A questão é saber quem é, nesse conflito, o guarda e a testemunha da esperança. Para respondermos, é necessário precisar alguns pontos. Que queremos dizer propriamente com a expressão "Esperança"? Que é esperança?  Quem espera aqui e em que esperam os que esperam?

 

Primeiramente uma coisa é bem clara: a Esperança está relacionada com o futuro. Significa que se espera  no futuro, uma alegria, uma felicidade que ainda não está presente. Assim a esperança depende do tempo e este nos diz que o homem nunca possui totalmente o seu ser. Ele não é ele mesmo senão na tensão entre o passado e o futuro, passando pelo presente. Todavia as esperanças que se relacionam com esta temporalidade, podem ser, naturalmente, de qualidade bem diversa. Um menino pode esperar o próximo feriado, um boletim com boas notas e as conseqüências agradáveis daí decorrentes. Pode esperar um pedaço de bolo, ou de pizza ou ainda de um belo passeio. Muitas esperanças como estas marcam toda a nossa vida, dando-lhes coloridos diferentes. Nem Paulo contestaria que os pagãos possuem tais esperanças, nem Bloch as subtrairia aos cristãos. Mas todas essas esperanças, tanto para uns como para outros, evidentemente, não são a Esperança que importa antes de tudo. Portanto, que se entende por Esperança?

 

Talvez se possa compreender, se refletirmos um pouco mais exatamente sobra a angústia, o contrário da esperança. Há aí, em  primeiro lugar, as mil espécies de angústias que nos afligem no dia-a-dia, desde o medo da mordida de um cão até o receio do aborrecimento diário com os outros, no local de trabalho ou em casa. Mesmo aqui, não são as "angustiazinhas" isoladas que mortificam e levam ao desespero os homens. Por trás delas está a Angústia propriamente dita, a de que a vida como tal falhe, se torne tão triste e pesada que não possa mais ser vivida.

 

Exemplifiquemos um fato: muitas pessoas nos dizem que preferiam não viver. Resposta totalmente contrária até ao nosso ser para a vida e eis aí uma definição de desespero: a própria vida não é boa. Resta insurgir-se contra tudo que é responsável pelo mal da vida. A destruição é o único bem que pode ocorrer, porque o próprio ser é o mal. Aqui já não há propriamente angústia, pois nessa sempre existe algo de possível esperança, mas resignação pura, desespero como questionamento do próprio ser. O existir deixa de ser bom, se nunca se teve uma experiência positiva, se alguém nunca se sentiu amado. Em  outras palavras, a Angústia que está atrás das angústias é a da ausência total de amor, o medo de uma existência em que os aborrecimentos de cada dia se tornam tudo, em que nada mais se oferece de grande, de acolhedor.

 

Nesse sentido as pequenas angústias, se se tornam a única coisa que se  espera do futuro, transformam-se na grande Angústia, a de uma vida que, por não oferecer nenhuma esperança, é insuportável.

 

Por meio de análises de angústias somos reconduzidos à palavra Esperança. Se a angústia, a que atrás das outras angústias, é, em última análise, a da ausência de amor, então a Esperança, que está acima das outras esperanças, é a confiança de receber o dom do grande amor. Poder-se-ia dizer que as coisas, uma por uma, por possuírem, por assim dizer, em si algo de experiência do amor, tornam-se esperanças, sendo semelhantes a estas, mais ou menos segundo suas qualidades especiais. Nas angústias, há sempre o aspecto da falta de amor, de uma esperança de amor esmagada. É, pois, antropologicamente falando, perfeitamente conseqüente aquela palavra de São João: " A caridade perfeita lança fora o temor".

 

Nesta passagem lembra-nos também a importância que tem para a questão da esperança outra sentença da primeira epístola de João: " Deus é amor". É uma das mais importantes palavras da história das Religiões. Manifesta-se aqui uma relação que torna mais compreensíveis as palavras de São Paulo, que nos serviram de ponto de partida. Temos dito até agora que, em última análise, a Esperança visa ao amor.

 

A Moral nos diz que a esperança cristã está ligada, ao temor e ao amor. Já que somos peregrinos, podemos ter o receio de não chegar ao nosso termo definitivo; apesar disto, a esperança não perde sua firmeza, porque está ancorada em Deus; de Deus tudo esperamos, de nós mesmo tudo podemos recear. Na medida em que caminhamos nesta vida, descobrimos Deus cada vez mais, e assim nossa esperança mais e mais tende para Ele, e não apenas para os bens prometidos. Com outras palavras: a esperança descobre sempre mais o amor de Cristo e suscita em nós uma esperança de amor. Todavia houve quem pregasse o amor a Deus, amor puro ou desinteressado dos prêmios  que Ele nos queria dar; tal amor seria mais perfeito, porque não haveria nenhum retorno do sujeito sobre si mesmo, pensava Miguel de Molinos, Padre secular e guia Espiritual - 1675 - de Inocêncio XI. Tais proposições não foram aceitas pela Igreja; longe de haver oposição entre amor e esperança, há, antes mútua complementação. O amor suscita em nós a esperança de nos encontrarmos com Deus amado, e a esperança nos une cada vez mais a Deus no amor. A esperança, na vida definitiva - o finis quo - acabará, e nosso amor será um amor de gratidão pelo Dom recebido.

 

É Jesus que nos fala:

 

"Alegrai-vos e regozijai-vos, porque grande será a vossa recompensa nos Céus" ou " Juntai para vós tesouros nos céus, onde nem a traça e nem o caruncho corroem e onde os ladrões não arrobam nem roubam".

 

Se Deus colocou dentro do coração humano um profundo anseio de felicidade, deve querer que os homens se realizem a essa felicidade.

 

Se a esperança e o amor, de um lado, e Deus e o amor, de outro, são inseparáveis, então está claro que também andam juntas a esperança e Deus; afinal quem não tem esperança " vive no mundo sem Deus".

 

Vale lembrar que a esperança cristã não é otimismo. Este pode ser atitude de ânimo subjetiva, uma vez que existem pessoas de temperamento otimista e outras de índole pessimista; ao passo que a esperança cristão, a que a moral chama de teologal, que tem seu fim em Deus, possui por isso mesmo um fundamento objetivo; ela está ancorada em Deus, conforme lembra Hb 6, 19s:

 

"A esperança é, para nós, qual âncora da alma, segura e firme, penetrando para além do véu, onde Jesus entrou por nós, como Precursor"

 

A âncora veio a ser, na arte cristã antiga, o símbolo mais freqüente da esperança.

 

A esperança cristã, embora vise aos bens definitivos e transcendentais, não ignora os valores temporais, aos quais ela tende na medida em que possam ser a antecipação dos bens eternos, afinal o Reino já se faz presente no já e o no ainda não. Todavia o cristão acautela diante de dois extremos: o pessimismo radical - "todos os  esforços em prol da cidade terrestre são inúteis" - e o otimismo utópico - "a cidade terrestre, devidamente construída, será a cidade mesma de Deus". O cristão, pelo fato mesmo de ser cristão, entrega-se, com empenho especial, às suas tarefas temporais, mas não se engana a respeito dos resultados que possa esperar. A cruz não o decepciona. Por isto a Sagrada Escritura associa freqüentemente entre si a esperança e a paciência ou a constância  tenaz; assim, por exemplo, os que tendo recebido a semente da palavra de Deus, dão fruto múltiplo, dão-no em clima de paciência. "Os que pacientarem (perseverarem) até o fim, esses serão salvos". Acrescenta o senhor: "na vossa paciência (perseverança) possuireis a vossa vida".

 

Visto que os bens eternos são gratuitos e a perseverança no caminho da fidelidade não pode ser merecida, mas apenas solicitada, a esperança cristã é inseparável da oração. Quem reza confiante e perseverante não se deixa acabrunhar por suas deficiências nem por reveses, visto que é sabedor de que Deus prometeu sua graça a quem lha pedir. A oração, portanto, é a expressão da esperança e a garantia desta: todo cristão tem certeza de que pela oração chegará à plenitude da vida que ele espera.

 

A esperança suscita a alegria no cristão. Este sabe que nada o pode separar do amor de Cristo e dos dons que o Pai lhe concedeu através do Batismo e da Eucaristia. Embora sinta as tribulações à sua qualidade de peregrino na terra, guarda paz e alegria em seu coração, pois ele traz aí a semente dos bens definitivos, que nenhuma desgraça, a não ser o pecado voluntário, pode afetar:

 

"Se Deus está conosco, quem estará contra nós? Quem não poupou o seu próprio Filho, e o entregou por todos nós, como não nos haverá de agraciar em tudo junto com ele? (...). Quem  nos separará do amor de Cristo? A tristeza, a angústia, a perseguição, a  fome, a nudez, o pecado, a espada?"

 

Todavia, ainda não chegamos ao ponto de o podermos simplesmente constatar. Uma vez que ainda permanece aberta a questão: o salto do amor para Deus não será ultrapassagem de limites totalmente desnecessária? Que espécie de amor aguarda a Esperança que está por trás das esperanças, aquela  Esperança propriamente dita, denominada "Esperança fundamental" pelo médico Herbert Plügger de Heidelberg? Este se baseia no seu convívio com enfermos incuráveis que tentaram o suicídio. Sem dúvida, o homem quer ser amado pelos homens. Mas nos últimos anos da vida, quando a morte já há muito levou os entes queridos, deixando atrás de si uma grande solidão, não há nada a esperar? E, ao contrário, nos grandes momentos da vida, na exaltação do amor, não fica nada de positivo?

 

A resposta do amor humano é necessário ao homem, mas o amor por si mesmo interessa-se por algo mais, pelo Absoluto, pelo Infinito, pelo mundo salvo. Heinrich Schiler, seguindo uma tradição não só de pensamento, mas também de autoexperiência do homem, disse com razão:  "Esperança significa propriamente esperar contra a morte". Esses laços que tentamos mostrar, foram expostos de maneira incomparavelmente claro por Platão no Symposion, empregando a linguagem do mito e dos mistérios, portanto uma tradição humana muito antiga. A esperança do homem, diz Platão, está em que encontre o amado que lhe convém. Logo que o encontra percebe que não está nas nossas possibilidades aquela unidade à qual propriamente tende todo o nosso ser. Por este motivo somente a experiência do amor desperta as maiores esperanças, a esperança da restauração da nossa natureza original e, ao mesmo tempo, faz-nos conhecer que tal cura é possível "se mantivermos o temor diante dos deuses". Assim, baseando-nos em Platão, poderíamos falar que o homem espera, do mais profundo de si mesmo, algo como o paraíso perdido. Com isso, aliás, nos reencontrarmos também com Bloch e com Karl Marx, os quais, na realidade, não falam de outra coisa senão da restauração do paraíso, para o qual eles acham poder mostrar o caminho.

Torna-se evidente a diferença fundamental entre Paulo e Bloch (ou Marx). A esperança, como a descreve Bloch, é fruto da atividade humana. O próprio homem a realiza no Laboratorium spei. Exclui-se dela propositadamente o que o homem mesmo não pode fazer, não deveria haver expectativa que mirasse aquilo de que o homem não pode dispor, mas haja iniciativas de atividades que se fazem independentemente de tudo que não conseguimos produzir por nós mesmos. Mas são dois planos completamente diferentes: o fazer e o esperar. O homem necessita da Esperança, precisamente porque não lhe é suficiente o que se fez e o que se pode fazer. A Esperança, seguindo a sua essência, é pessoal. Mira algo que ultrapassa de  muito a própria pessoa, uma nova terra, o paraíso. Mira-o, porém, porque a pessoa disto necessita. Sé é Esperança por que é Esperança para o interessado e não para qualquer pessoa e para qualquer época. Assim a problemática antropológica propriamente dita da esperança consiste em que o homem precisa de algo que está  acima de todas as sua potências. Sendo assim, deve-se realmente perguntar se ele talvez precise do impossível, porque é uma criatura absurda, um astro errante da evolução?

 


[1] 1Jo 3, 18.

1Jo 4, 16.

Cf. DS 2203;2207;2213.

Mt 5, 12.

Mt 6, 20

Cf. Lc 8, 15.

Mt 24, 13.

Lc 21, 19.

Cf. 1Pd 2, 11-19; Jo 16, 16-22.

Rm 8, 31s. 35.

H. Plügger. Wohlbefinden und Missbefinden. Beitrage zu einer medizinischen Anthropologie Tübingen, 1967.

H. Schiler. Besinnung ant das neve Testament. Freiburg, 1964, p 140.

Platon. Symposion 193 d. Conf. Todo o discurso de Aristophanes 189 c.