1. CONCEITO JURÍDICO DE LUGAR SAGRADO

Confirme à definição contida no cân. 1205 são dois os elementos que caracterizam um "lugar sagrado".

1. A destinação ao culto divino ou à sepultura dos fiéis. Para isso, é necessário que a autoridade eclesiástica competente os subtraia a outros usos, considerados "profanos".

2. Um rito litúrgico, manifestativo dessa destinação. Na atual disciplina da Igreja, esse rito reveste duas formas diversas:

a) Dedicação. Como indicamos ao falar dos sacramentais, nela emprega-se o óleo do crisma e tem um caráter mais solene.

b) Bênção. Nela usa-se apenas água benta.

A dedicação só é obrigatória para os altares fixos (cf. cân.1237§1); é recomendada para as igrejas, principalmente para as catedrais e paróquias (cf. cân 1217§1), assim como para os cemitérios próprios da Igreja ou os espaços destinados, nos cemitérios e as capelas particulares (cf. cân. 1229).

Segundo os princípios que explicamos ao expor os sacramentais, os ritos de dedicação e bênção devem ser feitos de acordo com o que está prescrito nos livros litúrgicos, ou seja no Pontifical e no Ritual Romano.

 

II MINISTRO DA DEDICAÇÃO DE UM LUGAR SAGRADO.

Tradicionalmente, a dedicação (antigamente chamada "consagração") era considerada um mistério episcopal. Mas, na disciplina do Código de 1917, confiava-se ao "Ordinário local", contanto que tivesse caráter episcopal. A interpretação corrente era que, para a validade, bastava que o ministro fosse alguém sagrado bispo, mas que para a liceidade se requeria que também fosse "Ordinário local" ou que atuasse com licença dele. Não se esqueça que podem existir ordinários locais que não tenham o caráter episcopal, como os vigários gerais e episcopais.

O Código de 1983 de acordo com o que já se determinava no Reino da dedicação, mudou a disciplina, ao estabelecer que o mistério da dedicação é o Bispo Diocesano e todos os que a ele se equiparam pelo direito, ou seja,, o Prelado e o Abade territoriais, o Vigário, o Perfeito e o Administrador Apostólico, e o administrador diocesano. Todos eles podem realizar as dedicações por si ou por meio de outro bispo a quem confiam a tarefa. Excepcionalmente, também podem confiar a dedicação um presbítero. Esta última possibilidade não se encontrava no direito anterior (cf. cân. 1206), mas sim no rito reformado da dedicação.

 

II. MINISTRO DA BÊNÇÃO DE LUGARES SAGRADOS.

"Os lugares sagrados são bentos pelo Ordinário" (Cân. 1207) lembre-se que a denominação "Ordinário" corresponde não só aos Ordinários locais, mas também aos superiores maiores dos Institutos religiosos clericais de direito pontifício e das sociedades de vida apostólica, igualmente clericais e de direito pontifício (cf. cân 134 § 1). Por isso, os oratórios dos institutos e sociedades mencionados não  só podem, mas devem normalmente ser benzidos pelo respectivo superior maior e não precisamente pelo Bispo diocesano. Advirta-se que esse direito-dever não é relativo à antiga qualificação de "lugar isento", pois se atribui a todos os superiores maiores dos citados institutos e sociedades, prescindindo da problemática em torno à natureza e limites da "isenção". A mesma norma parece aplicar-se aos lugares sagrados de uma prelazia pessoal, já que o "prelado" é verdadeiramente ordinário (cf. Cân. 295 §1), embora não se equipare a Bispo diocesano.

Por outro lado, "a bênção das igrejas é reservada ao Bispo diocesano" (Cân. 1207). O Código atual, seguindo o que já estava prescrito no novo Rito da dedicação da Igreja e do altar, não concedeu, neste ponto, nenhuma faculdade aos superiores dos institutos religiosos clericais "isentos". A razão que foi dada na comissão de reforma foi que, desse modo, aparece mais clara a relação que deve existir entre o "lugar sagrado" e o "sumo sacerdote" da diocese, que é o bispo.

Tanto no caso da bênção dos lugares sagrados, em geral, quanto no das igrejas, estabelece-se no Código, que o Ordinário ou o Bispo, respectivamente, "podem delegar, um outro sacerdote" (Cf. cân. 1207) advirta-se  o uso proposital da palavra delegar que parece indicar a possibilidade de dar uma faculdade geral a um presbítero para fazer essas bênção, o que não seria possível no caso da dedicação.

Já não existem privilégios especiais, quanto à dedicação ou bênção de lugares sagrados, para os cardeais, Núncios e Delegados Apostólicos.

III. REGISTRO E PROVA DA DEDICAÇÃO OU BÊNÇÃO DE LUGARES SAGRADOS.

Os dispositivos dos cânones 1208 e 1209 relativos à inscrição  e prova da dedicação ou bênção de lugares sagrados são muito semelhantes aos correspondentes ao batismo e à confirmação. Não existindo, porém, um livro de registro de dedicações ou bênçãos, a inscrição é feita mediante um documento específico para cada caso; a ata. Nela se deve consignar os dados fundamentais: data, descrição de lugar, ministro, titular, pessoa ou pessoas que solicitaram a consagração ou bênção, circunstâncias mais significativas, etc. o Código só exige que a ata seja feita um dupla via; para o arquivo da Cúria diocesana e para o da própria igreja dedicada ou benzida. Curiosamente, não fala explicitamente sobre onde conservar o segundo exemplar no caso de bênção de cemitério. Também parece-nos que teria sido conveniente, quando se trata de igreja ou cemitério pertencente a um instituto religioso ou sociedade de vida apostólica, que uma outra cópia da ata seja conservada no arquivo do respectivo superior maior.

Por outro lado, a obrigação de redigir ata refere-se unicamente à dedicação ou bênção de igreja e à bênção de igreja e à bênção de cemitério (cf. cân. 1208). De fato, papara estes lugares é obrigatório um dos ritos referidos, porque, porém, não se estabeleceu a mesma necessidade de ata para a dedicação do altar fixo e para a dedicação ou bênção do altar móvel, que também são obrigatórias? O que sim é compreensível é que não se fale da ata da bênção de oratório e capelas privadas, pois é um rito que, embora recomendado. Não é obrigatório.

Quanto à prova desses atos, é claro que o modo melhor e mais normal seria a apresentação da ata redigida de acordo com o acabamos de expor. Mas esta pode faltar, por múltiplas causas, como negligências, destruição involuntária, etc. nesses casos, contanto que não resulte prejuízo para ninguém, é prova suficiente a declaração de uma única testemunha acima de qualquer suspeita (cf. cân. 1209). Para entender o possível "prejuízo", tenha-se presente que a constituição de um lugar como sagrado implica uma séria restrição ao direito de propriedade, pois esse lugar fica fora do livre comércio e o seu uso se deve restringir ao que está prescrito pelo direito. Além disso, a autoridade eclesiástica passa a ter um direito de inspeção sobre ele.

O novo Código já não inclui a norma do antigo cânon 1159 § 2, sobre a reiteração da dedicação ou bênção de lugares sagrados. Pode, porém, ser aplicada como diretiva, pois é perfeitamente condizente com o conjunto da  legislação nesta matéria. Por isso, se consta com certeza da dedicação ou bênção, elas devem ser repetidas, já que, como dizíamos, o seu efeito principal é o de destinar permanentemente um lugar ao culto divino ou à sepultura dos fiéis. Também é lógico que, em caso de dúvida, sejam realizados esses atos litúrgicos "ad cautelam".

 

IV. CONSEQÜÊNCIAS JURÍDICAS DO CARÁTER SAGRADO ATRIBUÍDO A UM LUGAR, POR DEDICAÇÃO OU BÊNÇÃO.

Como acabamos de dizer, pela dedicação ou bênção, um lugar fica destinado permanentemente ao culto divino ou à sepultura dos fiéis. Isto tem duas conseqüências principais:

1. Em relação aos atos que nele se podem realizar licitamente. O Código distingue três classes (cf. cân. 1210):

a) Os que são próprios desses lugares: aquilo que favorece "o exercício e a promoção do culto, da piedade da religião". Tenha-se presente que as palavras "piedade" e "religião" tem, na tradição eclesiástica, tem uma amplidão muito maior do que na linguagem comum. Por isso, na comissão de reforma do Código foi lembrado que "sob o nome de piedade e religião, incluem-se também aquelas coisas que dizem respeito a promoção de homem, no sentido cristão" (Communicationes 12, 1980, p. 331). Com muito maior razão, devemos incluir entre aquilo que favorece a piedade e a religião, o uso de lugares sagrados católicos por cristãos de outras confissões, quando for necessário, lembrem-se, a este respeito as normas do Diretório Ecumênico ad totam Ecclesiam:

"Uma vez que se permite entre católicos e irmãos separados orientais por justa causa, a participação nas funções sagradas, nas coisas e nos lugares' (decr. Sobre as igrejas Orientais, nº 28), é recomendável que o uso dos edifícios católicos, cemitérios ou templos, com as alfaias necessárias, seja cedido, com a permissão do Ordinário do lugar, aos padres ou às Comunidades Orientais separadas, para seus ritos religiosos, se o pedirem, quando lhes faltar o local em que possam realizar, de maneira conveniente e digna, suas sagradas celebrações" (nº 52).

"Se faltarem aos irmãos separados (não "orientais", como os protestantes) locais para celebrarem, de maneira conveniente e digna, as suas cerimônias religiosas, pode o Ordinário do lugar conceder o uso dum edifício católico dum cemitério ou dum templo" (nº 61).

b) Os que, embora não-próprios, não são contrários à santidade do lugar", como seria uma reunião cultural, um concreto de órgão, etc. Estes  podem ser permitidos, em casos particulares ("per modum actus") pelo Ordinário local.

c) Os que são inconvenientes à santidade do lugar, como a instalação de uma discoteque. Estes devem ser proibidos incondicionalmente.

2. Em relação à dependência da autoridade eclesiástica. "A autoridade e clesiástica exerce livremente seus podres e funções nos lugares sagrados" (Cân. 1213). A finalidade direta deste cânon é garantir a independência da Igreja, em face do poder civil, em tudo o que diz respeito ao culto divino. É esta uma faceta da liberdade religiosa, garantida na Constituição da maioria dos países. Mas o mesmo princípio deveria aplicar-se também aos lugares sagrados pertencentes a associações de fiéis, como as confrarias e irmandades. Se, por um lado, não se pode dizer que a dedicação ou bênção tirem a propriedade do antigo dono, contudo, como já indicamos, elas implicam uma séria de limitações desse direito. Por isso, as capelas e oratórios das citadas confrarias e irmandades estão sujeitas a inspeção e vigilância da autoridade eclesiástica competente, que normalmente será o Ordinário local, de acordo com a legislação canônica relativa a esses lugares de culto.

 

V. VIOLAÇÃO, RECONCILIAÇÃO E EXECREÇÃO DE LUGARES SAGRADOS.

Violação é a execução de um ato gravemente injurioso à santidade de um lugar sagrado. Mas, do ponto de vista jurídico, esse caráter injurioso deve ser tal que os atos perpetrados provoquem o escândalo dos fiéis a que, a juízo do Ordinário local, sejam de tal modo graves e contrários à  santidade do lugar que não seja lícito exercer neles o culto divino (cf. cân. 121). Como se vê, a violação, tal como ficou definida no novo Código, importa um elemento objetivo (ato gravemente injurioso) e dois elementos subjetivos (escândalo dos fiéis a juízo do Ordinário local). Em relação ao primeiro elemento, observa-se a diferença com o Código de 1917: não se faz uma enumeração dos atos que constituem a violação. Os elementos subjetivos não se encontravam na legislação anterior. Além disso, também é novidade a introdução de normas gerais sobre a violação de lugares sagrados, e não apenas sobre cada classe deles, em particular.

A violação entra dentro do conceito mais amplo de "profanação". Por  isso, enquadra-se também no delito punido, pelo cân. 1376, "com justa pena".

A violação não faz perder a um lugar destinado ao culto divino ou à sepultura dos fiéis, mediante dedicação ou bênção, a seu caráter de sagrado. Mas suspende temporariamente os seus efeitos. Por isso, não se requer uma nova dedicação ou bênção do lugar violado, mas apenas uma reconciliação.

Reconciliação é, pois, o ato litúrgico, de caráter penitencial, mediante o qual, procura-se reparar, perante a comunidade dos fiéis, a injúria cometida, pela violação, contra um lugar sagrado (cf. cân. 1212). Ministro da reconciliação é o ministro legítimo da dedicação ou bênção, pois é uma espécie de restauração destas. Os ritos litúrgicos correspondentes Encontram-se determinados no Pontifical Romano.

Execração (do latim ex-sacrare = tirar fora do sagrado) é o ato mediante o qual uma coisa ou lugar perdem definitivamente seu caráter de sagrados Dentro do contexto que estamos falando, a execração por ser definida como a perda da dedicação ou bênção de um lugar destinado ao culto divino ou à sepultura dos fiéis. Neste conceito genérico não há, pois, o sentido de rejeição injuriosa que se encontra no uso comum da palavra "execração" .

De acordo com o cân. 1212, a execração pode acontecer por duas causas.

1. Pela destruição, em grande parte, do lugar sagrado, seja qual for a causa dela, como terremoto, demolição, ruína natural.

2. Pela "redução" (etimologicamente esta palavra significa apenas "volta") do lugar sagrado aos usos profanos, em caráter permanente. Esta redução pode acontecer de dois modos:

a) De direito, mediante decreto do Ordinário local. Embora o Código não o diga, para a liceidade, mas não a validade, desse decreto requer-se causa justa, pois, no sistema do Código, o Ordinário tem a função de garantir, enquanto possível, a santidade dos lugares sagrados. Por isso, se faltasse essa causa justa, o Ordinário estaria cometendo o delito de profanação, do cân. 1376.

b) De fato, pelo uso indevido, em caráter permanente, do lugar sagrado. Este modo de execração é novo; não se encontrava no Código anterior. Não deixa, porém de apresentar, uma carta dificuldade de interpretação. Quando se pode dizer que o uso indevido de um lugar sagrado significa uma redução permanente a usos profanos? No "permanente" parece haver uma idéia de intencionalidade, que nem sempre aparecerá externamente e que, por isso, é de difícil apreciação.

Tanto a destruição quanto a redução de fato podem ser gravemente delitivas. Então deverão ser punidas, de acordo com o cân. 1376.

Como os lugares execrados perderam a dedicação ou bênção, caso se deseja destiná-los de novo ao culto divino ou à sepultura dos fiéis, deverão receber uma nova dedicação ou bênção, de acordo com os livros litúrgicos, não bastando, nestes casos, o rito da reconciliação.