Vimos anteriormente que o século X foi chamado " o Século Obscuro" do Papado.  O despreparo moral dos que subiam à cátedra de São Pedro, em boa parte, se devia à intromissão de grupos estranhos, que lutavam entre si para manipular o Papado. Eram nobres de Roma, os príncipes de Espoleto, de Toscana e os imperadores da Alemanha, então sede do Sacro Império. O povo de Deus tinha consciência dos males que afetavam seus pastores. contudo, estimavam a figura dos papas, mas percebiam o hiato entre o ideal e a realidade.

Pode-se afirmar que a réplica à dolorosa situação já começa no final do Século X com os breves pontificados de Gregório V ( 996 - 999 ) e Silvestre II ( 999 - 1003 ), pastores zelosos  mas de curta duração. No século seguinte, o XI, a Igreja passaria a contar com grandes pontífices na cátedra de São Pedro.

Quando o Papa Clemente II (1046 - 1047) subiu ao trono pontifício, os romanos conferiram ao imperador do Sacro Império Romano Germânico o título de Patrício Romano, que permitia ao monarca protetor da cristandade, designar o papa nas próximas vacâncias da sede pontifícia. Essa decisão deixava, mais do que nunca a cátedra de São Pedro nas mãos do imperador. Isso era perigoso demais, pois corria-se o risco de a situação voltar aos negros tempos do século obscuro. A escolha papal era assunto interno da Igreja e não era concebível, que se retornasse à práticas antigas. Esse estado de coisas não duraria muito porque não era o ideal. Por isso o próprio Papa Clemente II, iniciou a obra de reforma da disciplina da Igreja que visava justamente organizar a escolha papal., mas infelizmente faleceu prematuramente em 1047, um ano após ser eleito papa.

Seu sucessor, São Leão IX ( 1048 - 1054 ) , foi um dos mais dignos papas da história. Era um homem dotado de energia e de desejo de reforma. Chamou para junto de si conselheiros das mais diversas regiões, entre eles o monge Hildebrando do Mosteiro de Cluny, na França. Este, que mais tarde viria a ser o Papa Gregório VII, tornou-o arquidiácono e tesoureiro da Igreja Romana.

Três males afetavam o clero da época prejudicando duramente a vida da Igreja. Vejamos quais foram eles:

a) As Investiduras Leigas: Os reis e imperadores dessa época praticavam abusivamente o que se chamava " Investidura Leiga ", ou seja, nomeavam os bispos e lhes conferiam as insígnias do poder temporal, deixando à Igreja apenas a tarefa de conferir a ordem sacra ao nomeado, ou seja o báculo e a mitra. Como se vê, isso acarretava a escolha de bispos e clérigos sem a menor vocação ( naquele tempo ainda não havia formação em seminários ) e estes eram mais políticos do que pastores. Eram muitas vezes nomeados por reis e imperadores mais para servir a seus interesses do que à Igreja. E a Igreja tinha que se libertar de tais abusos.

b) A Simonia: Era a compra e venda de bispados e outros bens eclesiásticos. Este costume estava freqüentemente ligado ao anterior.

c) O Nicolaísmo: Não admitia o celibato para os clérigos e defendia o concubinato para os mesmos.

Com isso, o Papa São Leão IX viajou pela Itália, Alemanha e França disseminando com bons resultados, os princípios da renovação da disciplina eclesiástica. O Papado recebeu apoio e ganhou prestígio e autoridade. A obra iniciada por São Leão IX iria frutificar plenamente no pontificado de Gregório VII, pouco tempo depois.

No mesmo dia de sepultamento do Papa Alexandre II, em 22/04/1071, o cardeal e arquidiácono Hildebrando de Cluny foi eleito papa pela voz do povo romano e os cardeais eleitores confirmaram o voto popular. Hildebrando de Cluny recebeu o nome de Gregório VII. Era um homem enérgico e ardoroso e tinha um grande programa no qual consagrou toda a vida: estabelecer a reta ordem onde reis e príncipes, sob o primado do papa construíssem a verdadeira sociedade cristã. Afirmava que, assim como o corpo humano é dirigido por dois olhos, assim a Igreja deve ser guiada pelo Sacerdócio e o Império em harmonia.

Ora, quando Gregório VII assumiu o pontificado, o Imperador Henrique IV da Alemanha e do Sacro Império, estava excomungado por manter contato com bispos simoníacos, também excomungados. Este imperador, prestou penitência e resolveu colaborar com Gregório VII na reforma da disciplina eclesiástica.

Em 1074, Gregório VII reuniu um Sínodo no Latrão ( Roma ) em que foram tomadas duas decisões importantes: 1ª) Proibia que todo leigo simoníaco tomasse parte no ministério sacerdotal e 2ª) proibia que a liturgia fosse celebrada por qualquer clérigo fornicador e ainda exigia dos fiéis que não participassem de cerimônias celebradas por um concubino

No Sínodo seguinte ( 1075 ), Gregório VII deu mais um passo: voltando-se agora contra a investidura leiga. A liberdade da Igreja exigia a instituição canônica dos bispos e clérigos e, em lugar das nomeações de imperadores e reis, exigia ainda que a Igreja dispusesse de seus bens sem impedimento . Essa determinação iria colocar o papa em conflito com Henrique IV, da Alemanha.

Em junho de 1075, o Imperador Henrique IV, depois de vencer os saxões, esqueceu sua promessa ao papa e ocupou os bispados do norte da Itália, inclusive o de Milão, que não estava vago e distribuiu a quem bem quis. Depois disso voltou a se relacionar com seus conselheiros excomungados. O papa primeiro chamou-o para conversações e depois ameaçou-o novamente com a excomunhão. O Imperador Henrique IV reagiu, declarando o papa como deposto e escreveu-lhe uma carta, não ao papa, mas como ele mesmo afirmava, "a Hildebrando, o falso monge", exortando-o a descer da cátedra de Pedro, pois ele como "Patrício Romano"poderia fazer isso: depor o papa. E foi mais além: exortava o povo romano a escolherem um novo papa.

O Papa Gregório VII porém não se intimidou e, respaldado pela cristandade, no Sínodo Quaresmal de 1076, foi intrépido e pronunciou a excomunhão sobre Henrique IV. E mais: desobrigou os súditos de Henrique IV do juramento de fidelidade e proibiu a obediência ao soberano excomungado. Todos os bispos favoráveis a Henrique IV foram suspensos de ordem ou excomungados.

O Imperador Henrique IV percebeu a arriscada situação em que se encontrava:  a maioria dos bispos da Alemanha se alinharam ao papa. Os príncipes leigos o consideraram deposto do trono, a menos que fosse absolvido dentro de um ano. Um monarca excomungado é um homem indigno de conduzir um povo. Diante de uma revolta no império, Henrique IV decide ir a Roma avistar-se com o papa. Mas Gregório VII tinha ido para Toscana onde a Condessa Matilde estava pronta a bater-se pela Igreja,  contra Henrique. A Condessa Matilde de Canossa, e o Abade de Cluny, protegem o Papa Gregório VII que se encontrava agora hospedado em seu castelo.

Não encontrando o papa em Roma, Henrique e seus homens seguem para o palácio da Condessa Matilde de Canossa, nos alpes, onde estava Gregório VII. Chegando lá, em pleno inverno rigoroso, ele ficou três dias e três noites ( de 25 a 28 de janeiro de 1077 ) descalço na neve, com roupas de penitente, açoitado pelo intenso frio, implorando o perdão do papa. A própria Condessa Matilde intercedeu pelo imperador e o papa finalmente o recebeu e concedeu-lhe o perdão. Henrique IV estava reabilitado depois de jurar obediência ao papa e à Igreja.

Pouco tempo depois estourou uma guerra civil na Alemanha e Henrique, depois de derrotar seus adversários, exigiu que Gregório VII os excomungasse. Caso o papa não atendesse seu pedido, iria depô-lo novamente da cátedra de São Pedro. Mais uma vez Gregório VII não se dobrou,  porque mão iria se intrometer em questões políticas da Alemanha. Henrique convocou um Sínodo irregular em Brixen e depôs o Papa Gregório VII acusando-o de simonia, heresia, necromancia e de subversão da ordem. Fez com que os bispos alemãs elegessem um antipapa, Clemente III, para o lugar de Gregório VII. Este novamente excomungou Henrique IV e também o antipapa Clemente III. Henrique IV então marchou para a Itália e depois de três anos, em 1083, ocupou Roma. O Papa Gregório VII se refugiou no Castelo de Santo Ângelo, de onde resistiu a Henrique IV. De lá, ele afirmava " É mais nobre lutar durante muito tempo em favor da liberdade da Santa Igreja do que submeter-se a mísera e diabólica servidão".

O antipapa Clemente III foi colocado por Henrique no trono de São Pedro com o auxílio de treze cardeais. Este coroou Henrique em Roma enquanto o verdadeiro papa, Gregório VII, permanecia resistindo em Santo Ângelo. Quando tudo parecia concorrer para o abandono de Gregório VII, surge o auxílio de um Duque normando chamado Roberto de Guiscard, que com um numeroso exército expulsou os alemães de Roma. Infelizmente seus homens saquearam Roma, o que deixou a população contra o Papa Gregório VII.  Este não pode mais retornar a Roma e teve de se transferir para Salermo, de onde continuou a governar a Igreja.  Alquebrado por muitas fadigas, o Papa Gregório VII veio a falecer em 1085. Suas últimas palavras foram: " Amei a justiça  e odiei a iniquidade; por isso morro no exílio ".

Gregório VII foi um dos maiores papas da história. soube subordinar todos os interesses da Igreja à sua função pastoral. Não hesitou em perdoar e reabilitar seu adversário, que haveria de desferir depois um golpe mortal contra ele mesmo. Soube ser um mau político para ser um bom sacerdote. Julgou que Henrique IV merecia o perdão e o concedeu ainda que em detrimento do Papado. Na realidade, deu a César o que é de César. Foi um homem zeloso, puro nas intenções, que muito se preocupou com o sacerdócio da Igreja.

Antes de concluirmos este assunto, é bom ressaltar que não se deve confundir o antipapa Clemente III, colocado na cátedra de Roma por Henrique IV e que foi deposto com a retomada da cidade Eterna por Roberto de Guiscard, com o verdadeiro Papa Clemente III, que mais tarde chegaria ao trono pontifício em 1191.