O mês de novembro é conhecido como o mês dos mortos. Celebrar a memória de todos os mortosé entrar no mistério da saudade dos que nos precederam no caminho da vida e com os quaistivemos um relacionamento mais ou menos íntimo. Ninguém pode viver sem entrar em comunhãocom "um punhado de pessoas", algumas numa forma estreitíssima, sem as quais não existiríamos:os nossos pais, e sejam eles quem for, devemos ter uma gratidão que ultrapassa todos oslimites. É uma ligação profunda, visceral, ao ponto de trazer em nós, queiramos ou não,os mesmos traços e o mesmo DNA. Com outros entramos em co-relacionamento afetivo passageiroe sem maiores consequências, ou de trabalho ou por outros motivos. Hoje estava pensando tentarfazer uma soma por atacado: quantas pessoas entraram em comunhão comigo e eu com elas durantetodos estes 58 anos? Poucos ficaram, outros preferiram ir embora e esquecer-me, e outros eumesmo fiz de tudo para esquecer, sem conseguir plenamente. A vida aqui na terra é uma"espécie de vida" que nos deixa insatisfeitos e angustiados, e buscamos outros paraísos ondea vida será plena, sem mancha e sem lágrimas. Em nós porém existe um desejo de permanecer comalguns para sempre e esperamos que os que temos amado e nos amaram estejam juntos conosco noparaíso. No cristianismo não tem espaço para a morte, ela é só sombra e nada mais.Jesus não veio a enaltecer a morte mas sim a vida, e veio para doar-nos a vida abundante eglobalmente, a vida do corpo e da alma, a vida de felicidade e de conquista. Por issonos convida a repartir o que temos para que ninguém morra por causa do meu egoísmo.Mas a morte possui uma mística; esta é a tensão que está atrás da morte e que nos faz sonharcom a vida. O símbolo do sofrimento, da perda que a morte carrega é para que nasça uma vidanova. Necessitamos descansar do fardo pesado do dia, das dores e dos sofrimentos para penetrarnuma nova dimensão de vida. A vitória da ressurreição anuncia um reino onde "não haverá maischoro, nem lágrimas e nem dor", onde será apagado para sempre o sofrimento porque a alegriaserá plena e total. É esta convicção, unida a uma linguagem positiva com que os cristãos falamda morte que constitui a mística da mesma morte, que se muda em vida e em amor incompreendido.Por isso o maior serviço que a morte faz ao serhumano é desfazer os laços com o corpo, desfazer a "tenda mortal" para que possamos entrar natenda celeste e assim cantar para sempre a glória da plenitude, e ver a fonte de toda vida,"face a face", que é o Senhor.Os cristãos, quando falam da morte, ousam chamá-la de "descanso". Quem morreu descansou.De que descansou? Dos trabalhos, das dores, das preocupações, mas também da luta contra o mal,porque não poderáser mais atingido por nada e ninguém. O seu espírito, livre dos laços externos, voa para asmoradas eternas. Ou de quem morre se diz "passou à melhor vida". Qual vida se fala, qual é osentido desta expressão? Será que é puro eufemismo para enganar a si mesmo e aos outros ou éuma realidade que nós queremos manifestar? Parece-me que a mística da morte está própria nestedesejo e nesta convicção de que a vida depois da morte é melhor do que esta, porque não terámais urgências, necessidades e limitações, mas será um encontro com toda a plenitude e belezada vida. Aquele que morre "entra no céu e na paz do Senhor." Entrar no céu é uma figurapara dizer "entrar no reino de Deus onde haverá somente a justiça e o amor. Deus quer que nós,que estávamos com ele, saímos dele para cumprir uma missão, voltemos para ele depois de terrealizado o seuintento de amor.Entrar na paz do Senhor é poder experimentar para sempre aquela pazque somente está em Deus e que nenhuma criatura ou coisa poderá nosdar. Quem morre é chamado a entrar na "luz eterna", aquela que não seapaga porque é reflexo da mesma luz que é Deus, não através da morte.A nossa participação nos atributos de Deus é mais íntima e profunda.Somos chamados a ser luz, "estrelas", como diz o livro daSabedoria, "a brilhar no céu de Deus".A morte tem a mística da paz e do amor. Por isso que seremos julgadosno amor. Será um juízo de encontro de pai com filho, de mãe comfilho. Não podemos ter medo de olhar Deus nos seus olhos e nem deapresentar a Deus os nossos pecados, a misericórdia e amor do Senhorultrapassam as nossas limitações. A mística da morte ilumina a nossavida e não impede de termos medo. João da Cruz, Teresa de Ávila,Francisco de Assis, possuíam a mística da morte, por isso falavamda morte como de uma amiga, companheira, que nos ajuda a encontrar oSenhor. Os santos não morrem, se arrebentam de amor.