Mons. Rhawy faz uma breve síntese de vários autores, a saber:

 

Introdução

O Romano Pontífice Bento XVI, ao Tribunal da Rota Romana, na abertura do ano judiciário de 26 de janeiro de 2008, afirmou: "este Tribunal serve ordinariamente de instância superior no grau de apelo junto da Sé Apostólica, para tutelar os direitos na Igreja, provê à unidade da jurisprudência e, através das suas próprias sentenças, ajuda os Tribunais de grau inferior". (...) "As sentenças da Rota Romana possuem uma relevância jurídica que ultrapassa o âmbito imediato das causas em que são emitidas" - observou o Pontífice. "Qualquer sistema judiciário deve procurar oferecer soluções nas quais, juntamente com a avaliação prudencial dos casos na sua dimensão concreta irrepetível, se apliquem os mesmos princípios e normas gerais de justiça". Isso porque "só assim se cria um clima de confiança na atuação dos tribunais e se evita a arbitrariedade dos critérios subjetivos" (...) "a exigência de unidade nos critérios essenciais de justiça e a necessidade de poder prever de modo ponderado o sentido das decisões judiciárias, que constituem "um bem eclesial público de especial relevo para a vida interna do Povo de Deus e para o seu testemunho institucional no mundo".

Em todo o caso, "está claro que o valor da jurisprudência da Rota Romana depende da sua natureza de instância superior no grau de apelo junto da Sé Apostólica". Continuando, asseverou que "As disposições legais que reconhecem tal valor, não o criam, mas apenas o declaram". "Esse valor provém, em última análise, da necessidade de administrar a justiça, segundo parâmetros iguais, em tudo o que, precisamente, é em si essencialmente igual". Prosseguindo no seu discurso, disse mais: "...impróprio falar de contraposição entre a jurisprudência do Tribunal da Rota e as decisões dos tribunais locais, os quais estão aliás chamados a uma função indispensável, tornando imediatamente acessível a administração da justiça, indagando e resolvendo os casos na sua situação concreta por vezes ligada à cultura e mentalidade dos povos. "Em todo o caso, todas as sentenças devem fundamentar-se nos princípios e nas normas comuns de justiça".  "Estão em jogo as exigências da comunhão, que implica a tutela do que é comum na Igreja universal, confiada de modo peculiar à Autoridade Suprema e aos órgãos que participam, ‘ad normam iuris', do sagrado poder".  "... mentalidade positivista na compreensão do direito", exprimiu a preocupação de que os tribunais eclesiásticos, nos juízos de nulidade dos matrimônios católicos se afastem progressivamente da doutrina da Igreja sobre a indissolubilidade matrimonial, e que, sobre este delicado tema, prevaleçam as "jurisprudências locais". O Santo Padre quis, portanto, recordar o que já afirmara no ano passado, sobre "a dimensão intrinsecamente jurídica do matrimônio".

Por fim, "o direito não pode ser reduzido a um mero conjunto de regras positivas que os tribunais estão chamados a aplicar. O único modo de fundar solidamente a atividade jurisprudencial consiste em concebê-la como um autêntico exercício da ‘prudentia iuris', de uma prudência que não é de modo algum arbitrariedade ou relativismo, pois consente ler nos acontecimentos a presença ou ausência da relação específica de justiça que é o matrimônio, com a sua real densidade humana e salvífica. Só desse modo as máximas da jurisprudência adquirem o seu real valor, sem se tornarem uma compilação de regras abstratas e repetitivas, expostas ao risco de interpretações subjetivas e arbitrárias". "Na Igreja, precisamente pela sua universalidade e pela diversidade das culturas jurídicas em que está chamada a atuar, existe sempre o risco de que se formem... jurisprudências locais cada vez mais distantes da interpretação comum das leis positivas e até mesmo da doutrina da Igreja sobre o matrimônio. Faço, portanto, votos de que se estudem os meios oportunos para tornar a jurisprudência da Rota Romana cada vez mais claramente unitária, assim como também efetivamente acessível a todos os agentes da justiça, de modo a assegurar uma aplicação uniforme em todos os tribunais da Igreja" .

Tendo este subsídio doutrinal podemos afirmar que a na vivência dos Tribunais o cânon 1095, primeiro como novidade da atual legislação, mas fruto da jurisprudência anterior abriu um grande leque onde se pensava que tudo poder-se-ia enquadrar neste caput nullitatis, mas que na verdade é bem diverso do que se pensa, conforme veremos a seguir.

 

 

O Cânon 1095

 

Não é o mesmo carecer de capacidade para contrair o matrimônio do que ter um impedimento. O impedimento, aliás, é um obstáculo extrínseco que pressupõe a capacidade natural para prestar o consentimento. A incapacidade de que se trata aqui afeta precisamente a fonte natural do consentimento, a aptidão psíquica de entender, querer e agir . Aconteceu entre 1917 até a promulgação do Código em 1983 um grande progresso no conhecimento da psicologia humana e os seus estados patológicos. Os trabalhos preparatórios do Código, embora incorporassem esses conhecimentos de uma maneira peculiar, jurídico-canônica, sem dúvida aproveitaram essa bagagem científica enriquecida pela abundante jurisprudência recolhida nas últimas décadas .

A Incapacidade por carência de suficiente uso de razão. Diz respeito a ato cognoscitivo e o Código não distingue entre carência habitual ou atual, originária ou congênita adquirida, de suficiente uso de razão, por isso, no cânone 1095, 1, estão compreendidas todas as classes de enfermidades mentais devidas a causas ou fatores físicos ou psíquicos, ocasionais e permanentes, culpáveis e inculpáveis e todas as perturbações atuais devidas a narcóticos, alcoolismo, ou seja, defeitos que invalidam a capacidade natural para emitir um consentimento matrimonial e que afetam a esfera cognoscitiva da decisão voluntária.

Não basta ter uso de razão para que alguém possa considerar-se capaz de um consentimento matrimonial válido. É mister uma capacidade crítica suficiente para ponderar os direitos e deveres matrimoniais. Desta necessidade surge o segundo item deste cânon que atinge o campo da vontade ou o grau de maturidade prática para uma decisão. Ora, levando em consideração que a falta de responsabilidade e ponderação no meio social da segunda metade do século XX, não podemos pensar que qualquer falha nesse sentido possa incapacitar para o matrimônio. Doutra maneira, por meio deste expediente, poderiam anular-se um grande número de casamentos. O cânon reza, precisamente por isso, de defeito grave e deve versar exatamente sobre os direitos e deveres essenciais do matrimônio. Isto quer dizer que se trata de uma incapacidade específica que dificulta captar precisamente a essência do matrimônio.

Logo, a capacidade consensual para casamento existe, por presunção, uma vez atingida a puberdade e só uma grave forma de alteração psíquica pode produzir incapacidade para consentimento matrimonial. Sofrem esse defeito os que estão incapacitados para compreender a importância social, moral e jurídica do matrimônio e de fazer-se responsável das obrigações morais e civis que do matrimônio derivam. É uma anomalia grave na estimativa moral e não no conhecimento intelectual.

Uma sentença da Rota Roma explica assim esse defeito grave: uma criança de cinco anos que ateia fogo no palheiro do seu pai tem um conhecimento conceitual tanto do palheiro quanto do incêndio; mas talvez não tenha o conhecimento estimativo do crime que tal ação implica .

Pois bem, falta esse conhecimento estimativo do matrimônio quando existe uma incapacidade gravemente anômala para captar, a respeito das responsabilidades matrimoniais, o que entende normalmente um jovem em idade de casar. É uma imaturidade anômala, uma minoridade na esfera ética, uma doença moral. Vejamos, portanto, mais pormenorizadamente.

Crescenti  já comentava tal tema que foi de sua tese de doutorado: "A incapacidade consensual supõe sempre a existência de grave forma de anomalia psíquica ou grave forma de psicopatologia: o matrimônio é uma instituição da natureza, que está ao alcance da generalidade dos homens, que são afetados, muitas vezes, por formas leves de alterações psíquicas: «de médico, poeta e louco, todos temos um pouco...» . O consentimento humano é passível de defeitos e de vícios que anulam a sua eficácia. Os defeitos e os vícios do consentimento matrimonial, capazes de tornar nulo o matrimônio, podem partir do intelecto ou da vontade. No presente trabalho versamos sobre o defeito do intelecto, a falta grave de discrição do juízo. Ter um grave defeito de discrição de juízo sobre os direitos e deveres essenciais do matrimônio, que tornam incapaz para o mesmo, em conformidade o cânon 1095,2º:

«Sunt incapaces matrimonii contrahendi :  (...)

2º qui laborant gravi defectu discretionis iudicii circa iura et officia matrimonialia essentialia mutuo tradenda et acceptanda .

 

 

Para poder conhecer a natureza da discrição de juízo é mister distinguir esta figura das outras afins que são a ignorância e a inadvertência. A ignorância consiste na privação habitual do conhecimento de uma determinada realidade. Esta figura encontra-se no Cânon 1096. A inadvertência é a privação atual do conhecimento de certa realidade. A ignorância inclui a inadvertência, mas esta pode existir sem aquela. O defeito de discrição de juízo pode existir conjuntamente com o conhecimento de uma determinada realidade. Portanto, este se opõe à ignorância e a inadvertência. O grave defeito de discrição de juízo como tal pode ser dividido em:

a) a discrição de juízo em si: note-se que se trata de uma faculdade estimativa que se exprime através de um ato da razão. Um ato que na sua natureza específica consistirá num juízo prático, isto é, "de rebus agendi".  Alguns confundem a discrição de juízo com a faculdade deliberativa e por isto mesmo, a identificam com a própria "inquisitio ou investigatio" . Outros acreditam que a "discretio", além da função de inquirir, consiste, especificamente, em estimar, ponderar, julgar concretamente as possibilidades que se apresentam. Possibilidades essas que são muito concretas, isto é, referem-se a um determinado matrimônio com uma pessoa bem determinada.

b) O objeto da discrição de juízo deve ser grave. No entanto, o texto legal não especifica nem a medida, nem a gravidade, muito menos, dá critério que possa servir de parâmetro. Conseqüentemente, caberá ao juiz especificar esta gravidade . Viladrich também comenta: "a primeira a conseqüência é que o grave defeito de "discrição de juízo" não só abarca o entendimento prático na sua função deliberativa e estimativa, mas também a vontade do sujeito, como poder de se auto-impor obrigações e exercer direitos e deveres em sentido de meros objetos do c. 1095, 2º (...) a segunda consequência é que o c. 1095 estabelece uma expressa medida, de natureza legal e objetiva, para qualificar a gravidade do defeito de discrição de juízo... são os direitos e deveres conjugais essenciais que se devem dar e aceitar. ... a gravidade é uma estimação jurídica, porque se faz com valores jurídicos, quais são os direitos e deveres matrimoniais... o termo grave (grifo nosso) é o qualificativo jurídico aplicável ‘aquele não poder discernir com o entendimento e não poder comprometer com a vontade a própria constituição ou instauração (dom e aceitação) dos direitos e deveres conjugais" .

c) É bom lembrar, no entanto, que o grave defeito de discrição de juízo é um vício do consentimento, isto é, uma incapacidade natural de ordem psíquica, mas não um impedimento propriamente dito. Portanto, o defeito deverá existir no momento de contrair o matrimônio, independentemente de sua perpetuidade ou não. Não há dissociação do psiquismo, mas defeito do intelecto prático (faculdade crítica ou estimativa): incapacidade de formar, hic et nunc, um juízo de valor sobre o matrimônio a ser celebrado. Sem isso, não pode haver ato de vontade proporcionado ao matrimônio. (Em geral, neuroses e psicopatias). Uma neurose pode afetar somente uma faixa da psiqué .

 

O legislador quando trata da discrição de juízo faz exigências. Na falta de discrição de juízo, o Cânon 1095, nº 2 diz explicitamente que deverá versar sobre direitos e deveres essenciais que os esposos devem dar e receber . Isto aparece de modo bastante claro em várias Sentenças Rotais . Serrano afirma que no âmbito do consentimento matrimonial hoje "deve ser incluído o posicionamento que possibilite às partes de serem os próprios agentes dos direitos e deveres. Os dois deverão construir a própria comunhão de vida e amor" .

A figura da imaturidade, para ficar clara, requer a abordagem da discrição de juízo. É necessário, antes de saber se está na área da valoração prática e por falta de discrição de julgamento a pessoa não avalia concretamente as implicações de seu consentimento matrimonial com um parceiro concreto a quem há de receber e a quem há de se entregar por inteiro e por toda a vida. Conseqüentemente, o conhecimento fica defasado e também a volição e a própria deliberação. E estes fatores propiciam vícios de consentimento a tal ponto que podem torná-lo inválido.

É salutar citarmos aqui o Discurso do Romano Pontífice Bento XVI ao Tribunal da Rota Romana na ocasião da inauguração do Ano Judiciário, aos 29 de janeiro do corrente ano de 2009, onde destaca algumas distinções e demarcações sobre o que seja a imaturidade, relembrando o saudoso Papa João Paulo II :

«atteso poi il coinvolgimento delle facoltà intellettive e volitive nelle formazione del consenso matrimoniale... riaffermava il principio secondo cui uma vera incapacità' è ipotizzabile solo in presenza di uma seria forma di anomalia che, comunque si voglia definire, deve intaccare sostanzialmente le capacita di intendere e/o di volere» .

 

O Romano Pontífice ainda nos lembra a Instrução Dignitas connubii de 25 de janeiro de 2005 que também nos fornece dados preciosos sobre a questão da anomalia psíquica que perturba gravemente o uso da razão  ou a faculdade crítica e eletiva em relação a grave decisão, particularmente por quanto atém à livre escolha do estado de vida . Não caiamos num pessimismo antropológico, nos adverte Bento XVI, mas busquemos a verdade sobre o matrimônio e sobre sua intrínseca natureza jurídica .

Portanto, conforme diz Vasconcelos "o defeito grave de discrição de juízo acerca dos direitos e deveres matrimoniais essenciais que são mutuamente aceitos e entregues, de que reza o presente cânone 1095, nº 2 supõe uma anomalia grave, atingindo a razão prática discretio iudicii que impeça a elaboração de um autêntico ato de vontade decisória" .

Representa este item um capítulo novo de nulidade. Anteriormente os casos compreendidos no mesmo eram, em parte declarados nulos através de outros expedientes como o de falta de uso de razão (amência, demência etc) ou o da simulação. Atualmente ganhou a categoria de um diferente e autônomo caput nullitatis. 

 

a)     Enquadramento deste capítulo dentro do campo geral das incapacidades: reconhece-se este defeito do consentimento reside principalmente na esfera valorativa-prática e não na do puro conhecimento. Nisto consiste uma das diferenças que o discriminam do 1º grupo (a falta de uso de razão). É certo que a unidade psicossomática do ser humano não nos permite separar em compartimentos estanques o conhecer, o valorizar e o querer, mas também é certo que certas funções e anomalias podem atribuir-se mais à única faculdade do que a outra. E isto acontece com a faculdade crítica que desempenha uma função superior à meramente cognoscitiva: é a capacidade estimativa à qual nos referiremos depois com maior atenção.

A Rota Romana vem reconhecendo ultimamente, em conformidade com algumas pesquisas psiquiátricas modernas, que determinadas doenças como a psicastenia, neuroses obsessivas, imaturidade afetiva, além de outras anomalias psicossexuais (ninfomania, satiríases, anafrodisia etc), afetam diretamente à vontade, sem lesar ostensivamente à inteligência . Esta tese, deve encarar-se com as devidas reservas, porque pode levar a um certo determinismo freudiano que sustenta a supressão da liberdade interna por forças cegas e irresistíveis "integro manente intellectu" . Não faltam opiniões discordantes que equiparam a falta de discrição de juízo a amentia  .

b)    Conceituação da defectus discretioni iudicii era considerado pela jurisprudência um caput nullitatis específico . Mas eram notáveis as flutuações e indecisões existentes para definir em que consistia essa discrição de juízo. A jurisprudência e a doutrina vacilaram para determinar os perfis dessa expressão enraizada na tradição canonista - discretio iudicii matrimonio proportionata - cujos alicerces encontram relevo especial em Santo Thomas e Sanchez . Temos a capacidade estimativa e a capacidade crítica. A primeira apareceu na jurisprudência rotal num determinado momento destacado da incapacitação de raciocínio, a incapacidade estimativa como causa de nulidade do matrimônio. É famosa a sentença coram Wynen, de 25 de fevereiro de 1941 . Já o conceito de capacidade estimativa aparece na jurisprudência reiterativamente, o conceito de capacidade crítica para determinar o conceito de suficiente discrição de juízo matrimonio proportionata.

c)     Qual é a medida indispensável o quantum mínimo de discrição de juízo para que o consentimento seja válido?  Reposta é importante porque tenta definir os contornos da única mensura suficiente do consentimento, da única medida a ser utilizada pelos Tribunais para evitar a arbitrariedade ou pelo menos a desigualdade de tratamento. A jurisprudência Rotal soube colocar as coisas no lugar. Com a coram De Jorio acertadamente se afirma que a maturidade não implica gravidade e prudência especiais, já que agir grave e prudentemente é de poucos, enquanto que contrair matrimônio é próprio da maioria dos homens . Em igual sentido Augustoni, em sentença rotal, observa ponderadamente que se "por um lado é preciso afirmar a necessidade da deliberação adequada para um negócio de tanta importância como o matrimônio, não é lícito, por outro lado, exigi-la tão perfeita que só possam alcançá-la mais seletos de gênero humano" .

d)    O caráter grave do defeito de discrição de juízo: por todas estas razões, exige que o defeito de discrição de juízo deva ser grave. Tratando-se de um causa de nulidade e levando em conta o princípio do favor matrimonii o defeito grave deve ter a categoria de verdadeira anomalia. Poderá classificar-se ou não como doença psíquica, mas tem que chegar, depois de atingir a idade núbil, um certo grau de anormalidade. A maior ou menor maturidade não compromete a validade do consentimento. O que o compromete é uma imaturidade anômala. 

 

INCAPACIDADE PARA ASSUMIR AS OBRIGAÇÕES ESSENCIAIS DO MATRIMÔNIO POR CAUSAS DE NATUREZA PSÍQUICA. Trata-se de grave incapacidade que destrói qualquer possibilidade de vida conjugal. Não se trata, pois, de incompatibilidade de caracteres, mas incompatibilidade de personalidades. Ora, em todo negócio jurídico em que se criam e assumem obrigações e direitos, a pessoa que realiza esse negócio, não somente deve ter capacidade cognoscitiva e volitiva para ele, mas deve ter também, como elemento essencialmente necessário, a capacidade para cumprir as obrigações derivantes desse negócio, porque, se não tem capacidade para cumprir as obrigações, tão pouco pode ter capacidade para assumi-las. Não se pode assumir aquilo que não se pode cumprir.

A Rota Romana começou o estudo desta figura jurídica com algumas sentenças sobre anomalias sexuais, como a hiperestesia e a homossexualidade. Então, por inexistência do objeto do contrato, a incapacidade em questão constitui um novo capítulo de nulidade matrimonial. Além disso, hoje contempla diversas hipóteses especificamente sobre incapacidade concretamente para assumir obrigações conjugais, ou que impossibilita de assumir relações interpessoais, patologias latentes, incapacidade que se conectam com algum tipo de anormalidade, absoluta ou relativa, permanente ou passageira, alterações da personalidade nas áreas da afetividade, maturidade pessoal e outras.

Por outro lado, as causas de natureza psíquica significam incapacidade para assumir as obrigações matrimoniais e que não precisam advir unicamente de anomalias de tipo sexual, como inicialmente vinha decidindo a Rota Romana. Acrescente-se que a causa psíquica não é a nulidade, mas a origem da impossibilidade de assumir, esta sim, a verdadeira incapacidade consensual, causa que deve ser interpretada em sentido amplo. Tal causa caracteriza-se pelo defeito do objeto, pelo qual o contraente não é capaz de entregar-aceitar o direito sobre o corpo exclusivo e perpétuo e/ou o consórcio ou comunhão de vida. Deve-se demonstrar com clareza e certeza moral que o contraente padece de anormalidade no momento da celebração. Neste sentido, a conduta do contraente, depois do matrimônio, pode constituir elemento probatório da anormalidade.

Segundo a Jurisprudência, a anormalidade deve ser grave, certa, antecedente, absoluta ou relativa. Mesmo que o contraente não faça nada ou quase nada de anormal depois das núpcias, tem-se que presumir que a enfermidade encontrava-se em estado de incubação . A expressão ‘incapacidade para assumir as obrigações conjugais' indica que o sujeito ou contraente é incapaz para se comprometer em válido pacto conjugal por não ser capaz de assumir as obrigações essenciais do contrato matrimonial.

Se antes havia confusão por parte da Jurisprudência rotal entre discrição de juízo e incapacidade para assumir as obrigações essenciais do matrimônio, hoje é assunto superado e foi uma sentença rotal, coram Serrano, de 05 de abril de 1973, que dirimiu a confusão . Hoje tal confusão já não mais existe, porque a Jurisprudência sempre se pronuncia a favor da distinção. O consentimento, para ser matrimonial, não pode ficar em um mero ato de vontade, dotado de mínimos componentes intelectivos, mas que há de projetar-se sobre o objeto conjugal, superando e ampliando a visão contratualista e passando a uma visão personalista, para dizer que o consentimento faz o matrimônio e nele está incluída a entrega mútua de ambos para constituir uma íntima comunidade de vida e amor.

A Jurisprudência distingue entre comunidade conjugal e convivência física, quando entende que a primeira é uma situação jurídica que constitui uma relação de solidariedade e participação na circunstância vital de cada cônjuge em relação ao outro, por isso o matrimônio, como estado, pode faltar, mas nunca pode faltar o direito à comunidade de vida, como muito bem se encontra definido. Ainda mais, para a Jurisprudência a vida conjugal em sua existência consiste em uma relação interpessoal, por isso a entrega não pode ser mera união carnal, mas um consórcio vital-conjugal e, portanto, a comunhão conjugal exige pessoas capazes de estabelecer um vínculo interpessoal íntimo, ordenado por si à procriação e educação dos filhos.

 

 

 

 

Cânon 1101, § 2

 

Simulação total de consentimento é exclusão do matrimônio como tal - matrimonium ipsum - por um ato positivo de vontade, segundo esclarece o Cânon 1101, § 2. Em outras palavras, se um dos nubentes profere externamente as palavras do consentimento, mas internamente não concorda ou não tem intenção de contrair, o consentimento é inexistente: cum matrimonium faciat consensus, sequitur quod, si quis ex nupturientibus externe proferat verba consensum exprimentia, interne vero dissentiat, seu non habeat intentionem contrahendi aut essenctiale elementum contractus respuat, nihil operatur (coram CANALS, Romana 11.10.1967, SSR Dec. vol. 59, p. 672, nº 2).

Para comprovar devidamente a simulação, é necessário, em primeiro lugar, atender-se para a confissão da parte simulante (sobretudo a confissão extrajudicial), confirmada por testemunhas fidedignas, que tenham ouvido a confissão em tempo insuspeito; requer-se existência de causa apta a exercer influxo na simulação do consentimento e finalmente que o exame das circunstâncias antecedentes, concomitantes e posteriores ao casamento corrobore a vontade contrária ao matrimônio (cf. coram FAGIOLO, Massilien, 16.10.1945, SRR Dec. vol. 60, pp. 691-694, nn. 3-7; Coram Wynem, Romana, 16.10.1945, SRR Dec. vol. 37, p. 556, nº 6). Em linha de princípio o legislador presume que o consentimento interno da vontade concorda plenamente com o que se manifesta externamente na celebração do matrimônio, porém pode acontecer que no momento de contrair ou em um momento anterior, o contraente tenha realizado um ato positivo de vontade interno mediante o qual exclua, não quer o matrimônio. Nesse caso se dá prevalência à vontade interna sobre a manifestada e o matrimônio seria nulo (cân. 1101, § 2). Para que possa ser declarado nulo o matrimônio deve ficar provado, no foro externo, que realmente existiu esse ato positivo de vontade. Por tratar-se de um ato que permanece no íntimo da pessoa resulta difícil de ser provado no foro externo. A jurisprudência da Rota Romana foi elaborando uma série de critérios para determinar como pode ser provado este fato. Em primeiro lugar deve ser pesquisado se houve ou não uma confissão extrajudicial do simulador. Esta consiste na manifestação ou revelação feita pelo simulador antes do matrimônio de que tinha essa vontade contrária ao mesmo, isto é, que não desejava casar, mas mesmo assim iria celebrar o matrimônio. Deve ser comprovado mediante testemunhas que ouviram essa declaração do simulador em tempo não suspeito (quando ainda não se pensava de entrar com uma ação de nulidade). Quando não fica provada a confissão do simulador, a prova resulta mais complicada. Também exige a Rota que fique provada no processo a existência de uma causa simulandi (motivos ou razões que expliquem o fato de que o simulador realmente rejeitava o matrimônio com aquela pessoa concreta) e a existência de uma causa contrahendi (motivos que o levaram a celebrar externamente o matrimônio). Assim o explica, por exemplo, uma c.R.P.D. VICTORIO PALESTRO, Ponente in Monitor Eccl. 1992, nn. 3-4, p. 456. "Cum modus agendi hominum ex rationabili causa sempre procedat prævalens voluntas contrahentis a sua determinata sua simulandi eruenda est; qua deficiente, ne quidem actus positivus voluntatis, quo excluditur vel matrimonium ipsum vel aliquod essentiale elementum vel essentialem aliqum matrimonii proprietatem, adesse potest".

O mesmo Ponente nos ilustra para estar atentos e poder distinguir bem quando se trata de uma causa fictícia ou procurada a posteriori, de uma causa certa e concreta para a simulação:

"Ut discernatur causa ficta aut falsa simulationis a causa certa, attente pependi debent gravitas et convenientia eiusdem causa cum effectu secuto, ratione habita cauæ contrahendi. Certe causa gravitas dimentienda est non absolute et in abstracto, sed in concreta realitate, ratione bahita indolis et ingenii simulantis, morum loci, ætatis, status valetudinis etc., pra oculis habendo quod exsistere potest causa gravis et proportionata ad simulationem patrandam, quin eapropter quis necessário simulet, cum ex proprio libero arbítrio homines agant et e converso quamvis, exstantibus causis simulantionis, quis simulationem affirmet eo ipso haud sequitur probatio actus positivi voluntatis, deficientibus confirmationibus testium, adminiculis, circunstantiis etc".

 

Se nada forçava ao matrimônio é de presumir-se que não houve simulação, mas propriamente um desejo de casar. Mas também pode acontecer que procure um determinado bem, que é o único que interessa para cuja fruição se instrumentaliza o matrimônio, como bem explicava o Staffa numa sentença de 15 de junho de 1948:

«generatim causa simulandi, seu illa ratio gravia ac proportionata quæ ad simulandum inducit, consistit in quodam malo vitando velbono obtinendo celebratione nuptiarum, uti v. gr. est filii concepti legitimatio, propositum libidinosum quod nonnisi per nuptias expleri posse æstimetur, grave et imminens scandalum arcendum, coactio quæ sine celebratione nuptiarum vitari nequeat quamvis per se vim irritantem non habeat, fides alteri contrahenti iam data neque facile repetibilis».

 

Deve levar-se em conta todas as possíveis circunstâncias que envolvem o caso, e comprovar que realmente todas elas apontam no mesmo sentido de fazer pensar que realmente houve a tal situação e o sujeito se comportou de acordo com este ato. Sem esses indícios resulta pouco racional pensar que houve uma simulação realmente. Se a pessoa uma vez obtida seu propósito ou finalidade particular que a levou à celebração externa do matrimônio, procura desfazer-se das obrigações, abandona o convívio marital, ou se obtida a finalidade, continua mantendo o convivo, e demonstrando com fatos que na verdade essa sua finalidade concreta, não levou a excluir o matrimônio mesmo.

Enfim, o fulcro do problema da simulação expressa no cânone 1101 § 2, do Código, está no fato em que não se reconhecem efeitos na ausência da vontade, mas somente a presença da vontade contrária. Em outras palavras, a faculdade volitiva pode ter três atitudes: 1. consentir (voluntário); 2. dissentir (involuntário); 3. abster-se de consentir e de dissentir (não voluntário).

Para afirmarem a exclusão de uma propriedade essencial ou a negação de uma finalidade fundamental do matrimônio, a tradição canônica e a jurisprudência da Rota sempre exigiram que estas se verifiquem com um positivo ato de vontade, que supere uma vontade habitual e genérica, uma veleidade interpretativa, nalguns casos uma opinião errônea sobre a bondade do divórcio, ou o simples propósito de não respeitar os compromissos realmente assumidos.

Por isso, em coerência com a doutrina constantemente professada pela Igreja, impõe-se a conclusão de que as opiniões contrastantes com o princípio da indissolubilidade ou as atitudes que lhe são contrárias, sem a rejeição formal da celebração do matrimônio sacramental, não superam os limites do erro simples acerca da indissolubilidade do matrimônio que, segundo a tradição canônica e a normativa em vigor, não vicia o consentimento matrimonial (cânone 1099).

Todavia, em virtude do princípio da insubstituibilidade do consentimento matrimonial (cf. Cân. 1057), de modo excepcional o erro acerca da indissolubilidade pode ter a eficácia que torna inválido o consentimento, caso determine positivamente a vontade do contraente em relação à escolha contrária à indissolubilidade do matrimônio (cf. Cân. 1099). Isto só pode verificar-se quando o juízo errôneo acerca da indissolubilidade do vínculo influi de modo determinante sobre a decisão da vontade, porque se orienta por uma íntima convicção, profundamente arraigada na alma do contraente e é por ele mesmo professado com determinação e obstinação. Inumeráveis textos rotais falam sobre a natureza e necessidade do ato positivo da vontade como este:

Tal ato positivo não se constitui pela intenção ou vontade habitual, que qualifica o ato mesmo e não penetra no consentimento nem pela vontade genérica, que concretamente não afeta o matrimônio determinado, nem muito menos as idéias manifestadas reiteradamente diante dos amigos sobre a utilidade do divórcio ou coisas parecidas. Porque uma coisa é manifestar os erros ou as inclinações e outra, restringir positivamente diante do altar o sentido das palavras pelas quais alguém declara que quer contrair matrimônio(coram Sabattani, SRRD, vol. 58, p. 3).

 

A denominada simulação parcial consiste na exclusão mediante ato positivo da vontade de um dos contraentes de um dos elementos essenciais ou de ima propriedade essenciais do matrimônio. Na simulação parcial a pessoa quer contrair matrimônio verdadeiro, mas desprovido de uma de suas propriedades ou elementos essenciais, o que determina sua nulidade de acordo com o mencionado cân 1101 § 2. A prova de este capítulo é muito difícil e complicada, como acontece com todo fenômeno simulatório, pois aqui também estamos em presença de um ato de vontade interno, que resulta difícil de provar o faro esterno, se nunca houve uma manifestação dessa vontade de excluir uma determinada propriedade. No caso em apresso teria sido excluído o bonum fidei, ou seja, o bem da fidelidade mútua que os esposos se promete no matrimônio. Nota-se bem que neste capítulo de nulidade não se faz referencia a possível exclusão da unidade do matrimônio, pois isto implicaria numa reserva de direito a ter duas esposas ou mais, ou dois maridos, comum a certa qualidade de condições.

Mas cabe perguntar-se se o fato de que uma pessoa não viva fidelidade depois do matrimônio implicaria numa simulação parcial? Não necessariamente, pois pode acontecer que no momento de contrair matrimônio tenha a vontade de constituir este vínculo perpetuo e exclusivo, e depois pela franqueza humana venha a não cumprir com a obrigação assumida. Neste caso não haveria exclusão mediante ato positivo da vontade de um dos elementos essenciais do matrimônio. a jurisprudência da Rota tem perfilado algumas hipóteses em que pode-se considerar-se que realmente a vontade de excluir esteve no momento de contrair. Assim nos diz a citada sentença: Nostri S. fori iurisprudentia determinavit dein quosdam modos, quibus fidelitatis exclusio in concreto ad effectum perduci possit, ut, v. gr., quando: "a) aliqua limitatio apponitur consensui in quae sit contraria fidei servandae; "b) intentio producitur se non aliter obligandi in contrahendo, nisi cum restrictione, i. e. exclusione se aliis non commiscendi; "c) positiva obligatio contrahitur cum tertia persona rem habendi et uti uxorem colendi" (S. R. R. Decis., a. 1953, dec. CI, diei 30 octubris, c. Mattioli, Pon.,m vol. XLV, pp. 641-642; c. De Jorio, Pon., diei 30 octobris a. 1963; cf. coram eodem, diei 26 februarii a. 1969, vol. LXI, a. 1969, pp. 202-205; c. Felici, Pon., 24 ianuarii 1951, vol. XLIII, p. 51), unde ponitur principium: "si contrahens ante et post matrimonium intimam relationem quadam cum determinata puella aut cum pluribus mulieribus absque interruptione coluerit, fortíssima exsurgit praesunptio ius exclusum fuisse. Et ideo, si peculiaria adiuncta post nuptias non supervenerint, quae prosectution aut novarum relationum instaurationem explicare valeant, pro certo haberi debet simulatum consensum intercessisse" (Sent. die 24 iulii a. 1985, c. Bruno, pon., n. 04). Certamente pode estabelecer-se essa legítima presunção, já que do contrário resultaria quase que impossível a prova deste capítulo de nulidade. Neste tipo de causas é muito mais difícil que se venha a produzir uma confissão extrajudicial em tempo não suspeito. Não é fácil que uma pessoa que vai contrair manifeste de forma muito clara que vai trair ao outro cônjuge, pois provavelmente se desfaria o noivado, se isto chegar a conhecimento dela. O mais normal é que aquele que exclui a fidelidade não fale muito disto, por isto mesmo resulta mais difícil provar a existência de uma confissão extrajudicial. Deve dar-se mais valor aos indícios ou circunstâncias que envolvem o caso. se consegue demonstrar que a pessoa de fato j estava ligada  afetivamente a outra (diferente do conjugue ) , e manteve relações com ela, e depois  do  matrimônio volta imediatamente a ter relações com ela, e  depois do matrimônio volta  imediatamente a ter relações com essa mesma  pessoa, é muito  provável que tenha excluído a fidelidade, mediante ato positivo da vontade. Mas deve  ficar provado que  houve  uma vontade clara de manter esse relacionamento extraconjugal, e  que isso foi pensado e planejado. Bem  diferente é o caso da pessoa que de fato não vive a fidelidade, mas sem chegar a fórmula internamente um propósito  deliberado  de trair ao cônjuge, e isto antes  matrimônio.

Devem avaliar-se, portanto, cuidadosamente as circunstâncias do caso para poder inferir que houve realmente o fato pretendido da exclusão. Mas especialmente deve ficar  comprovado que o pretendido excludente manteve esse relacionamento antes de matrimônio e depois do mesmo. Não são suficientes boatos ou coisas de tipo genérico. Assim adverte, às vezes, a citada sentença: Exinde, ad rectum iudicium ferendum, hisce praesertim in causis...ratio potissimum habenda  est factorum in suo complexu (cf. R. R. Dec., Vol. LIX a. 1967, p. 838, c. Bejan, diei 19 iulii a. 1967) quoties occurrunt facta et coniecturæ, aut coniecturæ et præsumptiones ex circunstantis facti (Cf. c. Pinto, diei 19 iunii a. 1971, in Monitor Ecclesiasticus, 2, 1973, 6). Nec mirum, nam facta aliquando eloquentiora (sunt) dummodo tamen sint plura, sint certa univoca (cf. R. R. Dec., Vol. XLIX, a. 1957, p. 53, n. 7, c. Felici, diei 29 a. 1957) (c. Funghini, Pon., Olomucen. Cit., pp. 37-39, n. 25).

CONCLUSÃO

Trata-se de uma das causas principais do defeito de consentimento, ou seja, grave falta de discrição de juízo. Portanto afeta o campo da vontade ou o grau de maturidade prática para uma decisão, mas deve ser grave. Há de ficar claro que a capacidade estimativa para captar os direitos e deveres não pode colocar-se a um nível superior aquele que adquirem os que atingem a puberdade. A esta capacidade critica e estimativa mutatis mutandis deve ser aplicado, segundo opina a jurisprudência , o critério que a própria jurisprudência e a doutrina dão a respeito da ciência mínima para o matrimônio: para consentir no matrimônio basta apenas um conhecimento in confusso, in genere, modo vago. Isto é simples e rudimentar ainda que possuidor das essenciais noções do matrimônio. Em conclusão para que tal capítulo de nulidade seja aplicado é mister: que o direito-dever captado insuficiente ou distorcidamente seja essencial, represente uma multidão substancial na própria essência do matrimônio e que a própria imaturidade na capacidade estimativa seja grave, até o ponto de representar uma anomalia do juízo crítico que uma pessoa normal tem após a puberdade. Não basta, pois, para declarar a nulidade, a existência de uma apreciação estimativa, imperfeita, superficial ou imprecisa, como não basta que atinja um direito-dever acidental. Caso contrário, muitos matrimônios seriam suscetível de nulidade abalando com isso não só o princípio do favor matrimonii, mas a própria indissolubilidade, pilar fundamental do Direito Matrimonial.

Para que o casamento seja inválido por defeito de consentimento basta que uma ou ambas as partes excluam elementos considerados essenciais ao casamento por força da própria natureza ou da lei positiva: a unidade, a indissolubilidade, a prole, a coabitação pacífica, a fidelidade, a mútua ajuda, comunhão de vidas, e, entre católicos, a dignidade do sacramento. A simulação quase sempre tem por trás uma causa eficiente que a provoca chamada "causa antecedente": casou para agradar aos pais, casou porque estava grávida, casou para sair de casa., etc. Toda a simulação é de difícil comprovação, mesmo a que tem por trás uma causa eficiente, por isso exige-se que o cônjuge que simulou comprove que realmente excluiu o casamento, no todo ou em parte, através de testemunhas a quem tenha revelado "em tempo não suspeito" que não queria casar com aquela pessoa ou que, embora querendo casar, excluiu determinada propriedade, elemento ou finalidade essencial do casamento. Esta comprovação é necessária, e raramente poderá ser dispensada, porque, quando o casamento não dá certo, há pessoas tão interessadas na declaração da nulidade ou invalidade do casamento que chegam a usar afirmações e recursos inaceitáveis, por vezes, até faltando à verdade.

Por fim, cremos que o caput 1095 abarca muitas situações e por isso a Santa Sé sempre tem pedido que se faça as devidas peritagem e outros assuntos profundos sobre a questão e inclusive com o deslumbrar o caput 1101, § 2 que é possível em muitos casos também, porém é esquecido, por parecer mais trabalhoso em geral. Não confundir simulação de consentimento com incapacidade para consentimento.  Nesta, o sujeito é incapaz de um ato de vontade relativo ao matrimônio. Naquela (simulação), o sujeito é capaz do ato de vontade e faz um ato de vontade contrário ao consentimento. Por essa razão, incapacidade de consentimento (cân. 1095) e simulação de consentimento são capítulos conflitantes de nulidade de matrimônio.

 

 

 


  Discurso de Sua Santidade Bento XVI, ao Tribunal da Rota Romana, por ocasião da inauguração do Novo Ano Judiciário, Roma, Sala Clementina, 26 de Janeiro de 2007

  Cf. Holboeck. Tractatus de jurisprudentia Sacrae Romanae Rotae. Graetiae-vindobone-coloniae. 1957, dec. 1932, p. 446, n. 3; Vol. XXV, dec. LXXI 1993, p. 599, n. 4

  J. Hortal. Comentário ao c. 1096. Código de Direito Canônico, p. 485.

  Cf. Coram Wynem, 25 de fevereiro de 1941, vol. XXXIII, pp. 144-168.

  J.G.C. Crescenti in separata da Revista da Universidade Católica de Petrópolis, n. 10, maio-agosto 1995 Revista da Universidade Católica de Petrópolis, n. 10, maio-agosto 1995.

  Cf. coram STANKIECWICZ in PERIODICA, 1993, fasc. III, pp. 529-561, sobretudo, pp. 540-541.

  Codigo de Derecho Canónico,[EUNSA], p. 654.

  Codigo de Derecho Canónico,[EUNSA], p. 655.

  P.J. Viladrich comenta «não era infrequente entre bastantes autores a tendência a conceber a discrição de juízo em termos muito centrados sobre o momento deliberativo do acto humano, inclusivamente pondo ênfase na necessidade de uma maturidade estimativa na deliberação». P.J. Viladrich. O consentimento Matrimonial. Braga, Gráficas de Barbosa & Xavier, 1997, p. 62.

  Communicationes 09 de 1977, nº 370.

  P.J. Viladrich. O consentimento Matrimonial., pp. 62-63.

  Exemplos: neurose de angústia, com conseqüente mecanismo de defesa: caso que originou a tese de Crescenti (sentença n. 25/82); estados patológicos de dúvida, insegurança, etc. (tese de Crescenti, pp. 212-293); ver sentença publicada in Direito e Pastoral, julho-dezembro de 1994, nº 31, pp. 73-94.

  Tendo em conta os progressos da Psicologia e Psiquiatria, houve um aprofundamento da incapacidade para consentimento matrimonial (cân. 1095). Aliás, a jurisprudência rotal já vinha tratando dessa matéria há alguns decênios. A tal respeito, anote-se que as fontes do cân. 1095 se reportam somente a decisões rotais.

  Cf. coram Pompedda e coram Pinto, in Revue de Droit Canonique, mars-juin de 1987, p. 96.

  Cf. Serrano, in Nulidad del matrimonio, Salamanca, 1981, p. 115

  Bento XVI retoma há 20 anos a "Allocuzioni di Giovavanni Paolo II, sull'incapacità psichica nelle cause di nullità matrimoniale, del 05 febbraio 1987 (AAS 79 [1987], pp1453-1459) e de 25 Gennaio 1988 (AAS [1988], pp. 1178-1185)".

  Benedetto xvi, Allocuzione alla Rota Romana, 05.02.1987, cit, n. 7, p. 1457.

  Cf. art. 209, §§ 1 e 2 n. 1; cân. 1095, n. 1

  Cf. art. 209, § 2, n. 2; 1095, n. 2.

  Cf. Benedetto xvi, Allocuzione alla Rota Romana, 27.1.2007, AAS 99 [2007], pp. 86-91.

  Cf. A. Vasconcelos. Por que casou? Casou por que? Rio de Janeiro, Maanaim, 2002, p.286.

  T. Sanchez. De sancto matrimonii sacramento. Tomo II, Venetiis, 1972, Lib. VII, Disp. 18.

  Cf. G. Delgado. Error y matrimonio canónico., p. 97. Frederico R. Aznar Gil, El nuevo Derecho Matrimonial Canonico., pp.320-326.

  Cf. Communicationes 9 (1977) pp. 371-372.

  Santo Afonso Maria de Ligorio p. 4016 in Communicationes 9 (1977) pp. 371-372.

  Cf. Código de Derecho Canónico,[EUNSA], p. 660.

  Pode consultar-se outro importante artigo do autor A. Mostaza, no dizer de Navarrete influiu na decisão da Comissão Cardinalícia: El error doloso como causa de nulidad del matrimonio canónico. In El consentimento matrimonial hoy. Barcelona, 1976, p. 193.

  Cf. Código de Direito Canônico - 1917. [BAC], p. 61.

  O Texto completo encontra-se na Revista Ius Canonicum 23 (1972), p. 344.

  F.R. Aznar Gil. El nuevo Derecho Matrimonial Canónico., p. 281.

  Cf. Coram Wynem.

  Cf. SRRD, vol. 62, p. 623, coram Bejan.

  Coram Anne, vol. 61, p. 183.

  Cf. E. Betti. Teoria general del negocio jurídico. Madrid, 1959, p. 358.