Aplicação dos sentidos ou a percepção profunda da realidade

 

J. Ramón F. de la Cigonã

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Não é fácil compreender objetivamente a realidade, pois ela é captada sempre subjetivamente pelos nossos sentidos.

 

Nos relacionamentos inter-pessoais, nessa compreensão mistérios dos outros, a linguagem é imprescindível. A palavra pronunciada tinha, até faz pouco tempo, á total primazia. A palavra era furto da razão e esta fingia comandar, opressivamente, a percepção e a existência, criando frequentemente grande mal-estar. Poucos conteúdos compreendidos, poucas palavras expressas. Era o destino dos relacionamentos!

 

Recentemente, outras formas de expressão, ás vezes não tão "razoáveis", foram surgindo.  Se antes as palavras eram necessárias, hoje os gestos se tornam indispensáveis.  É mais fácil viver sem palavras do que sem gestos!  Sem gestos, a vida torna-se incompreensível e enfadonha.

 

Nas palavras e nos gestos transmitimos não só as verdades ou mentiras, mas a essência de nós mesmos. Nossa interioridade mais profunda revela-se curiosamente na nossa exterioridade. Com certeza, transparecemos muito mais do que desejamos!

 

  1. Sedução dos sentidos.

Vivemos hoje numa sociedade que desconfia mais das palavras do que dos gestos. Nossa realidade entra e sai não só pela boca, mas também pelos olhos e pelas nossas mãos... Os cinco sentidos nunca estiveram tão em voga como hoje.  A maior parte das nossas decisões são tomadas por causa do que subjetivamente sentimos: daí tantos envolvimentos e aborrecimentos. Esta atenção ou rejeição brota, inexplicavelmente, do uso dos nossos sentidos. Vivemos numa cultural de sensações, onde continuamente somos sujeitos e objetos. Isso constrói, mas também destrói! Todos caminhamos nesse enlameado de luzes e sombras.

 

Facilmente concretizamos nossa instintividade inconsciente dando vazão a sentimentos primitivos, sem nos preocuparmos com seus significados. Esse nível instintivo, sempre fugaz a factual, satisfaz momentaneamente a maioria das pessoas.  A lógica se perde nesse emaranhado instintivo do sentido. Parece como se estivéssemos na contramão do processo evolutivo: passar do concreto para o abstrato das sensações para o mundo maior do racional e simbólico.  Aqui, pelo contrário, o concreto seduz de tal forma que abafa toda nação de tempo e do contratempo, ficando-se entorpecido e paralisado.  Com, os marketeiros se  aproveitam bem disso!

 

E o olhar ? Nossos olhos facilmente se deixam corromper pela concuspiscência sentida, ficando perdidos e embotados. Quanto tempo perdido! Quantas sonhadas ! E. contudo, um dia eles se farão transparentes e puros e poderão contemplar o Amor em tudo e todos.

 

Assim seduzidos pelos condicionamentos instintivos e primeiros, facilmente sucumbimos a eles fechando o nosso horizonte. É o fascínio descartável e do momentâneo, da mente paralisada e da perda infinita de tempo.  Repete-se convulsivamente o mesmo.  Esta mesmice empobrece a pessoa e os seus relacionamentos com o passar do tempo.

 

Contudo somos humanos e não nos contentamos com a repetição instintiva do mesmo.  Estamos no mundo como as outras criaturas, mas temos uma característica própria: a consciência das nossas situações.  E é a partir desta consciência de lago maior e melhor que sentimos necessidade de mudar e sermos mudados.

 

Realmente, a experiência sensível e instintiva é a mais primitiva e o ponto de partida de toda recepção e conhecimento.  Contudo, não podemos reduzir-nos somente a ela, pois há dentro de nós um outro inconsciente espiritual, esperando ser concretizado responsavelmente.

 

É preciso passar dessa primeira fase, a sedução dos sentidos, pois a figura deste mundo passa! ( 1Cor 7, 31 ).

 

Quando a vida emocional se expressa espontânea e cruamente entra-se na insensatez e no desatino, se a experiência for obsessiva ou, pelo contrário, na mística mais profunda ( percepção maior da realidade O se for positiva e gratuita.

 

2.  Mutação dos Sentidos

Verdadeiramente os sentidos influenciam as nossas emoções e, consequentemente o próprio agir.  Não podemos separar, sem desagradáveis conseqüências, a emoção da razão e do próprio atuar.  É verdade que hoje os nossos jovens, e também alguns adultos, mudaram aquele axioma cartesiano do "penso logo existo",  para o " sinto, logo existo".  Mas, nem tudo o que entra pelos sentidos, dá sentido à vida!  O que temos na mente, desejamos; e provavelmente, faremos!

 

A mente está cheia de imagens provenientes da carne e das sondas sensoriais do corpo.

Conhecemos a realidade não só pela lógica da ciência, nível reflexivo, mas também pelo experimentado e sentido.  É verdade que se este primeiro "sentir é o elemento constitutivo do nosso" pensar".  As nossas emoções dão ênfase e relevo as coisas a ás pessoas.  "Os sentidos são a porta da alma"diziam os antigos. Contudo, não podemos polarizar entre o sentir e o pensar, entre o instintivo e o espiritual, pois não são realidades opostas, mas interdependentes e relacionadas. O "sentir" instintivo se tornará, com o tempo, mais responsável e inteligente e o "pensar" reflexivo se fará intuitivo e emocional.

 

Como superar o nível primitivo e instintivo e chegar a um outro mais desenvolvido e humana, no uso dos cinco sentidos ? Como passar do individualismo hedonista para experiências mais positivas e sociais ? Enfim, como sair da irresponsabilidade infantil e atingir maior responsabilidade e humanidade ?

 

O desencanto da sedução começa com o passar do tempo.  Os sentidos superam sua primitiva fixação buscando expressões maiores e melhores.  O que antes atraia de modo irreprimível, inexplicavelmente se abre para maiores significados. Há uma mutação não da realidade, que teimosamente continuando a mesma, mas dos valores e interpretações experimentados.  A segunda Semana de Exercícios Espirituais, com a contemplação de Jesus e da sua proposta, libertam da servidão dos sentidos, passando das coisas para as pessoas.  Só o amor é capaz de relativizar e suplantar experiências passadas.

 

Vejamos esta dinâmica da passagem.  Peguemos por exemplo o "tato", o mais primitivo e imperfeito dos sentidos, como modelo desta possível mudança radical.  As mãos e a sensibilidade dos dedos buscam, desde o tempo dos nossos ancestrais, o prazer e o saber com o seu toque mágico, O "tato", o mais carnal dos sentidos, pode transformar-se, por graça, no mais espiritual deles.  E o que acontece com um dos sentidos, pode ocorrer com qualquer um dos outros.

 

A Antropologia bíblica coloca no "tato" uma multiplicidade de funções e significados.  A "mão", quem diria, é um dos membros do corpo mais citados na bíblia. 1500 vezes.  A mão expressa tanto o ato de ocasionar dor ou prazer, como também força, ternura, misericórdia  e compaixão do próprio Deus.

 

Não só a pessoa se tocam umas às outras, mas também são tocadas pelo mesmo Deus.  Deus" toca" a boca do profeta Jeremias antes de confirmar-lhe uma missão. Um anjo "toca" Elias pedindo-lhe para alimentar e retornar o seu caminho. Um Serafim com um carvão acesso " toca" eroticamente a boca de Isaías, apagando todo o seu pecado ( Is 6,6 ) . O mesmo Jesus toca os doentes, os impuros, os pobres, as crianças para curar e salvar; toca e é tocado. É a divina filantropia, o amor divino nas mãos do Senhor.

 

Se o " toque" é, por sua natureza ,o mais…