CONFERÊNCIA NACIONAL DOS BISPOS DO BRASIL

47ª Assembleia Geral

Itaici - Indaiatuba - SP, 22 de abril a 1º de maio de 2009

Homilia do Núncio Apostólico na missa de abertura  da 47ª Assembleia da CNBB

23/04/2009

Eminências e Excelências,

Irmãos no Episcopado,

Queridos bispos novos, ao redor do altar do Senhor,

Padres, religiosos/as, leigos/as,

Operadores e funcionários da casa,

Telespectadores e ouvintes das rádios,

Irmãos e irmãs,

 

"Mas (...) quem age segundo a verdade aproxima-se da luz, para que se manifeste que suas obras são feitas em Deus" (Jo 3,21)

 

Estas palavras de Jesus, na conclusão do diálogo com Nicodemos, o discípulo noturno, me inspiram a colocar alguns pontos de reflexão e de meditação, que gostaria de participar-lhes, no início desta 47ª Assembleia da CNBB, aberta oficialmente nesta manhã com a solene sessão inaugural.

Mas antes, queria registrar a presença, ao redor do altar, dos novos bispos, aqueles que foram sagrados durante este ano passado. Esta presença é ocasião para nos sentirmos mais unidos na verdade de bispos e pastores, que somos, pela missão que nos foi confiada de Mestres, Liturgos e Guias do rebanho.

Aos novos bispos quero dirigir uma palavra de fraterna saudação e de sincera gratidão, em nome do Santo Padre e da Igreja, pela disponibilidade em haver dito sim, como Maria ao anjo anunciador, ao chamado de ser pastores e guias do rebanho. Quero, ao mesmo tempo, parabenizá-los pelo trabalho pastoral que já iniciaram e pela abnegação e amor à Igreja e aos irmãos que proporcionaram, colocando-se ao serviço das dioceses que lhes foram confiadas.

"Quem age segundo a verdade aproxima-se da luz", disse Jesus a Nicodemos, encerrando o colóquio com ele. Sim, agir segundo a verdade é participar da luz e do esplendor de Cristo ressuscitado, é a iluminação que vem de Jesus Cristo que disse: "Eu sou o caminho, a verdade e a vida" (Jo 14,6). O tempo pascal nos chama à vivência e ao anúncio do evento real e histórico da ressurreição, atestado por testemunhas oculares, numerosas e dignas de fé.

A aceitação deste fato não é contra a razão humana. O intelecto do ser humano busca, por si mesmo, a verdade que é a sua luz, para entender a realidade de si mesmo a verdade, que é a sua luz, para entender a realidade de si mesmo e de tudo aquilo que está ao seu redor. A luz da verdade ilumina as trevas da ignorância e abre horizontes luminosos ao destino de cada um. É como uma chama, uma tocha acesa nas mãos do peregrino, uma mão luminosa tendida na frente, que avança e que permite enxergar o caminho certo para chegar ao bom fim. A verdade é constitutiva e inerente à natureza humana inteligente; é através da verdade que o ser humano é capaz de captar os meios necessários para responder e descobrir as motivações profundas da existência humana. A páscoa é a Luz que ilumina o mundo, esclarece o caminho terrestre e decifra "o enigma da dor e da morte" (cf. Bento XVI, Catequese na oitava de páscoa, 15/04/2009).

Com respeito à verdade, desejo evocar aqui um comentário que o Santo Padre Bento XVI pronunciou na sua homilia de Quinta-feira Santa, citando uma passagem da oração sacerdotal de Jesus. O texto é o seguinte: "Consagra-o na verdade; a tua palavra é a verdade. Como tu me enviaste ao mundo, também eu os enviei ao mundo. E por eles, a mim mesmo me consagro para que sejam consagrados na verdade" (Jo 17,17-19).

Esta expressão: "Consagra-os na verdade" se refere obviamente aos discípulos, pelos quais Jesus reza ao Pai. Jesus estava vivendo um momento intenso, doloroso e trágico; ele era cônscio de que a sua missão terrestre, que estava terminando, tinha que continuar através de homens escolhidos e os recomenda ao Pai.

Jesus dirige estas palavras tão profundas e de trato tão humano para indicar como é sublime sua missão e como é, ao mesmo tempo, humano tudo aquilo que está acontecendo. É o Filho de Deus com um mandato a cumprir ("como tu me enviaste ao mundo") e o Homem, filho de Maria, que por sua natureza partilha e compreende a fraqueza humana, e por isso reza ao Pai por aqueles que serão seus discípulos para continuar sua missão salvadora ("também eu os enviei ao mundo").

Entrando mais na intimidade de Jesus, observamos sua profunda união com o Pai, embora sendo homem, possa expressar sentimentos, convicções, preocupações, projetos. No aspecto humano, Jesus é modelo de participação daquela centelha divina, elemento essencial do homem, que é o amor. O amor tudo move, tudo dirige, tudo ilumina, tudo anima, tudo fascina e tudo torna belo, maravilhoso, feliz. Se ele, Jesus, apela ao Pai que está no céu por seus "amigos" - assim chama os seus discípulos -, é porque ele sabe que o Pai celestial entende a linguagem do amor. "Deus é amor", diz João na sua primeira carta (1Jo 4, 16). O amor de Deus é tudo e a verdade sobre Deus é o amor.

Os discípulos, assim, foram chamados a continuar a missão de Jesus e a dar testemunho do imenso amor do Pai celestial; amor que se revela na pessoa de Jesus Cristo, seu Filho Unigênito. "Pois Deus amou tanto o mundo que entregou o seu Filho único para que Toto que nele crer não pereça, mas tenha a vida eterna" (Jo 3,16).

São Pedro no seu discurso ao povo, depois da cura do paralítico no pórtico de Salomão, afirmou: "disto somos nós testemunhas" (AT 3,14-15); eles são testemunhas que o Deus de Abraão, de Isaac e de Jacó (...) glorificou o seu servo Jesus (...), o ressuscitou dos mortos.

Voltando às palavras de Jesus - "consagra-os na verdade, a tua palavra é a verdade" -, não podemos deixar de ver ligação entre os discípulos, "consagrados" pela missão, isto é, separados, tirados do mundo, entregues a Deus, e a Palavra, que no Prólogo de João é o Verbo, o Filho de Deus. "A tua palavra é verdade" significa que o Filho de Deus encarnado é a "Verdade" e o conteúdo da Boa Nova é Jesus Cristo, Palavra de Deus feita Homem.

A força da personalidade Jesus, a sua penetrante linguagem, revela por um lado a assunção da amargura do sofrimento humano, carregando o peso imane da humanidade pecadora e rebelde, e, ao mesmo tempo, manifesta a magnitude do seu amor, que é compaixão e misericórdia. Jesus Cristo revela a suprema verdade.

Colocando o termo na mera medida humana, não há dúvida deque o discurso se torna complicado e problemático, enquanto mexe na visão filosófica e prática das pessoas, com seus limites, suas aspirações e sua orientações.

Vem logo à mente a figura de Pilatos que, às palavras de Jesus - "para isso vim ao mundo; para dar testemunho da verdade" -, replicou: "Quid est veritas? (O que é a verdade?)".

Jesus não respondeu. O simples fato de estar ali, atraiçoado e em juízo público, próximo à condenação e à morte na cruz, era já a resposta. Toda sua vida, transcorrida curando enfermidades e fazendo o bem a todos foi uma resposta ao quesito "Quid est veritas". Não se trata de verdade filosófica, é verdade de vida, testemunho, verdade encarnada.

Na boca de Jesus "verdade" é uma palavra freqüente, utilizada nos momentos mais elevados de sua pregação e de sua missão.

A este respeito, típica é a expressão "Em verdade, em verdade, vos digo", que Jesus repetiu não apenas como expressão enfática ou retórica do Mestre que ensina, mas como uma expressão pronunciada em momentos decisivos, sobretudo quando se tratou de proclamar a verdade sobre Deus, sobre o homem e sobre o mundo.

O Evangelho de São João reporta muitas vezes esta expressão. Cito alguns exemplos.

No encontro com Nicodemos, Jesus diz: "Em verdade, em verdade, te digo: quem não nascer do alto, não pode ver o Reino de Deus" (3,3); no discurso, depois da cura do enfermo da piscina de Siloé, afirma sobre a obra do Filho: "Em verdade, em verdade, vos digo: o Filho, por si mesmo, nada pode fazer, mas só aquilo que vê o Pai fazer" (Jo 5,19); "em verdade, em verdade, vos digo: quem escuta a minha palavra e crê naquele que me enviou, tem a vida eterna" (v. 24); no discurso sobre o pão da vida do famoso capitulo VI de São João: "Em verdade, em verdade, vos digo: vós me procurais não por terdes visto sinais, mas porque comestes dos pães e vos saciastes" (Jo 6,26); e logo: "Em verdade, em verdade vos digo, não foi Moisés quem vos deu o pão do céu, mas é meu Pai quem vos dá o verdadeiro pão de Deus" (v. 32); e mais adiante: "Em verdade, em verdade vos digo: ‘Se não comerdes a carne do Filho do Home e não beberdes o seu sangue, não tereis a vida em vós" (v. 53). Na disputa com os fariseus, a respeito de Abraão, Jesus disse: "Em verdade, em verdade vos digo: antes que Abraão nascesse, eu sou" (Jo 8,58). Revelante é quando Jesus fala de si mesmo como Bom Pastor que cuida de seu rebanho: "Em verdade, em verdade vos digo: quem não entra pela porta no redil das ovelhas, mas sobe por outro lugar, é ladrão e assaltante" (Jo 10,1), e logo: "Em verdade, em verdade vos digo: eu sou a porta das ovelhas"; "Eu sou o Bom Pastor" (v. 7); o bom pastor dá sua vida por suas ovelhas" (v. 11). Particular significado assume a expressão no discurso da última ceia: "Em verdade, em verdade, vos digo: o servo não é maior do que seu Senhor" (Jo 13,16); e logo: "Em verdade, em verdade vos digo: quem recebe aquele que eu enviar, a mim recebe" (v. 20); e logo: "Em verdade, em verdade vos digo: um de vós me entregará" (v. 21); e mais adiante: "Em verdade, em verdade vos digo: quem crê em mim fará as obras que faço e fará até maiores do que elas, porque vou para o Pai" (14,12).

Quando Jesus disse: "Se permaneceis na minha palavra, sereis em verdade meus discípulos e conhecereis a verdade e a verdade vos fará livres" (Jo 8,31-32), ele coloca a verdade ao centro da vida dos discípulos. Jesus quer que os homens sejam livres da escravidão do egoísmo, da cegueira do orgulho, das trevas da ignorância e indica o caminho: conhecer e permanecer na sua palavra, que finalmente quer dizer: permanecer nele, Jesus Cristo.

Quantas palavras vãs e inúteis, qual cacofonia de vozes e qual infausto barulho, reinam no mundo! Infelizmente o homem de hoje não escuta mais os cantos dos pássaros, o sussurro leve dos rios, o murmúrio dos ventos, onde a palavra divina se manifesta como para Moisés no Monte Horeb. Os ouvidos ficam estancados e fechados. É preciso hoje recuperar os sons harmônicos da natureza para elevarmos as melodias angélicas e celestiais. Onde está a transcendência? Onde está a Palavra: O mistério? Onde estão a felicidade e a paz?

Com o Santo Padre, na citada homilia, recomendo a todos imergirem-se na verdade de Cristo. Se nós fizermos isso, aprenderemos a conhecer Jesus: sua maneira de ser, de pensar, de agir. Por acaso, não é isso a oração? O Santo Padre diz: "Orar é caminhar em comunhão pessoa com Cristo, expondo diante dele nossa vida quotidiana, os nossos êxitos, as nossas falências, as nossas alegrias: é um simples apresentar de nós mesmos diante dele". "Imergir-se na verdade de Cristo significa também aceitar o caráter exigente da verdade: contrapor-se nas coisas grandes como nas pequenas às mentiras, que em maneira assim variegadas se apresentam diante de nós". "Imergir-se na verdade de Cristo significa imergir-se na sua bondade, no verdadeiro amor. O amor verdadeiro não é cômodo, pode ser também exigente. Opõe resistência ao mal para levar ao homem o verdadeiro bem". "Rezemos para que o Senhor nos faça homens da verdade, homens do amor, homens de Deus". Amém.