O ACORDO IGREJA-ESTADO

 

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DOM DADEUS GRINGS

2009

INDICE

Introdução

1.  A personalidade da Igreja

A) Um pouco de História

B) O reconhecimento estatal

2.   A imunidade tributária

3.   Colaboração cultural

4.   Assistência religiosa

5.   As escolas Católicas

6.   Os títulos acadêmicos

7.   O ensino religioso católico

8.   O casamento legal

9.   Garantias de espaços sagrados

10.                 Vínculo empregatício

11.                 Visto para missionários

12.                 As relações diplomáticas

13.                 Os seminários

14.                 O sigilo sacramental

15.                 Implementação do Acordo

Conclusão

 

INTRODUÇÃO:

No dia 13 de novembro de 2008, a República Federativa do Brasil e a Santa Sé, em Roma, sob a égide do Presidente Luís Inácio Lula da Silva e do Papa Bento XVI, através, respectivamente, de seu Ministro do Exterior e do Secretário de Estado, assinaram um acordo de mútua cooperação entre o Estado brasileiro e a Santa Sé. Trata-se de um evento memorável de extrema importância e significado. Estabelece, em termos jurídicos as relações entre a Igreja Católica, em sua atuação no Brasil e a República Federativa do Brasil. Recolhe, num único texto legislativo, o estatuto jurídico da Igreja Católica no Brasil, dando-lhe força de um tratado internacional.

Após a separação da Igreja e do Estado, desde a Revolução Francesa de 1789, sentiu-se a necessidade de regulamentar a presença da Igreja em todos os países em que se deu esta separação. Vivemos numa época, que ultrapassou os tempos dos Estados confessionais, que uniam Igreja e Estado, ou seja, uniam Religião-não só a católica, mas, nos países protestantes, a Luterana, e nos países muçulmanos, o Islam.- e Política, numa condição que, muitas vezes se mostrou perniciosa. Falamos hoje de um Estado laico ou da laicidade do Estado. Mas isto não pode significar a eliminação da Igreja, como acontecera na Revolução Francesa e que Napoleão Bonaparte, depois, teve que reparar com uma Concordata. Sente-se a necessidade de reconhecer juridicamente a autonomia de ambos. A máxima, que vem ressoando desde então, é de uma Igreja livre num Estado livre. A partir do Concílio Vaticano II intensificou-se a praxe de estabelecer pactos bilaterais. Hoje, estes acordos ultrapassam uma centena. Estabelecem as relações entre os Estados, mesmo não cristãos, e a Igreja Católica.

O Brasil, em que pese sua condição de maior país católico do mundo _ não em percentagem mas em número de fiéis _ desde a proclamação da República carecia de um estatuto jurídico mais apropriado. As relações do Estado com a Igreja eram  regidas pelo Decreto 119 A, de 7 de janeiro de 1890. Reconhecia-se a existência da Igreja Católica no Brasil - contrariamente ao que acontecera na França, cuja Revolução a decretou extinta.

Aos poucos, porém, começou-se a sentir a necessidade de elaborar leis complementares para regularizar as atividades de mútua incidência. Agora, com o Acordo oficial, assinado em Roma, todas as leis, já existentes - mesmo e exatamente porque, em muitos ambientes, eram ignoradas - se reúnem num Acordo bilateral.

Este Acordo entrará em vigor após ratificado pelo Congresso Nacional, por se tratar de um pacto internacional. Isto significa que, a partir de então, se revestirá de garantias de um tratado internacional. Contudo, todas as leis, nele contidas, que já existiam, continuam com a sua validade, mesmo antes da retificação. O Acordo apenas as estende para novos campos e lhes dá uma clareza e força indiscutíveis.

 

 

O conteúdo do Acordo

 

O acordo bilateral não elimina a laicidade do Estado nem discrimina as demais confissões religiosas. Situa-se, ao invés, no contexto plenamente democrático e pluralista, da igualdade e da liberdade religiosa para todos. Outras confissões religiosas poderão seguir o mesmo caminho para sua atuação específica. Assim, tudo se tornará mais claro e harmônico.

O Acordo reafirma, mais explicitamente o que já era do consenso geral e já tinha leis regulamentando: 1. a personalidade jurídica da Igreja Católica com todas as suas instituições, desde a Conferência Nacional dos Bispos do Brasil (CNBB). Às Dioceses, Vicariatos, Paróquias e Institutos religiosos; 2. Reconhece a filantropia e os benefícios tributários, de paridade com as demais entidades civis da mesma natureza, dentro do pleno respeito às leis; 3. Acolhe a colaboração com o Estado, no campo cultural; 4. Garante o direito e o compromisso da assistência religiosa nos estabelecimentos de  saúde, nos presídios, nos meios militares; 5. Assegura a paridade de tratamento nas escolas, dentro de uma afetiva igualdade e liberdade religiosa; 6. Reconhece os títulos acadêmicos universitários emanados pela Igreja; 7. Propugna o ensino religioso católico nas escolas públicas de ensino fundamental; 8. Reconhece os efeitos civis do casamento religioso e das sentenças eclesiásticas; 9. Garante a destinação de espaços para fins religiosos nos planejamentos urbanos; 10. Exclui do vínculo empregatício os padres e religiosos; 11. Garante o direito dos Bispos de pedir vistos para missionários estrangeiros; 12. Reafirma as relações diplomáticas entre o Brasil e a Santa Sé; 13. Reconhece os Seminários como educação oficial no Brasil; 14. Garante o respeito ao segredo do ministério presbiteral; 15. Abre a possibilidade de a CNBB implementar este Acordo, com outros convênios, junto aos órgãos do Estado brasileiro.

O Acordo não representa uma prerrogativa nova para a igreja. Desde a extinção do Padroado, com o Decreto 119 A de 1890, a personalidade jurídica da Igreja constitui um fato incontestável. A proclamação da República, separando a Igreja do Estado, não a eliminou, como fizera a Revolução Francesa, mas a reconheceu como realidade independente.

O fato de não reconhecer vínculo empregatício entre os ministros ordenados e suas Dioceses, nem entre os fiéis consagrados e seus Institutos religiosos, nunca suscitou dúvidas, nem por parte da Igreja nem por parte da jurisprudência trabalhista. Não representa, pois, nada de novo. Apenas reconhece juridicamente o que, na prática, já se vinha fazendo.

Quanto a imunidade tributária apenas se concretiza e explicita o Art.150 Inciso VI da Constituição Brasileira. Atribui-se  à Igreja Católica o mesmo tratamento concedido às entidades filantrópicas. Entendem-se por imunidade tributária não só os prédios, destinados explicitamente ao culto, mas também todo o patrimônio com suas rendas e serviços, relacionados com as finalidades essenciais da igreja, segundo o parecer , já amplamente consensual, emanado pelo Presidente do Supremo Tribunal Federal (STF), Ministro Gilmar Mendes.

1.   A PERSONALIDADE DA IGREJA

A)   UM POUCO DE HISTÓRIA

 

Quem lê o Antigo Testamento percebe que a religião é anterior ao Estado. Moisés organizou o Povo Eleito a partir da Aliança com Deus. Esta constituiu sempre a identidade daquele Povo. Quando , após diversos séculos, o povo pediu um rei à semelhança dos outros povos mais bem organizados politicamente _ Samuel ficou triste porque via ali uma diminuição da presença e do reconhecimento do senhorio de Deus. Mas os tempos haviam mudado. As novas exigências de organização impeliam à criação de uma estrutura política mais aprimorada. Mas, como era costume da época, o regime seria teocrático. Os profetas ainda vêem toda a História de Israel na perspectiva da Aliança com Deus. Também os reis lhe estavam submissos.

Com a conquista de Jerusalém por parte dos Babilônios e a com seqüente destruição do templo, cessavam os lugares sagrados, bem como toda organização religiosa e civil do Povo Eleito. Este, agora, era escravo da Babilônia. Ciro, ao conquistar esta cidade, deu liberdade e mandou que os judeus reerguessem seu templo em Jerusalém. Novamente a religião passava à frente da política.

Mas veio a conquista grega. Com o rei Antíoco chegou às culminâncias a tentativa de sufocar a cultura e a religião dos súditos para implantar a cultura grega a ferro e fogo. Aliás era o costume da época: os vendedores destruíam as "divindades" dos vencidos, para garantir a própria supremacia.

Fazia exceção Roma. Os heróicos Macabeus, na resistência ao jugo grego, quiseram firmar suas vitórias, conseguidas em nome do Senhor, o Deus de seus pais, com uma aliança com Roma. Obtiveram garantias de liberdade religiosa e de apoio militar para resguardá-la. Desde então os judeus gozaram, no Império Romano, de um estatuto próprio, que lhes assegurava o livre exercício de sua fé religiosa.

Os cristãos, que inicialmente eram confundidos, com os judeus, tanto por sua origem como pela maioria de seus fiéis, desejavam gozar das mesmas prerrogativas. Mas estes não consentiram. Pelo contrário: acusavam os cristãos de infidelidade, suscitando perseguições contra eles. Foram três séculos de sofrimento e de martírio. Somente em 313, com o Imperador Constantino, cuja mãe S. Helena era cristã, se conseguiu a desejada liberdade religiosa. De então em diante era possível viver e professar publicamente a fé em Jesus Cristo, Salvador.  No fim do século IV, Teodósio deu um passo à frente. Proclamou, primeiro, o Cristianismo religião oficial do Império e, depois, declarou extintas as demais crenças. Chegamos assim ao Regime de Cristandade.

Neste Regime sobressaem três figuras imprescindíveis, que se firmaram no decorrer da Idade Média: o Papa, o Imperador e a Universidade  de Paris. Todos reconheciam a necessidade e defendiam a distinção destas três instâncias, como complementares. No Papa se via a figura da mãe, no Imperador, a do pai e na Universidade, a fonte de inspiração. Houve, sem dúvida, tensões. Como costuma acontecer em instituições humanas. Mas a estrutura permaneceu sólida até a Revolução Francesa, em 1789, quando se declarou extinto o Cristianismo, se guilhotinou o rei e se criou uma religião do Estado. Houve novamente muitos mártires cristãos. Napoleão viu, com a perspicácia que lhe era peculiar, que a Igreja não se reduzia à autoridade do Papa e dos Bispos. Era um povo inteiro que plasmava sua fé em Cristo. E este povo era também súdito seu, em todos os demais aspectos submisso e fiel. Tinha pois que fazer as pazes não só com os inimigos externos, como também com seus próprios súditos, respeitando tanto sua fé em Jesus Cristo como também sua pertença à Igreja Corpo de Cristo, presente e muito atuante em seu país. Fez, pois, um acordo com a Santa Sé, regulamentando a vida da Igreja  católica na França. Ainda não sopravam ali os ventos da democracia, em que o Povo decidira sobre seus destinos.

Quase um século depois, a Itália procedeu a sua unificação. Apossou-se dos Estados Pontifícios, que ocupavam todo o centro da península itálica e tomou todas as propriedades da Igreja, que lhe davam sustento, como já fizera a revolução Francesa no seu país. O Papa desde 1870. Considerou-se prisioneiro do Vaticano, cercado de altas muralhas. Somente no século XX, com Mussolini, que, apesar de seu totalitarismo, percebeu as incoerências da situação, se chegou a um acordo. Deu-se não só a liberdade ao Papa, como também a todos os fiéis italianos de viverem sua eclesialidade no novo reino laical. Ao Papa reconheceu-se um território livre de qualquer ingerência, dentro das normas internacionais da independência: o menor Estado do mundo, mas nem por isso o menos importante. Chamou-se Estado Cidade do Vaticano, abreviado como SCV. Obteve logo o reconhecimento internacional. Mantém, desde então, relações diplomáticas com quase duas centenas de Estados independentes. Para a Igreja na Itália fez-se um acordo, garantindo, a título de indenização pela usurpação de suas propriedades, um a "côngrua sustentação" do clero e uma presença e atuação em todos os ambientes da sociedade.

No Brasil havíamos herdado dos portugueses o regime do Padroado. O Estado mantinha economicamente a Igreja, em troca de uma série de concessões. Foi o sistema inventado para sustentar as missões nos países recém-descobertos. Os reis, tanto da Espanha como de Portugal, profundamente católicos, assumiam a incumbência de sustentar a evangelização dos novos, em troca de uma série da favores, entre os quais o placet sobre as ações da Igreja.

Inicialmente este regime deu bons resultados. Mas, arrefecendo o ardor missionário, ou seja, prevalecendo a política sobre a mística, começou-se a sentir a restrição, cada vez maior, à ação da Igreja, tanto na criação das dioceses, seminários e paróquias, como na pregação da justiça e do próprio evangelho. Na verdade, a Igreja encontrava-se manietada nas mãos do Estado.

Quando, em 1890, se proclamou a República, pôs-se fim não só à Monarquia como também ao regime do Padroado. Não se tratou, como no caso da França e da Itália, de uma apropriação dos bens da Igreja, e muito menos, de uma proibição do exercício de sua missão. Pelo contrário, no Brasil, O Estado se retraiu do campo que era da Igreja. Reconhece a liberdade religiosa, tanto para ela como para as demais religiões. Por isso abstém-se de privilegiar ou subvencionar alguma. Prevalece a máxima de uma Igreja num Estado livre, o que equivale a dizer que nem a Igreja deve prestação de contas de sua atividade específica ao Estado, nem o Estado à Igreja.

No Decreto n. 119 A, de Deodoro da Fonseca e de sua junta governativa, se reconhece em nome da Nação, a liberdade não só dos atos individuais como também das igrejas, associações e institutos (art. 3); e a personalidade jurídica de todas as Igrejas e confissões religiosas, para adquirirem e administrarem bens (art. 4). A grande novidade é que a Igreja Católica deixa de ser Religião oficial do estado e se reconhecem direitos iguais a todas as demais confissões religiosas.

Em outras palavras, até então, para entrar e viver no Brasil, era preciso ser católico. Houve uma exceção devida à campanha da imigração estrangeira, que se abria agora para os outros povos, não portugueses. Refere-se aos Protestantes alemães, acolhidos como imigrantes a partir de 1824. Era-lhes concedido manter e praticar sua fé, com a condição de não fazer proselitismo. Com a proclamação da República, a separação do Estado e da Igreja fez com que o primeiro se tornasse laço e a segunda passasse para a condição de semi-privacidade. O Estado moderno tem assim uma característica de laicidade. Não,  porém, a sociedade, que se mantém profundamente religiosa e, no nosso caso, católica.

Nicolas Sarkozy, Presidente da República da França, caracteriza muito bem a laicidade do Estado, que surgiu exatamente no seu país, proclamando a seu tempo como filho primogênito da Igreja. Diz ele:

"A laicidade não poderia ser a negação do passado. A laicidade não tem o poder de cortar uma Nação de suas raízes cristãs. Ela tentou fazê-lo. E não deveria tê-lo feito. Eu acho que uma nação que ignore a herança ética, espiritual e religiosa de sua história comete um crime contra sua cultura".

A questão das relações entre Igreja e Estado é estudada pelo Direito Público eclesiástico. Compreende duas modalidades. A primeira retrata as relações, por assim dizer, materiais. Promanam da estrutura objetiva, independente da vontade humana de seus dirigentes. Ou seja: os cidadãos do Estado são, em grande parte, os mesmos da Igreja . Sua vida se desenvolve nestes dois ambientes, que não podem se contrapor, sob pena de causar traumas nas consciências dos súditos. Podemos denominá-los brasileiros católicos. Amam seu país e amam sua Igreja. São, pois, fiéis aos ditames do bem comum da nação e fiéis às orientações religiosas da Igreja, por assim dizer, da terra e do céu.

A segunda modalidade retrata as relações formais. Surgem quando ambas as sociedades, a Igreja e o Estado, por suas respectivas autoridades, assumem explicitamente suas relações mediante um acordo. Formalizam suas relações. vêem as questões mais importantes que afetam os cidadãos e fiéis de ambos os lados e se estabelecem normas de procedimento comum.

De fato, nota-se que tanto a separação da Igreja e do Estado como sua plena união não correspondem, atualmente, nem à índole dos regimes democráticos, numa sociedade pluralista, nem ao espírito e às diretrizes do Concílio Vaticano II. Em outras palavras, explicitando:

Quando não é o monarca ou ditador quem decide sobre os destinos da nação, mas o próprio povo elege e controla seus representantes; e quando a Igreja defende, com toda a veemência, a liberdade religiosa não só para si mas também para todas as denominações religiosas, em qualquer parte do mundo, não se concebe mais que uma religião seja imposta aos súditos de um país, mas também não se compreende como um governo, que representa seu povo, ignore sua fé e persiga ou discrimine seus súditos por motivo de suas crenças.

Para dirimir uma série de questões nas quais tanto a igreja , de instituição divina, como o Estado, de criação humana, tem competência, é preciso emanar leis para regulamentar esta relação. Chegou, agora, o momento, após mais de três lustros de tratativas nos mais altos escalões do Governo federal e da Igreja, de reunir todas estas leis e firmá-las por um acordo bilateral, que dê segurança a ambas as partes. Este Acordo dará tranqüilidade aos fiéis e aos cidadãos em alguns pontos de extrema importância para ambas as instituições, como veremos adiante.

 

PARA REFLETIR

1.     Qual é a importância e posição da Religião na Sociedade humana?

2.     Como se pautava o Império Romano frente às religiões de seus súditos?

3.     Qual era a situação dos judeus no Império Romano?

4.     Para que regulamentar juridicamente as relações Igreja-Estado no Brasil?

B)    O RECONHECIMENTO ESTATAL

 

N

inguém divida da existência da Igreja Católica no Brasil. A História do Brasil está indissociavelmente ligada à presença da Igreja Católica. Celebrou-se seu nascimento com uma Missa. A Igreja deixou marcas indeléveis em nossa pátria, ao longo de seus 500 anos de caminhada. Ainda hoje se podem constatar suas instituições e sua atividade pujante em todo o território nacional.

Na ação concreta, porém, este reconhecimento muitas vezes trepida. O Acordo reconhece claramente a personalidade jurídica da Igreja Católica não só de modo geral e vago, mas em todas as suas Instituições, previstas no Direito Canônico. Especifica, entre outras, no Art. 3, a Conferência Episcopal, conhecida nacionalmente como CNBB, as Províncias Eclesiásticas, as Dioceses, Prelazias, Vicariatos, Ordinariado Militar e para outros Ritos, Paroquiais, Institutos de Vida Consagrada e Sociedades de Vida Apostólica. Requer apenas, para o devido reconhecimento local, o registro civil do ato da criação.

Dentro do principio da liberdade religiosa, garante-se à Igreja o livre exercício público de sua missão. Na verdade isto não constitui nada de novo dentro de um regime democrático, que paute sua ação pelo princípio de subsidiariedade. Mas evita muitos dissabores, provenientes de ingerências indevidas de agentes e de órgãos públicos, tanto do poder executivo como legislativo e judiciário, no que diz respeito ao exercício eclesiástico do poder da ordem, na administração dos sacramentos, no culto divino; do poder do magistério, para a difusão da doutrina e dos documentos oficiais; do poder da jurisdição, na emanação de leis e atuação dos tribunais eclesiásticos; e no poder de administração, na nomeação dos bispos, párocos e agentes de pastoral.

O mútuo reconhecimento entre a Igreja e  o Estado brasileiro não envolve um ato de fé na igreja, como Corpo Místico de Cristo  e instrumento sobrenatural de salvação. Acolhe apenas sua existência como fato histórico, presente incontestavelmente no Brasil. Por isso não exclui um equivalente reconhecimento de outras confissões religiosas. Não se questiona nem se afirma explicitamente a natureza divina ou sobrenatural, nem se determina que a Igreja Católica é a única verdadeira, nem sequer se impõem seus dogmas de fé à população. Estabelece-se, apenas, clara e explicitamente, que os católicos, no Brasil, têm direito de professar sua fé e viver de acordo com ela, tanto em particular como publicamente, tanto em relação à própria Igreja como em relação à salvação. Isto significa reconhecer a liberdade religiosa. Não se impõe nada nem se faz menção das outras religiões, para eventualmente excluí-las ou dar-lhes uma qualificação estranha. Garante-se a mesma liberdade religiosa. O Acordo não põe, pois, a Igreja Católica numa posição privilegiada. Apenas lhe reconhece a existência e atuação, no Brasil, dando-lhe as devidas garantias, que logo mais explicaremos. Regulamenta alguns pontos, que provocam, às vezes, atritos. Abre ainda a possibilidade de a própria CNBB regular, com o Estado, outras questões, quando se chegar a um consenso, como p.ex., a problemática dos feriados religiosos, e a posse de meios de comunicação rádio-televisivos.

O Acordo não se faz entre o Presidente da República e o Papa, mas entre a Santa Sé, em nome da Igreja Católica, e o Estado brasileiro. Tem, pois, uma força e firmeza de um acordo internacional.

Cabe, aqui, em primeiro lugar, uma homenagem a Dom Ivo Lorscheiter, de feliz memória, que esteve, por muito tempo, à frente dos trabalhos e tratativas deste Acordo. Foi seu protagonista aqui na terra e agora, certamente, assume sua tutela lá no céu. Nosso reconhecimento, também muito sentido, vai ao Núncio Apostólico Dom Lorenzo Baldisseri, pelo, empenho em levar o Acordo à feliz conclusão e de sempre deixar informados os Bispos de seu andamento ao longo das complexas tratativas nos mais altos escalões. E, por fim, nossa gratidão a todos os negociadores dos diversos ministérios do governo federal, pela seriedade e abertura que tiveram neste diálogo, para chegar a este desfecho feliz. É reservado ao Congresso Nacional a ratificação final, para lhe dar o reconhecimento, com o vigor de um Acordo internacional. Nossos Senadores e Deputados federais são testados, em primeiro lugar, na sua catolicidade e, depois, na sua coerência com as leis que já emanaram e que agora foram recolhidas e sintetizadas neste Acordo. Veremos até onde prevalece o bom senso, a fé católica e o empenho pelo bem comum sobre eventuais preconceitos, fanatismos e sectarismos. Todos os cidadãos, em especial os católicos, estarão atentos a votação, que se reveste de um extraordinário significado e envolve uma responsabilidade ímpar.

 

PARA REFLETIR

1.     Em que consiste o acordo Igreja-Estado?

2.     Qual é a importância deste Acordo?

3.     Este Acordo não discrimina as outras religiões?

 

 

2.     A IMUNIDADE TRIBUTÁRIA

 

Quando se tenta equiparar entidades diferentes corre-se o risco de falsificação e, de injustiça. A Igreja não é empresa. Tem uma índole própria, religiosa, que foi reconhecida pelo Acordo e  se faz presente na Constituição brasileira. O argumento de igrejas, eventualmente criadas para outros fins, que não sejam religiosos e que não tenham o objetivo especificado de levar a Deus e de proporcionar a salvação eterna aos homens, não deve nem pode obnubilar a verdade acerca da Igreja Católica, bem como de outras, cuja seriedade não se pode por em dúvida. Por isso, o Acordo é bilateral. Faz-se entre a Igreja Católica, que apresenta uma Tradição de dois mil anos e demonstra sua seriedade na organização, e o Estado brasileiro. Quanto aos outros credos deixa-se aberta a questão. Poderão ser testados pelo governo, um por um, para estabelecer Acordos similares, na medida em que mereçam confiança e apresentem as mesmas condições de seriedade.

A Constituição brasileira fala de imunidade. Muitas leis lhe acrescentam isenções de determinados impostos. Trata-se de uma isenção que é própria do campo religioso. A Igreja, por sua vez, propõe três grandes campos para requerer imunidade: o campo de clero, a campo dos espaços que ocupa e o campo das taxas de serviços. Para entender melhor tentemos especificar: antigamente, no regime de Cristandade, falava-se dos privilégios dos clérigos, à semelhança dos privilégios dos militares. Prendem-se ao seu regime próprio, a serviço do bem comum. Além disto estabelece-se a imunidade dos templos. Estende-se à imunidade das taxas, tendo em vista que os bens da Igreja estão a serviço de todos e da manutenção da missão específica da Igreja, tanto do culto, do magistério como da caridade.

A Igreja reconhece ao Estado o direito de ordenar os bens temporais. Como, porém, ela necessita de bens temporais para alcançar seus objetivos, que são sobrenaturais, põe-se no plano de isenção dos impostos e das taxas. Entre seus objetivos sobressai a educação, o culto e o matrimônio. O ponto de atrito costuma verificar-se no que diz respeito aos impostos sobre bens materiais. O Art. 5 do Acordo vem dirimir esta questão. Garante todos os direitos, imunidades, isenções e benefícios atribuídos a entidades afins quando as pessoas jurídicas  eclesiásticas, como é de sua índole, de fato, perseguem fins de assistência e solidariedade social.

Como a Igreja, por sua própria natureza, tem uma dimensão participativa, unindo seus fiéis em torno de Jesus Cristo, pela força do Espírito Santo, uma dimensão misericordiosa, indo ao encontro dos mais necessitados, para que todos tenham vida em abundância e uma dimensão missionária, anunciando a todos os povos a boa nova da salvação e da paz, é obvio que seja essencialmente filantrópica e desenvolva atividades de assistência social. A legislação brasileira estabelece algumas normas para seu controle efetivo. Elas devem, sem dúvida, ser observadas. Diante do Acordo, todas as pessoas jurídicas eclesiásticas, que foram mencionadas e que atuam no campo social e educacional, podem, sem escrúpulos, requerer sua filantropia e garanti-la contra quaisquer invectivas.

O Art. 15 reconhece tanto às pessoas jurídicas como ao patrimônio, renda e serviços, relacionados com sãs finalidades essenciais, a imunidade que lhes garante a Constituição brasileira. Para fins tributários, no que se refere à sua atividade social e educacional, atribuem-se-lhe o mesmo tratamento e benefícios outorgados às entidades filantrópicas, com tudo o que diz respeito à imunidade e à isenção.

Por este Artigo do Acordo todas as Dioceses e Institutos de Vida Consagrada se enquadram no âmbito da filantropia e gozam das respectivas isenções. A Igreja, por meio de suas pessoas jurídicas, re conhecidas pelo Acordo, tem por missão específica a evangelização.  Isto envolve necessariamente uma intensa atividade social e educacional. O que, eventualmente, se deverá fazer para visibilizar esta sua ação é adaptar a terminologia eclesiástica à linguagem civil, para que todos compreendam de que se trata. O empenho pela Nova Evangelização já o preconiza, ao preparar o Grande Jubileu do ano 2000: novo ardor, novos métodos e novas expressões, o que equivale a traduzir nossa ação evangelizadora para uma linguagem compreensível aos novos tempos, dentro da sociedade civil, como promoção verdadeiramente humana, em termos de atividade social e em termos de educação.

A Igreja, esperta em humanidade, entende de educação _ Ela foi pioneira na criação de escolas e universidades _ e entende de promoção humana _ de modo a ser, desde suas origens, admirada por todos devido à sua efetiva solidariedade, especialmente para com os mais carentes. Ela nunca abandonou estes campos, É, pois, essencialmente filantrópica, o que tem demonstrado ao longo de toda a sua História. Sua missão é evangelizar, o que equivale a anunciar e concretizar uma Boa Nova, qualificada em termos de redenção, salvação, libertação,humanização. A discussão sobre o que seja prioritário para a Igreja: evangelizar ou humanizar, está, há muito, superada pela evidência de que evangelizar é fundamentalmente humanizar; anunciar Jesus Cristo e tornar presente sua salvação é o modo mais excelente de humanização: é levar à plenitude a vida e a sociedade humana, proporcionando-lhe paz e solidariedade. É o que agora vem oficialmente reconhecido pelo Acordo, que o Brasil assinou com a Santa Sé.

 

PARA REFLETIR

1.     Em que consiste a imunidade e a isenção que o Acordo garante à Igreja?

2.     Por que se concede à Igreja essa imunidade e isenção?

3.     Como a Igreja prova sua filantropia?

 

3. COLABORAÇÃO CULTURAL

A Igreja, no dizer do Papa Paulo VI à Assembléia da ONU, é mestra em humanidade. Além do trabalho pastoral e evangelizador, que realiza no dia a dia, ela dispõe de um patrimônio histórico, artístico e cultural e um acervo em arquivos e bibliotecas de valor inigualável. O Acordo estabelece o principio de cooperação neste campo da cultura. Considera, com justa razão, o patrimônio eclesiástico como parte do mais valioso acervo cultural e artístico do Brasil. Para marcar esta colaboração mútua serve-se de Três verbos muito significativos: salvaguardar, valorizar e promover. Deseja que estes bens sejam colocados à disposição, do público, para firmar nossa identidade brasileira, de modo que todos possam deles usufruir.

A República Federativa do Brasil garante, agora, a finalidade dos bens eclesiásticos e a Igreja Católica se compromete a facilitar o acesso a eles, dentro da finalidade que lhes é característica, na evangelização e na formação da consciência nacional.

Sabemos da importância deste acervo histórico, artístico e cultural tanto para garantir e promover a identidade de nossa cultura e de nosso povo como para a evangelização. O passado nos fala da fé e da piedade, que constituiu nosso berço e que refontiza nossas aspirações. Mais de 80% de toda a arte se encontra em nossas igrejas e museus eclesiásticos. Vale a pena zelar por ela.

 

PARA REFLETIR

1.     Como a Igreja e o Estado promovem a cultura no Brasil?

2.     Qual é a finalidade dos bens artísticos da Igreja?

3.     Qual é a relação entre a Igreja e a arte?

 

 

4. ASSISTÊNCIA RELIGIOSA

A Igreja tem, por missão própria, evangelizar. Exerce-a pelo tríplice ministério: da Palavra, dos Sacramentos e da Caridade. Por sua opção pelos pobres, cujo rosto sofrido a V conferência dos Bispos da América Latina, realizada em Aparecida/ SP, vê especialmente nos moradores de rua, nos migrantes, nos enfermos, nos dependentes de drogas e nos presos, Ela se sente comprometida com a assistência espiritual, especialmente com seus fiéis internados em estabelecimentos de saúde, de assistência social, de educação ou detidos em penitenciárias. A República Federativa do Brasil, por meio do Art. 8 do Acordo, lhe garante este direito. Isto significa, concretamente, que as portas dos hospitais, dos asilos, das escolas e das prisões estão permanentemente abertas para a ação da Igreja, sempre bem planejada e respeitosa das autoridades respectivas.

Este Art. 8 traduz uma frutuosa confiança mútua entre Igreja e Estado. Ambos estão a serviço de seus fiéis e cidadãos, respectivamente, num clima de cordialidade, de solidariedade e partilha de responsabilidade. Abre-se aqui um enorme campo para a atividade pastoral da Igreja, que requer organização eficiente e formação acuada de agentes credenciados, que atuem em nome e com os critérios da Igreja.

 

PARA REFLETIR

1.     Que se entende por assistência religiosa?

2.     Como se exerce, na prática, a opção pelos pobres?

3.     Como tornar a Igreja presente nos hospitais, nas escolas, nos presídios, nos asilos?

 

 

5. AS ESCOLAS CATÓLICAS

A Igreja e o Estado, pelo Art. 10 do Acordo, propõem-se a colaborar intensamente na educação do povo. A Igreja coloca suas instituições de ensino ao serviço da sociedade e o Estado lhe garante e reconhece o direito de constituir e administrar Seminários para a formação de seu clero e outros Institutos de formação e cultura para exercer sua missão de ensinar. O reconhecimento de seus estudos e graus se regula, a partir do Acordo, em paridade com os estudos de idêntica natureza do Estado.

Com estas disposições, as escolas católicas, não mais serão discriminadas com uma eventual concessão de quotas para o ingresso no ensino superior a alunos providos de instituições públicas, nem estarão sujeitas a exigências maiores que aquelas que se requerem para o funcionamento dos colégios públicos. O problema básico das escolas católicas, como de todas as escolas chamadas particulares, se encontra no seu financiamento. Não é justo, dentro da paridade estabelecida, alunos das escolas católicas, cidadãos como os demais, terem que pagar seus estudos, enquanto para as escolas públicas este pagamento provém da sociedade, através dos impostos pagos por todos os cidadãos, com índice bem superior de custos. Já há tempo, quando da reivindicação do ensino gratuito em todos os níveis, as entidades religiosas se dispuseram a proporcionar ensino sem ônus para alunos se o Estado lhes repassasse uma terça parte do que gasta por aluno nas escolas públicas. Na verdade não existe ensino particular porque todo ele deve adequar-se aos programas oficiais. Mas existe uma administração particular de escolas, muito mais de acordo com o principio de subsidiariedade. Ainda  não chegamos a este regime democrático na educação, que deixaria a administração do ensino nas mãos das comunidades e as subvencionaria com os recursos e a orientação pública. Mas já constitui um grande passo o estabelecimento, em Acordo mútuo, da paridade do reconhecimento dos estudos, graus e títulos.

 

PARA REFLETIR

1.     Por que a Igreja monta redes de ensino?

2.     Qual é a missão das escolas católicas?

3.     Como a Igreja marca presença no campo da educação dos cidadãos?

 

6.   OS TÍTULOS ACADEMICOS

A  Igreja dispõe, no mundo, de universidades eclesiásticas e administra cursos de nível superior, com seus respectivos graus acadêmicos. O Acordo acolhe estes títulos, dentro das exigências dos ordenados jurídicos, tanto do Brasil como da Santa Sé. É costume estabelecerem-se acordos entre as nações para o reconhecimento dos títulos acadêmicos para alunos que buscam, no estrangeiro, o aprimoramento de seus estudos. A Igreja e o Estado brasileiro agora também acolhem mutuamente este dispositivo, que facilita e valoriza o estudo feito nos estabelecimentos eclesiásticos.

 

PARA REFLETIR

1.     Por que a Igreja fornece títulos acadêmicos?

2.     Qual é o valor destes títulos?

 

7.     O ENSINO RELIGIOSO CATÓLICO

O Art. 11 do Acordo Brasil _ Santa Sé dirime uma longa discussão e uma série de dúvidas. A Constituição brasileira de 1988 determina que "o ensino religioso, de matrícula facultativa, constituirá disciplina dos horários normais das escolas públicas do ensino fundamental". Houve uma primeira interpretação como se se tratasse de "uma religião genérica". Por isso a-confessional, indefinida ou eclética. Esta religião, porém, na verdade, não existe. Não pode e não é concretamente praticada por ninguém. O Estado do Rio de Janeiro conseguiu oficialmente o reconhecimento do ensino católico nos estabelecimentos públicos, como plenamente constitucional.

O Acordo, no Art. 11, n.1, para evitar qualquer dúvida bem como qualquer discriminação, insere, junto ao "ensino religioso", da Constituição, os termos "católico e de outras confissões religiosas, de matrícula facultativa...". Assegura assim o respeito à diversidade cultural religiosa do Brasil e evita qualquer forma de discriminação.

Este dispositivo, como referimos acima já em vigor no rio de Janeiro, muda nossa prática de ensino religioso. De agora em diante ele terá um colorido confessional. Em outras palavras, envolve uma comunidade de fé, de esperança e caridade. Não se trata de catequese, que visa à administração dos sacramentos na comunidade, mas de uma verdadeira formação religiosa, com os valores próprios da fé dos alunos e de seus familiares. Não seria concebível ministrar, sob o título de ensino religioso, a católicos, apenas alguma vaga noção de divindade, suscitar um sentimento religioso estranho ao que sentem os alunos e suas famílias ou limitar-se a algumas noções de ecologia.

Nosso ensino religioso católico envolve necessariamente um conhecimento claro de Deus, revelado como Pai, por Jesus Cristo; inclui uma proximidade com Jesus Cristo, Salvador da humanidade; compreende uma familiaridade com a Bíblia, como livro básico de nossa fé; aprofunda um apreço pela Igreja, instituída por Jesus Cristo, da qual estes alunos concretamente são membros; requer uma adesão anual às Campanhas da Igreja no Brasil, da Fraternidade, no tempo da Quaresma, e da Evangelização, no tempo do Advento; desenvolve uma vivência do Ano litúrgico, particularmente dos tempos fortes da Páscoa e do Natal. Falar mal da Igreja católica em sala de aula, especialmente na disciplina de ensino religioso, é, sem dúvida contraditório e contraproducente.

A experiência de um confessional, p.ex. na Itália, à escolha dos pais e alunos, foi muito positiva. É claro que isso exige uma preparação e uma formação acurada dos professores, bem como de um ambiente propício. Em vez de trocar os professores, os alunos trocam de sala, conforme a disciplina. Temos assim de matemática, de geografia, de português, de ciências e de ensino religioso católico e salas para eventuais outras confissões religiosas, que se credenciarem e tiverem alunos. O fato de algumas religiões não disporem de um número suficiente para formar uma classe de ensino religioso próprio, não pode impedir que os católicos, cuja condição permite esta opção, devam contentar-se com algumas noções superficiais, sem nenhuma aplicação e vivência práticas. Os demais, se não conseguirem o específico, poderão continuar com o genérico do ensino religioso.

Para confirmar esta posição basta lembrar mais um exemplo. Na Alemanha, em diversos estabelecimentos, o ensino religioso assume oficialmente três denominações: católico para os católicos, luterano para os luteranos e eclético para os demais. Isto significa, concretamente, que as duas maiores denominações religiosas organizam os conteúdos, credenciam professores e supervisionam suas disciplinas. Os alunos, provenientes de suas famílias, recebem uma orientação religiosa que não só respeita mas complementa a formação recebida na família e na Igreja. Conhecem assim sua história e firmam sua identidade religiosa também no campo do estudo fundamental. Não divagam sobre uma religião em geral, que não existe em parte alguma, mas se aprofundam naquela que se encontra na raiz de sua cultura e existência, dentro do conjunto das demais disciplinas da formação. Os demais seguem as orientações gerais que poderíamos classificar de a-confessionais.

Recentemente surgiu, em Berlim, uma discussão sobre a equiparação do ensino religioso confessional e o ensino estatal da ética. Chegou a agitar toda a Alemanha, por uma campanha denominada "Pro Reli". Pleiteia, através da coleta de assinaturas, um "referendum" para equiparar o ensino estatal da ética e o ensino confessional da religião. Alega que, em nenhuma outra província, se propõe a alternativa de os alunos escolherem entre ambas. Em outras palavras, não se quer admitir a degradação do ensino religioso confessional à condição de uma disciplina auxiliar facultativa. O que se defende são os valores fundamentais da sociedade. Até a ala mais à esquerda reconhece que o ensino religioso confessional proporciona às crianças e adolescentes uma consciência mais clara de sua humanidade e os garante contra eventuais  desvios supersticiosos.

Na Alemanha está claro que quem não conhece devidamente Jesus Cristo e a Igreja não se pode dar por formado. A formação da personalidade, particularmente no Ocidente, está marcada inconfundivelmente pela ação da Igreja e não pode ignorar a mediação de sua Tradição bi-milenar. Para quem não quiser participar do ensino religioso confessional, na Alemanha, fica a alternativa de freqüentar aulas de formação ética. Tempos atrás, no Brasil tínhamos algo semelhante, com nossa "Moral e Cívica".

O Acordo no Art.11, um ensino religioso católico para os fiéis católicos no Brasil. Tem, com isso, em vista a formação integral da pessoa. Explicita "ensino religioso católico e de outras confissões para garantir a liberdade religiosa, a diversidade cultural e a pluralidade confessional". Abre assim a possibilidade de cada confissão religiosa fazer seu próprio Acordo e ocupar o espaço que o Acordo com a Igreja católica também lhe garante, se suas condições ambientais o permitirem.

PARA REFETIR

1.     Por que se estabelece, pelo Acordo, um ensino religioso católico?

2.     Esta medida não discrimina as outras religiões?

3.     Quais devem ser os conteúdos do ensino religioso católico?

 

 

8.     O CASAMENTO LEGAL

A partir da Revolução Francesa tornou-se exigência o registro civil do casamento. O mesmo aconteceu também com o nascimento. No sistema da união da igreja e do Estado, no Regime de Cristandade, quem cuidava destas questões era a Igreja: fazia os registros do casamento e do batizado, que corresponde ao do nascimento, já que urgia o batismo das crianças nos primeiros dias de existência. Hoje, no Brasil, para o período antes da proclamação da República, em fins do século XIX, estes registros de identificação das pessoas e de sua condição civil só se encontram nos arquivos da Igreja.

Separando o estado da Igreja sentiu-se a necessidade de fazer registros próprios tanto para o reconhecimento da cidadania, com o registro do nascimento, como para a concessão dos direitos civis de casados. Há, pois, a partir de então, a exigência de um duplo registro: O civil e o religioso.

Entende-se facilmente que os dois registros se refinam a realidade distintas, mas que facilmente podem ser confundidas. A Igreja, a rigor, registra a administração dos sacramentos. Eles proporcionam ou alteram a personalidade jurídica de alguém em seu seio e, conseqüentemente, na comunidade em que vivem os fiéis. O Estado, após sua operação da Igreja, sente a necessidade de organizar-se e reconhecer os direitos civis de seus cidadãos mediante registros próprios.  Por isso começa com o registro do nascimento, condição para qualquer direito de cidadania. Depois vem o registro do casamento, para acolher a mudança de estado civil. A rigor não se pronuncia sobre a natureza nem do casamento nem da fé de quem registra o nascimento. Apenas reconhece, para seu uso, os devidos direitos e deveres, que seus códigos civil e penal detalham, de quem se apresenta como nascido e de quem pede o registro de seu casamento.

Para o nascimento, a Igreja registra o batismo. Faz nascer para uma vida nova, tornando a pessoa seu membro e filho de Deus. Para o casamento dispõe do sacramento do matrimônio, que, por sua natureza e por revelação divina, tem o caráter da indissolubilidade. É como o sacramento da Eucaristia. A Igreja tem o poder de consagrar, tornando o pão e o vinho Corpo e Sangue de Cristo, mas não recebeu o poder de desconsagrar. Nem a profanação da Eucaristia lhe tira sua natureza sobrenatural. A força do sacramento depende da ação divina e não da vontade humana nem da Igreja.

Com a separação da Igreja e do Estado, além do matrimônio  religioso, sentiu-se a necessidade de um "casamento civil". Sabemos que se trata apenas de um registro que pode eventualmente ser revogado. Seu objetivo é garantir os efeitos civis diante da sociedade. Já que os fiéis realizam seu matrimônio na igreja, não poderia este valer para o Estado? O Art. 12 do Acordo estabelece as condições: "desde que registrado no registro próprio, produzindo efeitos a partir da data de sua celebração". Simplifica-se o procedimento para o cidadão, sem contudo confundir as duas realidades distintas: do sacramento e seu registro na Igreja e o registro no cartório civil para os efeitos meramente civis.

Como a Igreja mantém tribunais eclesiásticos para dirimir questões jurídicas, particularmente no que diz respeito ao matrimônio, pelo Acordo, o Estado acolhe as suas sentenças em matéria matrimonial. Requer apenas que sejam confirmadas pela Santa Sé, nos termos da legislação brasileira sobre homologação de sentenças estrangeiras.

PARA REFLETIR

1.     Por que casar no religioso e o civil?

2.     Que significa reconhecer civilmente o casamento religioso?

3.     Como proceder para obter semelhante reconhecimento?

 

9.     GARANTIAS DE ESPAÇOS SAGRADOS

A República Federativa do Brasil, pelo Art.7 do Acordo, garante proteção aos lugares de culto da Igreja Católica, e às suas liturgias, símbolos, imagens e objetos culturais. Previne-se assim, contra qualquer violação desrespeito e uso ilegítimo. Assegura que não demolirá nem ocupará nenhum edifício, dependência ou objeto de culto católico.

Pelo Art. 14 empenha-se também pela destinação de espaços para fins religiosos. Quer que sejam previstos nos planejamentos urbanos, dentro do Plano Diretor.

Trata-se, na verdade, de dois dispositivos de extrema importância e utilidade. Primeiro porque garante proteção. Elimina assim, pela raiz, a usurpação, com fins de confundir os fiéis e atraí-los para as próprias fileiras, de símbolos próprios da Igreja Católica. Até agora às denúncias contra certos abusos, praticados por pessoas inescrupulosas, se respondia com a alegação da liberdade religiosa, no contexto da separação da Igreja e do Estado. O Estado, com suas autoridades nos diversos setores, não se poderia ou não se queria imiscuir em questões religiosas. Corria-se até o risco de alguém registrar símbolos católicos para pretender, depois, seu uso exclusivo. Em muitos ambientes tem-se receio da expressão tradicional "Igreja universal e igreja particular", para evitar confusões.

A questão do espaço, a ser previsto para fins religiosos, na verdade, não constitui um favor para a Igreja. Trata-se de uma condição indispensável para a vida dos cidadãos que ocuparão os novos loteamentos, não inferior à necessidade de área verde. Na ideologia marxista não se previa lugar para as igrejas em bairros populares porque se julgava supérfluo, quando não prejudicial. Operário não necessitaria de religião. Mas a primeira coisa que estes faziam, ao se instalarem em suas casas, era construir uma igreja. Danielou dizia, na grande década do ateísmo de 1960, que se é desumana uma cidade sem fábrica _ por faltar emprego _ mais desumana é uma cidade sem igrejas _ por se abafar sua dimensão transcendente e eterna. O ser humano se nega a viver sem perspectivas maiores que o tempo e o espaço limitados.

 

PARA REFLETIR

1.     Qual é a importância do espaço para a prática da religião?

2.     Como prever espaços específicos religiosos nos planejamentos urbanos?

3.     Como preservar os símbolos religiosos católicos?

 

 

10. VINCULO EMPREGATÍCIO

O Papa João Paulo II, de feliz memória, em sua encíclica Laborem exercens sobre o trabalho humano, eliminou a concepção materialista do trabalho daqueles que o viam exclusivamente na ótica da extração e transformação da matéria. Reduzira-se ao setor primário e secundário, com o símbolo da foice e do martelo. A preponderância que rompeu esta barreira, passou decididamente a atenção para o setor terciário, da movimentação de bens, e para o quaternário dos serviços. E já começamos a falar do quinquenário, a ultrapassar amplamente a concepção mercantilista do trabalho, considerado apenas em termos de salário.

A Igreja põe-se no plano da gratuidade. Não admite para seus servidores uma mentalidade de ganho material como lucro financeiro. Quem retribui é Deus. O trabalho pelo Reino é recompensado superabundantemente na base do mérito, de cem por um, com a promessa da vida eterna.

Assim temos um enorme exército de voluntários nas mais diversas pastorais. Os religiosos, com sua consagração a Cristo, fazem votos de pobreza, castidade e obediência, para testemunharem outra categoria de valores, bem mais sublime que os terrenos. Trabalham por amor ao Reino de Deus. O clero secular assume, em tempo integral, sua atividade ministerial, em nome de Cristo, a serviço da Igreja. Não recebe, a rigor, salário. Por isso não contrai vínculo empregatício. Como porém, necessita viver, recebe o que o Decreto de Deodoro da Fonseca denominou de "côngrua sustentação". O adjetivo foi transformado em substantivo para definir a manutenção dos ministros da Igreja como "côngrua". O Acordo, no Art. 16, reconhece esta condição peculiar do clero e dos religiosos. Isenta, por isso, essa atividade do vínculo empregatício. Garante que as tarefas de índole apostólica, pastoral, litúrgica, catequética, assistencial, de promoção humana e semelhantes, que grande parte dos fiéis executam, se enquadram na categoria do voluntariado. Assim se eliminam, pela raiz, eventuais equívocos e dissabores, bem como explorações e traições, que iriam parar na justiça do trabalho.

 

PARA REFLETIR

1.     Qual é a concepção cristã do trabalho humano?

2.     Por que os padres, diáconos e religiosos não contraem vínculo empregatício?

3.     Que significa "côngrua sustentação"?

 

 

11. VISTO PARA MISSIONÁRIOS

A Igreja é essencialmente missionária. O Brasil mais recebe que envia missionários. Sempre houve entraves burocráticos, que esbarram no visto de ingresso dos imigrantes. Com o Art. 17 do Acordo, os Bispos do Brasil recebem autorização de convidar sacerdotes, religiosos e leigos de outros países e de pedir que lhes seja concedido o visto para exercer sua atividade pastoral no Brasil. Sabemos quanto isto era, às vezes, difícil e continua uma cruz em diversos países do mundo. No Brasil, graças ao Acordo, este problema agora está resolvido. Sua responsabilidade é confiada aos Bispos. Garante o bom entendimento entre as autoridades da Igreja e as autoridades brasileiras, numa mútua e profícua colaboração.

 

PARA REFLETIR

1.     Qual é o problema do visto para os missionários?

2.     Qual é a competência dos Bispos na consecução dos vistos?

 

12.  AS RELAÇÕES DIPLOMÁTICAS

O Acordo garante a mútua representação, em relações diplomáticas entre a Santa sé e a República Federativa do Brasil, respectivamente pelo Núncio Apostólico e por um Embaixador do Brasil acreditado junto à Santa Sé. A bem da verdade, na questão das embaixadas, o Brasil sempre teve o maior esmero, escolhendo, mesmo em tempos de turbulências políticas, diplomatas de carreira, de alta qualidade e competência.

O Núncio Apostólico tem dupla função: uma se refere à vida da Igreja no Brasil, principalmente no tocante à escolha dos Bispos, e outra representa oficialmente a Santa Sé junto ao Governo. No corpo dos embaixadores ele ocupa a posição de decano.

A Santa Sé mantém  relações diplomáticas com grande parte SOS países do mundo. É sem dúvida, o menor Estado, mas não o menos importante. Tem assunto na ONU e sua voz é ouvida, com respeito, pelo mundo inteiro. Causou espécie quando Stalin, após uma intervenção do Papa a respeito de suas invasões em outros países, perguntou sobre quantas legiões o Papa tinha, como que a reduzir a voz dos poderosos ao seu exército. A Santa Sé tem sua grandeza e poder na mística. Sua missão é promover a paz no mundo, pelo bom entendimento entre os povos e propor uma mensagem de fraternidade e de fé. Irradia, com especial claridade, a Luz de Cristo, para que, todos tenham vida.

 

PARA REFLETIR

1.     Qual é a importância das relações diplomáticas?

2.     Por que a Santa Sé renova, no Acordo, a afirmação de suas relações diplomáticas com o Brasil?

3.     Qual é a função do Núncio Apostólico?

 

 

13.  OS SEMINÁRIOS

O  Art. Do Acordo enfatiza a instituição dos Seminários e demais institutos eclesiásticos de formação e cultura. A Igreja precisa formar seus agentes, de modo especial, seu clero. O Brasil lhe dá garantias de livre exercício para essa importante missão e se dispõe a reconhecer os efeitos civis dos mesmos, em condição de paridade com os estudos que ele mesmo promove.

 

PARA REFLETIR

1.     Por que a Igreja mantém seminários próprios?

2.     Qual é a relação entre o ensino no seminário e nas escolas públicas?

3.     Por que o Acordo garante paridade ao ensino do seminário?

 

14. O SIGILO SARAMENTAL

Para a Igreja o sigilo da confissão é absolutamente sagrado e inviolável. Está ligado ao relacionamento com Deus. Quando alguém confessa seus pecados estes são pela absolvição, apagados.

 

PARA REFLETIR

1.     Por que o Acordo resguarda o sigilo da confissão?

2.     Qual é o valor da sacramento da confissão?

 

15.  IMPLEMENTAÇÃO DO ACORDO

O Acordo entre a República Federativa do Brasil e a Santa Sé foi assinado pelas "Altas Partes Contratantes", cada uma, na sua própria ordem, autônoma, independente e soberana. Ambas se propõem colaborar na construção de uma sociedade mais justa, pacífica e fraterna. O Acordo não abrange toda a temática que envolve a vida e a relação da Igreja no nosso país.

O Estado age, por assim dizer, no plano natural e a Igreja no plano sobrenatural. Ambos promovem o bem comum, na sua própria ordem, mas em relação aos mesmos súditos. Por isso um incide, em grande parte, na ordem do outro. O Estado reconhece a existência da Igreja. Acata, por isso, sua natureza específica e suas funções, de acordo com sua estrutura teológica e suas atribuições, com seus respectivos direitos. Respeita sua liberdade e acolhe, com respeito, a atividade eclesial, no contexto da vida social. Lembremos os quatro poderes eclesiásticos que estão em jogo: o poder da ordem, que se recebe pelo sacramento, ou seja, diretamente de Deus, por um rito sagrado e se exerce pela administração dos sacramentos e do culto público; o poder do magistério, que diz respeito à definição e difusão da doutrina católica; o poder da jurisdição, que diz respeito à promulgação de leis e de sentenças judiciais; e o poder de administração, que envolve a administração dos bens da Igreja, especialmente a formação e nomeação de seus ministros.

Não foi acordada toda esta temática. O Acordo restringe-se a alguns temas que já tinham merecido uma legislação específica no Brasil. Já são pois, do domínio público e agora vem recolhidos e firmados por um Acordo bilateral. Isto equivale a dizer que nada de novo aconteceu, a não ser a força de um Acordo internacional. Ficaram ainda pendentes muitas questões, como p.ex., a posse de meios radio televisivos por parte da Igreja e a regulamentação dos dias santos de guarda, que, no Brasil, não coincidem com os feriados nacionais. Explicitemos um pouco mais:

A questão dos dias santos envolve diretamente as relações entre Igreja e Estado, no plano das leis trabalhistas, criando um sério problema de consciência para os fiéis. De um lado, os cidadãos, como católicos, se sentem na obrigação de guardar os dias santos, o que significa não só participar da Missa mas também de abster-se do trabalho contratual. As leis trabalhistas, porém, os obrigam, sob pena de descontos em folha, ao trabalho. Obedecer a quem? A Igreja, que manda guardar o dia santo, ou ao Estado, que manda trabalhar?

A Igreja desde seus primórdios, encheu o ano com datas significativas. Chama-o por isso de Ano Litúrgico. No decorrer do ano, além dos domingos, que celebram a ressurreição do Senhor, santificou também muitos outros dias. Esta praxe tinha um duplo objetivo: marcar o tempo com a salvação cristã e aliviar, de algum modo, o peso do trabalho braçal.

Com a industrialização e o surgimento do proletariado, os governos civis tomaram sobre si a regulamentação do tempo. No Brasil, como em todo o mundo cristão, se reconheceu o domingo, ou seja, a semana, como normativa. Os Muçulmanos optaram, em contraposição ao domingo dos cristãos e ao sábado dos judeus, pela sexta-feira.

Todos, porém, mantêm a praxe de semana, com um dia de descanso. A Igreja, com as exigências dos tempos novos, além de resguardar o Domingo, como Dia do Senhor, reduziu os feriados a apenas 10: Natal, Mãe de Deus _ Primeiro do Ano, Epifania, Corpus Chresti, Ascensão do Senhor, Assunção de Nossa Senhora, Imaculada Conceição, S. Pedro e S. Paulo e Todos os Santos.

O Brasil, além dos feriados civis, de âmbito nacional, como 21 de abril, 1º de Maio, 7 de setembro e 15 de novembro, Carnaval, e além de acolher o Domingo e mais alguns dias santos, deixou para os Municípios a fixação de 4 feriados religiosos, que nem sempre coincidem com os dias santos da Igreja, como p.ex., a festa nacional de N. Sra. Aparecida de 12 de outubro, e a festa de N.Sra. dos Navegantes, em cidades portuárias. A Igreja convive com esta realidade. Para não perder o significado de suas festas, passa-as normalmente para o domingo seguinte. O melhor, porém, seria, se houvesse um Acordo também para a observância destes dias, sem dúvida, muito queridos de nosso povo e muito festejados por todos.

A questão da posse de meios radiotelevisivos obedece a uma legislação específica de concessões, outorgadas ou a pessoas particulares, ou a fundações. Não se conseguiu, até o momento, abrir espaço para a Igreja atuar neste campo, com meios próprios, apesar de todos saberem de quem são as emissoras.

Havendo, pois, questões pendentes, nada mais justo que prever a continuidade das tratativas. No Art. 18 o Acordo estabelece a possibilidade de completar ulteriormente as negociações. Para facilitar o trabalho, abriram-se caminhos mais fáceis para o diálogo permanente. De um lado estão os órgãos do Governo brasileiro, no âmbito de suas respectivas competências, e, do outro lado, a Conferência Nacional dos Bispos do Brasil. Em outras palavras, reconhece-se a necessidade de continuar o diálogo Igreja-Estado e de continuar a firmar convênios que proporcionem segurança para a atuação de ambos, nos seus devidos campos de responsabilidade. É o princípio da paz e da concórdia, a ser promovido por um profícuo diálogo em toda a sociedade.

O que a Igreja Católica conseguiu no Brasil, no contexto da liberdade religiosa, pode ser tentado também por qualquer outra confissão religiosa, no intuito de conseguir um estatuto próprio de convivência, no contexto da sociedade brasileira, sem conflitos e sem discriminações, numa seriedade de um acordo bilateral amplamente debatido e juridicamente firmado e reconhecido.

 

PARA REFLETIR

1.     Por que o Acordo não resolveu todas as questões que envolvem as relações entre a Igreja Católica e o Estado brasileiro?

2.     Como encaminhar a solução de questões pendentes em futuros Acordos?

3.     Por que não resolveu o problema dos dias santos de guarda?

4.     Por que a Igreja não possui meios rediotelevisivos próprios?

 

CONCLUSÃO

O  Acordo Igreja-Estado, no Brasil, muito mais que um benefício, representa um amplo e renovado compromisso da Igreja, em nossa Pátria. Este compromisso pode ser sintetizado em 15 grandes desafios, à semelhança de um envolvente Plano de Pastoral:

1.     Nunca houve duvida em conciliar católico e brasileiro. Os católicos sempre foram e querem ser bons brasileiros, fiéis à sua Pátria, que é a terra deles e de seus pais; e os brasileiros, em sua grande maioria, ao longo destes 500 anos da História nacional, se orgulham de serem católicos. Com o reconhecimento oficial da personalidade jurídica da Igreja no Brasil, urge-se uma consciência ainda mais clara da própria identidade e um apreço maior pelas próprias instituições, tanto eclesiásticas como civis. Isto, em outras palavras significa assumir, tanto pessoal como socialmente, a característica indissociável de católico brasileiro.

2.     Reconhece-se que a Igreja instituída por Cristo, foi implantada no Brasil para a redenção de todos. Isto equivale a afirmar sua filantropia. É preciso agora, com esse reconhecimento oficial, organizá-la de modo mais visível e eficiente, tanto no que diz respeito à educação, para formar o cidadão católico, como à assistência social, para garantir que entre nós haja necessitados. O pão de cada dia nas mesas de todos está intimamente ligado à fraternidade. Essa, por sua vez, se expressa pela solidariedade. O amor, que foi infundido em nossos  corações pelo Espírito Santo, para se firmar entre nós, se serve de duas virtudes: da justiça, para repartir os bens materiais sem dividir as pessoas, e da misericórdia, para que todos tenham vida em abundância. Queremos de acordo com a proposta do Papa Bento XVI, transformar, como católicos este nosso Continente da Esperança num Continente do Amor. 80% das obras sociais em nosso país radicam na Igreja.

3.     Um renovado empenho pela cultura. A Igreja sempre foi e continua sendo grande promotora da cultura, tanto de arte como da literatura, tanto da música como da arquitetura. O acervo histórico brasileiro da arte e da cultura se concentra, em mais de 80%, nas igrejas. É preciso não só preservá-lo, como também incrementá-lo. O Acordo nos ensina a amar a arte e a progredir na cultura.

4.     Realçar o compromisso de assistência religiosa em todos os ambientes. Esta exigência flui particularmente do Evangelho, realçada pela Conferência de Aparecida, que nos define como discípulos missionários, para que, em Cristo, todos tenham vida. Destacam-se os que estão confinados a certos ambientes, como hospitais, prisões, escolas.

5.     Um olhar  carinhoso para nossas escolas católicas. Além do ensino aprimorado, elas proporcionam uma educação católica marcada pelo amor; criam um clima de convivência fraterna não só no próprio recinto como também na comunidade em que atuam. Daí o compromisso de sua presença efetiva nas paróquias e na sociedade. Elas são fatores de paz, concórdia e progresso, pela convivência solidária, pela espiritualidade cristã e pelas orientações de uma vida mais feliz.

6.     Um apreço especial pelas faculdades eclesiásticas, que formam, no exterior, nossos agentes de pastoral, especialmente nossos mestres na fé e os orientadores de nosso povo.

7.     Um compromisso mais eficiente pelo ensino religioso católico, para destacar nossas raízes históricas e apontar para a meta de nossa caminhada. Mais que proporcionar noções, o ensino religioso, principalmente no âmbito fundamental, deve levar ao apreço pelos valores da fé, dentro do contexto geral do conhecimento, privilegiar as dimensões do amor, pelo bom relacionamento. Leva, por isso, à convivência fraterna e cria um clima de família sob os olhares amorosos do Pai. Ultrapassa, de muito, as paredes das salas da escola pública para buscar sua raiz na família e na sociedade concreta que lhe dão respaldo.

8.     Uma valorização maior do casamento, tanto religioso como civil, o que equivale e reconhecer a força da graça divina neste enlace, com seus efeitos civis, o que equivale reconhecer a força da graça divina neste enlace, com seus efeitos civis, no contexto da sociedade brasileira. O casamento é uma instituição divina, com profundas repercussões na vida e na sociedade humana. Na verdade, o ser humano não pode ser reduzido ao individuo. É família. O Papa Bento XVI a proclamou patrimônio da humanidade. É, pois, preciso zelar por ela e investir tudo nela, unindo a dimensão religiosa à civil.

9.      Somos como se víssemos o Invisível. Contudo, Deus se expressa por símbolos visíveis. Situa-os nas coordenadas do espaço e do tempo. Daí a valorização dos espaços e dos símbolos sagrados, que a Igreja propõe e dos quais necessita para desempenhar sua missão. Se é desumana uma cidade sem fábricas, no dizer do Card. Daniélou, mais desumana é uma cidade sem igrejas. A proteção dos símbolos sagrados da Igreja é, na verdade, sua valorização oficial.

10.  Promover uma concepção do trabalho que não se limite ao contrato legal. Deve ser visto na perspectiva da encíclica "Laborem exercens", de João Paulo II, como atividade humana. É preciso reconhecer sua mística. Na época da quinquenarização deve prevalecer a dimensão da gratuidade. É o amplo campo do voluntariado, que tem, na fé cristã, sua maior alavanca.

11.   A Igreja é essencialmente missionária, como é essencialmente misericordiosa. Daí a necessidade de uma abertura, tanto para receber como para enviar missionários além fronteiras. É a lei do intercâmbio. Há uma solidariedade universal que promana da fé e cria laços de fraternidade entre todos os povos. Constitui a condição prévia para a paz no mundo. Acolhemos, com gratidão e alegria, os missionários e nos sentimos muito felizes com a participação e facilitação de nosso país nesta abertura para a concessão de vistos aos missionários, que tanto bem fazem e fizeram ao nosso povo.

12.  Incentiva-se o interesse pelo relacionamento com os demais países e, de modo especial, o empenho da Santa Sé em estreitar laços de amizade com todos os povos, respeitando suas diferenças e incentivando a harmonia entre os povos através de relações diplomáticas, que reafirmam também com o Brasil.

13.  Nosso apoio na formação de padres e diáconos. Os Seminários estão no coração da Igreja. Daí a necessidade da promoção vocacional e o trabalho intensivo na formação cada vez mais aprimorada dos ministros.

14.  Valorização da confissão e o empenho em suscitar confiança, na certeza do segredo absoluto de tudo o que diz respeito à orientação pessoal, que se procura junto ao sacerdote. Também o empenho da disponibilidade em ouvir a todos, com uma condição que é única, porque reservada para o encontro exclusivo com Deus.

15.  E, por fim, o Acordo nos leva a continuar, sem cansar, no caminho do diálogo institucional entre Igreja e Estado: progredir na compreensão mútua e na mútua colaboração com o objetivo de criar uma sociedade mais justa, solidária, próspera e pacífica. A Igreja sempre se tem mostrado Mãe e vê o Estado como Pai da Sociedade. Sem pretender uma união plena do Estado e da Igreja, por nos encontrarmos numa sociedade pluralista e heterogênea, almejamos por uma profícua e sempre renovada colaboração, nos pontos em que é possível e viável, para que nossos cidadãos e fiéis tenham vida mais plena. Nossos anseios e empenho vão no sentido de que todos os católicos sejam bons brasileiros e que os brasileiros, que professam sua fé na Igreja católica, se orgulhem de sua catolicidade. Como católicos brasileiros promovam a paz, o diálogo e o bem estar deste nosso querido país.

PARA REFLETIR

1.     Em que sentido o Acordo representa um compromisso maior para a Igreja?

2.     Como transformar este Acordo num grande plano de pastoral?

3.     Quais são os pontos mais importantes deste Acordo?

 

Papa Bento XVI e Presidente brasileiro Luís Inácio Lula da Silva assinaram o Acordo Igreja-Estado, na Santa Sé, em 13 de novembro de 2008.

DOM DADEUS GRINGS

 

O autor, Dom Dadeus Grings, nasceu em Nova Petrópolis, no Estado do Rio Grande do Sul, a 7 de setembro de 1936, recebendo o nome de batismo de Tadeu Grings. Aos 18 anos, quando seguiria para estudar em Roma, foi providenciar seu passaporte. E, só então, descobriu que, por engano, em sua certidão de nascimento o nome que constava era Dadeus Grings. E por que o nome não foi corrigido? Dom Dadeus responde: " Não corrigimos o nome porque nossa missão é dar Deus".

Estudou no Seminário Menor de São José, da cidade de Gravataí (1949-1955); e no Pontifício Colégio Pio Brasileiro- Universidade Gregoriana, em Roma (1955-1964).

Foi ordenado sacerdote no dia 23 de dezembro de 1961, em Roma, para a Arquidiocese de Porto Alegre.

Exerceu seu ministério como:

-Vigário Paroquial na Igreja de São Geraldo;

-Pároco das Paróquias São João Maria Vianney e n. Sra. De Fátima, na cidade de Viamão;

-Reitor do Seminário Maior de Viamão;

-Professor de Filosofia, Teologia e Direito Canônico;

-Juiz do Tribunal Regional de Porto Alegre;

-Coordenador da Área de Pastoral Partenon - Viamão;

-Secretário do Conselho de Presbíteros;

-Publicou 31 livros, escreve em diversos jornais e revistas desde 1965 e;

-de 1981 a 1985 trabalhou na Secretaria de Estado, no Vaticano.

Foi ordenado bispo a 15 de março de 1991, na Catedral de Porto Alegre/RS.

Tomou posse como terceiro bispo de São João da Boa Vista/SP, a 19 de abril de 1991. Seu lema: A VERDADE VOS LIBERTARÁ" (Jo 8,32).

No dia 6 de setembro de 1994, recebeu da Câmara Municipal de São João da Boa Vista o título de Cidadão Sanjoanense, em justo reconhecimento pelos serviços prestados ao povo e ao município. A seguir, pelo mesmo motivo, recebeu o Título de Cidadão dos seguintes municípios: Casa Branca, Mogi Guaçu, Tapiratiba, Vargem Grande do Sul, Caconde, Santa Cruz das Palmeiras e, no dia 24 de setembro de 1999, a Câmara Municipal de Aguaí tornou-o Cidadão Aguaiano.

De 10 a 19 de maio de 1995 aconteceu em Itaici a 33ª Assembléia Nacional dos Bispos do Brasil, quando foi escolhida a nova direção para o próximo quadriênio. O nosso bispo diocesano foi eleito para a Comissão de Doutrina com a maior votação em primeiro escrutínio de todas realizadas nesta Assembléia.

De 14 a 23 de abril de 1999, em Itaici, na Assembléia Nacional dos Bispos do Brasil, onde foram eleitos os novos responsáveis pela condução da CNBB por mais quatro anos, Dom Dadeus Grings foi reeleito, com o maior número de votos (240), para a Comissão de Doutrina.

Em reunião realizada em Caxias do Sul, Dom Dadeus Grings foi eleito com 12 dos 19 votos, Presidente do Regional Sul 3 da CNBB para o mandato de 2001 até 2003. Tomou posse na Casa de Retiros da Vila Betânia, em formalidade simples, durante o Ato Penitencial da Missa Concelebrada por diversos bispos gaúchos, no dia 5 de dezembro de 2000.

Em 7 de fevereiro de 2001, aconteceu a passagem de Dom Dadeus Grings para Arcebispo Titular de Porto Alegre.

Dom Dadeus é também Chanceler da Pontifícia Universidade Católica do Rio Grande do Sul - PUCRS