legitimar a nossa sobrevivência e assegurar a nossa segurança, como por exemplo fez o padre, que se achava no direito de dizer quem entrava e quem não entrava na igreja, que por sua vez deveria ser um espaço público.

Quando um grupo se sente inseguro, estabelece fronteiras e foi o que aconteceu com a igreja no filme de D. Gomes, as vezes isso significa vitória, mas muitas vezes significa também derrota.

É fácil perceber no filme também fatores que constitui o psicológico popular, ou seja, o psicológico do ser humano em geral que se manifesta em lembranças, emoções, sentimentos, sensações, pensamentos, intuições que permeia a vida das personagens centrais: a esposa, o poeta, o padre, o policial, o repórter, o amante, a baiana e o protagonista que é o pagador da promessa.

No pagador da promessa é notado um forte sentimento de culpa, por não conseguir cumprir com a promessa. Todo ser humano traz dentro de si um sentimento de culpa. O cristianismo implantou em nossa cultura, com maior ênfase, esse sentimento de culpabilidade, ou seja, esta mania de sermos julgados segundo a nossas atitudes e conduta. Jean-François Catalan no capítulo sétimo de seu livro, O homem e sua religião: enfoque psicológico, deixa bem claro essa característica quando diz que o homem diante de um julgamento perante um juiz se sente indigno, impuro e talvez culpado e diz que podemos observar muito bem este aspecto na confissão dos pecados e na esperança do perdão.

Este aspecto faz do homem este ser dependente e muitas vezes infantilizado e até quem sabe conformado com a sua situação de miséria, seja qual tipo de miséria for.

O coração do homem é complicado e o psiquismo humano é complexo diz J.F.Catalan, e isso explica sem dúvida a diversidade de ritos, crenças e experiências religiosas no ser humano. Se o ser humano é complexo, havia de ser também o Fenômeno Religioso. É preciso que tenhamos a audácia de mergulharmos neste universo maravilhoso que é a psicologia da religião. Muito já foi estudado, mas muito ainda se tem por descobrir neste setor das ciências humanas. A psicologia é uma ciência nova e tratar dela em conjunto com as questões religiosas se torna mais desafiador ainda.

Mas enfim, o importante disso tudo é conhecermos cada vez mais os mecanismos que nos torna desumanos e infantilizados. Sendo assim podemos desencadear um processo de libertação na nossa forma de rezar, ou seja, uma forma mais consciente e responsável de encarar de frente a nossa dimensão relacional com o transcendente. Assim nos tornaremos homens e mulheres capazes de fazer uma leitura e um melhor discernimento sobre a realidade e a nossa função dentro dela. E a partir daí ir ao encontro do "outro".