( O difícil  relacionamento  até o Cisma de 1054 )

Desde a divisão do Império Romano em 396 pelo Imperador Teodósio, as diferenças entre o Oriente e o Ocidente começaram a se acentuar gradualmente. Depois  da queda de Roma em 476, o Império Romano do Oriente sobreviveu conservando a estrutura e a herança do grande império que outrora dominara o mundo.

Aconteceu que naquele mesmo ano da queda de Roma (476) ocorreu uma nova investida dos monofisistas contra a Igreja. Essa heresia, o monofisismo, como já vimos anteriormente pregava que em Jesus havia uma só pessoa e uma só natureza: a divina. Ela fora condenada pelo Concílio de Calcedônia, em 451. Agora, vinte e cinco anos depois, em 476, ela surgiu novamente. Infelizmente dois importantes patriarcas da Igreja, Pedro Mongo, de Alexandria, e Acácio, de Constantinopla, se tornaram adeptos do monofisismo e redigiram um símbolo de fé que condenavam tanto Nestório como Eutiques, autores do nestorianismo (Jesus tem duas pessoas e duas naturezas) e o Monofisismo (Jesus tem apenas uma pessoa e uma natureza: a divina) e afirmavam que os símbolos de fé deveriam ser o Niceno-constantinopolitano e as definições do Concílio  de Éfeso do ano de 431. Ora, essas duas fórmulas, naquele ano de 476, podiam ser interpretadas de várias maneiras.

O Imperador Zenão, do Oriente, (aquele que aceitou as insígnias imperiais do Ocidente quando Roma caiu e reconheceu Odoacro como regente da Itália) promulgou um edito de união chamado "Henotikón". Esse símbolo de fé vigoraria como lei em todo o império do Oriente. O Imperador Zenão esperava com isso uma unidade religiosa entre os cristãos. Infelizmente tal medida acabou por causar divisões ainda mais acesas. Os católicos e também os Monofisistas mais extremados recusaram-se a acatar a decisão do imperador por causa da ambigüidade do Henotikón.

Ao saber das manobras do Imperador Zenão, o Papa Félix II enviou legados à Constantinopla para pedir a ele e ao Patriarca Acácio a fidelidade ao Concílio de Calcedônia, de 451. Como foram vãs as solicitações, o papa decidiu depôr Acácio do Patriarcado de Constantinopla. Isso poderia provocar uma ruptura com os cristãos do Oriente e inclusive com o próprio imperador de Constantinopla  que agora se inclinava para o lado dos monofisistas. Mas Félix II foi corajoso no cumprimento do dever e na defesa da fé que deveria ser preservada. A deposição de Acácio foi mantida e a ruptura veio em seguida. Apoiado pelo Imperador Zenão, o Patriarca Acácio, de Constantinopla, rompeu com Roma. Essa ruptura durou 35 anos (de 484 a 519) e ficou conhecida como "ruptura acaciana" ou "Cisma Acaciano". Essa separação seria o começo de uma série de atritos entre a Igreja de Roma e o Oriente nos séculos seguintes.

O Imperador Zenão morreu em 491 e seu sucessor, o Imperador Anastácio (491-518) também se tornou simpatizante do Monofisismo. Por isto as conversações que o papa encaminhou ao monarca foram infrutíferas. Desde a queda de Roma, em 476, cabia aos imperadores do Oriente a defesa do Papado e da Cristandade mas como se podia ver não se devia esperar muito deles. O próprio Imperador Anastácio nada fez para socorrer o Ocidente quando em 491 o ostrogodo Teodorico desceu sobre a Itália conquistando toda a planície e dominando Roma.

As relações da Igreja com o Oriente só foram melhorar após a morte do Imperador Anastácio em 518. Seu sucessor, Justino (518-527) se empenhou em restabelecer a comunhão com a Igreja de Roma. O Papa Hormisdas enviou legados ao Oriente, que agora se chamava Bizâncio ou Império Bizantino, com uma fórmula de união onde se proclamava a fé de Calcedônia e renovava as condenações das heresias do Nestorianismo e do Monofisismo. O primado do papa passava a ser professado novamente e o Patriarca João II de Constantinopla, bispos e monges presentes assinaram a fórmula. Estava terminado o Cisma Acaciano naquele ano de 519. O monofisismo perdeu sua força.

O Imperador Justino deu mostra de seu zelo pela defesa da fé quando a heresia ariana novamente assolou a cristandade. Tomou duras medidas para combatê-la e proibiu o Arianismo em todo o império. Isso provocou, como já vimos a reação de Teodorico, rei ostrogodo da Península Itálica, que ameaçou retaliar, pois professava o Arianismo, perseguindo os católicos. O Papa João I chegou a ir a Constantinopla interpelar a Justino para amenizar com os arianos a fim de proteger os católicos da fúria de Teodorico. Justino, depois de se ajoelhar perante o papa e pedir a coroação solene, contemporizou com os arianos obedecendo ao pontífice que naquele ano celebrou o natal em Constantinopla. Mas quando João I regressou a Roma foi aprisionado e morto por Teodorico, como vimos anteriormente. O filho de Justino, Justiniano I, em cujo reinado de 527 a 565 o Império Bizantino alcançou seu apogeu, também tomou a defesa da fé quando surgiu a questão do Origenismo, que pregava a pré-existência da alma e a reencarnação. Justiniano promulgou em 543 um tratado com os dez anátemas contra os hereges e convocou o Sínodo de Constantinopla para que o aprovasse. Este Sínodo não apenas os aprova como ainda lança outros quinze anátemas contra os hereges origenistas. O Papa Virgílio e os demais patriarcas deram  aprovação aos artigos desse sínodo.

Outro grande imperador bizantino foi Heráclio (610-641) que combateu os persas em 627 e no seguinte recuperou a relíquia da cruz de Crista em poder destes. Infelizmente Heráclio cometeu um grave erro de fé quando em 638 promulgou uma profissão de fé dita "Ectese" redigida pelo Patriarca Sérgio, de Constantinopla, que reafirmava a heresia do monotelitismo. Essa heresia afirmava que em Jesus havia uma só vontade: a divina, e havia uma só capacidade de agir.

O Imperador  Constante II (641-668), sobrinho de Heráclio, retirou a "Ectese"  e promulgou um novo edito dogmático, o "Typos", no ano 648, que proibia de se falar sobre uma ou duas vontades de Cristo. Isto significava que não se tocava mais no assunto. Constante II pretendia, dessa forma, colocar um ponto final na contenda. O Papa Martinho I, percebendo a sutileza do imperador, reuniu um Concílio em Latrão (Roma) onde se afirmou que em Cristo havia duas vontades e dois modos de operar (humano e divino). A Igreja já havia definido isso em concílios anteriores. O Concílio punia ainda com a excomunhão todos os hereges que não acatassem tal decisão. Era preciso, não somente colocar um ponto final na confusão, como queria o Imperador Constante II, mas não deixar dúvidas no ar e resolver a questão do Monotelitismo de uma vez por todas dando uma definição de fé e punindo os hereges com a excomunhão.

O Imperador Constante II, indignado, mandou prender o papa Martinho I e levá-lo à Constantinopla no ano 653. Lá o pontífice foi humilhado, acusado de traidor e exilado para a Criméia, onde morreu de maus tratos. Os cristãos orientais revoltados resistiram ao imperador e foram tratados de modo semelhante por Constante II, merecendo especial destaque o abade São Máximo, o Confessor, que foi cruelmente martirizado em defesa da fé.

Constantino IV Pogonato, filho e sucessor de Constante II, procurou a paz e o restabelecimento com Roma. Para isso decidiu convocar um Concílio Ecumênico que contou com a aprovação do Papa Agatão (678-681), que achou a idéia muito oportuna. Este foi o sexto Concílio Ecumênico, e o de Constantinopla III, celebrado de novembro de 680 a setembro de 681 com a presença de 170 participantes. Os conciliares elaboraram uma profissão de fé que completava a de Calcedônia: "duas vontades naturais e dois modos de operar em Jesus, indivisos e inalterados, inseparados e não misturados, duas vontades diversas, não, porém, no sentido de que uma esteja em oposição à outra mas no sentido de que a vontade humana segue e se subordina à divina".

As relações entre a Igreja de Roma e o Oriente, como vimos, eram atritantes embora alguns monarcas procurassem amenizar as coisas vez por outra. Além disso os imperadores de Bizâncio deveriam ser os guardiães da cristandade e defender a Igreja. Alguns exerceram este papel mas outros se colocaram francamente em oposição ao papado, como vimos. Quando da questão Iconoclasta no século VIII, o Imperador Leão III Isáurico se colocou contra a Igreja protegendo os quebradores de imagens, o mesmo fazendo seu filho Constantino V. Foi um período difícil para a Igreja o que só teve fim na regência da Imperatriz Irene que convocou o Concílio de Nicéia II, em 787, e as relações com a Igreja de Roma foram reatadas e a fé pode ser professada livremente no Oriente depois de anos de perseguições.

Esse reatamento no entanto duraria pouco porque no ano de 815 o Imperador Leão V renovou o Iconoclasmo atribuindo o culto das imagens às desgraças do império em luta contra os árabes. Restabeleceu o edito de 754 e perseguiu novamente a Igreja e particularmente os monges. Nessa perseguição morreu São João Damasceno em 749 e também o monge Teodoro Studion que sofreu maus tratos, a flagelação e o exílio. A perseguição durou três décadas e só foi acabar na época do Imperador Miguel III, quando foi convocado um Sínodo em Constantinopla em 843 que reabilitou o culto das imagens. A questão iconoclasta dessa vez estava encerrada em caráter definitivo.

Como se percebe, as relações da Igreja com o Oriente foram sempre problemáticas, fosse por causa das heresias ou por intromissão dos imperadores bizantinos nos assuntos da Igreja. Os papas perceberam que nada mais poderiam esperar dos imperadores de Bizâncio. Desde a queda de Roma eles pouco fizeram para defender o Papado. Quando Pepino, o Breve, derrotou os Lombardos da Itália e entregou ao papa as terras conquistadas, que antes eram de Bizâncio, o Oriente protestou francamente pois nascia o Estado Pontifício em terras que antes lhe pertencia. Tudo isso contribuiu para que as relações de ambas as partes se deteriorassem. Quando o Papa Leão III criou o Sacro Império Romano Germânico, no natal de 800, e coroou Carlos Magno como seu primeiro imperador não apenas colocava-o como protetor da Cristandade como demonstrava que do Oriente não esperava mais nada.

Quando a luta Iconoclasta terminava em 843, Fócio, alto funcionário de Constantinopla aparecia na corte do Imperador Miguel III. Em breve ele subiria à cátedra de Constantinopla dando início naquele que seria o cisma definitivo do Oriente com a Igreja Romana.