Entre os monumentais legados de João Paulo II, encontra-se, indubitavelmente, a portentosa encíclica Fides et Ratio. Com efeito, a partir das reflexões do papa, renovou-se a relação entre a teologia e a filosofia. Mais, a filosofia sentiu a necessidade de um diálogo franco e sincero com a teologia. Não se trata de resgatar uma visão escolástica, na qual a filosofia era mera ancila da teologia. O ponto nevrálgico decerto não é este. O que ocorreu foi o desabrochar de uma necessidade. A teologia mostrou-se confiável, porque sem a luz de Cristo, as realidades científicas tornam-se opacas, sem sentido nenhum.

João Paulo II rechaça qualquer tentativa de dar ênfase a um fideísmo. Nem fideísmo, nem racionalismo. Se a fé sem o suporte filosófico-teológico é pura fantasia, a filosofia, carente do lume teológico é outrossim uma  quimera. A encíclica do núper-falecido papa restabelece a fusão entre estes dois ramos do conhecimento humano.

Encetando novo diálogo entre a ciência e a fé, João Paulo II encoraja todos os homens de boa-vontade, mormente os pensadores contemporâneos de grande fôlego, a envidarem esforços no sentido de se forjar uma realidade nova. Sim, porque a realidade, quer seja política, quer seja social, está umbilicalmente dependente do arrimo teórico, ou seja, se não pensarmos corretamente, não seremos capazes de uma vida reta, que conduza à realização do homem. O alienado simplesmente absolutizou a ciência ( o que o papa chama de "cientificismo"). Atribui-lhe ares de infalibilidade. A pessoa razoável e ponderada compreende que o mito da ciência inexpugnável está deveras comprometido e combalido. Por quê? Porque a ciência mostrou que é falha; a ciência exibiu suas limitações. Os homens, então, ficaram um tanto quanto perplexos. Mas, como enquanto houver vida sobre a face da terra, sempre existirá a necessidade de emprestar sentido à vivência humana, bem como a necessidade de interpretar esta mesma vivência, é óbvio que o homem se volva à teologia e se apóie nela, estabelecendo uma síntese entre teologia e filosofia.

O encontro entre o cristianismo e a filosofia não foi fácil, assinala o papa. Todavia, com o passar do tempo e o evolver das reflexões, restou claro que o cristianismo impregnou a ciência de substância; fê-la debruçar-se sobre os temas intrinsecamente humanos.

Com o recente desaparecimento de João Paulo II, perdemos um grande pensador, alguém que elaborava disquisições gigantescas, perscrutava a fundo a alma humana e sacava soluções simples e saborosas. Que o Espírito Santo ilumine o próximo papa e também outras pessoas, homens e mulheres, para que não cesse o indispensável diálogo entre a ciência e a religião.

 

Edson L. Sampel