Temos esperança. Não se trata de uma esperança fabricada por nós mesmos para suportar e esconder dos outros a desesperança interior. Nossa esperança não é simplória, não é tênue, não é superficial, não é vaga, não é pequena, não é medrosa, não é de ontem.  Nossa esperança não se limita apenas a esta vida. Se assim fosse, eu seria, então, como explica Paulo, o mais infeliz de todos os homens. Nossa esperança atravessa o vale da sombra da morte pela mesma razão do salmista: "porque o Deus Eterno está comigo" Não estamos muito por dentro do outro lado, mas sabemos que ele existe e tem um esplendor "que olho nenhum viu, ouvido nenhum ouviu e mente nenhuma concebeu".

 

À espera do universalmente sonhado novo céu e nova Terra, que recolocará a humanidade no Éden, como antes da queda, antes da entrada do pecado no mundo. Então direi em uníssono com todas as demais vozes, dos vivos e dos mortos ressuscitados, de anjos, de homens e de todas as outras criaturas porventura existentes: "Aleluia!".

 

Não podemos perder a noção de um Deus santo e justo, revestido de autoridade e poder. Pois de injustiça estamos por demais cheios. Não nos divorciamos de Deus nem ficamos sentidos com Ele e revoltados contra Ele em razão da certeza absoluta de sua justiça e da manifestação plena dessa justiça mais na frente. Pois, "de acordo com a sua promessa, esperamos novos céus e nova terra, onde habita a justiça" se o arquiteto Oscar Niemeyer, "o mais cristão dos ateus", tivesse esse conhecimento e essa certeza, ele não seria ateu, e se colocaria dentro daquela bem-aventurança de Jesus: "Bem-aventurado os que têm fome e sede de justiça, porque serão fartos". Nem Niemeyer nem ninguém que tenha pelo menos um pouco de juízo pode deixar de se revoltar contra os navios negreiros que jogavam ao mar os escravos, quando percebiam a  aproximação de algum navio que patrulhava os mares para acabar com o tráfico de escravos. Os contra os aviões militares que jogavam no mesmo oceano os argentinos que incomodavam o  regime político então vigente. A expressão buraco negro da Escatologia é realmente apropriada. Trata-se de uma figura para substituir outra figura, muito usada no Apocalipse de João. Lá se diz que a besta e o falso profeta "foram lançados vivos dentro do lago de fogo que arde com enxofre" (19-20). Lá se diz que o diabo "foi lançado para dentro do lago de fogo e enxofre", onde já estavam "não só a besta como o falso profeta" (20-10). Lá se diz que " a morte e o inferno foram lançados para dentro do lago de fogo" (20-14). Lá se diz que todos aqueles cujos nomes não se encontram no Livro da vida foram lançados para dentro do lago de fogo (20.15). Lá que se diz que "Os covardes, os incrédulos, os abomináveis, os assassinos, os que cometem imoralidade sexual, os que praticam feitiçaria, os idólatra e todos os mentirosos - o lugar deles será no lado de fogo que arde com enxofre" (21.8).

 

Aí que entra a figura do pobre, que não se apega a pecuinhas, a coisinhas, as angustiazinhas, ao seu próprio mundinho. Pobre em nossa realidade sofrida do Brasil é aquele que vivencia a sua história, que quer mudanças,mas que esperança que o Reino é já e ainda não. A Igreja nos diz em Puebla, n. 274, "no qual se preparam os homens capazes de fazer história." O  dever da Igreja é despertar essa consciência de história, de esperança, de ser realmente pobre, mas não orgulhoso. Pobre brasileiro deve ser retirado da pobreza, mas não pode retirar a sua esperança. A opção de Puebla não quer ser uma idealização dos pobres e de sua pobreza, instrumentalizados que fossem a serviço de uma eventual hermenêutica eclesiológica que tenta redimir-se do diuturno compromisso com a riqueza. Uma tal perspetiva se apoiaria na hipótese  ingênua de que os pobres são como que uma faixa estática , ao abrigo de influências deletérias, imunes contra o mal circundante, sem qualquer aspiração à mobilidade social e satisfeitos de sua condição de pobres, situação a ser por eles preservadas  e até mesmo cultivada, em nome das preferências evangélicas. Uma tal posição, que dificilmente encontramos assim em estado puro, mas cujos elementos esparsos assomam aqui e ali, intermitente ou episodicamente, seria apenas uma versão nova da alienação antiga denunciada por Marx. Esta perspectiva algo romântica ou resignada da pobreza carece, é claro, de realismo e não é nem pode ser esposada pela Igreja ou pelos pobres concretos que estão aí em nosso Brasil hodierno. A esvaziá-la basta uma conversa simples e não dirigida com pobres de carne e osso em quaisquer latitudes.

B I B L I O G R A F I A

 

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Sagrada Escritura

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1 Co 15, 19.

Sl 23, 4.

2Pd 3, 13.

Mt 5, 6