PERSPECTIVA CATÓLICA-ROMANA

Assim se expressa o doutor em Teologia, o monge beneditino Dom Estêvão Bettencourt: A morte não é um fim, um truncamento, mas é a consumação do nosso batismo. Este implicava morrer com Cristo para o pecado e o velho homem e ressurgir para uma vida nova . A vivência do batismo, realizado no cotidiano da nossa peregrinação terrestre, se tornará plena quando nossa alma deixar os últimos resquícios do velho homem ou do corpo de pecado, para assumir, na ressurreição final, um corpo configurado ao Corpo de Cristo. Em outras palavras: a morte não é senão a etapa final de um progresso que começa no batismo e se prolonga por todos os dias da nossa caminhada na Terra. Por isso muitos justos ansiaram pelo dia de seu encontro final com Cristo.

 

À morte segue-se o juízo particular. Este não consiste em avaliar o bem e o mal que tivermos feito, para daí se deduzir a sentença do Juiz divino. Não. Cada um de nós já vai julgado ou com a sua sentença lavrada mediante a opção por Deus ou contra deus realizada durante esta vida. No juízo particular, o Senhor Deus projeta sua luz sobre a  alma do falecido para que veja. Com a clareza do próprio Deus, os valores e desvalores da sua caminhada terrestre. Terá então, como nunca, uma visão nítida do que tiver sido a sua passagem pela terra. Em conseqüência, ele mesmo há de querer a sorte correspondente ou há de querer colher os frutos da semeadura efetuada enquanto peregrino. Não será necessário que Deus profira alguma sentença e envie a alma para o seu destino..

 

A sorte póstuma poderá ser a visão de deus, face a face no céu. É o que toca aos que morrem na graça de deus ou com o seu amor voltado para o senhor. São Paulo nos diz que isto eqüivale ao que "o olho jamais viu, o ouvido jamais ouviu, o coração do homem jamais percebeu". Em outras passagens, e Escritura renuncia a descrever a bem-aventurança final e usa apenas de três palavras: "estar com Cristo".

 

Se o amor a Deus no cristão que parte ainda é contraditado por egoísmo, amor próprio, impaciência, maledicência, tal cristão não pode ver Deus face a face, pois Ele é três vezes Santo e na sua presença não pode subsistir  a mínima sombra de pecado. Daí a necessidade de purificação póstuma, que não se faz pelo fogo nem em ligar algum, mas que é um estado póstumo em que a alma se arrepende radicalmente de sua leviandade e detesta cabalmente as suas más tendências. Más tendências que, apesar dos nossos esforços, ainda ficam latentes na alma durante o decorrer desta vida terrestre. Verdade é que Jesus Cristo nos adquiriu a salvação, mas Ele não nos dispensa de procurar apropriá-la a nós, ajudados pela sua graça. É Santo Agostinho quem diz: "Deus que te criou sem ti, não te salva sem ti". Aliás, a crença numa purificação póstuma já está presente no Antigo Testamento. Em 1 2 Macabeus 12. 38-45 lê-se que Judas Macabeu mandou oferecer em Jerusalém um sacrifício pelos soldados mortos pelas tradições religiosas, mas portadores de objetos proibidos pela Lei. Mesmo quem não aceite este livro como canônico pode reconhecer nele o testemunha do povo de deus pré-cristão. Donde se vê que não foi a Igreja Católica que criou a noção de purgatório póstumo. Além do mais, São Paulo refere-se a dois tipos de salvação com modalidades diferentes: a dos que trabalham com muito zelo por Cristo e a dos que trabalham por Cristo com menos zelo.

 

A sorte póstuma poderá também ser o inferno, bem documento no Evangelho. Não se trata de tanque de enxofre "fumegante com diabinhos" e tridentes, mas sim de um estado de frustração radical, pois o réprobo, após deixar este mundo, vê claramente que Deus é o primeiro Bem e o primeiro Amor, mas que ele voluntariamente se afastou desse único valor que ninguém pode perder. O inferno se compatibiliza perfeitamente com o amor de Deus ou mesmo decorre do fato de que Deus continua a amar o pecador e não pode deixar de amá-lo, sendo que o pecador conscientemente lhe disse e diz não. Não nos é possível definir quem se acha em tal estado, pois só Deus sabe o que acontece ao pior dos pecadores na hora da morte.

 

No fim dos tempos o Senhor Jesus há de voltar, dessa vez como juiz dos vivos e dos mortos. Ele, que veio a primeira vez como Palavra encarnada que os homens quiseram sufocar, virá para rematar a história e manifestar-se como Senhor absoluto, nesse momento que é chamado parusia.

 

Ocorrerá então a ressurreição da carne, de modo que a alma de cada ser humano será reunida à matéria. O homem não é um anjo encarnado por causa de suas culpas, mas é, por natureza, psicossomático. A ressurreição da carne supõe uma visão otimista em relação à matéria, criatura de Deus, ao passo que a reencarnação supõe pessimismo frente ao mundo material, tido como mau por si mesmo. A reencarnação não se coaduna com os princípios cristãos. A Igreja nunca a defendeu, embora nos séculos V e VI houvesse no Egito uma colônia de monges pouco letrados ditos "origenistas",  que professava por conta própria. O reencarnacionismo origenista foi condenado em 543 num Sínodo de Constantinopla.

 

Seguir-se-á o Juízo universal, que, como o primeiro (particular), não será uma avaliação do bem e do mal praticados por cada um, mas a  manifestação da trama da história para que todos os homens vejam o desígnio salvífico de Deus exercido através dos percalços da história, e para que se manifestam as interdependências que relacionam os homens entre si, tanto para o bem como para o mal. Cremos que muita coisa boa e bela é realizada às ocultas e se torna altamente benéfica sem que os homens o saibam; ora isto deverá ser revelado, como também ser patenteado o mal desencadeado por tal ou tal indivíduo, tal ou tal facção, tal ou tal instituição. A verdade deverá ser restaurada onde tenha ficado obscura, pois ela é um bem impreterível.

 

A escritura fala de céus novos e terra nova sem que possamos definir o que isto significa. Parece que se pode dizer que, quando o homem for livre do pecado e da morte, o mundo inferior que lhe foi solidário na queda será restaurado na harmonia original: todavia não podemos dizer em que consistirá tal restauração.

 

Eis, em síntese, o que a teologia católica professa a respeito dos últimos acontecimentos. São de importância capital para o cristão, pois, como diziam os antigos romanos: "in comnibus respice finem" (em tudo o que fizeres, olha para o fim); é do fim que procede a luz para as etapas intermediárias da caminhada. Maranatha!


Rm 6. 1-23.

Rm 7. 24.

Fl 3.20s.

1 Co 13, 12; 1 Jo 3, 1-3.

1 Co 2, 9.

Fp 1, 23; Lc 23, 43.

1 Co 3, 10-15

Mt. 25, 31-46.

2 Tm 2, 11s.

[10] Hb 9, 27.

Is 66.22; 2 Pd 3.13.

Rm 8. 19-22