Capítulo XI: A IGREJA NA IDADE MÉDIA (SÉC. V AO VII)

 

A Igreja e os povos bárbaros:

Com a queda do império Romano em 476, quando os bárbaros hérulos tomam Roma e seu chefe Odoacro destrona Rômulo Augústulo, seu último imperador, a Igreja se vê diante do problema de conviver com o invasor completamente desconhecedor a cultura Ocidental. No entanto, o contato desses povos bárbaros com o  mundo cristão irá transformá-los. A queda do Império Romano e o estabelecimento dos povos bárbaros por toda a parte irá contribuir fortemente para a construção da Cristandade da Idade Média. Os novos povos, a princípio repelidos pelos antigos habitantes do império acabaram fundindo-se com estes mesclando cultura, costumes e religião, resultando daí o cristão medieval que configurou a Igreja da época.

É bem verdade que os cristãos do império Romano viam temerosos os bárbaros avançarem sobre a Europa assustadoramente. Achavam que se Roma caísse seria um sinal claro de que o fim do mundo estaria perto. Apavoravam-se ante as narrativas das devastações de alguns povos bárbaros por onde passavam. Roma mesmo fora saqueada e pelos visigodos de Alarico em 410. Depois foi a vez dos Vândalos em 455. Todavia o horror dos cristãos a esses povos deveria ceder a outros sentimentos.    O pavor foi substituído por confiança  e também esperança por causa dos seguintes fatos:

1) Os invasores penetraram no Império Romano cada vez mais e o mundo não se acabou como esperavam. Os cristãos foram vendo que o Senhor parecia exigir deles que  assumissem à nova realidade em vez de se fecharem. Um  grande exemplo disso é que uma nova atitude aflorava na mente dos cristãos com relação aos bárbaros. O grande sacerdote Salviano de Marselha aconselhava os cristãos a fazerem um grande exame de consciência diante dos fatos: Não bastava professar a fé católica e esperar as bênçãos de Deus. Era preciso viver de acordo com essa fé. Era preciso ver que a civilização romana era dada aos prazeres fúteis, era conivente com os abusos, a embriaguez à luxúria, aos falsos juramentos, a mentira, o orgulho, etc.... Era uma cidade forte, dominadora, porém podre, repleta de vícios. Os invasores, ao contrário, eram guerreiros, conquistadores e incultos mas possuíam seu lado positivo que os cristãos deveriam observar: amavam-se uns aos outros, (ao passo que os Romanos se odiavam entre si), cultivam a castidade como os godos e os saxões, ignoram as impurezas do circo e do teatro, o deboche e o descaso do semelhante entre eles é crime, (isso para os romanos era motivo de vanglória), havia pobres e viúvas que escolheram passar para o lado de alguns desses povos (como os godos) e não se davam por frustrados e além de tudo os bárbaros eram hereges, sim porque professavam o arianismo, mas isso era por culpa dos romanos que lhes tolhiam a fé verdadeira e permitiram que tais heresias chegassem até eles.

Desse modo Salviano de Marselha conclamava os cristãos a fazer uma reflexão crítica da situação e procurar um meio de conviver com os bárbaros. É claro que também entre os bárbaros havia excessos por causa da sua ignorância inclusive depravações. Mas os cristãos deveriam, acima de tudo, adaptar-se à nova situação e procurar continuar trabalhando na fé e na esperança a fim de salvar dos escombros tudo o que pudesse salvar.

2) Os bárbaros levaram aos povos do império seus valores próprios: Eram gente de mentalidade inculta, infantil e carente. Sabiam da influência de sua civilização e de suas religiões mas abriam-se com facilidade para o patrimônio da cultura romana que era superior. Junto  a seus defeitos morais possuíam, por sua vez, sentimentos de honra, solidariedade, com a família e fidelidade à palavra empenhada. A Igreja se aproveitou desses nobres sentimentos para lançar aí a semente do Evangelho.

3) A Igreja granjeia para si a amizade dos bárbaros que estavam nos territórios do antigo Império Romano. Valeu-se para isso de elementos importantes que dispunha como grandes bispos, dotados de eloquência e vasta sabedoria, e também, os mosteiros que eram focos de espiritualidade, cultura e missão evangelizadora. Dessa forma a mensagem de Cristo assumida pelos diversos povos bárbaros permitiria construir um mundo novo, mais homogeneamente cristão.

Além disso os bárbaros que se beneficiaram da cultura que encontraram nos romanos, se deparam ainda com a organização administrativa da igreja, sua história na resistência pela fé, os costumes cristãos e a força que emanava da Igreja. Assimilam essas coisas e se organizam também. Podemos afirmar então que os bárbaros conquistaram Roma mas a Igreja conquistou os bárbaros.

A conversão dos bárbaros porém foi gradual e durante os séculos seguintes um a um os povos da Europa vão se convertendo. Depois dos conquistadores de Roma foi a vez dos francos se converterem. No ano de 496 o rei dos francos, Clóvis, se batiza convertendo-se à fé católica e também o povo imita seu soberano. Os francos eram povos que ocuparam a antiga província romana da Gália e que passará a se chamar reino dos francos (ou França). A conversão e batismo de Clóvis era de grande importância para a história da Igreja porque será o primeiro povo a aderir a conversão. Por isso a França sempre foi considerada como "a primeira filha da Igreja".

Os visigodos foram os primeiros povos germânicos a abraçarem a fé. Eles haviam se convertido já nos tempos do imperador Valente quando se estabeleceram no Império do Oriente. Tornaram-se mais tarde quando se estabeleceram na Europa Ocidental, um foco missionário do mundo germânico Oriental pois sob seu influxo todos os povos germânicos viriam a aderir a fé e a doutrina de Cristo.

Outros povos virão a se converter nos séculos seguintes: Os búlgaros se convertem sob o Rei Bóris, em 886. Santo Oscar leva o evangelho aos dinamarqueses e suecos nessa mesma época. Em 862 a Morávia e arredores (hoje tchecos e eslovacos) recebem a pregação dos santos Cirilo e  Metódio, em 955 a Rússia se converte durante a regência da Grã Duquesa Olga que se batiza publicamente com seu neto Vladimir arrastando todo o povo consigo para a fé cristã fazendo-os abandonar as divindades eslavas.

Dessa forma toda a Europa vai se convertendo ao longo da alta Idade Média e a fé cristã vai se fazendo presente na vida desses povos que serão a Cristandade daqueles tempos.