A Reforma Protestante, embora  amplamente preparada, surgiu na  História quase de repente. Ela parecia, a princípio, uma questão pessoal e puramente religiosa do frade agostiniano Martinho Lutero, mas dado o clima que ressoou, tomou proporções  eclesiásticas e políticas. Feita para combater os abusos da Igreja de seu tempo, a Reforma Luterana acabou se tornando uma revolução eclesiástica e um cisma.

Martinho Lutero nasceu em Eisleben, na Alemanha, em 10 de novembro de 1483. Teve uma infância dura e uma disciplina severa. Estudou Filosofia na Universidade de Erfurt. Certa vez  o jovem Lutero quase foi fulminado por um raio quando estava a caminho da universidade. Em consequência de Ter escapado ele fez o voto de entrar para um convento. Essa decisão era fruto de seu temperamento escrupuloso e pessimista. Achava sempre que qualquer coisa  que acontecesse de ruim era o juízo de Deus aguando sobre seus pecados. Em julho de 1505, Lutero entrou para o convento dos agostinianos apesar das advertências dos pais e dos amigos. Em 1507 ele foi ordenado presbítero depois de fazer os votos de castidade, obediência e pobreza que ele acabaria por violá-los mais tarde.

Lutero tinha um caráter inadequado para o sacerdócio. Sofria  constantes alucinações e em todos os fatos sempre via a manifestação do demônio. Em 1510 ele passou quatro semanas em Roma onde teve contato com a vida da Cúria Romana e viu a exuberância das devoções populares. Vivia inquieto, jejuava constantemente  e praticava vigílias de oração por causa da sua fragilidade moral que tanto o inquietava. Logo depois Lutero começou a combater a Igreja por causa das indulgências. E é justamente aqui que  vai começar a sua dita reforma.

A fim de custear a construção da nova Basílica de São Pedro, em Roma, o Papa Júlio II, em 1507, e depois Leão X, em 1514, promulgaram as indulgências plenárias para qualquer cristão que recebesse os sacramentos e desse esmolas. Foi nomeado, em 1513, como Comissário para a Indulgência em toda a Alemanha, o Príncipe Alberto de Brandenburgo. Este era responsável pelos bispados de Magdeburgo, Augsburgo e Mongúcia.  Alberto era um homem frívolo e mundano. Contraiu uma dívida de 29 mil florins com banqueiros de Augsburgo a fim de pagar as taxas devidas à Santa Sé por estar acumulando os três bispados. Resolveu então que a metade do dinheiro arrecadado com as  esmolas das  indulgências ficariam para a construçao da Basílica de São Pedro enquanto a outra metade ficaria para ele saldar suas dívidas com os banqueiros. Um padre dominicano, João Tetzel, foi incumbido de ser o pregador das indulgências.

Certa vez, quando João Tetzel pregava perto de Wittenberg, Lutero resolveu  se insurgir contra o pregador. Na tarde de 31 de outubro de l517, Lutero afixou na porta da igreja de Wittenberg uma lista de 95 teses em latim sobre as indulgências e pontos conexos sobre a doutrina, como a culpa, a penitência, a pena, o purgatório e o primado papal. Sua intenção era combater os abusos que estavam sendo cometidos mas na realidade suas teses significavam não somente a rejeição doas indulgências como também do ministério da Igreja em favor da salvação das almas. Entre outras coisas, Lutero afirmava 1) que o papa só pode perdoar penas que ele mesmo tenha imposto,2) que as indulgências não podem ser aplicadas às almas do purgatório,  3) que a verdadeira contrição do pecador já basta para que  ele  seja  perdoado,  4)  que a Igreja não transmite o perdão de Deus. Cada pessoa  já o recebe diretamente de Deus, 5)  e negava o tesouro das graças de Cristo e dos santos. Isso era justamente o pressuposto da doutrina das indulgências. Assim, a Reforma Protestante se achava em gérmen na atitude e nas teses de Lutero.

As teses de Lutero espalharam-se rapidamente por toda a Alemanha e também fora dela, chegando até mesmo a Roma. A Santa Sé então mandou o cardeal Caetano, bom teólogo da época, até Augsburgo para ouvir Lutero e tentar conciliar as coisas. O prelado, no entanto, não conseguiu demovê-lo de suas posições doutrinárias e acabou por retornar a Roma.

O brado de revolta de Lutero encontrou ressonância entre os príncipes alemães que estavam descontentes com o papado por questões políticas. Também a nobreza alemã apoiava Lutero esperando que da revolução religiosa surgisse uma revolução social que satisfizesse seus anseios. Lutero  interpelava calorosamente seus compatriotas alemães e arrastava inúmero seguidores consigo. Em 1519, em Leipzig, ele afirmou que só é verdade religiosa aquilo que se pode provar pela Sagrada Escritura ( princípio básico do protestantismo ) e mediante panfletos escritos atacava duramente a Igreja e o papa.

Em l5 de junho de 1520, o Papa Leão X condenou, através de uma Bula, 41  das teses de Lutero, ordenava que seus escritos heréticos fossem queimados e o ameaçou com a excomunhão, caso ele não se retratasse em sessenta dias. Como resposta, em dezembro desse mesmo ano, Lutero queimou a Bula papal juntamente com um livro de Direito Eclesiástico na praça pública de Wittenberg. Por causa disso, o Papa Leão X excomungou formalmente Lutero em 3 de janeiro de 1521. Este gesto do papa exigia uma tomada de posição dos seguidores de Martinho Lutero.

Em 1521 deu-se a Dieta ( assembléia ) de Worms à qual Lutero compareceu à presença do Imperador Carlos V, do Sacro Império, e nela recusou-se a retratar-se. Em seguida, Carlos V o condenou à morte na fogueira como herege e proibiu sua doutrina em todo o império. Contudo Lutero conseguiu evadir-se e refugiar-se no castelo de seu amigo Frederico, o Sábio, em Wartburgo. Durante dez meses ele permaneceu lá, escondido sob a proteção de Frederico, o Sábio, e aproveitou todo esse tempo para traduzir a Bíblia para o alemão. Essa tradução só foi completada em l534. Durante sua permanência no castelo de Wartburgo, Lutero passou a sofrer crises nervosas e inquietações constantes que ele considerava como assaltos diabólicos

Enquanto Lutero permanecia em Wartburgo a agitação crescia em toda a Alemanha: os clérigos casavam-se, a missa era agora substituída pelo "rito da ceia do Senhor ", as imagens dos santos eram removidas ou quebradas, como nos tempos do Iconoclasmo, no Oriente. No meio dessa confusão toda surgiram os Anabatistas , um grupo liderado por Thomas Munzer, que negava o batismo para as crianças porque achavam que o sacramento só surte efeito pela fé de quem o recebe e batizavam novamente os adultos. Esse novo grupo entrava em choque com as idéias de Lutero. Colocado a par da confusão, Lutero deixa seu esconderijo e volta a Wittenberg onde se fixa em seu antigo convento, agora esvaziado por Frederico, o Sábio, e dado a Lutero como residência. Ali o reformador casou-se em 1525 com Catarina von Bora, uma monja cistercience apóstata, e com ela teve seus filhos.

Com a ajuda das autoridades locais, Lutero consegue restaurar a ordem em Wittenberg. Porém  logo depois surgiu uma revolta dos camponeses que viviam oprimidos por altos impostos, naquele ano de 1525, que pediam mais liberdade a seus senhores. Thomas Munzer, o líder dos Anabatistas estava apoiando o movimento dos camponeses. Lutero hesitou a princípio mas depois agiu com energia e sufocou os revoltosos com violência. Thomas Munzer, o líder dos Anabatistas, foi preso e decapitado por ordem de Lutero. Isso fez com que ele perdesse  a sua popularidade pois todos diziam que a sua doutrina era dos ricos e poderosos enquanto a dos Anabatistas era dos mais humildes. Estes acabariam  por se tornarem mais tarde os Batistas de nossos dias.

A nova doutrina de Lutero, o Luteranismo, negava a presença real de Cristo na Eucaristia, a confissão sacramental, as imagens e a autoridade papal, entre outras coisas. A Igreja condenou a nova doutrina de Lutero que se alastrava com rapidez. Em vário países da Europa, príncipes e reis fiéis à Igreja e ao papa, proibiam a circulação dos escritos de Lutero assim como sua nova doutrina. Contudo havia príncipes e reis que tinham interesses contra o papado e Acolheram as idéias de Lutero e protegeram seus seguidores em seus reinos. Dessa forma, o Luteranismo crescia, protegido nos Estados desses príncipes enquanto era combatido nos outros.

Em 1526 realizou-se uma Dieta em Espira, na Alemanha, que decidiu permitir a doutrina luterana até que se convocasse um Concílio para resolver a questão. Esta solução visava deter o avanço do Luteranismo mas não conseguiu. Em consequência, três anos depois, em l529, realizou-se uma nova Dieta em Espira. Nesta decidiu-se que ficavam anuladas todas as decisões da anterior e ainda proibia a expansão da nova doutrina. No  dia  14 de abril de 1529, os príncipes e os seguidores de Lutero, inclusive o próprio ali presente, levantaram-se e protestaram solenemente ante a decisão tomada. Por esta atitude passaram a ser conhecidos, a partir de então,  como  "Protestantes ".

Rapidamente a Europa se viu dividida entre católicos e protestantes. Por causa disso uma série de guerras religiosas estourou entre reis e príncipes católicos e seus iguais protestantes. A luta que se travava no terreno religioso passou para o campo político.  Houve lutas na Alemanha, Suécia, Suíça, Dinamarca e Holanda que abraçaram a doutrina de Lutero, e também na França, Espanha, Itália e Europa Central que permaneceram fiéis ao catolicismo. Eram guerras entre uma nação e outra ou mesmo internas com a repressão aos católicos e protestantes de acordo com o país. Nos séculos seguintes muitos morreriam nos campos de batalha da Europa por causa dessas disputas religiosas.

Os últimos anos da vida de Martinho Lutero foram angustiosos para o reformador por diversos motivos: aborrecimentos e decepções se somavam aos achaques corporais. A indisciplina se alastrava entre seus seguidores e os príncipes dominavam questões religiosas. Decepcionado, Lutero depositava as suas esperanças num fim do mundo próximo. Finalmente ele faleceu em 18 de fevereiro de 1546 em Eisleben, sua cidade natal, na Alemanha.

Martinho Lutero foi certamente um homem profundamente religioso, dotado de firme confiança em Deus, diligente n trabalho e desinteressado de si. A estes dons, porém, associou-se um temperamento apaixonado que podia chegar às raias do doentio. Tinha a convicção cega de que era um profeta e que havia recebido de Deus uma missão. Deixava-se guiar pelas emoções mais do que pela razão, principalmente em matéria teológica. Segundo o princípio luterano a fé é alheia à razão.

As idéias e o movimento de Lutero tiveram  seus ecos fora da Alemanha.  Vários outros reformadores surgiram, inspirados na Reforma Luterana, e todos eles partiam do mesmo princípio:  "a única fonte de fé é a Bíblia, lida e interpretada independentemente do Magistério da Igreja". Dessa forma surgiram novas doutrinas e novas igrejas separadas da fé católica. O francês João Calvino cria a sua própria doutrina, o Calvinismo ( que pregava a predestinação da alma, entre outros pontos), e chega a fundar um Estado Teocrático em Genebra, na Suíça, entre os anos de 1541 e 1554. Na Inglaterra, o Rei Henrique VIII depois de romper com o papa funda a sua própria igreja, a Anglicana, separada de Roma, em 1534, tendo o monarca inglês como seu chefe. John Knox levou o Calvinismo para a Escócia e lá fundou a Igreja Presbiteriana, em 1560. Robert Brownne, em 1580, fundou a Igreja Congregacional na Inglaterra. Pouco depois, John Smith funda a Igreja Batista, na Holanda, em 1600. No século seguinte, em 1738, John Wesley fundou a Igreja Metodista, na Inglaterra.

Outras igrejas e seitas protestantes foram surgindo nos séculos seguintes e continuam surgindo até os dias atuais dando uma falsa impressão de que se multiplicam quando na verdade se dividem cada vez mais. Todas as igrejas protestantes tradicionais sofreram divisões internas e deram origem a inúmeras outras. A reforma de Lutero se desviou de seus objetivos provocando um grande cisma no cristianismo. Contudo, tudo isso serviu para acordar a Igreja da época provocando uma reação interna, a chamada Contra-Reforma que permitiu uma reorganização da mesma em todos os setores, principalmente após o Concílio de Trento, iniciado em 1545 e, depois de alguns intervalos, concluídos em 1563. As soluções deste Concílio, despertaram a Igreja para a sua missão diante da problemática protestante.