ESCATOLOGIA JUDAICA

A crença inabalável no Messias e a fervorosa expectativa de sua vinda incorporam-se firmemente no pensamento judaico. Tanto assim que foram incluídas entre os trezes artigos de Fé, formulados pelo grande filósofo judeu Maimônides, no século XII, e contidos até hoje em nossos livros de orações. O 12º destes princípios, aquele que se tornou o hino dos mártires durante o Holocausto nazista, afirma:

 

"Acredito com plena fé na vinda do Messias. E, embora ele demore, esperarei diariamente pela sua chegada."

 

Não obstante a maioria dos judeus hoje em dia não participem ativamente em movimentos messiânicos, o judeu carrega dentro de si uma intensa e profunda convicção de que existirá de fato uma era messiânica. A crença na vinda do Messias tem  dado força e coragem para enfrentar as adversidades  sofridas pelo povo judeu através dos tempos. O judaísmo  seguramente deve sua sobrevivência em grande parte, a esperança infinita num futuro messiânico.

 

"Assim como vocês, a mulher samaritana tinha certeza de que o Messias havia de vir. Mas, para ela e muitos samaritanos da cidade de Sicar, Jesus foi reconhecido como o esperado Messias".

Não aceita-se, no judaísmo,  Jesus como o Messias. Acredita-se que ele foi um grande homem, um grande mestre que pregou os ideais universais da fé judaica, um ser humano dotada de grande sensibilidade e percepção, marcado pelo fervor messiânico da sua época. Porém, não o aceitam como messias, porque o reino de Deus, que aguardam com tanta ansiedade, ainda não se manifestou. É importante frisar que não rejeitam os conceitos de Jesus sobre Deus, pois eles são essencialmente judaicos e derivam basicamente dos ensinamentos da Torá, com os quais Jesus se criou. A questão crítica para os judeus é a doutrina cristã de que Deus tornou-se homem e permitiu que seu único Filho sacrificasse a vida para expiar os pecados da humanidade

 

O fato de existirem diferenças entre judeus e cristãos não deve e não pode impedir-nos de lutarmos juntos pelos grandes e nobres objetivos da existência humana. Nós cristãos e judeus, temos dois pontos fundamentais em comum: nossa crença em Deus como criador e Pai de toda a humanidade; e os princípios, ideais e valores morais que constituem a herança ética judaico-cristã. Não é objetivo aqui  competir uns com os outros. Estamos aqui como aliados e parceiros na sagrada tarefa de iluminar o mundo e construir o Reino Divino na Terra, assim também se expressa o rabino:

 

"Compartilhamos o sonho sublime de um mundo no qual pessoas de todos os credos, todas as raças, todas as ideologias, vão viver em harmonia e fraternidade, como filhos de deus. Que possamos continuar trabalhando juntos, sempre vislumbrando um futuro melhor, sem jamais perdermos a fé messiânica. Porque messianismo, no sentido mais profundo, é sinônimo de esperança".

 

A palavra "Messias" vem do hebraico Mashiach,  que significa "ungido". Nos tempos bíblicos, a unção com óleo santo era um ato de consagração. Assim, encontramos na Bíblia referências sobre a unção de objetos sacros no tabernáculo, bem como a unção de sacerdotes, profetas, patriarcas e reis-inclusive um rei não judeu, Ciro II, fundador do império Persa. Estes "messias", no sentido original da palavra, eram pessoas supostamente encarregadas por deus para cumprir uma missão especial, e sua unção expressava e inviolabilidade do seu status e o caráter sagrado do seu cargo.

 

Aliás, o costumes da unção com óleo santo persiste até hoje, na consagração de reis e rainhas contemporâneos. No sentido mais amplo, o termo "messianismo" refere-se a teorias sobre um futuro  melhoramento da condição humana. A dimensão tempo é primordial no conceito do messianismo. O que se espera é que o decorrer do tempo conduza a uma transformação radical, ou mesmo a uma consumação final, em resultado da qual a humanidade atingirá um estado melhor, mais feliz, mais perfeito. Neste contexto, o ponto de partida para as aspirações messiânicas é uma avaliação negativa do presente. Justamente por ser o mundo atual considerado insatisfatório, por ele estar assolado por tantos males - a fome, a guerra, o sofrimento, o pecado, a morte - tornou-se imperioso transformar o presente em um novo tempo. Embora os movimentos messiânicos tenham ocorrido nas mais diversas civilizações, eles são especialmente característicos nas tradições judaica e cristã.

O messianismo judaico, apesar de suas conotações espirituais e místicas, é essencialmente pragmático e volta para a ação - aqui e agora. Nossa aspirações messiânicas não são meros sonhos. São objetivos concretos que nos incentivam a trabalhar ativamente por um mundo melhor, um mundo no qual reinarão os valores morais e éticos da nossa tradição, um mundo no qual se concretizará o supremo ideal profético de justiça e fraternidade. A ideologia sionista, como movimento de libertação e reunião de todos os dispersos (Kibutz Galuyot), tem indubitavelmente suas origens messiânicas. Mais ainda, a atuação maciça de judeus em tantos movimentos progressista e revolucionários no mundo inteiro é, na verdade, uma visão secularizada do tradicional messianismo judaico. Nós achamos que, sejam quais forem os aspectos espirituais e cósmicos da salvação, ela tem de estar inserida no contexto histórico, político e social do mundo em que vivemos.

 

O que precisamente deverá acontecer quando o messias vier? A pergunta tem de ser respondida sob dois de vista: o ortodoxo e o liberal. Ambos baseiam-se em passagens bíblicas, ensinamentos rabínicos e outras fontes da literatura judaica. Os ortodoxos continuam aguardando a vinda de um Messias, sob forma de pessoa, que, ao chegar à Terra, operará muitos milagres: os cegos enxergarão, os surdos ouvirão, os paralíticos andarão, os mortos ressuscitarão. Não haverá mais sofrimento, nem doença, nem pobreza, nem morte. Os ortodoxos mantêm inalterada a doutrina do Messias como um descendente do rei Davi, que  reinará em Jerusalém e reconstruirá o templo Sagrado. Por esta razão, alguns judeus ultra-ortodoxos São contra o sionismo e a criação do Estado de Israel, considerando-a uma pseudo-redenção puramente humana, uma interferência nos planos divinos de enviar um mensageiro especial para restabelecer os exilados de Sião. A maioria dos ortodoxos, entretanto, aceita a fundação de Israel como o início da redenção, um ato preliminar executado sob orientação divina, e que será futuramente consumado por Deus. Os liberais, por outro lado, mantêm a fé tradicional numa redenção futura, porém não sob a forma de um mensageiro de Deus. O que eles esperam é o advento de uma era messiânica, na qual reinarão a justiça, a fraternidade e a paz, e todos os homens viverão segundo os ensinamentos de deus. Naquele dia será concretizada a profecia de Zacarias, a esperança do monoteísmo para toda a humanidade: "O Eterno reinará sobre toda a terra, o senhor será único Deus e só o seu nome será invocado". Sob ambos os pontos de vista, tanto o ortodoxo quanto o liberal, o judaísmo não conhece que o Messias já tenha vindo. Simplesmente porque as profecias messiânicas nas quais depositamos nossas esperanças não foram cumpridas. A opressão não terminou, a guerra não acabou, o ódio não cessou, a miséria não findou. E, acima de tudo, a tão esperada regeneração espiritual da humanidade certamente não ocorreu

A seita Qumran, um grupo monástico judaico, conhecido em tempos modernos por ter preservado os Rolos do Mar Morto, pregava a doutrina de um par messiânico: um Messias sacerdote, representante da casa de Arão (irmão de Moisés), e o Messias-rei, da casa de Davi. Este conceito mostra claramente que os Meshichin, os ungidos, não eram considerados salvadores, no sentido cristão da palavra, mas, sim, líderes ideais de uma ordem sócio-religiosa messiânica, estabelecida por desígnios divinos. A destruição do templo em Jerusalém pelos romanos no ano 70, seguido de exílios, perseguições e sofrimentos, intensificou ainda mais o messianismo judaico, com base na idéia de que um período de turbulência e calamidade precederia a vinda do Messias - aquilo que em hebraico chamamos de chevlei mashiach, as "dores de parto" da era messiânica. Ao longo da história, todos os trágicos massacres que dizimaram nosso povo foram compensados por um aumento do fervor messiânico entre os judeus.

 

Quando sofremos a perda de um ente querido, faz uma diferença enorme se consideramos a morte um ponto final, que encerra a frase da vida, ou se acreditamos que a morte é apenas uma vírgula, após a qual a vida se eleva a um significado maior. Nessa hora, importa profundamente se achamos que o nosso ente querido foi totalmente apagado do livro da Vida, ou se acreditamos que ele é tão imortal quanto o próprio Autor da vida.

 

Acredita-se piamente que nossos entes queridos continuam vivos não só em nossos corações, não em nossas memórias, não só em nossas instituições, não só nas nossas causas - mas, sim, sua própria essência continua viva. Eles passaram pelo processo fisiológico que denominadores "morte"  libertaram-se do corpo mortal, mas estão mais vivos que nunca. A morte é uma mudança de condição, não de essência. Tiros e enfartos e cânceres ferem o corpo, mas não destoem a alma. A alma não morre jamais. O judaísmo afirma categoricamente a doutrina da imortalidade, a vida após a morte, aquilo que se chama em hebraico Olam Habá, literalmente "o mundo vindouro". Três vezes por dia, durante a Amidá, dizemos: "Barruch Atá Adonai, mechayei hameitim', que quer dizer: "Bendito sejas Tu, ó Eterno, que ressuscitas os mortos".

 

A própria racionalidade do universo exige a imortalidade. O Divino Dramaturgo certamente não teria escrito um texto sem sentido. Ele não teria preparado toda a paisagem resplandecente da Terra como cenário para o personagem principal, o ser humano, para depois permitir-lhe somente uma fala curta no palco da vida e, logo em seguida, fazê-lo sair de cena. "Eu acredito, diz o rabino, que este mundo é apenas um prólogo. Há muitos outros belos atos à espera do homem no outro mundo".

Imaginemos que estamos parados à beira do mar e vemos um navio partindo. Ficamos olhando enquanto ele vai se afastando e afastando, cada vez mais longe, até que finalmente pareça apenas um ponto do horizonte, lá onde o mar e o céu se encontram e dizemos: "Pronto, ele se foi". Foi aonde? Foi a um lugar que nossa vista não alcança, só isto. Ele continua tão grande e tão bonito e tão imponente como era quando estava perto de nós. A dimensão diminuída está em nós, não nele. E naquele exato momento em que estamos dizendo "Ele se foi", há outros olhos vendo-o aproximar-se e outras vozes exclamando com júbilo: "Ele está chegando!" Isto é a morte. E isto é a vida eterna!


Temos como base bibliográfica dois textos do rabino Henry I. Sobel,  presidente do Rabinato da Congregação Israelita Paulista, a saber: Judaísmo e Messianismo, de 1988 e o segundo é Imortalidade, Reflexões às vépreas de Ion Kipur, de 1990.

Jo 4, 25.

Jo 4, 42.

Principalmente com a descoberta dos rolos do Mar Morto.