De  acordo com o pesquisador David Barrett, dos 5,8 bilhões de habitantes do planeta, apenas 1 bilhão e 100 mil não professam nenhuma religião ou se declaram ateus. Os demais 4,7 bilhões são: cristãos (quase 2 bilhões), muçulmanos (1 bilhão e cem mil), hinduístas (mais de 800 milhões), budistas (328 milhões), judeus (14 milhões) e adeptos de outras religiões (quase 250 milhões). Isto quer dizer que pouco mais de 80% do gênero humano professa uma religião e naturalmente alimenta algum tipo de esperança no futuro.

 

Não verdade há três tipos distintos de esperança. Um deles se restringe a esta vida e a este mundo. Outro diz respeito à outra vida e ao outro mundo. O terceiro abarca esta vida e a outra vida, este mundo e o outro mundo.

 

O primeiro tipo de esperança focaliza a vida presente: a longevidade, a aquisição de bens necessários e supérfluos, a realização pessoal e a superação de todos os embaraços que roubam ou diminuem a alegria de viver. À semelhança dos arquitetos Lúcio Costa (95 anos) e Oscar Niemeyer (90 anos) e dos outros 20% da população mundial, os que têm esse tipo magro de esperança não esperam mais nada depois da morte cerebral.

 

Forçosamente, a filosofia de vida de tais pessoas é: "comamos e bebemos, que amanhã morreremos" .

 

O segundo tipo de esperança focaliza a vida futura: a eliminação da morte e do mal, a bem-aventurança eterna, o nirvana do budismo e das regiões indianas, o paraíso dos muçulmanos, a era messiânica dos judeus ou os novos céus e nova terra do cristãos.

 

O terceiro tipo de esperança focaliza a vida presente e a vida futura. É uma mistura bem feita do primeiro com o segundo tipo de esperança. Repudia tanto o materialismo como o eterno adiamento da bem-aventurança. Não acredita em utopias humanas, mas não se ausenta da sociedade, onde se afirma como sal da terra e luz do mundo.

 

O tema da esperança cristã presta-se a impressionante fragmentação de conteúdos e de problemáticas. Percorrendo-se uma publicação de uns vinte anos atrás, encontram-se já enumeradas esta "porções ou dimensões da esperança": temporal, histórica, simbólica, ativa, coletiva, política, cristológica e corporal, pneumatológico e profética, escatológica, eterna. Há, como pode-se ver, nuanças diversas nestes adjetivos, todos de uma inextricável inter-relação, e submetendo-os de maneiras diversas, até opostos, de conceber e realizar a existência cristã concreta.

 

O Espírito nos sustenta na Esperança, como nos fala Paulo aos Romanos no Capítulo 8º, versículos de 14 à 27:

 

"Todos os que são conduzidos pelo Espírito de Deus são filhos de Deus. Com efeito, não recebestes um espírito de escravos, para recair no temor, mais recebestes um espírito de filhos adotivos, pelo qual aclamamos Abba! Pai! O próprio Espírito se une ao nosso espírito para testemunhar que somos filhos de Deus. E se somos filhos, somos também herdeiros: herdeiros de Deus e co-herdeiros de Cristo, pois sofremos com ele, para também com ele sermos glorificados.

Penso, com efeito, que o sofrimentos do tempo presente, não têm proporção com a glória que deverá revelar-se em nós. Pois a criação em expectativa anseia pela revelação dos filhos de Deus. De fato, a criação foi submetida à vaidade -  não por seu querer, mas por vontade daquele que a submeteu - na esperança de ela também ser libertada da escravidão da corrupção para entrar na liberdade da glória dos filhos de Deus. Pois sabemos que a criação inteira geme e sofre as dores do parto até o presente. E não somente ela. Mas também nós que temos a ação do nosso corpo. Pois nossa salvação é objeto de esperança; e ver o que se espera não é esperar. Acaso alguém espera o que vê? Se esperamos o que não vemos, é na perseverança que o aguardamos. Assim também o Espírito socorre a nossa fraqueza. Pois não sabemos o que pedir como convém; mas o próprio Espírito intercede por nós com gemidos inefáveis, aquele que perscruta os corações sabe qual o desejo do Espírito; pois, é segundo Deus que ele intercede pelos santos."

 

A fé está intimamente ligada à esperança. É o que se depreende de Hb 11, 1:  "A fé é a posse antecipada dos bens que esperamos". Pouco adiante, Abraão é apresentado como modelo de fé, e também de esperança, "pois ele esperava a cidade que tem fundamentos, cujo arquiteto e construtor é Deus".  Sim, "Deus preparou aos Patriarcas uma cidade", a eles que se reconheciam "estrangeiros e peregrinos nesta terra". Daí, podemos dizer que a nossa fé nas realidades invisíveis acarreta, necessariamente, a fé em promessas divinas, ou seja, a esperança.

 

Na epístola aos Efésios, Paulo lembra aos seus leitores a época anterior à conversão deles. Então a sua situação era  marcada pela falta de promessa. Eram homens que, sem esperança e sem Deus, viviam neste mundo. Observação semelhante encontramos na primeira epístola aos Tessalonicenses: nesta carta Paulo fala da esperança de além-túmulo aos cristãos gregos, a  fim de que não vivessem na tristeza "como os outros que não têm esperança". Dessas duas passagens deduzimos, segundo Paulo, que a marca do cristão é a esperança e a do ateu, ao contrário, a falta de esperança. Ser cristão é ter esperança, estar garantido por ela. Segundo estes textos, a esperança não é apenas um artigo qualquer de fé, como muitos outros, mas precisamente a definição da existência cristã.

 

Perante esta posição, vejamos o contexto histórico hodierno, impõe-se algo de contraditório. A esperança sempre foi citada no catálogo das virtudes cristãs, contudo, a imagem que o cristão médio possui das coisas, não está sendo antes dominada pela angústia do que pela esperança? E, dado que haja esperança, não é ela por demais pequena, por demais medida estritamente segundo o próprio eu? - Em  contra partida, levantar-se-á a questão se é lícito julgar que os outros não têm "esperança"?

 

Ernest Bloch, decidido ateu, como se sabe, propôs com energia, por meio do seu "Princípio Esperança", esse tema antes esquecido, como o problema propriamente central de toda a filosofia. Segundo ele, o mundo é um "Laboratorium possibilis salutis". Com incansável eloqüência, procura Bloch explicar-nos que a restauração e o reino do homem têm precisamente como pressuposto "que nenhum Deus permanece nas alturas, e que, de qualquer modo, lá não há nenhum, ou jamais houve algum Deus". Deste modo, para Bloch, vale o contrário daquilo que ouvimos de Paulo, isto é, somente o ateu é que tem esperança e, enquanto os homens não conheciam o processo marxista de mudança do mundo, viviam sem real esperança neste mundo e, por isso, deviam procurar saciar-se com esperanças falsas.

A esperança é o dínamo fundamental não só da vida cristã, mas da vida de todo homem em geral; ninguém, mesmo o não cristão, pode levar existência autenticamente humana sem alimentar alguma esperança. Com efeito, o homem é um ser limitado, que tende para a sua perfeição, a qual é também a sua felicidade; por isto ele vive em constante tensão ou aspiração em demanda do seu Fim Supremo e dos meios que a este conduzem. Quem serve a Deus em vista de uma recompensa temporal ou passageira apenas, não possui a esperança teologal. Podemos falar que em Cristo estão concentrados todos os bens que o Pai nos  prometeu: "Cristo em vós, a esperança da glória".


Dados de 1997, da Revista "The Times".

Is 22. 13, 1 Co 15.32.

R. Laurentim. Speranza cristiana: immensa riserva dell'uomo. Alba, 1971.

Hb 11, 10.

Hb 11, 16.

Hb 11, 13.

Cf. Ef 2, 12.

1Ts 4, 13

Laboratório da salvação, que é possível.

E. Bloch,  Das Prinzip Hoffnung (Frankfurt a.M. 1959)  1524. Cf. J. Pieper, Hoffnung und Geschichte (Münchem 1967) 85.

Cl 1, 27. Ver 1Tm 1, 1 e Rm 4, 17.