Coletânea de reflexões

Os Votos são o "coração" da vida consagrada. Mesmos os que professam os vínculos sagrados não deixam de pronunciar uma forma jurídica dos Conselhos Evangélicos, logicamente com alguns efeitos diferentes quanto ao aspecto canônico, mas de nada diferenciando quanto ao aspecto espiritual, vivencial e mesmo existencial da vida consagrada a Deus e ao serviço de seu Reino, que nos é possível pelo Espírito Santo, que é condição de possibilidade, isto é, no Espírito Santo pelo Filho ao Pai; eis aí uma vida em abundância - a Trinitária.

Nós consagrados, em força da nossa vocação somos chamados a viver no estilo de vida de Jesus. Devemos viver uma "totalidade de vida" que é qualidade da sequela Christi, uma conseqüência no seguimento pessoal e radical que empenha e converge todo o ser. Somos chamados a promulgar a vida de Jesus no seu ser pobre, casto e obediente. Nós seguimos a Ele, somos chamados a ser como Ele, e isto implica o empenho de fazer espaço na nossa vida à sua pessoa, a qual continua a viver em nós e através de nós na história de hoje. Os votos, por isso, não são três abstrações, mas três adjetivos de Cristo que qualificam a Sua Pessoa. São três, mas indicam o todo, porque tomam toda a vida.

Os votos religiosos apresentam a tríplice dimensão com que se exprime a única e mesma consagração. É Deus que chama e consagra; o homem responde e se empenha com uma opção vital. Este dúplice movimento que caracteriza cada vocação encaminha-se em uma perspectiva de unidade, pela qual é difícil e também perigoso separar a polaridade.

A partir desta visão unitária é interessante, por-se em uma perspectiva pedagógica que mira o processo formativo, aprofundar a dinâmica da resposta e da opção vital do lado humano, digo seja do homem como da mulher. Perguntamo-nos: como a pessoa se coloca diante do chamado, o que provoca nele o apelo de Deus, qual é a qualidade da sua resposta, quais são as dificuldades e as resistências que encontra no dizer "sim" a Deus de maneira incondicional, quais são as condições psicológicas que lhe permite viver na plenitude da humanidade a sua vocação transcendente, quais são as etapas e as passagens desta operação para viver as exigências dos conselhos evangélicos encarnados no hoje? Aqui se coloca o discurso psicológico sobre os votos, que pode oferecer indicações úteis para uma formação que faça a pessoa sempre mais apta a agir e a ser segundo as exigências da sequela Christi.

O discurso que segue não é, porém, exclusivamente psicológico, mas existencial, atinge à riqueza da experiência humana (instância antropológica) e cultural (atenção aos novos valores e desejos, fermento da vida consagrada hodierna). Atingerei também a multiplicidade do material e de reflexões recolhidas em diversos anos de experiência com os formandos que pude dirigir. Tentarei de reler os votos na ótica de um caminho de liberdade, evidenciando sobretudo a dimensão personalística, mas tendo como fundo a dimensão relacional e aquela apostólica. A atenção será colocada no caminho e por isso, nos processos, nos movimentos ou nas passagens para cumprir um itinerário de crescimento.

1. Conselhos evangélicos: um caminho para tonar-se livres.

A reflexão conciliar sobre vida religiosa tem sublinhado particularmente a dimensão personalística do chamado e a instância libertadora insiste na existência de quem se coloca ao seguimento de Cristo segundo os conselhos evangélicos. A escolha da vida consagrada - se dá na Evangelica Testificatio - quando é livre e autenticamente vivida, conduz à unificação do ser humano e à realização da sua dignidade de filho de Deus (Cf. ET 14, 31.34.).

Os recentes documentos eclesiais salientam com força que a liberdade é essencial à vocação e que não podem ser vocações se não forem livres, caracterizada pela oferta espontânea de si mesmo, consciente, generosa, total, sem reservas com o próximo. A vocação nasce precisamente da livre comunicação de Deus ao homem e se conclui com o dom sincero de si próprio. A Oblação livre constitui, por esta razão, o núcleo íntimo e mais precioso da resposta do homem a Deus que chama (Cf. PDV 36.).

Nesta prospectiva os votos religiosos enquanto expressão de uma livre opção do seguimento crístico, não são um impedimento à realização do humano, mas a real possibilidade de entrar em uma maior plenitude de vida e de relação da própria humanidade. " A todos convido a pratica da boa conduta que favorece a maturidade da pessoa, a liberdade espirittual, a purificação do coração, o fervor da caridade e ajuda o consagrado a cooperar na construção da cidade terrena"(Cf. PI 12.). O profundo significado antropológico dos conselhos evangélicos de castidade, pobreza e obediência vem sublinhado com vigor, que é apresentado por Sua Santidade na Exortação Apostólica pós-sinodal: "A escolha destes conselhos, de fato, longe de constituir um empobrecimento de valores autenticamente humanos, se propõe antes como uma transfiguração"(Cf. VC 87). A plenitude do humano, que conduz a profissão dos conselhos evangélicos, passa por um processo de progressiva libertação e autenticidade que pode tornar-se sinal tangível de "maturidade", e não de "ilusão", pelos homens do nosso tempo(Cf. METZ B. J. - PETERS R. T. Passione per Dio. Vivere da religiosi oggi. Brescia. Queriniana 1992, pp. 43-46). Nós seguimos os conselhos evangélicos e escreve Ranquet: " por libertar as nossas mãos (pobreza), por libertar os nossos corações e nosso corpo (castidade), por libertar a nossa mesma liberdade (obediência)"( RANQUET J. G. Consigli evangelici e maturità umana. Milano, Ancora 1969, p. 13).

 

1.1. Qual liberdade interior? Um desguarnecer psicológico.

De frente à complexidade e à ambivalência dos desejos de liberdade, devemos precisar que a liberdade não é um dado adquirido uma vez para sempre, não é simplesmente um ponto de chegada, uma meta, mas é um caminho que se coloca em um continuum de progressiva meta e de libertação. Trata-se de uma liberdade que continuamente se liberta e se constrói, a fim de que se passe de um estágio inicial à uma forma mais madura de liberdade; pensamos à luta que cada pessoa deve fazer por assumir uma atitude de liberdade crítica de fronte a todos os impulsos interiores e exteriores que é continuamente exposto. Verdadeiramente livres, pois, considerados homens e mulheres maduros, que são capazes de tornar-se (auto-possesso) dono de si, que estão despojados de si, das próprias riquezas humanas e espirituais por um bem maior de si e dos outros. Em tal sentido é sempre interior, é situado "dentro do coração".

A pessoa livre interiormente apresenta um modo de ser e de fazer com que os comportamentos não são outros que a manifestação livre e espontânea de uma interioridade elaborada. De fato, quem possui um centro interior, olha a realidade sem deixar-se condicionar ou instrumentalizar por nada e por ninguém é capaz de elaborar dentro de si os valores e todos os múltiplos estímulos que provenham do externo, pode dizer-se realmente livre. É sua esta liberdade interior que fundamenta a autenticidade de cada escolha e ação.


1.1.1. A raiz psicológica da liberdade interior.

Qual é a raiz psicológica da liberdade interior? Esta consiste na gradual e profunda experiência de tornar os mesmos (aqueles que são e devem ser), mas isto longe do fastioso processo, comporta algumas condições que podem ser consideradas do ponto de vista seja negativo que positivo. Referemo-nos aquilo que não é liberdade, aos condicionamentos, a quanto pode empedir (obscurecer) e limitar um processo de libertação. Não olhamos tanto aos condicionamentos externos (como, as manipulações ou instrumentalizações, as várias formas de pressões, o conformismo, entre outras), que podem diminuir a liberdade quando a pessoa tem uma consistência psicológica tal por ficar esmagada por numerosas influências externas. Olhamos, sobretudo, aos condicionamentos internos, a quanto "por dentro" exija-se como fator de bloco ou de contenção.

Quais são os sinais que denotam uma situação psicológica de não-liberdade?

a) Um primeiro sinal de não-liberdade é dado da presença de compulsividade consciente, daqueles impulsos interiores necessitados, que obrigam a determinar comportamentos sem que a pessoa possa em qualquer modo determinar-se diversamente.

b) Um segundo elemento fortemente condicional é a presença de motivação inconsciente, não elaborada ou purificada. É por todos ressabida a incidência do incônscio sobre a estruturação da personalidade e sobre o modo de por-se da pessoa de frente aos outros e à vida em geral. A psicologia dinâmica tem estudado cientificamente os influxos dos determinados incoscientes sobre a conduta humana e tem evidenciado como a presença de uma certa parte da nossa vida psíquica, que não é consciente, influa sobre nosso pensamento pelos conteúdos e processos, precisamente incôscio, que condicionam as nossas escolhas e os nossos comportamentos (Cf. ANCONA L. L'aspeto dinamico della motivazione in ANCONA. (a cura de), Nuove questioni di psicologia, Brescia, La Scuola, 1972, pp. 887-919).

Os movimentos inconscientes, de natureza prevalentemente emotiva e afetiva, muitas vezes impulsionam a satisfazer necessidades profundas nem sempre compatíveis com as escolhas feitas a nível consciente.

A aquisição de comportamentos livres aparece estreitamente ligada à padronização dos dinamismos incoscientes, sobretudo das motivações inconscientes, isto é, daqueles pensamentos ou motivos pelo qual se é levado a fazer determinadas ações ou a fazer determinadas escolhas, em relação a necessidades ou impulsos que podem ser indiferencibilidade e/ou incontrolabilidade. Daqui a necessidade de ter em conta a autenticidade das motivações para não correr o risco que, a todas as motivações explícitas e conscientes, se nascem impulsos de outra natureza, talvez nem coerentes com a escolha global de valores precedentemente feitos e declarados em um ato público. A pessoa, por exemplo, poderá empenhar-se em uma escolha vocacional por motivações de diversas daquelas que percebe a nível cônscio: motivações imaturas do tipo infatil (reivendicações de afeto, necessidade de possuir e dominar sobre os outros, necessidade de confirmar o próprio valor pessoal - "eu posso, eu aprendi assim, portanto é assim e não pode ser assado", etc.). Pensa-se a certos "heroísmos" feitos para aumentar a própria estima ou o prestígio, opondo-se aos compromissos que se curvam aqueles que, tendo feito a experiência de não-aceitação, tendem a fazer-se aceitar a todo custo, dos outros ou do grupo.

A coexistência de motivos cônscios e incônscios é conexa a complexidade da perssonalidade e no concreto p[ode construir um obstáculo ao conseguimento da unidade e da liberdade interior. Ocorre fazer um caminho de gradual maturidade e purificação por passar da motivação egocêntrica a motivação de valores, por chegar a integrar e harmonizar as diversas motivações em torno de alguns motivos julgados como "primários" e "centrais" na própria existência.

c) Um outro índice negativo nos confrontos de um caminho de liberdade é dado da maciça presença de medos, de estados de ansiosidade e de dúvidas. A liberdade psicológica, de fato, parece ligada a ausência de medos, espécies que inibem o movimento de abertura aos outros, à realidade, como o medo de não ser aceitos, de perder e de perder-se, de tomar a iniciativa, de não saber-se controlar, etc.

A experiência do medo e da insegurança faz parte da natureza humana e é freqüente, se não é elaborada e integrada, pode transformar-se em barreira defensiva, de forma até inconsciente, que condicionam muito a liberdade da pessoa. Se formamos assim os estados de ansiosidade que, são parte integrante da estrutura da personalidade, orientando e impulsionando na direção de comportamentos não livres, na procura da tranqüilidade basilar e na fuga de tudo isto que parece ameaçador e difícil.

A dúvida, como o medo, pode ser considerado uma potencial inimigo da liberdade interior. Não falamos daquela dúvida inscrita na capacidade do homem de interrogar-se, de procurar continuamente a verdade das coisas, nem tanto menos do "suspeito", típico do nosso tempo culturalmente em contínua mudança, sem certezas ou evidências racionais animizadas. Referimo-nos a dúvida que investe o eu e o seu valor pessoal, presente em sujeitos aflitos por um profundo sentido de inferioridade e de inadequada. Evidentemente tudo isto não consente à pessoa de colocar-se com liberdade e consciência diante de si mesmo, aos outros e à vida, colocando obstáculos no processo de maturidade e de crescimento.

A raiz psicológica da liberdade, considerada de um ponto de vista positivo, se pode firmar em alguns componentes psicológicos fundamentais que asseguram a pessoa uma sã adaptação e uma expansão de si mesma como por exemplo:


uma sã confiança de si, nas próprias possibilidades, típicas de quem faz um experiência positiva de valorização nas relações familiares;


uma correta percepção de si e da realidade que permite de aproximar-se com serenidade e sem defesas aos outros e de fazer uma leitura objetiva da realidade própria e dos outros sem deformá-la ou instrumentá-la as próprias necessidades egocêntricas;


um alcance de autonomia pessoal pela qual derivaria de uma capacidade de assenso, fruto de um caminho de progressiva maturidade e purificação das motivações na base dos comportamentos e das escolhas;


uma capacidade de solicitude de coração, aonde a pessoa é verdadeiramente livre de dizer nos confrontos de si mesma, dos outros e de Deus.

1.1.2. "Liberação" da própria liberdade interior

O caminho para buscarmos a liberdade é sempre um caminho de "libertação por", sobretudo dos condicionamentos externos e internos, mas também de autenticação de si mesmos. Isto comporta o esforço, o empenho por passar da imaturidade, da potencialidade ao ser. Trata-se de uma liberdade que continuamente liberta e é livre, uma vez que esse não é um estado, mas um dinamismo, um caminho. É um assumir o êxodo como atitude interior, a páscoa como estação de vida, como tempo de "deixar" e de "passar", de "mudar" e de "libertar". Para realizar tudo isto é indispensável alguns pontos.

a) Em primeiro lugar é necessário perceber os incômodos da "não-liberdade", isto é, render-se cientes do sofrimento e da dor, das impotências e da luta diante dos próprios condicionamentos ou as conseqüências da falta de liberdade. O tocar com a mão o próprio incômodo (desconforto) interior constitui o primeiro passa o verso um caminho de libertação.

Quem não aprende, no confronto com a verdade de si mesmo, a render-se ciente dos próprios conflitos interiores, das renúncias ou dos movimentos de negação dos próprios sentimentos, doas contradições ou ambivalências presentes nas própria motivações, da ambigüidade ou compromissos, dos próprios inconfessáveis medos, dificilmente mudará este impulsionar de conduta a uma real conduta que é a libertação. Não é fácil "tomar contato" consigo mesmo e com este complexo mundo interior; isto exige uma capacidade de tolerar a dor e o incômodo da própria verdade sem sentir-se ameaçado na própria integridade ou valor pessoal, sem desorientar ou fugir.

b) Em segundo lugar necessita adquirir, mediante a procura e a luta, uma atitude de liberdade "diante" e "além" das crises. A psicologia, em propósito, observa que a crise é impulso na natureza do desenvolvimento humano, enquanto o indivíduo que cresce é chamado a transformar continuamente o mesmo em cada etapa da vida. Trata-se de abandonar ou sacrificar aquilo que desde já se alcança, estabilizado, por anadra encontro a qualquer coisa de novo que está nascendo e de que ainda não se conhece a forma. Isto não vêm de modo "indoloroso" (= sem dor): a pessoa sofre, é o incômodo e tenta em todos os modos de libertar-se quanto primeira desta situação crítica.

O significado etimológico da palavra crise (do verbo grego crinô = julgar | crer) coloca em luz a realidade de um juízo diverso que o indivíduo emite sobre si e sobre o próprio mundo interior, um juízo que quebra o equilíbrio alcança o fim aquele momento e que tem todas as características de incertezas, dúvidas e provisoriedade.

De costume (habitual) a crise é coligada à mudanças; de fato cada vez que se verifica uma mudança ou uma passagem de uma estação ao outro da vida somos chamados a modificar nós mesmos, ou melhor o juízo sobre nós mesmos. A reestruturação do eu, implícita neste processo, comporta evidentemente um fastioso trabalho de repensamento e de reconstrução que perturba por um ponto de vista emotivo e que se exprime em comportamento in-habitual; constituem dos sinos do alarme ou sinais indicadores de incômodo.

Dada a natureza e o significado da crise, no processo de maturidade, é normal que tenhamos traços fisionômicos da ânsia, insegurança e extravio, mas o faz notar Weizsäsker - "a unidade do sujeito se constituísse somente na contínua reconstrução para lá das vicissitudes e das crises.

É próprio nesta reestruturação de si mesmos em redor a novos valores que consiste o superamento da crise. O passar além da ansiedade e os conflitos, implícitos na situação de crise, constituem uma esplêndida oportunidade de crescimento, enquanto a pessoa se revela a si mesma, próprio no momento em que deve superar a si mesma por achar-se.