I - SANTÍSSIMA TRINDADE: MISTÉRIO CENTAL DA FÉ

É da Santíssima Trindade que tudo procede e à qual tudo se orienta no mundo e na história. Por isso a doutrina sobre o Deus Uno e Trino é pressuposto e fundamento da teologia dogmática cristã. Como podemos falar de algum outro tratado sem falar da relação de Deus com ele mesmo e com o mundo?

A Santíssima Trindade é o cerne da vida cristã e é isso que ensina o Catecismo da Igreja Católica, n. 234: "O mistério da Santíssima Trindade é o Mistério central da fé e da vida cristã. É o Mistério de Deus em si mesmo. É, portanto, a fonte de todos os outros mistérios da fé, é a luz que os ilumina. É o ensinamento mais fundamental e essencial na hierarquia das verdades de fé. Toda a história da salvação não é senão a história da vida  e dos meios pelos quais o Deus verdadeiro e único, Pai, Filho e Espírito Santo, se revela, reconcilia consigo e une a si os homens que se afastam do pecado". Assim, todos os tratados procedem desta e à esta se orientam; todos os mistérios procedem deste e a este se orientam.

 

II - A TRINDADE REVELADA PELO FILHO E PELO ESPÍRITO SANTO

Deus deixou sinais do seu ser único (monoteísmo: cristianismo, judaísmo e islamismo) na sua criação e na revelação do Antigo Testamento. Mas somente com a Encarnação do Filho de Deus, e a vinda do Espírito Santo é que se torna acessível para nós a intimidade do seu ser como Santíssima Trindade: "sem dúvida Deus deixou vestígios dos seu ser como Santíssimo. A Trindade constitui um mistério inacessível à pura razão e até mesmo à fé de Israel antes da Encarnação do Filho de Deus e da missão do Espírito Santo (CEC, nº 237)

 

1 - A Trindade na Encarnação

Na solenidade anunciação do Anjo a Maria (Lc l, 26-38), o Pai é dito "O Altíssimo, o Senhor Deus"; O Espírito Santo é identificado com "o Poder do Altíssimo"; e Jesus é chamado Santo e Filho de Deus. Aquele que nascerá de Maria, sem intervenção humana, não é nem Pai, nem o Espírito Santo e sim o Filho do Altíssimo. Neste texto temos três "entidades" divinas claramente distintas: o Pai não é o Filho; o Filho não é o Espírito Santo; e o Espírito Santo não é o Pai. Se é verdade que aqui não se declara a unidade dos três, é também verdade que esta narração se deu no contexto do mais rigoroso monoteísmo judeu e, como tal, não poderia ser uma revelação de três deuses, mas de uma Trindade de pessoas em um único Deus.

 

2 - A Trindade no Batismo de Jesus

No Batismo de Jesus (Mt 3,16) encontramos outra vez o Pai (que faz a solene revelação de seu Filho bem-amado), o Filho (que como "filho" é proclamado pela voz do céu) e o Espírito Santo, sob a forma de pomba. Quando o Pai se faz ouvir apontando o Filho, e o Espírito Santo se Manifesta sob a forma de pomba, fica clara a distinção entre as três pessoas num contexto monoteísta dos judeus.

Se no Antigo Testamento Deus é chamado de Pai por ser Criador ou pela Aliança com Israel, ou ainda, Pai dos Pobres, do órfão e da viúva; no Novo Testamento "Jesus nos revela que Deus é "Pai" num sentido inaudito: não o é somente enquanto Criador, mas é eternamente Pai em relação a seu Filho único, que reciprocamente só é Filho em relação a seu Pai: Ninguém conhece o Filho senão o Pai, e ninguém conhece o Pai senão o Filho, e aquele a quem o Filho o quiser revelar" (CEC, 240).

 

3 - A Trindade no Pentecostes

Antes e depois da páscoa Jesus anuncia o envio do "Paráclito",  o qual veio no dia de Pentecostes:

-       Rogarei ao Pai e ele vos dará outro Paráclito para que convosco permaneça para sempre (Jo 14,16);

-       "O Paráclito, o Espírito Santo que o pai enviará em meu nome, é que vos ensinará tudo e vos recordará tudo o que eu vos disse"(Jo 14,26);

-       "Eis que eu vos enviarei o que meu Pai prometeu. Por isso permanecei na cidade até serdes revestidos da força do alto" (Lc 24,49);

-       "... todos ficaram cheios do Espírito Santo" (At 2,4).

 

"O Espírito Santo é assim revelado como uma outra pessoa divina em relação a Jesus e ao Pai" (CEC, 243). É com evidente razão que ainda afirma o nosso catecismo no n. 732 que a Santíssima Trindade é revelada plenamente no dia de Pentecostes.

 

4 - A Trindade na Fórmula do Batismo

Mt 28,18-20: "Foi-me dada toda a autoridade no céu e na terra. Ide, pois, fazer discípulos entre todas as nações e batizai-as no nome do Pai do e Filho e do Espírito Santo. Ensinai-lhes a observar tudo o que vos tenho ordenado. Eis que estou convosco todos os dias, até o fim dos tempos".

Depois de mostrar a supremacia de sua autoridade, Jesus ordena aos seus apóstolos de maneira solene e clara a batizarem com uma fórmula inequivocamente trinitária. Por isso reza adequadamente o catecismo, n.233: os cristãos são batizados "em nome" do Pai e do Filho e do Espírito Santo, e não "nos nomes"destes três, pois só existe um Deus, o Pai Todo-Poderoso, o seu Filho único e o Espírito Santo: A Santíssima Trindade.

 

III - A DOUTRINA DA SANTÍSSIMA TRINDADE

1 - Na Época Apostólica

Os Apóstolos, como os mais fiéis imitadores e mensageiros, perceberam desde o princípio que a experiência trinitária de Jesus também deveria ser a vida trinitária da Igreja. Deus de Israel não vive na solidão mas na amorosa comunicação do Pai, do Filho e do Espírito Santo. É, justamente, mostrando esta comunhão das três pessoas da Trindade que Paulo termina a sua segunda carta aos Coríntios e que a Igreja repete nas celebrações ainda hoje: A graça do Senhor Jesus Cristo, o Amor de Deus e a comunhão do Espírito Santo estejam com todos vós".

A comunidade Apostólica sabe que a Igreja nascente é do Pai: "vós sois aqueles que antes não era povo, agora porém são povo de Deus "(1Pd 2,10). Ela sabe que foi edificada pelo Filho de Deus feito homem, o qual tornou-se a pedra angular: "Estais edificados sobre o fundamento dos apóstolos e dos profetas, do qual é Cristo a pedra angular" (Ef 2,20). E nela mora o Espírito Santo: "...e vós, também, nele (Cristo) sois co-edificados para serdes uma habitação de Deus, no Espírito" (Ef 2,22).

O Catecismo afirma que "desde a origem, a Igreja apostólica exprimiu e transmitiu a sua própria fé em fórmulas breves e normativas. Mas já muito cedo, a Igreja quis também recolher o essencial da sua fé em resumos orgânicos e articulados, destinados sobretudo aos candidatos ao batismo" (n. 186). Estas Sínteses vão se chamar "Profissões de Fé", "Credos", ou "Símbolos da fé" (cf. CEC, 187). Como o Batismo era realizado "em nome do Pai e do Filho e do Espírito Santo", os Símbolos da Fé eram articulados segundo sua referência às três pessoas da Santíssima Trindade.

O símbolo, dividido em três partes, iniciava mencionando a primeira Pessoa divina e a obra da Criação; depois mencionava a segunda Pessoa divina e o Mistério da Redenção; em seguida mencionava a terceira Pessoa Divina como finte de nossa Santificação. Tal estrutura vai ser descrita por Santo Irineu, Bispo de Lião (+ 202), como "os três capítulos de nosso selo Batismal" (cf. CEC, 190) e atestada por Santo Ambrósio (+ 397): "Foste interrogado: crês em Deus Pai Onipotente? Disseste: Creio; e foste submergido na água, isto é foste sepultado. De novo foste interrogado: crês em nosso Senhor Jesus Cristo e em sua Cruz? Disseste: Creio; e foste submergido... Pela terceira vez foste interrogado: crês também no Espírito Santo? Disseste: Creio; e pela terceira vez foste submergido" (De Sacramentis 2.7,20).

Insistindo ainda em nossa fonte base, o Catecismo da Igreja Católica podemos observar que dois Símbolos ocupam um lugar peculiaríssimo a vida da Igreja: o Símbolo dos Apóstolos e o Símbolo Niceno-constantinopolitano. O primeiro, considerado o mais antigo catecismo romano, é um resumo da fé dos Apóstolos e sua autoridade consiste em ser o símbolo guardado pela Igreja Romana, onde Pedro teve a sua Sé. O segundo possui sua grande autoridade por ser resultado dos dois primeiros Concílios Ecumênicos (325 e 381) (cf. CEC 193 - 196).

 

Demonstração da Estrutura Trinitária dos Dois mais Importantes Símbolos da Fé:

 

Símbolo dos Apóstolos

Símbolo Niceno-constantinopolitano

Crio em Deus Pai todo-poderoso, criador do céu e da terra.

Creio em um só Deus, Pai todo poderoso, criador do céu e da terra, de todas as coisas visíveis e invisíveis.

E em Jesus Cristo, seu único Filho, nosso Senhor; que foi concebido pelo poder do Espírito Santo; nasceu da Virgem Maria; padeceu sob Pôncio  Pilatos, foi crucificado, morto e sepultado. Desceu à mansão dos mortos; ressuscitou ao terceiro dia; subiu aos céus, está sentado à direita de Deus Pai todo-poderoso, donde há de vir a julgar os vivos e os mortos.

Creio em um só Senhor, Jesus Cristo, Filho Unigênito de Deus, nascido do Pai antes de todos os séculos: Deus de Deus, Luz da Luz, Deus verdadeiro de Deus verdadeiro; gerado, não criado, consubstancial ao Pai.Por ele todas as coisas foram feitas. E por nós, homens, e para nossa salvação, desceu dos céus e se encarnou pelo Espírito Santo, no seio da Virgem Maria, e se fez homem. Também por nós foi crucificado sob Pôncio Pilatos; padeceu e foi sepultado. Ressuscitou ao terceiro dia, conforme as Escrituras, e subiu aos céus, onde está sentado á direita do Pai. E de novo há de ver, em sua gloria, para julgar os vivos e os mortos; e seu reino não terá fim.

Creio no Espírito Santo; na Santa Igreja Católica; na comunhão dos santos; na remissão da carne; na vida eterna. Amém.

Creio no Espírito Santo, Senhor que dá a vida, e procede do Pai e do Filho; e com o Pai e o Filho é adorado e glorificado: Ele que falou pelos profetas. Creio na Igreja, una, santa, católica e apostólica. Professo um só batismo para a remissão dos pecados. E espero a ressurreição dos mortos e a vida do mundo que há de vir. Amém.

 

2- Na Tradição da Igreja

Na geração que se seguiu imediatamente aos apóstolos e antes das definições solenes do Magistério da Igreja, há testemunhos de fé trinitárias em continuidade com o Novo Testamento .

2.1 - o rito batismal era ministrado em nome das três pessoas divinas, em conformidade com Mt 28,19.

- Didaqué (séc. I): "No que diz respeito ao Batismo, batizai em nome do Pai, do Filho e do Espírito Santo em água corrente ... Derramai três vezes água sobre a cabeça em nome do Pai, do Filho e do Espírito Santo"(n. 7)

- São Justino (ano 150 aproximadamente) escreve: "Os que devem ser batizados, são levados por nós a um lugar onde haja água, e são regenerados da mesma maneira como nós fomos regenerados. Com efeito; é em nome do Pai de todos e Senhor Deus e de nosso Salvador Jesus Cristo e do Espírito santo que recebem a loção na água. Este rito nos foi entregues pelos apóstolos" (Apologia I n. 61).

Tertuliano (+220): "Foi estabelecida a lei de batizar e prescrita a fórmula: 'Ide, ensinai os povos, batizando-os em nome do Pai, do Filho e do Espírito Santo' (Mt 28,19)" (De Baptismo c. 13).

 

2.2 - Os escritores mais antigos expressam a sua fé trinitária em passagens como:

 

- "Um Deus, um Cristo, um Espírito de Graça" (S. Clemente Romano, +100 aproximadamente, Aos Coríntios 46,6).

- "Como Deus vive, vive o Senhor e vive o Espírito Santo" (S. Clemente, ib. 57,2).

- "Vos sois as pedras do templo do Pai, elevado para o alto polo guindaste de Jesus Cristo que é a sua Cruz, com o Espírito Santo como corda" (S. Inácio de Antioquia, +107, Aos Efésios 9,1)

- "Mantende-vos ... na fé e na caridade, no Filho e no Pai e no Espírito, no princípio e no fim ... sede submissos ao Bispo e uns ao outros, como Cristo segundo a carne se submeteu ao Pai, e os Apóstolos a Cristo e ao Pai e aos Espírito, a fim de que a unidade seja, ao mesmo tempo, carnal e espiritual" (S. Inácio, aos Magnésios 1133,1s).

- "Eu Te louvo, Deus da verdade, Te bendigo, Te glorifico por teu Filho Jesus Cristo, nosso eterno e Sumo Sacerdote no céu; por Ele, com Ele e no Espírito Santo, gloria seja dada a Ti agora e nos séculos futuros. Amém" (S. Policarpo, +156, Martirio14,1-3).

- "Já temos mostrado que o Verbo, esto é, o Filho esteve sempre com o Pai. Mas também a sabedoria, o  Espírito estava igualmente junto dele antes de toda a criação" (S. Irineu, + cerca de 202, Adversus Haereses IV. 20.4).

-"Como não se admiraria alguém de ouvir chamar ateus os que admitem um Deus Pai, um Deus Filho e o Espírito Santo, ensinado que o seu poder é único e que a sua distinção é apenas distinção de ordens?" (Súplica em favor dos Cristãos c.10).

- "Os três dias que precedem o aparecimento dos luzeiros, são tipos da Trindade: de Deus, de seu Verbo e de sua Sabedoria" (A Autalico II, 14). A palavra "Tríade ou Trindade" aparece, pela primeira vez, nestes escritos de S. Teófilo de Antioquia (+ após 181), ao referir-se aos dias da Criação em Gn 1. Tudo leva a crer que tal vocabulário não foi introduzido por Teófilo, mas já era usual antes dele.

2.3 - Tertuliano, Atanásio e Agostinho

É mais precisamente no século III que vamos encontrar considerações equilibrada de toda a Trindade.

- Tertuliano (160 - 2230)

Foi uma expressão surpreendentemente fiel da doutrina sobre a Santíssima Trindade de seu tempo, a figura mais eminente da patrística antes de Santo Agostinho. Foi ele quem introduziu palavras como "Substância", "Natureza" e "Pessoa". Para combater o Modalismo de Práxeas Tertuliano escreveu Adversus Praxam, esta obra afirma que as três pessoas da Trindade não são simplesmente modos ou faces de uma mesma substância. Mas, outro é o Pai, outro é o Filho, outro o Espírito Santo. Mas desta diversidade não deriva modos de manifestação. Assim pode afirmar a verdade trinitária com a fórmula "uma substância e três pessoas". Contribuição fundamental para toda a posterior Teologia Trinitária.

 

- Atanásio (+373)

O Símbolo "Quicumque", dito de S. Atanásio (cf. CEC 192), "parece ser algo posterior a ele, certamente influenciado pelo gênio de Santo Agostinho (+430). Talvez sua formulação venha de São Cesário de Arles (470-542). O fato é que o texto recebeu grande autoridade em toda a Igreja e sua importância é comparável com o Credo ou Símbolo Niceno-Constantinopolitano " (Boaventura Kloppenburg, 2000). Com grande esforço de precisão, este documento resume e coroa a preocupação pela reta fé nos primeiros século. Nos mostra a doutrina da vida íntima na Trindade, a relação da três pessoas e a encarnação da Segunda Pessoa.

 

- Santo Agostinho (354-430)

É o pensador mais profundo e mais influente da cultura teológica ocidental. Seu livro "De Trinitate" será ponto de referência para os teólogos posteriores. Ele faz uma leitura do Antigo e Novo Testamento à luz da fé cristã e da Igreja e encontra a presença do único e verdadeiro Deus que não é outro senão a Trindade. A presença trinitária se faz mais evidente no Novo Testamento, pois nele a Trindade opera para a salvação dos homens, por mio do Filho e do Espírito.

O Bispo de Hipona vai caracterizar sua doutrina trinitária pelo conceito de relação. Em Deus ele distingue a substância ou essência e a relação entre as pessoas. Cada pessoa não possui uma substância diferente, nem é acidente de uma única substância, pois em Deus não pode haver a mutabilidade. Os nomes trinitários Pai, Filho e Espírito Santo exprimem relações. Ele prepara o caminho para Santo Tomás.

Outro empenho do santo é o de encontrar nas realidade criadas alguns vestígios ou imagens que possam servir para conhecer como é Deus Trino em sua vida íntima:

- Exemplo 1: A vida. Uma só vida, uma só inteligência, uma só essência, sem que seja possível operar uma distinção que , apesar de tudo, existe (cf. Confissões, XIII,11).

- Exemplo 2: Tomando como modelo a alma humana, que é uma só substância, e suas três faculdades, a memória, o intelecto e a vontade, ele explica a processão do Filho mediante a ação do intelecto informado pela memória (sabedoria ou verbo) e a do Espírito Santo mediante a ação da vontade (amor) que associa a memória à inteligência (XV,43).

 

 

2.4 - A Escolástica

 

2.4.1 - Santo Anselmo (1033 - 1109)

No seu pensamento sobre a Santíssima Trindade, trabalha com dois conceitos: Espírito e Amor. O Espírito é dotado essencialmente de memória, inteligência e vontade. Amor é o conceito que possibilita o conhecimento da processão do Espírito Santo, que é ao mesmo tempo ato e fruto do amor. Segunde ele o amor constitui a essência, o substrato comum ao Pai, ao Filho e ao Espírito Santo: o Pai se ama, o Filho se ama e eles se amam reciprocamente; e este amor recíproco origina o Espírito Santo. Mas seu amor é único. O Pai, o Filho e o Espírito Santo são idênticos na "suma essentia", mas não se confundem porque na identidade de essência e operação há um genitor, um genitus e um procedens. Mas como se realiza esta processão e o ser íntimo destes três, diz Anselmo, nos foge e é inefável.

Para resolver a questão do Filioque, Anselmo escreve o De Processione Spíritus Sancti, e assume a posição de que o Espírito Santo procede do Pai e do Filho, não do Pai pelo Filho como queriam os gregos.

 

2.4.2 - Ricardo de São Vítor (+1172)

Os seres possíveis estão divididos em três categorias: os seres eternos não causados, os seres eternos causados e os seres temporais causados. Os seres eternos não causados possui única substância, a Trindade. Sua existência de fato não pode ser demonstrada pela razão, conhecemo-la pela revelação divina. Mas Ricardo não insiste muito na prova desta revelação, como fez amplamente Santo Agostinho. Ele quer evidenciar logo as razões necessárias da Trindade em si ou imanente: por que e como no interior da única substância divina se constituem três pessoas? Ele toma o amor como fonte da ação intradivina e explora as implicações intersubjetivas do próprio amor.

O amor exige sempre duas pessoas, sendo necessariamente comunicativo e oblativo. Também faz parte do amor o intercâmbio de dons. Sem dualidade de pessoas não há comunicação, não há amor autêntico e seria contrário à plenitude da bondade , à felicidade e à glória. Sem a Trindade das pessoas não poderia haver comunicação das delícias do amor. A perfeição do amor exige a condição e portanto a terceira pessoa para que haja na Trindade o amor sociável e concorde, sem exclusivismo.

Para Ricardo a pessoa é uma "substância racional", mas lhe insere uma propriedade individual, singular e incomunicável. Seu conceito coloca na pessoa não apenas o seu ser, a sua natureza, mas também sua existência. As três pessoas da Trindade têm uma existência comum, enquanto são a única natureza de Deus, mas têm também uma existência incomunicável enquanto propriedade do Pai, do Filho e do Espírito Santo são incomunicáveis, são a realidade da pessoas reciprocamente distintas, são aquilo pela qual cada uma é idêntica a si mesma e distinta das outras: o Pai princípio não originado, o Filho é gerado (processível) e ambos são causa e origem do Espírito Santo o qual não é princípio de ninguém.

 

2.4.3 - São Boaventura (1217 - 12274)

Para ele a Trindade é a realidade originária da qual provêm e sobre a qual são modeladas todas as criaturas. Todo o universo é estruturado segundo o ritmo ternário, que tem a fé como fundamento único e princípio.

Na distinção das pessoas divinas, ele a baseia sobre a diversidade das processões: isso se chama Verbo, enquanto o Espírito Santo procede do Pai e do Filho pela via do recíproco amor. O Espírito Santo exprime a unidade de um mesmo ato de amor (única espiração) de duas pessoas distintas (dois espiradores).

Boaventura assim faz o seu resumo: Na Trindade encontramos duas Emanações: natureza e vontade; três Hipóstases: o Pai , o Filho e o Espírito Santo; quatro relações: Paternidade, Filiação, Espiração e Processão; cinco noções: Paternidade, Filiação, Processão, Espiração e Inacibilidade.; três propriedades pessoais: Pai, Filho e Espírito Santo (cf. Brevilóquio de 1257).

 

2.4.4 - Santo Tomás de Aquino (1225 - 1274)

Santo Tomás distingue mais rigorosamente  a teologia da filosofia. Ele coloca o tratado da Trindade na teologia. Diz o Doutor Angélico que "é impossível chegar pela razão natural ao conhecimento da Trindade das pessoas divinas". "O homem pela razão natural só pode chegar ao conhecimento de Deus pelas criaturas. Ora, estas levam ao conhecimento daquele como o efeito à causa. Donde se segue que podemos conhecer a Deus pela razão natural, o que necessariamente lhe convém como princípio de todos os seres. Mas sendo comum a toda a Trindade, a virtude criadora de Deus pertence à unidade da essência e não à distinção das pessoas. Logo, pela razão natural podemos conhecer apenas o que pertence à unidade essencial e não o concernente à distinção das pessoas" (Suma I,32,1) .

 

Pontos importantes da doutrina de Tomás sobre a Trindade:

- A partir das duas orações específicas do espírito humano, inteligência e vontade, ele procura mostrar que a processão do Filho ocorre mediante a intelecção e que se trata de uma verdadeira e própria geração; enquanto a processão do Espírito Santo ocorre pela volição comum do Pai e do Filho, mas não pode chamar de geração.

- O conceito de pessoa não deve ser aplicado só à natureza ou à substância, mas também às relações. O conceito de pessoa exprime o que há de mais perfeito no universo. E os coeficientes essenciais da pessoa são a substância e a espiritualidade. É pessoa o que subsiste na ordem do espírito. O que se exige para haver pessoa, além da espiritualidade, é a subsistência (a existência por si e em si; Ter um ato próprio de existir), não a natureza e nem mesmo a substância. Separada a subsistência da natureza e da substância, Tomás faz valer a subsistência também para aquele acidente em si tão pouco consistente que é a relação. Pode ser pessoa uma subsistência racional ou uma relação subsistente. Isso acontece unicamente na Trindade, pois nas criaturas as relações são acidentes muito frágeis. Na Trindade a Paternidade, a Filiação, a Espiração Passiva são de fato três ralações subsistentes e, por isso três pessoas.

- Nomes das três pessoas divinas: a primeira é Pai enquanto gera o Filho; Ingênito porque não deriva de ninguém; Princípio porque dele derivam o Filho e  o Espírito Santo (Suma I, 33, 1-4). A Segunda é Filho enquanto gerado pelo Pai; Verbo porque termo do pensamento divino; Imagem porque reproduz substancialmente o Pai (ib. I,34-35). A terceira é designada Amor enquanto fim volição; Dom enquanto nele Deus se dá; Espírito porque espirado pelo Pai e pelo Filho (ib. I, 37-38).

- As processões em Deus constituem pessoas que são ao mesmo atempo idênticas com a essência e distintas graças às relações subsistentes. As pessoas divinas não se distinguem por uma perfeição absoluta mas apenas opondo-se reciprocamente mediante suas relações de origem como princípio e termo.

- Em relação ao Filioque, diz Tomás que os gregos de certa forma admitem que a processão do Espírito Santo tem certa origem no Filho. Pois concedem que o Espírito Santo e o Espírito do Filho e que Procede do Pai pelo Filho; e com tudo negam que procede do Filho. Mas o Espírito Santo procede do Pai e do Filho não como de dois princípios distintos, mas de um só. O serem princípio do Espírito Santo não os opõe relativamente.

- Sendo o amor característica  de Deus em sua essência, e portanto, determina as três pessoas, Tomás reflete: como é justo definir o Espírito Santo como Amor? Responde ele: "Mas por isso mesmo que o Pai e o Filho mutualmente se amam, ´´e necessário que de ambos proceda o Espírito Santo, que é o mútuo Amor. Segundo pois a sua origem, o Espírito Santo não é intermediário, mas a terceira pessoa da Trindade; mas segundo o estado predito, é o nexo médio das duas de que precede" (I, 37, ad 3). Como Santo Agostinho, ele vai diferenciar o amor essencial - com as três pessoas na sua unidade - e amor pessoal e nocional - em sentido próprio é referido ao Espírito Santo.

- Sendo o Espírito Santo o Amor pessoal e subsistente ele é também o princípio ao qual, por apropriação. Deve ser atribuído tudo aquilo que em Deus comunica para (ad extra), seja na ordem da Criação, seja na ordem da graça.

 

O grande apóstolo contemporâneo, João Paulo II, em sua Carta Encíclica Dominum Et Vivificantem(n. 10), toca no assunto do Amor como característica de Deus em sua essência e como aquele que define a terceira pessoa da Trindade: "Na sua vida íntima, Deus "e Amor", amor essencial, comum às três Pessoa divinas: amor pessoal é o Espírito Santo, como Espírito do Pai e do Filho. Por isso, ele "perscruta as profundezas de Deus", como Amor-Dom incriado. Pose-se dizer que, no Espírito Santo, a vida íntima de Deus uno e trino se torna totalmente Dom, permuta de amor recíproco entre as Pessoas divinas; e ainda, que no Espírito Santo Deus "existe" à maneira de Dom. O Espírito Santo é a expressão pessoal desse  doar-se, desse ser-amor. É Pessoa-Amor. É Pessoa-Dom. Temos aqui uma riqueza insondável da realidade e um aprofundamento inefável do conceito de pessoa em Deus, que só a Revelação divina nos dá a conhecer.

Ao mesmo tempo, o Espírito Santo, enquanto consubstancial ao Pai e ao Filho na divindade, é Amor e Dom (incriado) do qual deriva como de uma fonte (fons vivus) toda a dádiva em relação às criaturas (Dom criado): a doação da existência a todas as coisas, mediante a criação; e a doação da graça aos homens, mediante toda a economia da salvação. Como escreve o Apóstolo São Paulo: "O amor de Deus foi derramado nos nossos corações por meio do Espírito Santo, que nos foi dado".

 

 

3 - No Magistério da Igreja: o Dogma e as Heresias

"Se permanecerdes em minhas palavras sereis verdadeiramente meus discípulos e conhecereis a verdade, e a verdade vos tornará livres" (Jo 8, 31-32).

A Missão do Magistério vivo da Igreja está ligado ao caráter definitivo da Aliança instaurada por Deus em Cristo com seu Povo: deve protegê-lo dos desvios e dos desfalecimentos e garantir-lhe a possibilidade objetiva de professar sem erro a fé autêntica. Por isso, exercendo plenamente a autoridade recebida de Cristo ele define dogmas, os quais são "luzes no caminho da nossa fé, o iluminam e tornam seguro" (CEC, 889).

 

3.1 - O Concílio de Nicéia

O Arianismo (Ário, 250 - 336) negava a eternidade do Verbo; a consubstancialidade do Filho com o Pai; a divindade do Filho. Afirmava que o Filho é criatura do Pai 9ainda que a mais excelente) e que Ele foi instrumento do Pai para criar o mundo. Em conseqüência, reuniu-se o primeiro Concílio Ecumênico da história em Nicéia no ano de 325, dele participaram Alexandre de Alexandria e seu diácono Atanásio e o próprio Ário. Foi redigida uma Profissão de Fé, afirmando :

- "Cremos em um só Deus, Pai Todo-Poderoso, Criador de todas as coisas visíveis e invisíveis.

- E em um só Senhor Jesus Cristo, Filho de Deus, gerado unigênito do Pai, isto é, da substância do Pai, Deus de Deus, Lua da Luz, Deus verdadeiro de Deus verdadeiro, gerado, não criado, consubstancial [homooúsios] ao Pai, por quem tudo foi feito, o que está no céu e o que está na terra; quem por nós homens e por nossa salvação desceu e se encarnou, se fez homem, padeceu e ressuscitou ao terceiro dia, subiu aos céus, virá para julgar os vivos e os mortos.

- E no Espírito Santo,

- E os que dizem: "Alguma vez [o Verbo] não existia", e "não existia antes de ser gerado", e "foi feito do nada", ou afirmam que o Filho de Deus é de outra hipóstase ou essência, ou criado, ou mutável ou alterável, os anatematiza a Igreja Católica" (Boaventura Kloppenburg, 2000, p.73).

 

Vê-se que no texto acentua a identidade de substância do Pai e do Filho para afirmar que o Filho não foi criado, mas gerado; o Filho é Deus de Deus, Deus verdadeiro de Deus verdadeiro. A introdução da palavra homooúsios é o primeiro grade passo do Magistério par o dogma trinitário.

 

3.2 - Concílio de Constantinopla I (381)

Todavia a disputa não se encerrou em 325. Macedônio e seus seguidores retomaram a doutrina cristológica de Ário e a transferiram para o Espírito Santo, negando sua divindade e afirmando que o Filho é homoioúsios (não homooúsios) com o Pai: semelhante (homoios = parecido), mas não com igualdade de substância. Após anos de debates, reuniu-se Concílio de Constantinopla I em 381, que reafirma a doutrina de Nicéia e acrescenta à Profissão nicena de fé os dados referentes ao Espírito Santo: "Creio no Espírito Santo, Senhor que dá a vida, e procede do Pai e do Filho; e com o Pai e o Filho é adorado e glorificado: Ele que falou pelos profetas" CEC, final da secção I).

Temos, portanto:

- O Espírito Santo é Kyrios, o Senhor.

- O Espírito Santo é Zõopoion, aquele que dá a vida, ou o vivificador (cf. Jo 7, 37-39).

- O Espírito Santo procede do Pai e do Filho. O Catecismo afirma que o Filioque de fato não figura no Símbolo professado em 381. Mas com base em uma tradição latina e alexandrina, o papa S. Leão o havia já confessado dogmaticamente em 447, antes que Roma conhecesse e recebesse, em 451, no Concílio de Calcedônia, o Símbolo de 381. O uso do Filioque no credo foi sendo admitido pouco a pouco na liturgia latina (entre os séculos VII e XI) (CEC, 247).

- "Com o  Pai e o Folho é adorado e glorificado". Com estas palavras confessamos que o Espírito Santo é com o Pai e o Filho o mesmo e único Deus.

- Foi o Espírito Santo que falou pelos profetas. No Decreto Ad Gentes n.4 ensina o Concílio  Vaticano II: "Não há dúvida que o Espírito Santo já operava no mundo antes da glorificação de Cristo".

 

Cânon do Concílio Constantinopolitano I (DS85 ou Dz 151)

Cânon. 1. A fé dos trezentos e dezoito padres que se reuniram junto a Nicéia na Bitínia não deve ser violada; mas permanecer firme e estável, e toda heresia deve ser excomungada especialmente a dos Eunomianos ou Anomianos, e a dos Arianos ou Eudoxianos, e a dos Macedonianos ou resistentes ao Espírito Santo, e a dos Sabelianos, e a dos Marcelianos, e a dos Fotianos (Focianos), e a dos Apolinários.

 

3.3 - Concílio de Constantinopla II (553)

No que se refere ao tema da Trindade interessa destacar somente o Cânon primeiro. Nele se encontra uma formulação que pode considerar-se como a síntese dogmática trinitária que havia chegado o Magistério da Igreja:

"Se alguém não confessa que a una natureza ou substância do Pai e do Filho e do Espírito Santo, e a una virtude e poder, a Trindade consubstancial, a una deidade em três subsistências ou pessoas deve ser adorada: tal seja anaathema.

Um Deus e Pai, do qual tudo; e um Senhor Jesus Cristo, pelo qual tudo; e um Espírito Santo, no qual tudo" (DS 253 ou Dz 501).

 

3.4 - Determinações Magisteriais Conciliares

No final do século XI e início do XII o Magistério da Igreja fez algumas correções de erros trinitários:

-Nominalismo de  Roscelin (+1120), cada uma das pessoa divinas seja uma "res", um ser independente e autônomo; o conceito de substância seria um conceito vazio. A conseqüência era a afirmação prática de três deuses.

- Conceitualismo de Pedro Abelardo (+1142), com o desejo de enfrentar o triteísmo de Roscelin, Abelardo emprega expressões sabelianistas. Os nomes do Pai, Filho e Espírito Santo seriam só nomes que se referem a substância divina: o Pai seria a plena potência, o Filho alguma potência e o Espírito nenhuma potência.

- Realismo de Gilberto Porretano (+1154), distinguia de tal maneira a substância divina das pessoas que praticamente afirmava uma quaternidade em Deus.

- O Concílio Laterano VI (1215), condena o Abade Joaquim de Fiori, o qual não queria afirmar a substância ou essência divina, porque se o fizesse pensava que afirmaria uma quaternidade em Deus: a substância e as três pessoas.

- II Concílio de Lyon (1274) e Concílio de Florença (1431 - 1447), ambos vão tratar da questão do Filioque, a diferente expressão das relações ente o Filho e o Espírito Santo (trataremos deste tema mais na frente).

 

3.5 - O Magistério da Igreja do Concílio de Florença ao Concílio Vaticano II

O Magistério da Igreja tem se expressado, em algumas ocasiões, sobre a doutrina trinitária depois do Concílio de Florença. A maior parte das vezes se trata de tomada de postura contra erros, outras vezes se trata de Profissões de fé e, ultimamente, de documentos de instrução doutrinárias.

- Paulo Vi na Constituição "Cum Quorundam Hominibus" (1555) toma postura conta os Socinianos, os quais negavam a Trindade.

- Duas Profissões de Fé propostas por Gregório XIII para a Igreja Greco-Russa (1575) e por Benedito XIV para os Orientais (1743)

- Pio VI na "Bulla Auctorem Fidei" corrige uma formulação trinitária realizada no Sínodo de Pistoia.

- Alguns concílios locais como os de Paris (1849), Burdeos (1850) e Colônia (1860) tocam nos erros de filósofos que, ao especular sobre a Trindade chegam a afirmar um panteísmo racionalista. E vários Papas tem que defender o Mistério Trinitários dos excessos de racionalismo de G. Hermes, A. Günthes, J. Frohschammes e A. Rosmini-Serbati, assim como contra o Modernismo.

- Declaração sobre a doutrina trinitária da comissão de cardeais com motivo da edição do catecismo holandês (1968)

- Declaração da Congregação para a Doutrina da Fé (1972): "O Mistério do Filho de Deus". Esta Declaração tinha o objetivo de salvaguardar de erros recentes a Fé nos Mistérios da Encarnação e da Santíssima Trindade. Exemplos de erros recentes:

1- Prof. A. Hulsboch: pretende eliminar o dualismo das naturezas e realçar a unidade de Cristo. Jesus Cristo, conhecido como homem, professado como Filho de Deus.

2- Prof. P. Smulders: Em sua profissão de fé omite a divindade de Jesus, seu nascimento de Maria virgem por obra do Espírito Santo, a ressurreição de Cristo.

3- Prof. Haarsma: Apoia a profissão de fé de Hulsboch, ele reconhece Jesus Cristo como Filho de Deus, isto é, como o homem no qual Deus está presente de maneira mais íntima.

4- Prof. P. Schoonenbertg: Jesus é uma pessoa humana, um ser humano, psicológico e ontológico.

- Merece ainda atenção o Credo do Povo de Deus" redatado por Paulo VI e o ensino de João Paulo II com suas Encíclicas "Redemptor Hominis" (1979), "Dives ins Misericcordia" (1980) e "Dominum et Vivificantem" (1986).

- O Concílio Vaticano II: Embora ele tenha sido um Concílio Pastoral e Eclesiológico, não trataria, portanto, o tema dogmático trinitário diretamente, a concepção de Deus Trindade não deixa de ser um ponto de referência de tal importância que se manifesta como o centro de todo Mistério Cristão.

O Mistério da Trindade passa a ser luz para o desenrolar de uma nova antropologia: com o cristianismo o homem não recebe somente uma doutrina, mas também uma nova natureza: "O Filho de Deus, unindo a si a natureza humana e vencendo a morte com a sua própria morte e ressurreição, remiu o homem, transformando-o em nova criatura" (LG,7).

O Mistério da Trindade tratado em uma dimensão salvífica e não como mistério especulativo: "Por meio de Cristo, o Verbo encarnado, os homens têm acesso no Espírito Santo ao Pai e se tornam participantes da natureza divina" (DV, 2).

O Mistério da Trindade como estrutura e perspectiva para se lê a Sagrada Escritura: "Com efeito, a Sagrada Escritura é a palavra de Deus enquanto é redigida sob a moção do Espírito Santo; ---------------------------------------

O concílio também fala da distinção das Pessoas Trinitárias pela maneira de atuar de cada uma delas: "Consumada, pois , a obra que o Pai confiara ao Filho realizar na terra foi enviado o Espírito Santo no dia de Pentecostes a fim de santificar perenemente a Igreja para que assim os crentes pudessem aproximar-se do Pai por Cristo num mesmo Espírito" (LG, 4).

 

3.6 - O Catecismo da Igreja Católica

O Catecismo, "Texto de referência seguro e autêntico para o ensino da doutrina católica" (Constituição Apostólica Fidei Depositum), trata explicitamente da Santíssima Trindade no n. 232-267. Encontramos  aí a seguinte estrutura:

- A fórmula "Em nome do Pai do Filho e do Espírito Santo;

- A revelação de Deus como Trindade: o Pai revelado pelo Filho, o Pai e o Filho revelados pelo Espírito;

- A Santíssima Trindade na doutrina da fé: a formação do dogma trinitário, o dogma da Santíssima Trindade;

- As obras divinas e as missões trinitárias.

O Catecismo faz uma belíssima síntese sobre a Trindade passando pelos textos bíblico, pela Tradição da Igreja e pelo Magistério. No n. 253 insiste: "a Trindade é uma. Não professamos três deuses, mas um só Deus em três pessoas: a Trindade consubstancial. As pessoas divinas não dividem entre si a única divindade, mas cada uma delas é Deus por inteiro: o Pai é aquilo que é o Filho o Filho é aquilo que é o Pai, o Espírito Santo é aquilo que são o Pai e o Filho, isto é, um só Deus quanto à natureza. Cada uma das três pessoas é esta realidade, isto é, a substância, a essência ou a natureza divina".

No n. 254 ele esclarece que as pessoas divinas são distintas entre si e no n. 255 explica suas relações.

 

3.7 - A Trindade na Preparação do Novo Milênio

Não podemos deixar de falar sobre a preparação para o Jubileu do Ano 2000, foi uma verdadeira Catequese e Profissão de sobre a Trindade. Na Carta Apostólica Tertio Millenio Adveniente (n. 1) João Paulo II cita o texto paulino: " Quando, porém, chegou a plenitude do tempo, enviou Deus o seu Filho, nascido de uma mulher, nascido sob a Lei, para remir os que estavam sob a Lei, a fim de que recebêssemos a adoção filial. E porque sois filhos, enviou Deus aos nossos corações o Espírito do seu Filho, que clama: Abba, Pai! De modo que já não és escravo, mas filho. E se és filho, és também herdeiro, graças a Deus (Gl 4, 4-7)". E comenta: "Esta apresentação paulina do Mistério da Encarnação contém a revelação do Mistério Trinitário e da continuação da Missão do Filho na Missão do Espírito Santo". É a partir do Mistério Trinitário que o Papa vai preparar a Igreja para o Grande Jubileu do Ano 2000: "A estrutura ideal para este triênio [1997 a 1999], centrada em cristo, Filho de Deus feito homem, não pode ser senão teológica, isto é, trinitária" (n. 39). O primeiro ano, 1997, será dedicado à reflexo sobre Cristo, Verbo do Pai (cf. Jo 1,1), feito homem por obra do Espírito Santo. O segundo ano, 1998, será dedicado de modo particular ao Espírito Santo e à sua presença santificadora no seio da comunidade dos discípulos de Cristo. O ano 1999, terá por função alargar os horizontes do crente até à própria perspectiva de Cristo: a perspectiva do Pai que está no céu, que o enviou e a quem ele retornou (cf. Jo 16,28). No ano 2000, Ano do Grande Jubileu, "o objetivo será a glorificação da Santíssima Trindade, da qual tudo procede e a qual tudo se orienta no mundo e na história. Para esse mistério apontam os três anos de preparação imediata: em Cristo e por Cristo, no Espírito Sento, ao Pai. Neste sentido, a celebração jubilar atualiza e simultaneamente antecipa a neta e o cumprimento da vida do Cristo e da Igreja em Deus Uno e Trino (TMA, 55).

Ao término do Grande Jubileu do ano 2000, João Paulo II diz em sua Carta Apostólica Novo Millennio Ineunte (n. 5) que ao longo deste ano que contemplamos Cristo tal como no-lo o Apocalipse:" O Alfa e o Ômega, o Primeiro e o Último, o Princípio i o Fim". E continua: "E, ao mesmo tempo que contemplamos Cristo, adoramos o Pai e o Espírito, a Trindade única e indivisível, Mistério inefável no qual tudo tem sua origem e perfeição".

 

 

 

 

IV. AS TRÊS PESSOAS DIVINAS

 

1. O Pai

No Antigo testamento, é comum falar de Deus como Pai (Ex 4,22). Mas não é neste sentido que aqui se farão considerações sobre o Pai. Entendemos agora a palavra no sentido estrito da Primeira Pessoa da Santíssima Trindade. E neste sentido ocorre unicamente no Novo testamento, principalmente como Pai de nosso Senhor Jesus Cristo (Mt 11,27).

O Novo testamento fala deste Pai sempre quando fala da "filiação" da Segunda Pessoa com relação à Primeira. E os judeus se escandalizavam quando Jesus se apresentava como Filho do Pai (Jo 5,18).

Pai é, portanto, o nome próprio da Primeira Pessoa, é o nome que distingue das outras duas. O nome "Pai" compete à Primeira Pessoa mais enquanto é princípio do Filho e não como causa das criaturas, portanto, mais como Pessoa divina que como Deus. Ele é princípio sem princípio. Para conhecer o Pai na condição de princípio devemos recorrer à revelação. Portanto, a Primeira Pessoa chama-se Pai, porque gerou a Segunda Pessoa, que é seu Filho por natureza, desde toda a eternidade.

 

1.1 O Filho

O nome próprio e pessoal da Segunda Pessoa da Santíssima Trindade é Filho. O evangelho segundo São João também o chama de Logos, Verbo, Palavra. Sua geração eterna do Pai é intelectual (Verbo). Podemos dizer que é o pensamento hipostático de Deus Pai.

"Quem me vê, vê o Pai" (Jo 14,8-11). O Pai se exprime no Filho. Ele é o Logos do Pai. Ele é a imagem do Deus invisível (Cl 1,15). Temos assim o precioso testemunho de João no prólogo de seu evangelho: "no princípio era o Logos, e o Logos estava com Deus, e o Logos era Deus". O discurso tem um movimento circular. O fim volta ao princípio: O Logos preexistente é Deus, que era no princípio, desde toda eternidade, com Deus ou junto de Deus ou voltado para Deus, em comunhão de vida e de amor. Este Logos imutável e consubstancial ao Pai e ao Espírito Santo se fez carne e veio morar no meio de nós. Logo, a Segunda Pessoa da Santíssima Trindade chama-se Filho, por ser gerada pelo Pai e possuir a mesma natureza do Pai.

 

1.2 O ESPÍRITO SANTO

A Terceira Pessoa da Santíssima Trindade chama-se Espírito, que significa espiração ou impulso de amor, porque procede do Pai e do Filho por via de vontade e de amor. Acrescenta-se Santo porque a Ele se atribui de modo especial a santidade.

 

2. PROCESSÕES

 

Segundo a doutrina revelada, a Pessoa do Pai não tem a sua origem em nenhuma outra (1); portanto as processões divinas só dizem respeito ao Filho e ao Espírito.

O Pai não é gerado como o Espírito Santo também não o é. Mas o Pai não procede, enquanto que o Espírito procede d'Ele e do Filho. Ele é ingênito (= não gerado) e é o único ingênito enquanto fonte de tudo. O único sem origem é Deus Pai, dirá Tertuliano.

As processões se produzem e concluem em Deus (não no Pai) ou seja, na esfera da única divindade. Portanto, são imanentes. Por analogia com as potências humanas da inteligência e da vontade, poder-se-á penetrar mais um pouco nesta realidade intradivina. Efetivamente, graças à sagrada Escritura, sabemos que a processão do Filho chama-se geração e que este Filho é o Verbo e o unigênito. Cabe pensar que o Verbo é Filho e que foi gerado pelo Pai desde sempre, porque jamais existiu sem Filho. O sujeito das processões divinas imanentes são as Pessoas divinas, não a natureza divina (DZ 432).

A primeira processão em Deus é a GERAÇÃO porque é atividade vital e produz eternamente um Filho da mesma substância do Pai. De maneira análoga, diríamos que assim como o entendimento gera um conceito ou verbo mental, em Deus a geração é por via intelectual e o gerado é chamado de Verbo. São João dirá: "O Verbo estava junto de Deus e era Deus".

A segunda processão chamada ESPIRAÇÃO, é diversa da primeira, assim como a atividade volitiva é diferente da cognoscitiva. De fato, a vontade não é a inteligência. Esta conhece e a outra decide aceitando ou rejeitando. Uma coisa é conhecer e outra é amar. Ama-se o que é conhecido.

Em Deus, o que se origina por via de vontade não procede como gerado (DZ 34; 277; 303), ou seja, como Filho, Verbo, e sim como impulso e espírito, isto é, espirado. Por isso chama-se Espírito de Amor.

Na geração divina, o Filho procede de um só princípio: o entendimento do Pai. O Espírito Santo tem a sua origem no Pai e no Filho, não como em dois princípios diversos, mas um só. Não se esqueça que o Pai e o Filho têm uma só essência, comum a ambos.

 

2.1 O FAMOSO E QUESTIONADO FILIOQUE

 

Nem o credo de Nicéia, nem o original grego de Constantinopla confessavam que o Espírito Santo procede do Pai e do Filho (em latim Filioque). A posterior adição aconteceu pouco a pouco e não sem dificuldades até hoje. O Novo Catecismo (n.248) explica, que a tradição oriental ou grega põe primeiramente em relevo o caráter de origem primeira do Pai em relação ao Espírito Santo. Quando confessa o Espírito como procedente do Pai (Jo 15,26), ela afirma que o Paráclito procede do Pai pelo Filho. A tradição ocidental ou latina põe principalmente em relevo a comunhão consubstancial com o Pai e o Filho afirmando que o Paráclito procede do Pai e do Filho como de um único princípio.

A questão do Filioque reaparece no Concílio Ecumênico de Florença (1431- 1447), com a presença de Bispos orientais. Depois de difíceis discussões, este encontro episcopal formulou um texto de conciliação nos seguintes termos:

Em nome da Santa Trindade, do Pai, do Filho e do Espírito Santo, com a aprovação deste Concílio Universal de Florença, definimos que por todos os cristãos seja crida e recebida esta verdade de fé e assim todos professem que o Espírito Santo procede eternamente do Pai e do Filho; e do Pai juntamente com o Filho tem sua essência e seu ser subsistente, e procede eternamente de Ambos como de um Princípio e por uma única espiração. Declaramos que aquilo que os santos Doutores e Padres dizem, que o Espírito santo procede do Pai pelo Filho, tende a esta compreensão, para significar que o Filho é também segundo os gregos causa, e segundo os latinos princípio da subsistência do Espírito Santo, como também o Pai. E uma vez que tudo o que é do Pai, o Pai mesmo o deu ao seu Filho Único ao gerá-lo, excetuado o seu ser de Pai, esta própria processão do Espírito Santo a partir do Filho, ele a tem eternamente de seu Pai que o gerou eternamente. Além disso definimos que a explicação da palavra Filioque foi lícita e razoavelmente posta no Símbolo por declarar a verdade e por necessidade urgente daquele tempo.

 

3. RELAÇÕES

 

Por não dividir a unidade divina, a distinção real das Pessoas entre si reside unicamente nas relações que as referem uma às outras: "nos nomes relativos das Pessoas, o Pai e referido ao Filho, o Filho ao Pai, o Espírito Santo aos dois; quando se fala destas três Pessoas considerandos as relações, crê-se todavia em uma só natureza ou substância".

Há duas processões e quatro relações com perfeição infinita e idêntica à essência (DZ 391) em Deus, a saber:

PRIMEIRA RELAÇÃO: ativa ou paternidade, corresponde ao Pai.

SEGUNDA RELAÇÃO: passiva ou filiação, corresponde ao Filho.

TERCEIRA RELAÇÃO: espiração ativa, do Pai e do Filho ao Espírito Santo, (mútua do Pai e do Filho).

QUARTA RELAÇÃO: espiração passiva, do Espírito Santo ao Pai e ao Filho, corresponde ao Espírito Santo.

Estas relações são REAIS; se não fossem assim, não teríamos uma Trindade real. Cada relação em opõe-se às outras relações, apesar de terem a mesma essência e serem inerentes a ela. Das quatro, três são realmente constitutivas, distintas e opostas.

A paternidade identifica-se com a essência divina, mas não é filiação ou espiração. A filiação é a essência divina, é Deus, mas não é paternidade ou espiração. Assim mesmo a espiração passiva é o Espírito divino, inconfundível com a paternidade ou a filiação.

A Trindade das Pessoas subsiste, então, em virtude do princípio. Deus é tudo o que tem, exceto o que diz de cada uma das Pessoas em relação às outras. A espiração ativa somente opõe-se à espiração passiva, mas não à paternidade e à filiação. Não é realmente distinta delas.

As relações Pessoais em Deus não são acidentes da essência, como acontece conosco. São as Pessoas tantas quantas são as relações reais subsistentes, porque a espiração ativa não é Pessoa em Deus. O Pai é Deus em  relação ao Filho. O Filho é Deus em relação ao Pai. O Espírito Santo em si mesmo é Deus, mas é Espírito em relação com o Pai e o Filho. Portanto, o Pai não maior do que o Filho quanto à divindade, nem o Pai e o Filho, juntamente, não são maiores do que o Espírito Santo. Nenhuma Pessoa entre as três é menor do que a mesma Trindade. Cada Pessoa e as três são um só e único Deus.

 

 

 

1.UNIDADE DE NATUREZA

 

A Trindade é una. Não professamos três deuses, mas um só Deus em três Pessoas. "a Trindade consubstancial". As pessoas divinas não dividem entre si a única divindade, mas cada uma delas é Deus por inteiro.

Concílio Ecumênico de Florença promulgou em 1442 um decreto para os Jacobitas (coptas e etíopes), no qual lemos: Em virtude da unidade, o Pai está todo no Filho, todo no Espírito Santo; o Filho está todo no Pai, todo no Espírito Santo; o Espírito Santo está todo no Pai, todo no Filho (DZ 1331).

Nada há de anterior, superior, maior, menor ou posterior entre as Pessoas divinas. Elas são co-eternas, co-iguais, co-onipotentes. A unidade da mesma natureza, substância ou essência está em cada Pessoa. Por isso cada uma das Pessoas está toda na outra, penetra e é penetrada pela outra.

A Sagrada Escritura atesta esta compenetração entre as três Pessoas divinas. "Eu e o Pai somos um", afirmou Jesus (Jo 10,30). "Quem me vê, vê o Pai" (Jo 14,9). "As coisas de Deus são conhecidas pelo Espírito de Deus"(1Cor 2,10s). "O meu Pai está em mim e eu no Pai"(Jo 10,38). Portanto, não são três deuses, mas um só Deus, em Pessoas três.

 

V - AS OBRAS DIVINAS E AS MISSÕES TRINITÁRIAS

 

1. Atividades internas e externas

 

A atividade de Deus é interna (ad intra) se se refere às Pessoas divinas entre si, e externa (ad extra) se se refere as criaturas.

a) A atividade interna de Deus: é própria de cada uma das Pessoas divinas, porque se baseia nas suas relações de origem, própria de cada Pessoa.

Assim, só o Pai não procede de outra Pessoa; só o Filho é gerado pelo Pai. E só o Espírito Santo procede do Pai e do Filho. Estas três relações, fruto da atividade interna de Deus, receberam o nome de paternidade, filiação e espiração.

b) A atividade externa de Deus: é comum as três Pessoas divinas, e assim tudo o que cada uma d'Elas faz em relação às criaturas o fazem também as outras duas. Por isso no n. 258 do Catecismo da Igreja Católica, ensina que "toda a economia divina  é obra comum das três Pessoas divinas". Pois a Trindade, do mesmo modo que tem uma só e mesma natureza, tem também uma só e mesma operação.

 

2. AS APROPRIAÇÕES

 

Além das ações próprias de cada pessoa e das comum às três, há certas ações apropriadas, que, sem serem exclusivas, se atribuem especialmente a cada uma das Pessoas Divinas.

Encontramos na Sagrada Escritura títulos e perfeições que são referidas de preferência ao Pai, como Deus, Criador, Misericordioso, Poderoso, Justo, etc. Outros são preferentemente relacionados com o Filho, como Senhor, Imagem, Esplendor, Sabedoria, etc. E mais outros ao Espírito Santo, como Advogado, Dom, Amor, bondade, Graça, etc. Trata-se de uma ilustração das propriedades das diversas pessoas.

Estas ações e perfeições atribuem-se especialmente a cada uma das Pessoas Divinas, por terem alguma relação com a sua origem.

Atribuem-se mais ao Pai as perfeições que se unem naturalmente a um ser não gerado, princípio sem princípio, como é o Pai: tais são o poder e a criação.

Ao Filho atribui-se em especial a Sabedoria, porque procede por via de entendimento, e a sabedoria é fruto do entendimento.

Ao Espírito Santo atribui-se especialmente o amor, porque procede por via de vontade e de Amor.

No entanto, importa recordar que, tendo as três Pessoas uma mesma natureza divina, tem, na realidade, igual onipotência, Sabedoria e Amor.

 

3. As Missões Divinas

 

Na teologia trinitária entendemos por "missões" o envio de uma Pessoa divina à humanidade para a nossa salvação. O conceito de missão divina encerra dois momentos: a procissão eterna de uma pessoa e uma atividade temporal no mundo por parte de uma pessoa. No Novo Testamento são inúmeros os textos nos quais se diz que o Pai "enviou" o Filho ou que o Filho "envia" o Espírito Santo.

"Quem não honra o Filho, não honra o Pai que o enviou". ( Jo 5,23). "o Espírito Santo consolador, que o Pai enviará em meu nome, vos ensinará todas as coisas" (Jo 14,26). Se eu não for, o consolador não virá a vós: mas se eu for, vo-lo enviarei (Jo 16,7).

Nunca se diz na Escritura que o Pai seja enviado, ou que o Espírito Santo envie o Filho. Na ação de uma pessoa enviar a outra, emprega-se a mesma linguagem usada nas processões. Por conseguinte ser enviado e proceder são termos intimamente relacionados. Deus Pai envia o Filho, porque este procede dele; o Pai e o Filho enviam o Espírito Santo, porque procede de ambos.

Não é, contudo, a mesma coisa ser enviado e proceder. O Verbo eterno procede necessariamente do Pai; o Espírito Santo, do Pai e do Filho; mas tanto o Verbo como o Espírito Santo poderiam não ter sido enviados ao mundo, se Deus assim o dispusesse, ou se o mundo não existisse. Proceder é uma realidade interna, ser enviado constitui uma manifestação externa.

Encontrando-se as pessoas divinas em toda a parte, não podem ser enviados de um lugar a outro. Por conseguinte são enviados somente  enquanto recebem a missão de realizar algum efeito num lugar determinado. O Filho foi enviado pelo Pai aos homens, assumindo a natureza humana em missão visível. Portanto, as três pessoas realizaram a encarnação, mas só uma encarnou ou assumiu a natureza humana.

Espírito Santo é enviado aos homens invisivelmente para santificá-los. Em cada homem perto está, não só o Espírito Santo, mas toda a Santíssima Trindade. Contudo diz-se que a santificação se deva do Espírito Santo, porque a santidade é próprio da vontade, e como o Espírito Santo procede da vontade, a ele se atribui a santificação dos homens, ainda que esta, na realidade se deva às três pessoas divinas.

 

4. A Trindade em nona cotidiana vida cristã e na liturgia

 

Cada um de nós foi batizado e consagrado a Deus em nome do Pai e do Filho e do Espírito Santo, conforme o mandato de Jesus (Mt 28,19). E ainda quando criança aprendemos com nossa mãe a fazer o sinal da cruz e nossa primeira oração: "Em nome do Pai e do Filho e do Espírito Santo. Amém".

Depois, decoramos a doxologia: "Glória ao Pai, ao Filho e ao Espírito Santo". Assim, infantes ainda, já adoramos, glorificamos e louvamos as três pessoas divinas com o mesmo antigo louvor que o papa S. Dâmaso (†384) determinou terminassem sempre os salmos.

E não demorou, aprendemos, sempre crianças, muitas vezes antes da primeira comunhão, a professar com ortodoxa precisão, mesmo sem então entender o que, mais adultos, haveríamos de compreender, pouco a pouco, mais e melhor, ensinados pela amorosa mãe Igreja através de nosso(a) catequista, com solenes palavras: "Creio em Deus Pai Todo Poderoso, criador do céu e da terra [...]. Creio em um só Senhor, Jesus Cristo, Filho unigênito de Deus [...], gerado, não criado, consubstancial ao Pai. Creio no Espírito Santo, Senhor que dá a vida, e procede do Pai e do Filho; e com o Pai e o Filho é adorado e glorificado".

Ensina o CIC, nº234, que "o mistério da Santíssima Trindade é o mistério central da fé e da vida cristã.. É o mistério de Deus em si mesmo. Portanto, é a fonte de todos os outros mistérios da fé.

Desde o século segundo temos o santo costume de fazer freqüentemente o sinal da cruz com a invocação das três Pessoas divinas, seja antes e depois de nossas orações, seja antes e depois de nossos trabalhos, ou antes e depois de dormir e etc... E com freqüência repetimos o "glória ao Pai, ao Filho e ao Espírito Santo". Quando rezamos a liturgia das horas terminamos com essa doxologia. Sem falar da Santa Missa e da administração dos sacramentos, quando a menção do Triúno Deus é regra geral.

Na verdade, a atenção e a devoção às três Divinas Pessoas continuam centrais em nossa vida e tirá-las de nossa fé causaria não um irreparável vácuo, mas acabaria com o próprio fundamento de nossa existência cristã. sem a Trindade é impensável o cristianismo. Deus é Trindade.