O Imperador Carlos Magno (800-814) embora cesaropapista, conseguiu realizar o que se chama "o Renascimento Carolíngio" ou um surto de cultura profana e religiosa importante naqueles tempos de baixo nível cultural. O monarca cercou-se de homens sábios que com ele colaboraram para a expansão da fé, dos bons costumes e da instrução nos territórios francos.

Todavia foi efêmera a prosperidade carolíngia. Logo com o sucessor de Carlos, Luís o Piedoso ou o Bonachão (814-840), começou a decadência do Império, que repercutiu na própria vida da Igreja. Quanto mais o Império perdia sua influência no Ocidente, tanto mais o papa se via desprovido do apoio necessário para fazer frente aos senhores locais e nobres da Itália. Estes se mostravam cada vez mais ambiciosos e perturbavam  a vida da Igreja, pois se imiscuíam nas eleições dos papas e no governo da Igreja. Além disto, as igrejas e os bens eclesiásticos iam-se tornando bens de família; os leigos eram nomeados bispo e abades, que, sem vocação sacerdotal ou monástica, administravam núcleos importantes da Igreja.

Os decênios de decadência cultural e moral do século IX levaram ao triste estado de coisas que faz do século X o século "obscuro" ou o século "de ferro" (árido) da Igreja. Este foi um dos períodos mais dolorosos da história do cristianismo por causa da interferência de famílias nobres e cobiças na vida do Papado.

A situação de declínio era gravada pelas invasões de estrangeiros, às quais a Itália, por sua posição geográfica (exposta aos mares), estava sujeita; os normandos, os sarracenos e os húngaros pilhavam cidades e campos da região - o que dava lugar a furtos, morticínios, vinganças, adultérios, etc...

Relataremos alguns dos traços mais notáveis de uma época tão denegrida da história da Igreja. É de notar, porém, o seguinte: a principal fonte de conhecimentos que temos da época, é a chamada Antapódosis (= Retribuição ou Vingança) da autoria do bispo Liutprando de Cremona; como o próprio nome o diz, esta obra é passional ou tendenciosa; a quanto parece, o seu autor era figura aduladora e temperamental, que exagerou os males do Papado para mais exaltar a ação dos imperadores. Além do mais, não se pode ignorar que, simultaneamente com a decadência moral, houve homens e mulheres de elevado valor cristão, santos que dignificaram a sua época: assim S. Ulrico de Augsburgo († 973), Bruno, arecebispo de Colônia († 965) Conrado e Gebardo de Constança († 975 e 995), Volfgang de Ratisbona († 994), Adalberto de Praga († 997). Viligis de Mogúncia, Chanceler dos Imperadores Oto I e Oto II († 1011) São Bernardo († 1022), Godehardo Hildesheim († 1038), Burcardo de Worms († 1025). Seja mencionada também a fundação do mosteiro de Cluny em 911 (logo no início do século obscuro), casa-mãe de muitas outras abadias e oco de renovação progressiva. Aliás, em todas as fases da história da Igreja houve, ao lado de pecadores, santos que testemunharam a presença e a ação de Cristo em seu Corpo Místico geralmente dos claustros, da vida unida a Deus pela oração e a ascese, que brotou a seiva nova para revitalizar os rumos da  Santa Igreja.

 

Examinaremos agora os principais quadros da época focalizada:

a) Fim do século IX: o Papa Formoso

No fim do século IX governaram a Igreja os papas João VIII (872-882), Marino I (882-884), Adriano III (884-885), Estêvão V (885-891). Sucedeu-lhes uma figura que suscitou controvérsias, a saber: o Papa Formoso (891-896). Este era, já antes da eleição de João VIII, bispo suburbicário do Porto. O Papa Nicolau I mandou-o como missionário à Bulgária, mas não quis nomeá-lo patriarca dos búlgaros, como desejavam estes. Por isto, voltou para a sua diocese do Porto. Todavia João VIII o considerava seu inimigo pessoal e o depôs, principalmente por motivos políticos.

O sucessor de João VIII - Marino I - reabilitou Formoso e o restituiu ao bispado do Porto. Por fim, em 891 Formoso conseguiu subir à cátedra papal. Contudo a pressão dos nobres de Espoleto (Itália) contra o papa era tal que este resolveu chamar Arnulfo, rei da Alemanha, contra os "maus cristãos". Arnulfo desceu à Itália, tomou Roma e foi por Formoso coroado imperador em 896, mas, acometido de paralisia, não pode impor o domínio germânico na Itália. Em conseqüência, Formoso viu-se novamente desprotegido frente aos adversários, que não lhe perdoavam ter coroado o "bárbaro nórdico". O Papa Formoso morreu em 896.

Os espoletanos conseguiram neste mesmo ano eleger papa um dos seus partidários: Estêvão VI, e aproveitaram-se dele para se vingar da política germanófila de Formoso. Estêvão VI em 896 reuniu um Sínodo em Roma para julgar o falecido Pontífice: desenterraram o seu cadáver, sepultado havia nove meses, e o acusaram como réu da ambição de ocupar a Sé de Roma quando era bispo do porto. Formoso foi condenado; o seu pontificado foi declarado ilegal, nulas as ordenações que conferiu; o seu cadáver foi despojado das vestes  sagradas; cortaram-lhe dois dedos; depois, puseram-no num túmulo de peregrinos e, por último, atiraram-no ao rio Tibre

Estêvão VI, porém, não teve melhor sorte do que o seu antecessor: em 897 o povo revoltou-se contra ele, encarcerou-o, e, por fim, estrangulou-o!

Os papas que lhe seguiram (Teodoro II, 897 e João IX, 897-900) procuraram apagar as infâmias cometidas contra Formoso. Foram reabilitados os clérigos que ele tinha ordenado; queimaram-se as atas do sínodo de 896, dito "do cadáver". Um novo Sínodo romano de 898 decretou que a eleição dos papas, para o futuro, seria realizada pelos bispos subsidiários e pelo clero de Roma; o eleito deveria ser aprovado pelo Senado e pelo povo romanos e sagrado em presença de legados imperiais (isto tudo, a fim de se evitar a ingerência de interesses políticos estranhos).

 

Chegamos assim ao limiar do século X.

 

b) O Século obscuro do Papado: de 904 a 1003

Os nobres da Toscana e de Espoleto não cessavam de cobiçar a cátedra de Pedro. Por isto em 904 obtiveram a eleição do Papa Sérgio III († 911), que lhes era aparentado. Passaram então a exercer influxo extraordinário na vida dos Papas os membros de uma família romana: Teofilacto, Dux, Magister Militum, Consul et Senator Romanorum; sua esposa Teodora Senior, e suas duas  filhas Marócia  e Teodora Júnior, principalmente estas três mulheres, muito ambiciosas e imodestas, exerceram, durante decênios, ação predominante sobre o Papado. - o Papa Sérgio III mostrou-se avesso à memória do Papa Formoso, declarando inválidas as suas ordenações; isto originou uma polêmica escrita contra a facção dos formosianos.

Após Sérgio III, governou João X (914-928), que a "senadora" Teodora Júnior conseguiu elevar ao Papado. Tendo procurado reagir contra a demasiada ingerência dos nobres na Igreja, foi encarcerado por ordem de Marócia e, dentro de poucos meses, morreu sufocado na prisão.

Em 931 Marócia fez subir à cátedra de Pedro seu próprio filho, com o nome de João XI (931-935); segundo Liutprando, este era filho de Marócia e Sérgio III (o que pode ser posto em dúvida, pois Sérgio parece ter sido homem honesto e íntegro). Em 932, Alberico II, um filho de Marócia, irritado pela política ambiciosa de sua mãe, excitou contra ela a nobreza romana; encarcerou Marócia e pôs sob vigilância o Papa João XI (filho de Marócia e irmão de Alberico II por parte de mãe); passou então a reger o Estado Pontifício até 954 (por 22 anos!), ficando o papa apenas com o regime espiritual. Alberico II era piedoso (apesar de ambicioso); criou cinco papas, todos dignos e piedosos: Leão VII (936-939), Estêvão VIII (939-942), Marino II (942-946), Agapito II (946-955). No seu leito de morte, em 954, Alberico fez os nobres romanos prometer que, após a morte de Agapito II, elevariam ao Pontificado o filho Otaviano, de Alberico. A promessa foi cumprida: Otaviano assumiu o cargo com o nome de João XII (primeiro caso de mudança de nome), que governou de 955 a 964. Tinha 17 anos de idade ao assumir; era personalidade incapaz, que encarava a sua nova posição como a de um príncipe mundano (acumulava em suas mãos o governo espiritual e a administração temporal da Igreja).

Sobre o pontificado de João XII deu-se um acontecimento de grande relevo: em 962 Oto I, rei da Germânia tendo vencido adversários e rivais, foi coroado Imperador do Sacro Império Romano da Nação Germânica. Este ato restaurava em favor de Oto os privilégios outrora concedidos a Carlos Magno: ao Imperador tocava a suprema instância judiciária assim como a superintendência sobre os funcionários do Estado Pontifício; o papa, antes de ser sagrado, deveria jurar-lhe fidelidade. Oto I foi louvado como sendo "o 30 Constantino", embora tenha sido menos brilhante do que Carlos Magno.

Apenas, porém, Oto deixou a Itália e João XII começou a tramar contra o Imperador. Oto então voltou a Roma; reuniu um Sínodo em 963, que depôs o papa por acusações gravíssimas, provavelmente exageradas (homicídio, sacrilégio, perjúrio...) No seu lugar foi eleito Leão VIII, um leigo, que num só dia recebeu todas as ordens sagradas. Era um antipapa, pois o papa legítimo nunca pode ser deposto por um sínodo. Depois que o Imperador Oto partiu, João XII, que fugira, voltou a Roma e foi reconhecido como papa legítimo. Leão VIII então fugiu e foi excomungado por um Sínodo Romano em 964. Morto João XII, os romanos elegeram Bento V (964), Pontífice douto e digno. Oto, porém, compareceu novamente em Roma, restabeleceu o antipapa Leão VIII, que ele criara, e exilou Bento V, que morreu em 968.

Em 965 sucedeu a Leão VIII o Papa João XIII, provavelmente filho de Teodora Júnior, homem digno, que foi encarcerado por membros da aristocracia romana. João XIII conseguiu fugir e, com o auxílio de sua família, recuperou a cátedra papal. Por essa ocasião, o Imperador  Oto foi mais uma vez à Itália, e lá ficou de 966 a 972, a fim de estabelecer a ordem. Isto proporcionou a João XIII um pontificado tranqüilo. Oto I faleceu em 973. Recomeçaram então as perturbações e rivalidades em Roma. À frente dos nobres passou a família dos Crescêncios. Sob o novo papa Bento VI (973-974),o Dux Crescentius mandou encarcerar o papa, que morreu, estrangulado. Foi eleito em seu lugar o Cardeal Bonifácio Franco com o nome de Bonifácio VII (974). Após seis semanas, porém, foi deposto por um legado do novo imperador, Oto II, e fugiu para a Constantinopla. Crescêncio morreu como monge num mosteiro de Roma!

Sob a tutela de Oto II, subiu ao pontificado Bento VII em 974, que governou tranqüilamente até a morte em 983. Neste ano assumiu o governo da igreja o Papa João XIV; Foi então que Bonifácio VII voltou de Constantinopla, apoderou-se da cátedra papal, e deixou seu rival João XIV morrer de fome (984). Um ano depois, porém, faleceu repentinamente e seu cadáver foi traspassado por lanças e arrastado pela cidade de Roma sob os ultrajes do povo revoltado.

Em 985 começou a governar o Papa João XV (985-996), sob cujo pontificado Crescêncio Nomentano (filho do anterior Crescêncio) assumiu o governo temporal  de Roma como Senator, Dux et Consul Romanorum. Este exerceu tal tirania que o papa resolveu chamar em seu auxílio o jovem Imperador Oto III (que tinha 16 anos de idade). Antes de chegar à Roma, ele recebeu a notícia da morte de João XV (996). Oto III colocou então sobre a cátadra de Pedro o primeiro papa alemão: o capelão real Bruno de Caríntia, de 24 anos de idade, que tomou o nome de Gregório V (996-999). Era homem zeloso, favorável à reforma dos costumes, estranho à política dos nobres de Roma e da Itália. Logo, porém, que o imperador se retirou de Roma, Crescêncio, que fora anistiado a pedido do papa, revoltou-se contra Gregório, que teve de fugir. O mesmo Crescêncio instituiu o antipapa João XVI, de origem grega. Oto III, porém, recolocou Gregório V na cátedra por força das armas (998) e pronunciou terrível juízo sobre João XVI, que foi cegado, mutilado e encarcerado num mosteiro, enquanto Crescêncio e outros revoltosos foram decapitados em Roma, no Castelo Sant'Angelo.

A Gregório V Oto fez suceder o primeiro papa francês: Silvestre II (999-1003), versado em Filosofia, Matemática, e Astronomia. O papa e o jovem imperador se estendiam otimamente. Oto era profundamente religioso e homem capaz. Hesitava entre fuga do mundo e grandiosos planos imperiais. Queria restaurar o Império Romano sobre bases totalmente cristãs. Muito trabalhou, de acordo com o papa pela Igreja na Hungria e na Polônia, mas poucos resultados obteve na política porque os romanos em 1001 o obrigaram a fugir de Roma com Silvestre. O jovem imperador Oto III  morreu no ano 1002 com apenas 22 anos de idade. No ano seguinte faleceu o Papa Silvestre II, um papa zeloso mas infelizmente de curto pontificado.

A aproximação do ano 1000 suscitou pavores pela apregoada vinda do Anticristo e do fim do mundo. O historiador César Barônio († 1607), porém, exagerou as cores do quadro então vigentes, como se o medo tivesse paralisado a vida pública. Na verdade, os cristãos, impelidos pela expectativa do fim do mundo, se entregaram com mais afinco às tarefas de reforma religiosa, de construção de igrejas e de evangelização. Os dois papas, Gregório V (996-999) e Silvestre II (999-1003) foram pastores zelosos, mas infelizmente de pouca duração.

Assim chegamos ao fim do século X. A história nos mostra que Deus quis conduzir a sua Igreja através de vicissitudes humanas. A consideração dos fatos evidencia que não são os homens que sustentam a Igreja, mas é o próprio Cristo, que nela vive indefectivelmente. A Igreja havia de superar tal situação no século seguinte a partir da própria vitalidade, intata nos seus mosteiros e santuários.