INTRODUÇÃO

 

A espiritualidade Inaciana é a mais requintada e que possui um caráter  muito especial.  Antes de mais nada é preciso definir o que são estas expressões: a espiritualidade, as espiritualidades ?

Chama-se espiritualidade o ideal e vida e o conjunto de meios pela Igreja para fazer avançar as almas na virtude e na união com Deus.

Nosso Senhor no Evangelho, disse como chegar ao Pai: o Pai é o temo; Ele, Jesus Cristo, é o caminho. Neste sentido não há senão uma vida espiritual;.

Todavia para percorrer este caminho único da Boa Nova, este caminho de Alegria na fidelidade, na abnegação, na caridade, não se precisa dum apetrechamento "Standard". No decorrer da vida da Igreja vão aparecendo santos e particularmente fundadores de ordens religiosas. Todos praticarão o Evangelho que é um só, mas cada qual com o seu caráter particular.

Preconizarão todos, todo ideal do Mestre, no entanto deste ideal aplicar-se-ão a reproduzir antes esta virtude do que aquela outra, e com este fim insistirão mais sobre uns meios do que outros. E assim é que, no quadro geral da espiritualidade evangélica, haverá as diferentes espiritualidades - Carmelita, Beneditina, Franciscana, Dominicana, Salesiana, Inaciana e ainda muitas outras.

Em Cristo Jesus e Cristo em nossos irmãos. Eis aí o fundamento de toda e qualquer espiritualidade, não é um método de espiritualidade!

Qualquer espiritualidade para se católica deve com efeito conter - aquilo que é a própria base do catolicismo, a saber, a doutrina da elevação sobrenatural e, visto o pecado original ter intervindo, a doutrina da restauração por Jesus Cristo e em Jesus Cristo.

Ao notarmos as diversidade de pormenor que apresentam as espiritualidades particulares e que mostram a incomparável riqueza da Igreja de Deus, é mister não esquecer, escrevemos nós, o ponto comum de origem.

 

Seja qual for o matiz, a profundidade, a extensão das toalhas de água onde vêm abastecer-se as diferentes Escolas espirituais, a mãe que alimenta estes depósitos é "Uma só".  Santa Teresa, como Santa Gertrudes, Santa Margarida-Maria, são companheiras da Samaritana; todos os mestres da vida espiritual, no decorrer dos séculos, foram freqüentadores assíduos das bordas simbólica do poço onde brota a Água Viva.

É que no mundo só há um poço e Jacó.

 

Mas há muitas moradas na "Casa o Pai".

 

Este escolhe por virtude principal, a pobreza ou a humildade, ou a caridade e isso com infinitos matizes;

Aquele outro adotará de preferência como mola real da sua atividade espiritual, tal verdade doutrinal; o dogma eucarístico, por exemplo, ou o Sagrado Coração de Jesus, ou ainda a imitação de Cristo ou de Nossa Senhora em tal ou tal mistério. Aqui colocar-se-ão no primeiro plano a vistas de ordem prática, e acolá as sínteses especulativa.

Não se encontram dois Institutos religiosos sem diferença ao menos de pormenor, assim como não se encontra, duas almas que vão para Deus, por atrativos absolutamente idênticos.

 

No trabalho presente, quisemos dirigir-nos a nós próprio esta pergunta: qual é o espírito particular da espiritualidade Inaciana, e quais são as suas características  próprias?

Pareceu-nos  que se podiam reduzir aos quatro pontos seguintes:

* Espiritualidade que procede  da vida e que se adapta a toda e qualquer vida;

* espiritualidade que gira à volta da figura central de Jesus Cristo;

* espiritualidade, enfim, orientada para o máximo rendimento apostólico.

 

Ainda como Apêndice deste presente trabalho colocamos outros aspectos da espiritualidade inaciana, particularmente no que se toca aos exercícios, como "O Vaticano II e os Exercícios", ou "Bíblia e Exercícios", por exemplo e, como poder-se-á observar no decorrer do trabalho.

 

SANTO INÁCIO LOYOLA, FUNDADOR  E AUTOR DOS "EXERCÍCIOS ESPIRITUAIS".

Santo Inácio de Loyola foi o oitavo filho do fidalgo D. Beltrão de Onhez, senhor de Loyola e de D. Marina Saez de Licona y Balda, de linhagem igualmente ilustre. Do seu nascimento sabe-se o ano - 1491 -, ignora-se mês e o dia, sabe-se também que fio no Vale de Orola, pouco adiante de Azpeitia, no Castelo Loyola

Vendo nascido, disse D. Marina ao Marido:

- Deus permita que este não tenha as tendências do irmão.

- Tenha gosto pelo estudo.

- Deus assim o permita. Mas os mesmos desejos tive, os mesmos votos fiz, ao nascer-nos cada um dos outros e todos nos frustraram a esperanças.

Com efeito desde seus primeiros anos revelou-se o menino mais ativo, turbulento e arrebatado dos irmãos e foi impossível aos pais encaminhá-lo aos estudos. Só lhe despertavam interesse e atenção histórias de guerras, de cercos, de batalhas e vitórias, enfim romances da época. Um único sonho, uma única  aspiração era a sua - ser um dia soldado famoso brandir com despejo uma espada a frente de uma coluna de bravos. Não podemos esquecer que também gostaria de ter uma donzela que devotasse todo o seu amor e serviço como um verdadeiro Soldado de então.

O duque de Naxera, D. Antônio Manrique, próximo parente de D. Beltrão, a quem o natural franco  e leal, a alma ardente e generosa do menino encantavam na altivez precoce: seus arrebatamentos, longe de os reprimir, estimulava-os. Divertindo-se de uma feita, a ouvir-lhe as roncas e fanfarrices, em presença de D. Marina:

- Bravo! lhe disse. Hás de ter teu nome escrito em letras de ouro na história militar da Espanha.

- Não vos importa o coração de sua mãe? Ante haveis de lhe dizer mal da guerra, dos perigos em que lá anda o mais velho. Já os outros vão pelo mesmo caminho. Não me há de aos menos este ficar para companheiro da velhice?

- Muito grato não pode ser o meu vaticínio a um coração de mãe; compreendo-o bem; mas Noblesse oblige.

Não chegou D. Marina a ver a realização do para ela desgostoso prognóstico de seu parente. Deus chamou-a cedo de si. O menino Inácio, Inigo, foi confiado  aos cuidados de uma tia, Dona Maria de Guevara e mais tarde, por medição do Senhor de Naxera, admitido na Escola dos pagens do rei. Encantado da inteligência, a gentileza e graças de D. Inigo, afeiçoou-se o rei revelando predileção por ele. E ele dos mesmos que lhe invejavam a regia preferencia era querido e festejado: Tão delicada e nobremente o seu desvanecimento se encobria e disfarçava.

 

Finda a sua educação, Inácio continuou na Corte, donde apenas a intervalos ausentava-se para, com o Duque de Naxera, ir ensaiar as suas primeiras armas. Prendia-o ao palácio dos soberanos o coração inclinado a uma das princesas, de cujo afeto, parecesse embora intransponível a distância entre ambos, tinha penhores. Em mais de um torneio apareceu trazendo as cores dela.

No entanto com o rebentar da guerra externa agravaram-se os perigo do movimento que agitava as províncias de Espanha decididas a reconquista de sua independência. Chegam  novas do exército de Nápoles, onde militam com  distinção os filhos de Beltrão e exaltam-se com elas os sentimentos guerreiros de D. Inigo. Figurou-lhe a fantasia os vultos dos irmãos dianteiros e galhardos nas avançadas, a frontar a morte e logo vitoriosos, triunfantes, iluminados pela  gloriosa auréola dos heróis. Doeu-lhe estar sendo ainda, apenas, invejado e galante paladino, em brigas fingias, em torneios e festas. Posto a frente de um do corpos do exército, o duque de Naxera não só fácil, mas gostosamente acendeu a  insofrida aspiração de D. Inigo e deu-lhe o comando de uma Companhia.  Despediu-se ele então a Corte com o protesto de  a ela não voltar senão trazendo um nome brilhante, coberto de louros, arrastando troféus.

Os Castelhanos, a esse tempo, haviam-se apoderados de Naxera e D. Antônio lhes foi lhes pôr cerco. Igualam os sitiados, defendendo-se, a rijeza do ataque e o cerco ameaça prolongar-se. D. Inigo, porém, a frente dos assaltantes, toma  com os seus  praça e a sua figura sobredoura-se com recusar, desinteressado e generoso, parte nos despojos.

Pacificada Castelha, voltou D. Inigo triunfante e glorioso a valência, a fruir a vida tumultuosa e sedutora da corte, até se ouvir chamar de novo pela guerra a vida, para ele, por aventura. não menos sorridente dos arraiais. Houve  com efeito D. Antônio, como vice-rei de Navarra, de ir tomar o seu governo e D. Inigo de o acompanhar com parte de seus homens. Não  tardou porém nova de estar em marcha contra Espanha a frente de consideráveis tropas,  André de Foix, e de haver já transposto os Pireneus. Fez-se ao vice-rei preciso ir a Castelha em busca e reforços e em sua ausência ficou a praça de Pamplona ao mando de D. Inigo.

Convertida em província Espanhola por Fernando, o Católico, em 1512 a Navarra, cuja independência havia garantido o tratado de Noyon, não se conformava com a violência; a intervalos estendia os braços para além dos Pireneus a Henrique d'Albert, filho e herdeiro de seu último rei. Assim que, não se devendo confiar muito em soldados navarros nem contar tão pouco que viesse ainda oportuno o socorro trazido por D. Antônio, era a toda luz precária a posse de Pamplona e certos os riscos da situação de D. Inigo. Todavia não só com satisfação, mas com entusiasmo e alegria tomou ele seu posto.

Neste cenário é que temos o grande combate que marcará toda a vida de Inigo que daí passará para Inácio, isso graças a uma desgraça, uma bala de canhão  atinge Inigo, deixando-o gravemente ferido uma das pernas; o bravo comandante que impressionara até os inimigos e é socorrido pelos mesmos.

Aquele combate de defesa da cidade de Pamplona contra  os franceses, em 20 de maio de 1521, uma bala de canhão  atingiu-lhe a tíbia perna  direita. No longo tratamento, a que teve que submeter a ler a Sagrada Paixão de Cristo e a Vida dos Santos, daí tendo um forte exercício espiritual, chegando a tomar uma firme solução: ser um novo militar dedicado ao Senhor dos Senhores,   ao Rei dos Reis e, é no santuário de Montserrat que deposita sua espada dedicando-se a nova e mais bela donzela, Maria e Igreja de Cristo.

Dentre em pouco nasce o célebre livro de Exercício, reflexo direto das suas experiências na vida interior, real código da ascese cristã em todo mundo. Livro fruto não de estudo, mais de um estudo próprio consigo mesmo, uma experiência própria da presença de Deus, de sua graça e de seu amor.

PERFIS INACIANOS

Convertido aos trinta anos (1521), padre aos quarenta e sete (1538). É um quarentão que vai estudar latim com as criancinhas, obtém tardiamente "o Mestrado", e é um admirável condutor de homens. Proclama "soldado de Cristo", e possui cicatrizes não só no corpo, mas na alma que o transformou e o transforma cada dia de sua vida. Esse psicólogo agudo, que discerne no homem "as três faculdades": memória, inteligência e vontade, estabelece como postulado da sã razão mística, e prática, a indispensável união , no composto humano: energia + afetividade. Os medíocres e os fracos jamais poderão aceitar nem compreender essa síntese harmoniosa que nasce na discretio caráter especificamente Inaciano. A palavra latina implica o "discernimento" e, em notas complementares, tem  a conotação  de: tato, energia, refreada, reserva unida à fineza, intuição segura. Daí provém, sem embargo, as  acusações de "doçura melíflua", de "hipocrisia sutil", de impiedoso "dirigismo ", contra esse homenzinho de pulso de ferro. Que felino esse Loyola!

O PEREGRINO DE DEUS

EL PEREGRINO, título que se atribui, em suas memórias,  àquele que considera a vida uma viagem: não é o homem um "viandante"  a caminho, rumo ao céu?

Com trinta e três anos de idade, o nosso peregrino, sem preparo anterior, decide estudar latim e outras matérias, incluindo Teologia. Para conhecer essa língua dos doutos, "limitando o seu cérebro  ao dos outros", ele irá "de cidade em cidade, de província em província, de reino em reino."   Nas universidades espanholas de Acalá e de Salamanca, "testam" rudemente a sua ortodoxia. Ele conhece, então, três moradas principais, que se lhe tornarão familiares: o hospital, faculdade, prisão. Tratado de "Iluminado" em sua pátria vai a caminho de Paris. Lá conhecem os primeiros companheiros e travam uma amizade, e fazem com ele os exercícios espirituais tal como ele o fizera, primeiro Francisco Xavier, que jogava a sua vida em Paris para o ar e numa palavra de Inácio o amigo se impressiona e pede a fazer os exercícios: "De que vale ganhar o mundo e se perder a alma!"

O grupo de sete: Pedro Fabro, Francisco Xavier, Simão Rodrigues, Diogo Laínez, Alfonso Salmerón, Nicolau Bodadilha; são eles os primeiros Jesuítas. E sua peregrinação continua ainda hoje por tantos e tantos que são atraídos pelo exemplo e o carisma dos jesuítas, principalmente pelos seus exercício que são transformadores numa alma humana que carece do calor do verdadeiro amor, do verdadeiro ideal de vida, do verdadeiro carinho quente que emana do próprio Deus, que é ,realmente, o nosso Pai.

 

OS EXERCÍCIOS ESPIRITUAIS

SÃO UM CÓDIGO DE ASCESE,

CONSIDERADO "O MAIS SÁBIO

E O MAIS UNIVERSAL PARA DIRIGIR AS ALMAS

NO CAMINHO DA SALVAÇÃO"

(PIO XI, Encíclica Mens Nostra, 1922)

 

OS EXERCÍCIOS ESPIRITUAIS

"O desenvolvimento dos estudos de espiritualidade colocou-nos um problema: a prioridade dos conhecimentos sobre a experiência. Não  se trata de negar o valor dos estudos sistemáticos da espiritualidade tampouco dos estudos de psicologia. Todavia a cada dia, estamos encontrando diplomado em psicologia que levarão anos para redescobrir um verdadeiro senso psicológico. A  mesma observação se aplica a muitas pessoas que fizeram cursos de espiritualidade ...

Inácio não escreveu grandes tratados de espiritualidade, mas um pequeno manual do qual deu o nome  de Exercícios Espirituais. Não é um tratado sobre a oração, mas um guia que, de etapa, nos conduz do alfa da criação até omega do retorno a Deus. É, por assim dizer, ao nível do impacto da ação divina sobre a nossa inteligência, nosso coração, nosso espírito, que tenta entender esta ação. Sua mística não foge da realidade, não ofusca com palavras enganosas nem se cura com sentimentos forçados."

Eis aí a finalidade dos exercícios: encontrar  a Deus em todas as coisas. "Contemplativo na ação. Colocamos este pensar de Raguin para termos uma certa direção para onde devemos descrever um pouco do centro da espiritualidade Inaciana.

comumente considerado um "militar não letrado", Inácio de Loyola é, na realidade, um pensador [profundo. O velho estudante esforçado torna-se progressivamente um mestre. Composta durante os trinta e cinco últimos anos de vida, a sua obra escrita, bastante considerável, realiza uma mistura que situa mais o homem de ação do que o literato.

 

UMA IOGA CRISTÃ: OS EXERCÍCIOS.

Este opúsculo tem mesmo objeto e sensivelmente a mesma extensão de um outro, publicado 111 anos antes: a Imitação de Cristo (1424). Os Exercícios (1535) expõem um método para fazer "eleição" na oração e no recolhimento. O objeto principal dessa eleição é a escolha e um Estado de vida, o que se pode entender de um modo geral como "emenda e reforma de sua própria existência e condições". Trata-se de determinar a resolução de retiro, tendo por objetivo uma reforma urgente, um melhor comportamento vital e espiritual.

Esse método de decisão sobrenatural desenvolve-se de duas maneiras, simultaneamente: analítica e intuitiva. a primeira incita a alma ao exame crítico; a segunda introduz na transcendência e na graça. Esta última, de fato, não vai destruir a Natureza, mas coroá-la. "A eleição inaciana", informada pela razão e pela fé conjugadas, culmina e se prolonga existencialmente na observação do dever de estado, sinal manifesto da vontade divina.

Verdadeiro tratado de ginástica espiritual - ioga cristã, em certo sentido - esse manual do soldado de Jesus parece desanimador, à primeira vista. Nele, multiplicam-se as ordens concisas, cortadas por muita nota e prescrições. O vocabulário estereotipado contém palavra curiosas: "prelúdios, anotações, adições, colóquios".  No entanto,  esse livreto, sempre recomendado pelos papas, abundantemente manuseado pelos educadores espirituais, atravessou os séculos.

"Procurar a Deus em todas as coisas". Esta fórmula nos apresenta a experiência mística de Inácio de Loyola e encerra a resposta à pergunta que não cessa de atormentar grande número de homens e de mulheres: como conciliar presença no mundo e presença em Deus?  Mais praticamente: consegue uma pessoa manter em si a coerência entre a fé e a vida, a oração e o trabalho, o amor apaixonado pela terra e pelos homens e o amor de Deus?

No século de Inácio a Igreja via-se frente a um "sair do claustro" com  Lutero (1524), um dos motivos.  Porém o mesmo Inácio dois anos antes se convertia, tinha uma experiência mística, a mesma que iria permitir, conseqüentemente, que muitos homens apaixonados por Deus vivessem uma autêntica vida contemplativa fora do claustro, bem no coração de uma vida secular. "Amar e servir", será o seu lema, apoiado no seu tema de vida, "Tudo para a maior glória de Deus". "Só compreendemos Inácio se o olharmos quando entra em contato com seu 'Criador e Senhor'"(Hugo Rahner).

"Durante sua vida  inteira não manejou a pena senão com dificuldade" e  "oculta-se por trás das frases desajeitadas e sóbrias e seus Exercícios Espirituais ou dos toscos elemento das Constituições da Companhia de Jesus."

"Procurar a Deus em todas as coisas." Estas palavra encerram em si mesmas o itinerário de um homem que conseguiu a integração da fé e da vida a ponto de poder reduzir seu tempo de oração , declarando "que não cessara de crescer na piedade, isto é, na facilidade de reencontrar a eus, e que conseguia achá-lo em qualquer momento que fosse, quantas vezes quisesse."(Autobiografia n. 99).  Um homem assim não se lê apenas; caminha-se com ele e se compartilha sua experiência espiritual...

 

PRINCÍPIO E FUNDAMENTO

A primeira vita o que sente  a alma posta em solidão diante da presença infinita do seu criador é uma necessidade de classificar a sua situação através do diálogo. Tão evidentes são os seus limites pessoais e tão imenso  o desejo da alma, que necessita certificar-se de que o Senhor a escuta e alenta em seu interno. Não pode resignar-se a ser um ente solitário, condenado a uma luta existencial vazia de sentido. Há  no seu  íntimo uma voz luminosa que lhe diz, desde o fundo do seu ser: "Ego Sum" (Ex. 3, 14). Ele é aquele que é, quem sustenta na existência tudo o que existe, quem ama e,  porque ama, pôs na existência o ser criado (Sb 11, 25-26). O ódio destrói, não cria. O amor é que deseja tornar os outros participantes do bem que possui. Diante desta presença infinita da amorosa majestade divina que tudo enche, não restou a Isaías mais do que prostra-se com o rosto em terra na mais profunda adoração. E é também diante dele que o meu ser criado se ajoelha, desejoso de descobrir o seu plano de amor sobre mim., ao dar-me a existência.

Se me incumbe ordenar a minha  vida e dar-lhe um sentido autêntico, nenhum outro caminho me reta senão reconhecer o meu Criador e acatar o seu desígnio quando me criou. Em minha oração, pedirei que Ele seja devera o Senhor, como de direito, na minha vida: tu solus Dominus.

Que eu reconheça o sentido de seu gesto criador e santificador: ele me elegeu antes da criação do mundo para ser santo e imaculado em sua presença pela caridade ... Para louvor e honra da sua graça ... em seu Filho bem amado (Ef 1, 3 ss.).

Por outra parte, sentirei como diante dele, o único Absoluto, tudo o mais e relativiza, e pedirei como graça a experiência espiritual da transitividade, da relatividade, do sentido condicional de toda as coisas  criadas. O homem não foi feito para elas, e sim elas para o homem, e este para Deus, em Cristo; é o que São Paulo já nos fala em uma de suas cartas: "Somos de Cristo e Cristo é de Deus"

A vontade de Deus deve polarizar de tal forma todas as pontecialidades do meu ser, que eu possa repetir sempre: "Eu só quero o que tu queres, Senhor".  E se, por vezes, eu sentir a rebelião das inclinações ou afetos involuntários, deve a vontade superior poder impor-se até dizer: "Senhor, não se faça a minha vontade, ma a tua. Não o que eu quero, ma o que tu queres" (Lc 22, 42; Mt 26, 39).

Se o amor das coisas foi capaz de nos arrastar à indiferença para com Deus, quanto mais será capaz o amor de Deus de nos tornar indiferentes aos atrativos e repulsões pelas coisas?

 

A SAGRADA ESCRITURA E OS EXERCÍCIOS ESPIRITUAIS

Tão expressão "exercício espiritual" é antiga tanto no Oriente como no Ocidente.  Conforme o vemos em 1Tm 4, 7b-8 onde o mesmo o comenta.

Vê-se a exaltação  do exercício, da sua técnica e desenvolvimento, do processo e dos métodos de perfeição ..., como se se tratasse de "exercícios psíquicos" e não de exercitar-se  na vida   segundo o Espírito Santo, a qual é absolutamente irredutível  à  mera  vida psíquica. O homem meramente "psíquico  (psychikos antropos), laicizado e secularizado - que não conhece nem admite  outras definições  do homem, a não ser, as apresentáveis ou colocadas no horizonte humano, de "carne e sangue" ( 1Cor 1, 17-3, 23; 15, 50; Jo 1, 12-13; 6, 63).

Encontramos, de contra partida, um espiritualismo anárquico, desconhecedor do dinamismo que o Espírito Santo (Pneuma) imprime na psique (psyche) e no corpo (soma) do cristão, e também esquecido do fato que a vida segundo o Espírito, por livre que seja, precisa tornar-se inteligentemente, em toda a existência do ser humano (Gl 5, 1. 13-6, 10; Ef 4, 11-5, 20).

Para entender a estrutura do dinamismo da existência segundo o Espírito, seria útil exercitar-se em dominar e usar, fazendo as devidas analogias, a descrição do mecanismo da inteligência humana - da experiência à compreensão, ao juízo e  à decisão.

O teólogo, no sentido próprio, contemplativo e místico, que esse vocábulo encerra na mais antiga tradição cristã, é um homem conscientemente comprometido com a experiência de Deus, segundo o Novo Testamento, concebia como dom do Espírito Santo aos que crêem. Cabe-lhe também a graça de saber interpretar e transmitir adequadamente essa experiência, no seio da comunidade cristã, prestando, pois, ajuda aos irmãos, para que reconheçam, desvendem e saboreiem e com o mundo, à luz da Palavra e do Espírito de Deus, crescendo, portanto, nela.

O fundamento da verdadeira teologia reside na conversão religiosa (além da intelectual e moral) do teólogo, que deverá ser, mais que tudo, um homem espiritual (pneumatikos anthrõpos; 1Cor 2, 15). "O mérito e a coragem do Pe. Lonergan, ao basear, sistematicamente, toda a sua múltipla atividade teológica no relacionamento amoroso sobrenatural do teólogo com Deus. Essa a razão maior por que a sua metodologia teológica nos parece peculiarmente rica de sugestões também para a metodologia própria dessa atividade teologal específica que é o exercício espiritual.

Como base dos exercícios segundo o espírito Inaciano avulta a convicção de que é possível a todo ser humano experimentar a Deus imediatamente , no âmago de sua alma  e sobretudo na sua própria liberdade. Trata-se de Deus mesmo, daquele que mora numa luz inacessível e que nenhum homem jamais viu nem pode ver (1 Tm  6, 16); trata-se do Deus Trindade, sentido em si mesmo.  certeza indubitável e inconfundível dessa experiência não acontece, em si mesma, pelo apelo a intermediários humanos. Antes, precede e dá consistência e significação a tal apelo, em obediência ao Espírito.

Essa experiência de Deus, evidentemente, é graça pura e não conquista nem resultado de técnicas humanas (psíquica). É comunicação gratuita e libérrima, que Deus faz de si próprio ao homem. E justamente por ser graça, a ninguém é recusada . Mais ainda, constitui a graça típica o Novo Testamento, mercê da qual a comunhão  total  de vida com o Filho e no Filho e (EE. 53. 95. 98. 104. 109. 147. 167.) dá aceso não já ao pedagogo (Gl 3, 19-29), ama imediatamente  ao Pai (Ef 3, 19-29), amas imediatamente ao Pai (Ef 3, 8-12) pelo Espírito do Filho que clama, em nossos corações: "Abba, Pai!"  (Gl 4, 6). O Espírito de Deus em todo aquele que crê está presente e implantando, envolvendo e abraçando, amorosamente, a todos. Agora o Senhor se revela a seu povo em intermediários, cumprindo a esperança dos profetas e a mais pura Inspiração  de Israel (Nm 11, 29; Jr 31, 31-34; Ez 36, 25-26; Mt 23, 8-10; Jo 6, 43-47; At 2, 1-4. 16-21. 32-36; Rm 5, 1-5; 1Jo 2, 20-21. 27; 3, 24).

Um dos traços mais originais dos exercícios é que neles a pessoa assume a busca da vontade de Deus a seu respeito e o discernimento da ação do Espírito a partir dos dados da própria consciência e não contemplando nem analisando a si mesmo e muito menos deixando-se analisar por quem dá os Exercícios.

Evidente a verdade teológica desse tipo de oração "segundo o Espírito" no Exercícios. O Espírito Santo procede do Pai e  pelo  Filho (Jo 14, 16-17.26; 15,26). Logo, nós o recebemos, quando estamos atentos ao Verbo. O Espírito da Verdade não fala de si mesmo, mas dá testemunho do Filho (Jo 15, 16: 1Jo 4, 1-6; 5, 5-13) e o glorifica, tomando do que é seu e anunciando-o aos discípulos (Jo 16, 13-15), lembrando-lhe e conferindo-lhes a compreensão de tudo o que o Filho lhes dissera (Jo 14, 26).

Nos Exercícios, Inácio, sintomaticamente, não sugere nunca um colóquio com o Espírito Santo e sim com Maria, com o Filho e com o Pai (EE. 62. 63. 109. 148. 156. 159. 164. 168. 199. 225).   Mais que  destinatário da prece do cristão, o Espírito coloca-se do lado de quem ora, porque é ele o verdadeiro orante na oração do Novo Testamento (Rm 8, 14-17, 22-27; 1Cor 14, 15; Gl 4, 4-6; 5, 16-25; Ef 5, 18-20; 6, 18).

Por essa íntima relação entre Exercícios Espirituais e a leitura da Bíblia  é natural que a renovação  radical dos estudo bíblicos, nestes últimos decênios, tenha repercutido fortemente no uso da Escritura nos Exercícios.

Além de amplas exposições temáticas sobre isso, muitos modelos práticos também  foram oferecidos até por biblistas muito conhecidos.

Em suma:

1. Vivo desejo e ordenar e reordenar a vida, eliminando-lhe  toda desordem atual e habitual, e organizando-a segundo a vontade de Deus, bebida na sua Palavra e nos critérios de preferência e de escolha contemplados no Evangelho de Jesus.

2. Disponibilidade e prontidão para assumir um roteiro de oração pessoal diuturna, no mais  completo silêncio e solidão, interior e exteriormente.

3. Confiança no itinerário evangélico oferecido por Inácio de Loyola, no seus Exercícios.

4. Disposição ativa para, durante os Exercícios, sempre se deixar orientar por quem os dá, em tudo o que se relaciona com eles.

Cada um tem a liberdade frente o pluralismo dos caminhos pelos quais o Espírito de Deus nos atrai e guia. Como a pérolas do Evangelho (Mt 7, 6), os dons do Pai, o seguimento de Jesus e as veredas do Espírito são coisas muito delicada e preciosa.  Aqui expomos um pouco dessa relação Bíblia-Exercícios, devemos ser "oikonomos phronimo " administradores sensatos, transparente (Kalos) e fiel (pistos: Cf Mt 24, 45;  Lc 12, 42; 1Pd 4, 10-11).

 

ESPIRITUALIDADE EM CONTATO COM A VIDA

Santo Inácio não partiu dos livros como podemos ver até aqui, é uma espiritualidade inspirada na vida, indo dar à vida, utilizando todas as riquezas da vida, informando as mínima manifestações da vida e, logo, podendo adaptar-se a toda e qualquer vida.

Entre as espiritualidades, a inaciana é a mais portável; uma daquelas que, ficando  o que é, pode  ser vivida em todas as situações, e por quem o desejar.

Não terá como exercício obrigatório o coro, a recitação ou o canto do ofício litúrgico. Não será sem hesitação e sem pesar que Santo Inácio romperá neste ponto com a tradição. Ele não o fará então com pleno conhecimento de causa. A liberdade de movimentos reclamada pelo apostolado exige uma fortuna de oração menos  cronologicamente  apertada; o coro suprido pela oração. Esta pode fazer-se em qualquer parte. Não há necessidade de coro monástica, de tal hora de preferência a tal outra; um simples leigo sem conhecimento do latim nem da liturgia pode entregar-se a ela.

A espiritualidade inaciana adapta-se bem à vida. A vida moral não admite só gigantes; há abaixo a estatura média elegante; e depois vem a chusma baixos onde há de tudo e numa variedade infinita. Ora teríamos nós a coragem de julgar esta massa perdida sem remissão?

Os jesuítas não desanimaram perante os pecadores. A sua moral nunca foi relaxada, mas mantendo-se divina esforça-se sempre por ficar humana. O homem não nenhum arcanjo, é simplesmente um pobre homem. Esta é a vida.

 

SITUAÇÃO NA AMÉRICA LATINA

Para situar este Diretório, o mais conveniente será começar por um esboço da realidade da América Latina.

Breve esboço da realidade latino-americana.

Os Exercício na América Latina deve privilegiar o lugar social dos empobrecidos, realizando ante essa realidade um discernimento para encontrar a vontade de Deus em sua vida. É partir do contexto real em que se vive que podemos discernir a vontade de Deus na realidade, para assumir um compromisso de transformação, não é colocar-se num novo contexto, é simplesmente ver e rever a realidade presente.

A América Latina é um continente especialmente favorável para o desenvolvimento do processo dos Exercícios. Deus convida ao exercitante a partir da situação de pecado e graça que acontece em nosso continente, a um encontro onde lhe manifestará sua vontade que o clamor dos pobres chega até seus ouvidos e o leva a convidar a muitos homens para que, em seu nome, comprometam-se com o projeto de vida que Ele tem para o seu povo.

A realidade de pobreza, sofrimento e morte que acontece na América latina não pode deixar de acompanhar o início dos Exercícios, e a transformação dessa realidade não pode estar ausente de seus frutos. A chave do discernimento para o exercitante é o reino de via que Deus está construindo no meio da exploração deste povo Latino-americano.

A exploração é um recordar do salmo "um abismo atrai outro abismo". A dívida externa é o sinal maior - ainda que particularmente clamoroso - desta exploração. Esta exploração cria uma dependência de grande complexidade, pois junto com as desigualdades  econômicas se entrelaçam muitos outros fatores que convém ao menos citar: seja em nível econômico, social, político, cultural. ...

Há um grande desequilíbrio! Notemos as respostas que o povo tem dado e continua dando diante dessa situação de exploração. Não se  acompadra numa atitude passiva; vai adquirindo maior conscientização e níveis de organização mais elevadas que se manifestam em várias formas de reticências (p.ex.: luta pela terra etc) e de participação (maior ingerência no partidos, luta pela direção de sindicatos, criação de vários tipos de movimentos populares etc).

A religiosidade popular do nosso continente é um primeiro dado relevante e amplamente reconhecido. Embora com as grande sombras, ambigüidades de pecados de toda obra humana, os cinco século de cristianismo na América Latina podem  ser considerado como uma história de graças recebidas do Senhor, na qual se formou um radical substrato católico, com o esforço missionário de uma vasta legião de bispos, presbítero, diáconos, religiosos e leigos.

A religiosidade do nosso continente cristão apresenta-se todavia, comumente, como uma piedade popular e em formas "sincretismos".

Há no Exercícios uma dinâmica por isso podemos valorizar e revalorizar:

* a dimensão social  das "coisas mundanas e vãs" (EE. 63).

* "passar todos a injúrias e todo desprezo e toda pobreza" (EE. 98) junto aos pobres e humilhados da história, como modo de imitar ao "Rei Eternal"

Estes são exemplos da dinamicidade da espiritualidade inaciana, ainda podemos citar Evangelii Nuntiandi que fomentou o estudo dos Exercícios Inacianos em sua capacidade libertadora para aquele que os faz. E a mesma prática dos exercícios reenfocada com estes novos acentos, mostrou-se eficaz para interessar e atrair os cristãos - especialmente os jovens - desejosos e compromissos radicais.

Todas estas aproximações e reforços mútuos entre o Ethos latino-americano e os Exercícios, surgiram no ritmo da efervescência pastoral despertada por Medellín e confirmada, ampliada e completada por Puebla.

A realidade de nosso continente, realidade da América Latina não quer ser outra coisa que um convite a profundar, nos Exercícios, o que já foi revalorizados a partir da situação dilacerante de nosso povo. Avançou-se alguma coisa, contudo o desafio está no que falta por realizar, tanto em nível de aprofundamento teórico como da prática dos Exercícios.

 

O VATICANO II E OS EXERCÍCIOS

No último enfoque falávamos dos Exercícios e a Vida e, mais precisamente no término apresentamos um breve esboço da realidade Latina Americana e os Exercícios, contudo não podemos esquecer de colocar também algumas idéias mais salientes do Vaticano II em relação com os Exercícios. Não pretendemos dar um quadro completo, nos limitamos, pois, a indicar sumariamente aquelas idéias profundas que fundamentam e animam os textos conciliares.

Numa seqüência lógica e orgânica iniciemos pelo conceito fundamental de História da Salvação:

"O Pai Eterno, por libérrimo e arcano desígnio de sua sabedoria e bondade criou todo o universo. Decretou elevar os homens à participação da via divina. E, caídos em Adão, não os abandonou, oferecendo-lhes sempre os auxílios para a salvação, em vista de Cristo, o Redentor, "que é a imagem de Deus, o primogênito de toda a criatura"

(Col 1, 15). A todos os eleitos o Pai , desde a eternidade, "conheceu e predestinou a serem conformes  à  imagem  de seu Filho, para que Ele fosse o primogênito entre muitos irmãos"(Rm 8, 29). Assim  estabeleceu congregar na santa Igreja foi prefigurada. Foi admiravelmente preparada na história do povo de Israel e na antiga aliança. Foi fundada nos últimos tempos. Foi manifestada pela efusão do Espírito. E no fim dos tempos será gloriosamente consumada, quando, Adão, "do justo Abel até o último eleito", serão congregados junto ao Pai na Igreja universal". (LG 2)

Desta visão de conjunto da História da Salvação é donde brotam e donde se apoiam as perspectivas  sociais, cósmica e escatológica das que hoje justamente se fala e com as quais se apontam aspectos da vida cristã, talvez antes não devidamente valorizados.

O Concílio, ao centrar sua atenção na pessoa de Cristo, Verbo encarnado e Redentor, que havendo ressuscitado depois de morrer na cruz pelos homens, apareceu constituído para sempre como Senhor, como Cristo e  como Sacerdote (cf. At 2, 36; Hb 5, 6; 7, 17-21).

Não é tratar de Cristo em abstrato, senão de uma visão existencial e real d'Aquele que é a Cabeça do corpo místico.

O concílio fala com viveza da nossa relação pessoal com Cristo, essência  de toda vida cristã, com a intenção e intensificar e profundar a religiosidade daqueles que possuem a fé, de mostrar o sentido último da vida humana daqueles que não conhecem a Cristo, mas que somente n'Ele e pode falar a razão de  sua existência.

Parece útil e necessário neste contexto chamar atenção  sobre o fato de que o Concílio, incentivando a um conhecimento cada vez maior da Sagrada Escritura e por conseguinte, ao estudo  assíduo da mesma, recomenda que se adquire uma verdadeira familiaridade. Esta não é somente o fruto e uma assídua leitura e de um diligente estudo, senão a meditação com a que e aprende a supereminente ciência de Jesus Cristo (Fl 3, 8).

Esta reflexão sobre a maneira como o Concílio promove o estudos bíblicos tendo uma relação muito importante entre o Vaticano II e os Exercícios, nos quais a contemplação dos mistérios da vida de Cristo tem precisamente esta característica de amoroso estudo do Senhor, realizado com os livros sagrados na mão e debaixo do Espírito Santo, humildemente conseguida oração contemplativa, dentro de uma atmosfera de  reconhecimento interno e externo.

O carisma é um  dom sobrenatural conferido livremente pelo Espírito a uma pessoa determinada, para sua santificação  e  para o florescimento e a expansão da Igreja (LG 4, 31 7 § 3; AA. 3; AG 4. Tem uma função histórica que não se limita ao período em que é recebido, senão que abraça todo  o futuro de uma maneira muito mais eficaz que qualquer ato humano, e em certo sentido, enquanto resume o passado individual e coletivo, prepara também um porvir nas mesmas dimensões. Entre os carismas ocupa um posto eminente o da santidade a função eclesial  e comunitária. (cf.  LG 50 § 2 / 2 Cor 3, 18 / Hb 13, 14 e 11, 10).

A Igreja tem se renovado volvendo de seu dogma e seu desenrolar  teológico através  dos vinte séculos de sua História. A renovação dos Exercícios deve ter lugar a luz do carisma de  Santo Inácio, que tem também  hoje uma função eclesial e que se pode verificar somente volvendo a seu genuíno pensamento, no marco teológico do Vaticano II.

O movimento  de crítica e superação dos tradicionalismos para tentar redescobrir a tradição, suscitado pelo Espírito Santo em numerosos setores da vida eclesial, à luz do Concílio Vaticano II, provocou e continua a provocar no que tange também no conhecimento e a prática do Exercícios Espirituais, novas análises deles, sobretudo da sua intuições básicas e mais originais, cuja atualidade e fecundidade para a Igreja atual e de amanhã causam permanente admiração a qualquer observador (cf. Os Exercícios de Santo Inácio de Loyola à luz do Vaticano II, Congresso  Internacional sobre o Exercícios, Loyola, 1966).

 

ESPIRITUALIDADE CRISTOLÓGICA E APOSTÓLICA.

Inácio procurava quando estava estudando em Alcalá arrastar outros para o amor de Cristo, mas ele dizia: "nunca me teria vindo ao pensamento que se pudesse  causar escândalo entre cristãos falando de Cristo".  Jesus era a sua paixão constante.

Jesus Cristo  é o modelo, é o amigo apaixonado ao qual daremos todo o nosso amor. A força de  mostrar Santo Inácio como homem de energia, de prescrições minuciosa, de vontade tenaz, de disciplinas rigorosa, esquece-se que  Santo Inácio era um homem abrasado de amor, um homem dotado de grande ternura e  além disso um místico de grande envergadura. Não falemos da sua vida pessoal do seu ardor em dar-se a Nosso Senhor Jesus Cristo; não  falemos  das suas lágrimas na oração, dos seus êxtase de amor; vejamos só os textos: porque é que ele pede ao exercitante que contemple demoradamente a figura de Nosso Senhor Jesus Cristo?  É para que ele o venha a amar intensamente - ut ardentius amem - quer dizer, mais e mais intensamente.

Tornar Nosso Senhor amado, compreende-se que seja o grande desejo das almas afeiçoadas à espiritualidade inaciana.  Logo, Jesus Cristo e os cristãos formam por assim dizer um mesmo composto e uma mesma pessoa. União o homem com Jesus Cristo que se dá pelo Batismo, é por ele que somos pela primeira vez enxertados em Cristo.

Espiritualidade apostólica! Inácio designa a seus filhos como duplo fim o zelo dos direitos e da glória de Deus, e a seguir o cuidado do próximo; Santo Inácio não permitiria que eles mostrassem tão pouco entusiasmo pelo cuidado e pela conquista das almas.  Santo Inácio não visa a outra coisa senão a fazer realizar esta exigência. Ele próprio ambicionará obter do melhor modo possível em cada ocasião a glória de Deus. Mesmo os que pouco conhecem dos jesuítas ouviram ao menos falar da sua divisa: A.M.D.G. - Para a maior glória de Deus, "Ad majorem Dei Gloriam.".

Do mesmo modo que todo o cristianismo, ou pouco menos, se encontra nas duas palavras Pater Noster, assim toda a espiritualidade inaciana  está quase toda contida nas quatro letras A.M.D.G. ...

Esta fórmula "tudo para a maior glória de Deus" ou uma fórmula equivalente, encontrar-se-á nas Constituições da Companhia duzentos e cinqüenta e nove vezes, isto é, pouco mais ou  menos uma vez em cada página.

A espiritualidade inaciana inspira  o gosto do apostolado missionário: não que leve aqueles que não são feitos para o desbravamento, mas leva, sim a preocupar-se durante o dever presente dos seus irmãos distantes. Sem embargo, não é católico e não abraça o mundo inteiro, num amor universal; e todas as espiritualidades sérias têm para alargar os horizontes.

CONCLUSÃO

Ninguém anda sozinho pelos caminhos do Senhor.  Da vida de Santo Inácio podemos tirar muitas lições, a sua própria conversão nos ensina o quanto é mister fazermos a nossa leitura espiritual que traz um bem incalculável, desde que tomemos resoluções firmes  de vida.   A glória de Deus e a salvação das almas, é um outro ponto que todos nós somos convidado a fazer e Inácio o fez de uma forma esplêndida, dedicando a vida e dando tudo Àquele que é o Senhor de tudo e de todos. Para tal propósito ele se propõe: "vence-te a ti próprio!" e ele o fez e cada um de nós que caminhamos à perfeição devemos também fazer este belo propósito de vida . "Não há outro caminho para a santidade senão  o da abnegação e da mortificação. Anima-te, pois! Começa resolutamente! Uma única mortificação, feita com decisão, é mais agradável a Deus que praticar muita obra". (Santo Inácio).

A espiritualidade inaciana, aparece ao apreciador  sagaz e de boa fé, como uma espiritualidade ao mesmo tempo clássica e muito original, tradicional e moderna.. Tradicional - Inácio conserva três vias: purgativa, iluminativa, unitiva; Moderna, primeiro porque é independente de  formas de piedade de determinadas épocas, depois, porque pode viver-se em qualquer ambiente; é ainda moderna, uma vez que a três grandes necessidades do século são a de reensinar ao mundo o sentido do recolhimento, do respeito a Deus e do culto do Divino Rei das sociedades e dos indivíduos e porque justamente a espiritualidade inaciana insiste dum modo particular sobre estes três ponto capitais; clássica: Inácio não inventou, nem a solidão, nem a oração, nem o exame particular.

Se quiséssemos deixar uma fórmula-resumo do que dissemos acerca da espiritualidade inaciana, nós proporíamos  as palavra de São Paulo: Vita vestra abscondita est cum Christo in Deo. A espiritualidade  inaciana ajuda a realizar isto.

Rendimento máximo do homem todo. Espiritualidade racional, mais intelectual do que sentimental ma não descurando nenhuma da riquezas da imaginação e do sentimento; preconizando, acima de tudo, a energia da vontade.

Uma espiritualidade realista, tendo por base a abnegação clarividente e resoluta.   "Estar livre de tudo exceto de Cristo Jesus", como fala um escritor moderno. Nada de serviço de escravo. Servir porque Jesus a quem amamos  até  à loucura, assim o exige. Por seu amor, o extraordinário; no eu lugar, no dever de estado, utilizando dia a dia os meios do navio, mas fazendo por imprimir ao seu serviço a marca de um serviço distinto.

Cristo! não só contemplá-lo nem só copiá-lo, mas prolongá-lo. O problema não consiste em fazer eu o que Ele faz, mas em fazer eu, que sou membro vivo d'Ele, o que Ele faria no meu lugar, o que Ele quer realizar através de mim e por mim.

Uma espiritualidade que entregue a alma em toda a sua plenitude a Deus. "Até onde Deus quiser, como Deus quiser e tanto quanto Deus quiser."

Uma espiritualidade que leve à maior docilidade para com o Espírito Santo de quem se aprendeu a reconhecer claramente os pedidos mais aliciantes e mais suaves. Uma espiritualidade, portanto, que coloque a alma na melhor situação para receber, se a Deus parecer bem, os dons místicos mais elevados.

Há muitas moradas na casa do Pai, dizíamos no princípio. É um efeito da Providência. Nada deve ser mais pessoal do que o modo de cada qual caminhar para Deus, pois como disse no início desta conclusão ninguém caminha sozinho, por isso o exemplo de uma espiritualidade que cativa, mas que necessita sempre de alguém que nos auxilie a fazer e a viver os Exercícios Espirituais frente a nossa realidade e a nossa personalidade. Mais tarde encontrar-nos-emos todos na harmoniosa fusão do mesmo "Sanctus, Sanctus, Sanctus".

 

BIBLIOGRAFIA

ANTONCICH, Ricardo. Quando rezarem digam: "Pai Nosso...".   Meditações  para o mês

de Exercício Espirituais. São Paulo,  loyola, 1990.

FIORITO, A.  Discernimento e luta Espiritual. São Paulo, Loyola, 1990.

FUTRELL, John C..  Como Dar um Retiro Inaciano. São Paulo, Loyola,  1987.

GARCIA, Ceferino.  Comunidades de Vida Cristã.  Espiritualidade Inaciana para  Leigos.

São Paulo,  Loyola,  1986.

GIULIANI, Maurice.  A Experiência dos Exercícios na Vida. São Paulo, Loyola, 1991.

GONZÁLBZ, L.  & IPARRAGUIRRE, I.  Ejercicios Espirituales. Madrid, Bac, 1965.

IDIGORAS, Ignacio.   Inácio de Loyola Sozinho e a pé. São Paulo, Loyola, 1991.

JURADO, Manuel R.. Prática abreviada dos  Exercícios espirituais de Santo Inácio. São

Paulo,  Loyola,  1989.

PLUS, R.  Até Deus por Santo Inácio. 2ed. Porto,  Apostolado da Imprensa, 1960.

RAGUIN, Yves.  A Direção Espiritual. São Paulo,  Paulinas, 1988.

STIERLI, Josef.  Buscar a Deus em todas as coisas. São Paulo, Loyola, 1990.

VV.AA. Los Ejercicios de S. Ignacio a la Luz del Vaticano II. Marid, Bac, 1970.

VV.AA.  Orientação para  Realizar  os  Exercícios  Espirituais  na  América  Latina.  (Um

diretório a partir  e para a América Latina). SãoPaulo, Loyola, 1991.

 


Cf. Yves RAGUIN, A Direção Espiritual , p. 26.

H. RAHNER, Mensch und Theologe, p. 53.

__________,  Ignace de Loyola et les femmes de son Temps, p. 9.

¶ Cf. G. B. Sala, "Bernard Lonergan" in Lessico dei Teologi del secolo XX (Myterium Salutis, 12/Sopplemento), Brescia, 1978, pp. 545-55.