Já estudamos a Inquisição Medieval. Vamos agora estudar a Inquisição Espanhola, que teve suas características próprias.

Os reis Fernando de Aragão e Isabel de Castela, visando a plena unificação de seus reinos, tinham consciência de que a Inquisição da Idade Média tinha como finalidade combater a heresia cátara  e outros perigos para a fé da época. Os dois reis achavam que a situação em que se encontrava  a Espanha era semelhante à que a Igreja  passava  ao enfrentar tais perigos para a fé na Idade Média. As atividades dos judeus e dos mouriscos (que eram os árabes muçulmanos que permaneceram na Espanha após esta ser libertada por Fernando e Isabel   do domínio do Islã) era  muito parecida com perigo dos cátaros ou albingenses. A Inquisição Medieval nunca fora muito ativa na Península Ibérica  e estava mais ou menos adormecida  na Segunda metade do século XV. Ela ressurgiria na Espanha, de um modo diferente, no final do século XV.

Aconteceu que na Semana Santa do ano de 1478, foi descoberta na cidade de Sevilha, uma conspiração dos mouros que muito exasperou a população. Depois desse episódio o Rei Fernando se lembrou de pedir ao papa Sixto IV que reativasse a Inquisição na Espanha  mas desta vez sobre novas bases, de um modo promissor para todo o reino, mas que confiasse a sua orientação ao monarca espanhol.

Sixto IV , assim solicitado, resolveu finalmente atender o pedido do rei espanhol e enviou em seguida a Fernando e Isabel, reis da Espanha, o Breve de l de novembro de l478, pelo qual "Conferia pleno poderes a Fernando e Isabel, reis da Espanha, para  nomearem dois ou três Inquisidores, arcebispos,  bispos, presbíteros, ou outros dignitários eclesiásticos, recomendáveis por sua prudência ou virtudes, de costumes irrepreensíveis, mestres ou bacharéis em teologias, doutores ou licenciados em Direito Canônico, sacerdotes seculares ou regulares , enfim, que qualquer que fosse a pessoa designada que preenchesse estes requisitos, que tivesse acima de quarenta anos de idade."  Pelo Breve papal os inquisidores estavam autorizados a agir contra os judeus recém convertidos  e contra todos os acusados de apostasia e bruxaria. Sixto IV delegava aos oficiais inquisidores a jurisdição necessária para instaurar inquéritos e processos contra os acusados, segundo o direito e o costume vigente. Além disto, ele autorizava os reis da Espanha a destituir tais inquisidores e nomear outros em seus lugares, se isso fosse necessário.

Note-se que conforme o Breve de Sixto IV, a Inquisição Espanhola só estenderia a sua ação sobre os cristãos batizados e não a judeus que jamais houvessem pertencido à Igreja. A Inquisição  deveria  disciplinar  os filhos da Igreja e nunca deveria ser usada como instrumento de intolerância para com os não-cristãos.

Apoiados na licença pontifícia, os reis da Espanha, Fernando e Isabel, em 17 de setembro de 1480 nomearam inquisidores, com sede em Sevilha, dois dominicanos: Miguel Morillo e Juan Martínez dando-lhes dois sacerdotes seculares como assessores. Os reis deram ainda um "Compêndio de Instruções "a todos os tribunais da Espanha, tornando a Inquisição como um órgão do Estado Civil. Os Inquisidores entraram logo em ação agindo com muita energia. Em pouco tempo parecia que a Inquisição estava mais a serviço  dos reis da Espanha do que da religião. Os soberanos  espanhóis  procuravam atingir, através da Inquisição, os criminosos mesmo de categoria meramente política.

Em pouco tempo chegaram a Roma queixas diversas contra a severidade dos inquisidores. Sixto IV, preocupado com os excessos cometidos pela Inquisição Espanhola, escreveu sucessivas cartas aos reis da Espanha demonstrando o seu profundo  descontentamento. Merece especial destaque o Breve de 2 de agosto de 1482 onde o papa dizia:

"Visto que somente a caridade nos torna semelhantes a Deus... Rogamos e exortamos ao rei e à rainha da Espanha que, pelo amor de Nosso Senhor Jesus Cristo, imitem Àquele de quem é característico ter sempre compaixão e perdoar. Queiram portanto, mostrar-se indulgentes para com os seus súditos da cidade de Sevilha que confessam o erro e imploram a misericórdia."

Apesar das admoestações do pontífice, a Inquisição Espanhola tornava-se cada  vez mais um órgão poderoso e uma atividade nacional do monarca. Era um verdadeiro regime de terror onde a tortura era usada com freqüência  contra judeus e muçulmanos que, juntamente com  os acusados de apostasia, bruxaria e outras heresias eram levados à morte na fogueira, na forca ou outros meios de execução..

A fim de evitar mais admoestações pontifícias, os reis da Espanha resolveram emancipar a Inquisição do controle de Roma. Para isso conceberam um extratagema onde, de um modo muito sutil, tirariam das mãos do papa a supervisão da Inquisição. Para tal  resolveram eles dar à Inquisição Espanhola um  chefe plenipotenciário - um Inquisidor-Mor - que julgaria na Espanha mesmo os apelos dirigidos a Roma pelos réus. Para este cargo propuseram  à Santa Sé um  sacerdote dominicano chamado Tomás de Torquemada. E  em outubro de 1493, Sixto IV, atendendo aos reis Fernando e Isabel da Espanha, nomeou o padre dominicano Tomás de Torquemada como Inquisidor - Mor de toda a Espanha. O gesto do  Papa Sixto IV era carregado de boa fé pois esperava que Torquemada fosse agir com justiça em seu ofício de Inquisidor - Mor. Mas logo se viu que o ato era pouco prudente uma vez que o religioso dominicano Tomás de Torquemada revelou-se mais enérgico do que os  inquisidores e uma  infinidade de violências e arbitrariedades foram cometidas a partir de então. O frade dominicano  dividiu a Espanha em quatro setores inquisitoriais que tinham respectivamente como sede as cidades de Sevilha, Córdova, Jaen e Villa  Real. Redigiu ainda para o uso dos inquisidores no ano de 1494, uma "Instrução " para os inquisidores onde propunha normas para os processos inquisitoriais inspirando-se em trâmites já usados na Idade Média. Esse libelo seria completado mais tarde por mais duas novas instruções nos anos de 1490 e 1498.

O rigor de Torquemada foi levado ao conhecimento da Santa Sé. O Papa Alexandre VI, sucessor de Sixto IV, chegou a pensar em destituí-lo mas recuou temendo a reação dos reis da Espanha. Contudo este pontífice decidiu diminuir os poderes de Torquemada colocando ao seu lado quatro assessores munidos de iguais faculdades através de um Breve de 23 de julho de 1494. Tomás de Torquemada  faleceu em l6 de Setembro de l498.A partir de todos os Inquisidores-Mor  eram sempre nomeados pelos reis da Espanha. Era evidente que a Inquisição Espanhola se tornara um instrumento político depois de emancipar-se  da supervisão romana. Embora continuasse sendo tida como um tribunal eclesiástico, a Inquisição Régia, como passou a ser chamada, nada tinha a ver com a Igreja. Fernando e Isabel criaram ainda o "Conselho Régio"  destinado a controlar os  processos da Inquisição. Depois de Sixto IV e Alexandre VI, vários papas como Clemente VII, Paulo III e Paulo IV, condenaram as arbitrariedades dos reis espanhóis e procuraram orientar os bispos espanhóis no sentido de colaborarem no que pudessem a fim de suavizar a vida dos judeus, muçulmanos e outros acusados de heresias e apostasia, inclusive absolvendo-os nas confissões sacramentais.

É bom se lembrar o seguinte: a Inquisição  Medieval era convocada de modo intermitente para julgar os casos de heresia. A Inquisição Espanhola foi instalada de modo permanente durante três séculos. A manutenção  destes tribunais cabia ao Estado Espanhol. Por isso se entende o porquê de a Inquisição servir como instrumento de repressão política. E perseguição religiosa permanente.

Somente no século  XIX, quando Napoleão Bonaparte dominou a Espanha, é que a  Inquisição  Espanhola foi temporariamente abolida  através de um decreto de Napoleão de 4 de dezembro de 1808. Porém, quando Napoleão foi derrotado na Europa e o Rei Fernando VII, da Espanha, foi restaurado no trono da Espanha , em l8l4 , a Inquisição  foi  restabelecida em toda a Espanha por este monarca a fim de se punir todos aqueles que colaboraram com Napoleão durante o período de ocupação francesa ( 1808-1814).

Dessa forma a Inquisição voltou a atuar na Espanha  até o ano de 1834 quando foi definitivamente abolida  no país, na época da Rainha Maria Cristina. A Espanha foi o último país a usar a Inquisição. Depois de 1834 essa prática desapareceu para sempre da história da humanidade.