Introdução

Nosso trabalho pretende dar uma exposição clara e concisa da teologia fundamental, num contexto de síntese de teologia dogmática. Para tanto não é bom entrarmos em análises exaustivas, pois o objetivo de uma síntese é fornecer uma visão global e unitária. É importante, portanto, tratar apenas do que é essencial; deve-se dispor os temas de forma logicamente concatenada, de forma que nada esteja artificialmente disposto no trabalho, a fim de que realmente manifeste-se a unidade do tema tratado.

O trabalho divide-se em duas partes principais: a primeira trata da teologia fundamental como ciência, e de todos os temas aí conexos. A segunda trata propriamente do conteúdo da teologia fundamental, a saber: o tema da revelação em sentido global e da sua credibilidade. Por estarmos num contexto de síntese dogmática, beneficiamos aqueles temas de fundamental que tocam mais propriamente à dogmática, a saber: uma teologia da revelação (e sua transmissão) e uma teologia da fé. Mas tratamos também do aspecto apologético (nos temas da credibilidade da revelação e nos problemas de fronteira), para sermos fiéis à verdadeira natureza da fundamental: o de dar razão da nossa fé. Se negligenciássemos esse aspecto, não estaríamos falando de uma autêntica teologia fundamental.

 

 

Esquema de exposição

Introdução

- visão sintética; o essencial logicamente concatenado, p/ que se manifeste a unidade (visão unitária)

 

Capítulo I: Teologia fundamental, disciplina teológica distinta e específica

1. Conceitos prévios: O que é teologia?

-       conhecimento e discurso; sentido originante e originado;

-       Natural e sobrenatural; ciência teológica como discurso; elaboração reflexiva e científica da palavra divina à luz da fé.

-       Divisão da teologia: dogmática, moral, etc...

-       Método da teologia dogmática: auditus fidei e intellectus fidei

 

2. Reconstrução histórico-temática da teologia fundamental

-       Pré-história da fundamental

-       Da apologética clássica à teologia fundamental (reação à apologética, expansão, focalização)

-       Teologia fundamental: definição e esboço de conteúdo

-       Disciplina teológica que estuda o acontecimento da revelação e a sua credibilidade

-

3. Definição e descrição da teologia fundamental

Capítulo II: A Revelação de Deus

 

1. Situando o problema

 

2. Natureza e objeto da Revelação

-       2.1. Definição

-       2.2. Essa revelação acontece

-       2.3. Objetivo

 

3. Transmissão da Revelação divina na Igreja

-       3.1. O Depósito da Fé

-       3.2. Sagrada Escritura

-       3.2.1. A revelação patriarcal

-       3.2.2. Deus forma seu povo Israel

-       3.2.3. A Revelação no Novo Testamento

-       3.3. A Tradição

-       3.4. O Magistério Eclesiástico

-       3.5. O senso comum dos fiéis

-       3.6. A infalibilidade da Igreja

 

Capítulo III: A Credibilidade

 

Capítulo IV: A fé: a resposta do homem a Deus

-       1. O homem é "capaz" de Deus

-       2. Natureza e conteúdo

-       3. As características da fé

Capítulo I

Teologia Fundamental: disciplina teológica distinta e específica

 

1.     Reconstrução histórico-temática da Fundamental

A Teologia Fundamental é uma ciência muito jovem. De fato, ela ainda hoje não tem absolutamente bem definida sua identidade, o que é manifesto na infinidade de concepções díspares entre diferentes especialistas da mesma teologia fundamental. Por outro lado, os problemas com os quais ela se depara são bem mais antigos do que a sua existência como ciência (na verdade, são contemporâneos do próprio cristianismo), de forma que, para chegar a seu estado atual, houve um longo período que poderíamos chamar de "pré-história da teologia fundamental". Por esse motivo, escolhemos iniciar a apresentação pela exposição histórica da evolutiva assunção das categorias que compõem a teologia fundamental como a conhecemos hoje, com o objetivo de compor o rosto da Teologia Fundamental atual de uma forma mais coerente e concreta, e não de forma artificial, como se a fundamental tivesse sido gerada ex nihilo. Num segundo momento, apresentamos uma definição e uma estrutura de teologia fundamental o mais madura possível, levando em consideração o que é geralmente aceito e descartando o que é mera hipótese ou proposição.

Aconselha-se nesse ponto a consulta do apêndice "teologia fundamental enquanto epistemologia teológica", com o objetivo de ter-se uma pré-compreensão dos conceito básicos da teologia: o que é teologia, e, em sua subdivisão, o que é teologia dogmática, seus métodos e objetos de estudo respectivos.

 

1.1.Pré-história da Teologia fundamental: a Apologética clássica

A apologia da fé, legítima ação de todo crente, é contemporânea já das primeiras comunidades cristãs. Seu espírito está condensado no texto de I Pd 3,15 (estai "sempre prontos para dar razão da esperança que está em vós"), e permeia toda a história da Igreja, aparecendo principalmente diante das controvérsias contra os sucessivos adversários da fé (judeus, gnósticos, arianos, autoridades romanas, muçulmanos, protestantes, deístas, etc.). Exemplo digno de nota é o dos Padres apologistas, que nos primeiros séculos da Igreja souberam defender a fé diante das doutrinas estranhas.

A apologética, como ciência estruturada e metódica, aparece bem mais tarde, no séc. XVII, quando surgem os primeiros tratados completos de apologética, em resposta aos ataques da Reforma. Sua intenção Ela buscava, apoiando-se estritamente em argumentos racionalmente evidentes, isto é, não dependentes da fé nem da autoridade da Igreja, demonstrar a credibilidade justamente dessa fé e dessa autoridade.

Seu método era estruturado em uma tríplice e sucessiva Demonstratio, como vemos no quadro a seguir:

 

Demonstratio

Objetivo

Meios

Destinatários

Religiosa

Provar a necessidade da religião, demonstrando a existência de Deus e a imortalidade da alma

Provas Racionais (quinquae viae, Ratio Anselmi, etc.)

Ateus

Christiana

Provar que Jesus é de fato o Messias enviado por Deus Convencer sobre a necessidade e a possibilidade da revela-ção sobrenatural, que encontra seu cumprimento na missão de Cristo (de Christo legato)

Estudo dos sinais que atestam a messianidade de Jesus de Nazaré, presentes na Escritura(entendida como documento histórico): os milagres, o cumprimento das profecias, o elevado valor moral de sua mensagem e a ressurreição

Não-cristãos

Catholica

Provar que a Igreja Católica é a Igreja de Cristo

Análise das notae da Igreja: santidade, alto valor de sua mensagem moral, permanência ao longo dos séculos, sob a guia infalível da autoridade hierárquica do Magistério

Não-católicos

 

 

 

1.2. Da apologética clássica à teologia fundamental

 

 

Período de reação à apologética clássica

 

A apologética clássica respondia a uma demanda histórica bem definida: ela precisava defender a fé diante da ameaça protestante, cuja característica fundamental era um forte subjetivismo. A apologética católica tinha portanto que insistir nos critérios objetivos.

O contexto do pós-guerra é muito diferente do que viu nascer a apologética clássica. Novos fatores aparecem nessa época:

-renovação dos estudos bíblicos e patrísticos, que fizeram descobrir, na revelação e na fé, uma realidade muito mais rica, mais concreta, mais pessoal, mas flexível;

-renovação dos métodos e técnicas de exegese; (dar uma explicação de cada um desses aspectos)

-progresso multiforme realizado nas ciências da linguagem;

-contribuições das filosofias do homem;

-uma renovação ecumênica, que transformou a atitude agressiva e polêmica em relação aos protestantes em atitude de abertura e diálogo.

Esse novo contexto evidenciou alguns limites da apologética clássica. Os próprios especialistas desta disciplina começaram a levantar algumas críticas:

-       A apologética, como pretendia dar provas puramente racionais à revelação, estudava-a exclusivamente como fato (analisando os milagres de Jesus e o cumprimento das profecias, sinais desse fato), e não como mistério, o que ela não ousava fazer, pois reservava o estudo de tal abordagem, por depender da fé e da autoridade do magistério, à dogmática. Tal dicotomia entre revelação-fato e revelação-mistério gera alguns problemas:

-       a apologética era obrigada a tomar um conceito de revelação que não proviesse da própria revelação (pois assim estaria pressupondo conceitos que dependem da fé, o que metodicamente não lhe era permitido) tomava-o então o conceito da filosofia. Mas a revelação divina é uma realidade ímpar; só a revelação pode nos dizer o que é a revelação.

-       A argumentação sobre a credibilidade da revelação centra-se nos sinais externos (milagres e profecias); porém há ainda um outro forte motivo de credibilidade: a mensagem cristã é extremamente inteligível, e essa plenitude de sentido já constitui de per si um motivo de credibilidade. A revelação é crível não só por causa dos sinais externos, mas também porque revela o homem a si mesmo: ela é também a única chave de compreensão do mistério do homem;

-       Como, ao combater o subjetivismo protestante nos aspectos da fé, a apologética primava por uma objetividade científica, ela deu pouca importância aos aspectos subjetivos da credibilidade (as condições de acolhimento da revelação e dos sinais da parte do homem a quem são dirigidos). De fato, se a apologética tem por objeto, não uma credibilidade abstrata, mas a credibilidade humana da revelação, não pode limitar-se a estudar o em-si da revelação e dos sinais da revelação;

-       O tom polêmico e agressivo adotado pela apologética clássica torna-se inconciliável com a dimensão ecumênica atual.

 

 

 

Período de expansão

Do início dos anos 60, como resultado das construtivas críticas feitas à ela, a apologética conhece um período de positiva ampliação, que coincidiu com a adoção definitiva do termo fundamental para designar sua nova identidade. Pois mudanças muito profundas acontecem com essa disciplina, na ordem da abordagem de seus conteúdos, de seus métodos e de seus destinatários, justificando a sua mudança de nome.

Em relação ao conteúdo, o objeto de estudo permanece basicamente o mesmo: a revelação e a sua credibilidade; porém, há uma reviravolta no modo de abordagem dessas realidades.

A partir dos anos 40, o tema da revelação, motivado pelo reflorescimento dos estudos bíblicos e patrísticos, sofre uma rápida expansão, culminando com a promulgação, em 18 de novembro de 1965, da Constituição dogmática Dei Verbum, que apresenta, amadurecida, a nova forma de abordar a revelação divina:

-       não só no seu aspecto objetivo de doutrina, mensagem, mas como ato de Deus: automanifestação e autodoação de Deus em Jesus Cristo. Cristo é a palavra epifânica de Deus.

-       Não como fenômeno isolado, mas como uma "economia", ou seja, como um projeto eterno que o Pai comunica e realiza ao longo de toda a história;

-       Na suas dimensões histórica, interpessoal, dialogal, cristológica e eclesial.

O grande mérito da Dei Verbum foi ter ampliado a noção de revelação partindo dos dados da própria revelação.

 

O tema da credibilidade também sofreu uma profunda ampliação. Sem negar o que havia de legítimo e positivo no método da apologética clássica, não deixou de mostrar os limites dessa abordagem. A ampliação se deu de fato em três orientações distintas, mas complementares:

-       Problemas de história e de Hermenêutica: tomada de consciência de que o acesso ao Jesus histórico, fonte irradiadora de significado dos sinais particulares, não consiste em tarefa simples; pelo contrário, exige amplos conhecimentos das técnicas de exegese modernas;

-       Aspecto antropológico da credibilidade: desenvolvido por teólogos como R. Guardini, K. Rahner, von Balthasar. A revelação não é apenas irrupção de Deus na história; nela, Deus, ao revelar-se a si mesmo e ao mistério de sua vontade (DV 2), revela o homem ao homem. Não basta, pois, demonstrar que, através dos evangelhos, temos acesso a Jesus de Nazaré; é preciso também demonstrar que a mensagem cristã diz respeito ao homem e às questões fundamentais que este se coloca;

-       Retomada do tema dos sinais da revelação (milagres, profecias), porém mais cuidadosa no procedimento exegético.

 

 

Fase de Focalização

 

No período posterior ao Vaticano II, a Teologia Fundamental correu o risco de cair em dois extremos opostos: um de dissolução interna, pelo desmembramento dos seus temas fundamentais, e outro de uma ampliação excessiva de seus conteúdos e conseqüente dispersão. Ambas puseram em risco a própria identidade da nova ciência.

O Vaticano II foi responsável pela grande expansão e aprofundamento dos temas da teologia fundamental, com a Constituição Dogmática Dei Verbum. Porém, o decreto Optatam Totius, que tratava da reforma dos estudos eclesiásticos, não faz sequer menção a uma teologia fundamental. Privada portanto do apoio do Concílio, muitos seminários e faculdades cederam à tentação de sacrificar uma disciplina que o próprio Concílio parecia não levar em conta. "Se Cristo á a plenitude da revelação, então é forte a tentação de confiar à cristologia o tema da revelação. De outra parte, parece lógico remeter à exegese certas questões técnicas de sua competência, como o valor histórico dos evangelhos e os temas dos milagres e da ressurreição. A introdução ao mistério cristão absorveu o resto. E assim, em vários lugares, a fundamental foi desmembrada ou chegou até a desaparecer como disciplina autônoma, privando, consequentemente, a teologia de uma sua tarefa essencial";

Por outro lado, outro grave perigo surgiu com a ampliação da teologia fundamental: de tanto querer incluir tudo, a fundamental corria o risco de perder o centro de unidade e o seu caráter específico. De tanto atuar na periferia, acaba por esquecer o centro de suas preocupações, ou seja, a revelação.

Como resposta a esses dois perigos, surge uma movimento de "focalização", ou seja, de busca de um ponto focal, um centro básico em redor do qual se disporiam os temas. Além disso, fazia-se mister definir os limites dessa nova ciência parecia querer abarcar tudo em si.

De fato, em meio às incertezas, há muita coisa que já está bem definida. A própria Sagrada Congregação para a Educação Católica, no documento a formação teológica dos futuros sacerdotes, trata largamente da teologia fundamental, dando definições bem precisas e claras. Os livros mais recentes também já apresentam boas sínteses das diferenças

 

 

2.     Teologia fundamental: definição e esboço de conteúdo

Após uma breve síntese do caminho traçado pela teologia fundamental, podemos chegar agora a alguns resultados concretos.

Definição

A definição essencial de teologia fundamental é de disciplina teológica que estuda o acontecimento da revelação e sua credibilidade. Agora, cabe-nos descrever com mais detalhes a natureza, objeto de estudo, o método, a finalidade e os seus destinatários. Guiar-nos-á para tanto a própria definição.

Disciplina: revela a sua natureza científica. Pode-se fazer uma apologia da fé em um âmbito espontâneo, não exaustivo, ou de outras tantas formas (das quais ao meu ver a mais eloqüente é o martírio); a fundamental a faz em um âmbito especificamente científico.

Disciplina teológica: a teologia fundamental é autêntica teologia. Não é teodicéia (argumentação filosófica da existência e atributos essenciais de Deus), nem uma simples função apologética da teologia, como também não se reduz a uma introdução à teologia (se assim o fosse, ela seria uma espécie de epistemologia teológica, perdendo o seu aspecto autenticamente teológico). Ela é uma disciplina teológica distinta e específica. Distinta das demais ciências teológicas porque possui um método próprio, que veremos a seguir. Específica porque possui um objeto de estudo próprio: a revelação. Enquanto a dogmática estuda os diversos mistérios em cada tratado (mistério da Trindade, da Igreja, de Cristo, dos Sacramentos, das coisas últimas), a fundamental estuda a revelação em um sentido global. Daí vem o seu nome de fundamental, pois desta forma, trata dos conceitos fundamentais de todo e qualquer discurso teológico.

Método: integra em si duas dimensões: uma dogmática e outra apologética. Em outras palavras, a fundamental acerca-se do seu objeto de estudo com uma duas perguntas, que na verdade são duas posturas: O quê e Por quê. Delas partes todas as demais: "O quê é a revelação de Deus? Qual sua natureza? Qual o seu conteúdo? Como se dá sua transmissão? E as outras religiões? O quê é a fé, única resposta justa ao Deus que se revela?" E Também: "Por quê cremos? Existem argumentos que justifiquem esse ato de crer? Quais são eles?" Perguntas estas que partem tanto do crente quanto do não crente, mas que são respondidas pelo crente e dentro do âmbito da fé.

Extrai seus dados de diversas ciências:

-       exegese e teologia bíblicas: oferecem dados necessários a uma compreensão real da revelação;

-       ciências humanas, que lhe permite dirigir-se ao homem naquelas exigências mais profundas que pertencem a seu presente histórico-cultural;

-       dogmática, que favorece a compreensão da tradição e de seu desenvolvimento dentro da vida eclesial;

-       filosofia e história, que ajudam a fundamental em sua tarefa mais específica de justificação racional da fé.

A teologia fundamental, portanto, parte de um estudo acurado sobre a revelação cristã, evento ímpar, e dele extrai os argumentos de sua credibilidade, tomando em consideração o sujeito humano que possui essa potentia oboedentialis, essa capacidade de crer.

Capítulo II

A revelação de Deus

1. SITUANDO O PROBLEMA

"A Teologia Fundamental tem por objeto de estudo o fato da Revelação cristã e sua transmissão na Igreja" (A Formação Teológica dos Futuros Sacerdotes 107). Importa então fundamentar a partir da Constituição Dogmática "Dei Verbum" Sobre a Revelação Divina e do Catecismo da Igreja Católica as propriedades daquilo que a Igreja entende por Revelação.

 

2. NATUREZA E OBJETO DA REVELAÇÃO

2.1. Definição

"Aprouve a Deus, em sua bondade e sabedoria, revelar-se a si mesmo e tornar conhecido o mistério da sua vontade, pelo qual os homens, por intermédio de Cristo, Verbo feito carne, no Espírito Santo, têm acesso ao Pai e se tornam participantes da natureza divina" (DV 2).

 

2.2. Essa revelação acontece:

na história do homem trata-se de uma intervenção divina, ação de Deus que suscita nele uma resposta: a fé. "Esse patrimônio sagrado da fé, contido na Sagrada Tradição e na Sagrada Escritura, foi confiado pelos Apóstolos à totalidade da Igreja" (CIC 84); como S. Paulo diz: "Assim pregamos e assim crestes" (1Cor 15,11).

  • Deus revela a si mesmo nas coisas criadas: revelação natural.

"Sua realidade invisível - seu eterno poder e sua divindade- tornou-se inteligível, desde a criação do mundo, através das criaturas, de sorte que não têm desculpa. (Rm 1,20).

"A mesma santa Madre Igreja sustenta e ensina que Deus, princípio e fim de todas as coisas, pode ser conhecido com certeza pela luz natural da razão humana partindo das coisas criadas" (Vat. I - Cap.2 - Da Revelação).

 

  • Através da fé: revelação sobrenatural.

"Deus manifestou-se pessoalmente aos nossos primeiros pais. Falou-lhes e depois da queda, prometeu-lhes a salvação e ofereceu-lhes a sua aliança" (CIC 70).

"Para que o Deus de Nosso Senhor Jesus Cristo, o Pai da glória, vos dê um espírito de sabedoria e de revelação, para poderdes realmente conhece-lo" (Ef 1,17).

 

2.3. Objetivo

  • Participação da natureza divina (DV 2).

"Quer comunicar a sua própria vida divina aos homens, criados livremente por ele" (CIC 52).

"Nele (em Cristo) ele nos escolheu antes da fundação do mundo, para sermos santos e irrepreensíveis diante dele no amor. Ele nos predestinou para sermos seus filhos adotivos por Jesus Cristo" (Ef 1,4-5).

 

3. A TRANSMISSÃO DA REVELAÇÃO DIVINA NA IGREJA

"Deus ‘quer que todos os homens sejam salvos e cheguem ao conhecimento da verdade' (1Tm 2,4), isto é, de Jesus Cristo. É preciso, pois, que Cristo seja anunciado a todos os povos e a todos os homens, e que desta forma a Revelação chegue até às extremidades do mundo" CIC 74.

Para garantir que toda revelação seria transmitida integralmente a todas as gerações Deus constituiu os Apóstolos e seus sucessores como pregoeiros do Evangelho. Essa transmissão se deu de duas maneiras: oral e por escrito, sempre sob a ação do mesmo Espírito Santo.

 

3.1. O Depósito da fé

  • "O patrimônio sagrado da fé (depositum fidei) contido na Sagrada Tradição e na Sagrada Escritura, foi confiado pelos apóstolos à totalidade da Igreja" (CIC 84).
  • "Timóteo, guarda o depósito" (1Tm 6,20).

Esse termo aparece também em 2Tm 1,12.14 seu conteúdo é o da fé ou da tradição, a noção de origem jurídica e quer demonstrar a responsabilidade do depositário em transmitir e conservar intacto o que lhe foi confiado.

  • "A Sagrada Tradição e a Sagrada Escritura constituem um só sagrado depósito da Palavra de Deus" (DV 10).

 

3.2. Sagrada Escritura

Nos texto do AT observamos a experiência do agir de Deus na história do homem dando a ela um novo rumo, trata-se de um poder sobre-humano que é reconhecido não apenas conceitualmente, mas como um encontro entre alguém que comunica e alguém que recebe.

Como a história humana está condicionada pela sucessão temporal e nesta se observa etapas nas quais o homem cresce no conhecimento de si mesmo e se aperfeiçoa, a revelação divina supõe, respeita e se utiliza dessas etapas para se manifestar.

 

Inspiração: Deus é o autor da Sagrada Escritura.

  • "Desde a tua infância conheces as sagradas Letras; elas têm o poder de comunicar-te a sabedoria que conduz à salvação pela fé em Cristo Jesus. Toda Escritura é inspirada por Deus e útil para instruir, para refutar, para corrigir, para educar na justiça" (2Tm 3,15-17).
  • "Os livros do Antigo e do Novo Testamento (...) têm a Deus por autor" (Vaticano I, Cap.2, Da Revelação).
  • "As coisas divinamente reveladas, que se encerram por escrito e se manifestam na Sagrada Escritura, foram consignadas sob inspiração do Espírito Santo" (CIC 105).

 

Canonicidade: Os livros do Antigo e do Novo Testamento, íntegros em todas suas partes devem ser aceitos como sagrados e canônicos.

  • Decreto de Dâmaso (Dz 84 / 179-180).
  • Concílio de Florença (Dz 706-7 / 1334-36).
  • Concílio de Trento (Dz 784 / 1502-04).
  • Dei Filius (Dz 1787).
  • DV 11: "A Santa Mãe Igreja, por fé apostólica, tem por sagrados e canônicos integralmente todos os livros seja do Antigo como do Novo Testamento, com todas as suas partes, porque escritos sob a inspiração do Espírito Santo...".

 

Inerrância: é própria da Sagrada Escritura.

  • Erro dos modernistas acerca da Revelação (Decreto Lamentabili - S. Pio X): "A inspiração divina não se estende a toda a Sagrada Escritura, de modo que preserva de todo erro a todas e cada uma de suas partes".
  • "...que os livros da Escritura ensinam com certeza, fielmente e sem erro a verdade, que Deus quis que fosse entregue nas Sagradas Letras para a nossa Salvação" (DV 11).

 

3.2.1. A Revelação patriarcal

O alvorecer da revelação se dá porém com Abraão e os Patriarcas, trata-se de relatos religiosos que dão a conhecer a experiência de um Deus pessoal e específico que funda Israel como povo crente.

A Sagrada Escritura diverge do ambiente Oriental antigo no modo de conhecer a Deus que não se dá por adivinhações ou magias, mas têm relevo o tema da palavra de Deus, que caracteriza e salienta o valor de comunicação e revelação da SE: "Esta palavra do Senhor foi dirigida a Abraão" (Gn 15,1).

Iahweh chama a Abraão e lhe promete uma posteridade, rompendo com todos os seus vínculos terrestres este parte para uma terra desconhecida com sua mulher estéril, ato fundamental de fé, que Deus submeterá à prova pedindo o sacrifício de seu filho Isaac, segundo Hb 11,8-9 a existência e o porvir do povo eleito dependem absolutamente desse ato de fé.

 

3.2.2. Deus forma seu povo Israel

No evento vivido do Êxodo Deus liberta Israel da escravidão do Egito e lhe dá a conhecer seu nome por meio de Moisés, seu mediador: "Eu sou aquele que sou" (Ex 3,14). Assim, eleição, aliança, lei formam um todo indivisível.

A aliança e a lei entendem-se somente à luz de todo o processo de libertação, da qual são o cumprimento. O Decálogo exprime como deve ser a vida moral do povo, principalmente a exclusividade de culto ao Deus "santo" que faz aliança com um povo "santo".

A palavra é dirigida ao povo através de mediadores (Ex 20,18). Moisés "O Profeta" é modelo dos demais (Dt 18,15-18). A principal preocupação dos profetas anteriores ao exílio é a aliança e a lei, mostram como o povo deve ser fiel ao Deus santo de Israel. Querem mostrar como o castigo é conseqüência das infidelidades do povo. Jeremias determina os critérios para saber a autenticidade da palavra de Deus: o cumprimento da palavra anunciada (Jr 28,9; 32,6-8), a fidelidade a Iahweh e à religião tradicional (Jr 23,13-32), o testemunho muitas vezes heróico do próprio profeta em sua vocação (Jr 1,4-6; 26,12-15).

Unindo o tema da Lei ao da Aliança o livro de Deuteronômio condiciona a sobrevivência de Israel à prática da lei (Dt 29,28). Há porém uma progressão, ou seja, a palavra da lei se "interioriza": "Esta palavra está muito perto de ti, está em tua boca e em teu coração, para que a ponhas em prática" (Dt 30,11-14).

A literatura histórica manifesta como a palavra faz a história e ao mesmo tempo dá significado a ela. A profecia de Nata que inaugura o messianismo régio, que trará a Israel a partir de Davi a esperança fundamentada na pessoa do rei. E diante das circunstâncias históricas como infidelidades do rei histórico deslocam as esperanças para um rei futuro que se distancia do ideal davídico e faz com que a teologia se torne mais elaborada e com sabor escatológico.

Através da grande atividade profética a palavra de Iahweh torna-se palavra de consolo aos exilados que sabem que após a queda de Jerusalém Israel já não existe como nação (Ez 33,1-21).

O Dêutero-Isaías sublinha a soberania absoluta da palavra de Iahweh.

A revelação sapiencial mostra o modo extraordinário com o qual Deus se utiliza da experiência humana para revelar o homem a si mesmo, Israel toma essa experiência e a aprofunda à luz da fé em Iahweh. O saltério é ao mesmo tempo resposta à revelação e revelação mesmo, uma vez que a resposta do homem na oração dá a ela toda a sua dimensão através dos sentimentos que exprime.

Podemos observar algumas características da revelação do Antigo Testamento: que é interpessoal, isto é Iahweh ao mesmo tempo revelador e revelado que se dá a conhecer; iniciativa de Deus; o elemento que da unidade à economia reveladora é a palavra; e por fim o objetiva da revelação que é a vida e salvação do homem.

 

3.2.3. A Revelação no Novo Testamento

"Depois de ter falado muitas vezes e de diversos muitos modos pelos Profetas, Deus ‘ultimamente, nestes dias, falou-nos pelo Filho' (Hb 1,1-2)" (DV 4). Jesus Cristo assume a carne e a linguagem humanas, torna-se evangelho, palavra de salvação, para chamar o homem à vida que não acaba.

Os evangelhos sinóticos relatam a manifestação de Deus em Jesus Cristo. Cristo é a plenitude da revelação. Jesus ensina com autoridade porque seu ensinamento é novo, sua autoridade é única (Mt 7,29), o coloca ao mesmo nível de Deus "Mas eu vos digo" (Mt 5,22.28.32). Supera os profetas pois ensina e prega a título de Filho de Deus (Mt 7,21).

Cristo revela porque conhece a vida íntima de Deus. O conteúdo essencial da revelação é a salvação oferecida aos homens na imagem do reino de Deus, anunciado e restaurado por Cristo.

Os Apóstolos são as testemunhas de Cristo que proclamam a boa notícia e ensinam o que receberam do mestre, essa função apostólica está relatada nos Atos dos Apóstolos. Estes foram de tal modo associados à vida de Cristo que possuem uma experiência direta de sua pessoa, mensagem e obra e acima de tudo são testemunhas da suas ressurreição.

O objeto de nossa fé é o testemunho dos apóstolos, constituído não só por palavras, mas por exemplos de vida, de atitudes e ritos. Esse testemunho é concreto e realiza o crescimento da Igreja através do Espírito Santo.

O centro do pensamento de São Paulo sobre a revelação consiste no mistério, primeiramente escondido depois revelado, pregado, tornado conhecido em vista da fé. Em (1Cor 2,6-10), o mistério é já o desígnio de salvação, realizado em Cristo. Só os homens animados pelo Espírito podem compreender, pois esta sabedoria tem sua fonte no Espírito de Deus (1Cor 2,10-16).

O mistério de que fala São Paulo é o plano divino da salvação, outrora escondido é agora desvendado e realizado, ou seja, torna-se evento do história, segundo Ef 1,9-10 trata-se da reunificação de todas as coisas em Jesus Cristo, a união de todos os seres terrenos e celestes sob o único Senhor, Cristo.

Cristo é o centro de toda a economia da salvação, diz respeito à salvação tanto dos gentios como dos judeus nos bens da salvação (Rm 16,25), ele é cabeça de todos os seres tanto dos anjos quanto dos homens. Concretamente o mistério é Cristo (Cl 1,26-27; Rm 16,25; 1Tm 3,16).

Na carta aos Hebreus o termo que prevalece para designar a revelação é a palavra, sublinha a continuidade entre as duas alianças e a excelência da Nova, inaugurada pelo Filho; por isso devemos obedecer ao Evangelho mais ainda do que à lei (Hb 2,1).

João usa a linguagem dos ambientes helenistas: Cristo é em pessoa a Verdade, o Logos, a Luz, a Vida. Cristo é o Filho que narra o Pai: "Ele atesta o que viu e ouviu" (Jô 3,32;8,38). O Pai dá testemunho do Filho com as obras de poder que lhe concedeu realizar (Jo 5,36) e com a atração que exerce nas almas, dando-lhes a possibilidade de consentir no testemunho de Cristo (Jo 6,44-45).

Três elementos constituem Cristo como revelador perfeito do Pai: a pré-existência do Logos em Deus (Jo 1,1-12), a descida à carne e à história (Jo 1,14), a intimidade constante de vida com o Pai, tanto antes como depois da encarnação (Jo,1-18).

 

3.3. A Tradição

A Tradição apostólica "transmite integralmente aos sucessores dos apóstolos a palavra de Deus confiada por Cristo Senhor e pelo Espírito Santo aos apóstolos para que, sob a luz do Espírito de verdade, eles por sua pregação fielmente a conservem, exponham e difundam" (DV 9).

Há uma relação profunda entre Sagrada Escritura e Tradição: elas possuem uma fonte comum, isto é, a divina, por isso deve-se a elas o mesma reverência.

 

  • "Lembro-vos, irmãos, o evangelho que vos anunciei, que recebestes, no qual permaneceis firmes, e pelo qual sois salvos, se o guardais como vo-lo anunciei; doutro modo, teríeis acreditado em vão. Transmiti-vos, em primeiro lugar, aquilo que eu mesmo recebi..." (1Cor 15,1-3).
  • "E dado que o sínodo sabe que esta verdade e esta disciplina estão contidas nos livros escritos e nas tradições não escritas - que recolhidas pelos apóstolos da boca do mesmo Cristo e pelos mesmos apóstolos, sob a inspiração do Espírito Santo, transmitidas como de mão em mão chegaram até nós, - seguindo o exemplo dos padres ortodoxos, com igual piedade e mesma reverência, acolhe e venera todos os livros, seja do Antigo como do Novo Testamento: Deus de fato, é autor de um e de outro; e também as tradições mesmas que se referem à fé e aos costumes, visto que ditadas pelo mesmo Cristo oralmente ou pelo Espírito Santo, e conservadas com sucessão contínua na Igreja católica" (Concílio de Trento, sessão IV).

 

Segundo a DV 7 a transmissão do Evangelho se deu por duas vias:

 

  • Oral: "pelos apóstolos, que na pregação oral, por exemplos e instituições, transmitiram aquelas coisas que ou receberam das palavras, da convivência e das obras de Cristo ou aprenderam das sugestões do Espírito Santo".
  • Escrita: "como também por aqueles apóstolos e varões apostólicos que, sob a inspiração do mesmo Espírito Santo, puseram por escrito a mensagem da salvação".

São os livros canônicos de ambos os Testamentos, íntegros em todas as suas partes.

 

Testemunhas da Tradição:

 

  • Os Padres e Doutores da Igreja;

Nas coisas de fé e costumes a autoridade dos Padres é grandíssima (Motu próprio Sacrorum Antistitum, São Pio X).

Especialmente Santo Agostinho (Carta Apostolici verba praecepti - Concílio de Éfeso).

Principalmente São Tomás de Aquino (Enc. Studiorum Ducem -  Pio XI).

Salvando sempre a liberdade de discussão sobre as controvérsias    existentes entre as diversas escolas católicas (idem).

Os textos Sagrados hão de ser interpretados segundo o unânime consentimento dos Padres e o sentir da Igreja (Providentissimus Deus - Leão XIII).

  • A Liturgia e a vida da Igreja;
  • Os Símbolos da fé.

 

 

3.4. O Magistério Eclesiástico

 

  • Jesus Cristo instituiu na Igreja um Magistério vivo, autêntico e juntamente perene, ao qual dotou de sua própria autoridade, o proveu do Espírito da verdade, o confirmou com milagres e quis e severamente mandou que seus ensinamentos fossem recebidos como seus mesmo (Enc. Satis cognitum Leão XIII).
  • O Magistério eclesiástico exerce a função de serviço, ensinando e transmitindo o "depositum fidei" contido na Sagrada Tradição e na Sagrada Escritura. Este é exercido pelos bispos em comunhão com o bispo de Roma. Através da autoridade que recebeu de Cristo mesmo define os dogmas, ou seja, propõe verdades contidas na Revelação divina ou verdades que com esta têm uma conexão necessária, obrigando os fiéis a uma adesão de fé irrevogável (CIC 88).

 

Objeto do Magistério (Collantes, pp. 217-228):

 

  • Primário: Verdades formalmente reveladas de conteúdo salvífico sobre fé e moral, mesmo explícita ou implicitamente contidas no depósito da Revelação. Estas verdades são os dogmas, entendidos em sentido estrito.
  • Secundário Verdades que possuem um vínculo intrínseco e necessário com as verdades reveladas de conteúdo salvífico. Estas verdades são Chamadas de verdades católicas e são de três tipos:

1.     Conclusões teológicas: verdades religiosas deduzidas de duas premissas, uma de razão e outra de fé.

2.     Verdades filosóficas.

3.     Fatos Dogmáticos: em sentido amplo o episcopado de S. Pedro, a legitimidade dos concílios em particular, a validade das definições pontifícias ex cathedra; em sentido estrito, os textos dogmáticos, cuja conformidade ao dogma a Igreja julga.

 

3.5. O senso comum dos fiéis

 

Através da unção que receberam do Espírito Santo todos os fiéis participam da compreensão e da transmissão da verdade revelada, este é o senso sobrenatural da fé "Vós, porém, tendes recebido a unção que cem do Santo, e todos possuís a ciência" (1Jo 20).

 

3.6. A Infalibilidade da Igreja

 

"Que a Igreja, pois, seja infalível quando define uma verdade revelada, é um dogma de fé... Que a Igreja seja infalível quando define uma verdade que é necessária para manter a verdade revelada, não consta que seja dogma de fé, porque não consta que esta atribuição da Igreja esteja incluída na anterior, ou seja, que esteja implicitamente revelada. Porém, pelo menos, é uma conclusão certa e comum entre todos os teólogos católicos" (Collantes, p. 222).

  • "O Romano Pontífice, quando fala ex cathedra... possui aquela infalibilidade com a qual o divino Salvador quis que estivesse dotada a sua Igreja quando definisse algo em matéria de fé e costumes" (Pastor Aeternus - Dz 1839).

III. A CREDIBILIDADE

"Jesus fez ainda, diante de seus discípulos, muitos outros sinais, que não se acham escritos neste livro. Esses, porém, foram escritos para que crerdes que Jesus é o Cristo, o Filho de Deus, e para que, crendo, tenhais a vida em seu nome" (Jo 20,30-31). Essa primeira conclusão do Evangelho de São João indica a nova realidade da vida dos discípulos: aqueles que viriam a acreditar em Cristo devido ao testemunho dos Apóstolos, "embora sem tê-lo visto" (1Pd 1,8).

Tanto os que crêem quanto os que não crêem estão na mente do evangelista João, este apresenta Jesus de Nazaré na sua unidade indissolúvel de palavras e obras e a sua mensagem como momento oportuno para a passagem das trevas à luz: "O Verbo era a luz verdadeira que ilumina todo o homem" (Jo 1,9), "Pois Deus não enviou o seu Filho ao mundo para julgar o mundo, mas para que o mundo seja salvo por ele. Quem nele crê não é julgado; que não crê, já está julgado, porque não creu no Nome do Filho único de Deus. Este é o julgamento: a luz veio ao mundo, mas os homens preferiram as trevas à luz" (Jo 3,17-19).

Compreensão teológica do tema da credibilidade a partir desse texto do Evangelho de João: podemos notar o acento cristológico, Jesus de Nazaré é o revelador do Pai; o evangelista escreve a partir da experiência histórica que transformou sua vida e a dos demais discípulos; a finalidade dessa profissão de fé é igualmente importante pa ra a questão da credibilidade: "para que tenhais a vida em seu nome". Com isso afirmamos que o ato de crer não encontra sua finalidade em si mesmo, a soteriologia é elemento chave para a compreensão neo-testamentária.

A responsabilidade de apresentar a todos as razões da fé, "antes, santificai a Cristo, o Senhor, em vossos corações, estando sempre prontos a dar razão da vossa esperança a todo aquele que vos pede" (1Pd 3,15), é o que motivou ao longo dos séculos vários cristãos e deve nos motivar na compreensão do ato de fé.

Santo Agostinho se reportando a São João demonstra o ato de fé em uma tripla condição: Credere Deo é Deus quem revela, credere Deum acolhe-se o conteúdo de sua revelação, credere in Deum movimento interpessoal, que é dinâmica constante até o pleno atingir escatológico.

São Tomás na Suma Teológica expõe o conteúdo da fé (q. I), o ato (q. II), e a fé como virtude (q. IV). A realidade pessoal é a dimensão primária que tende para uma relação de comunhão.

O Concílio de Trento afirma a necessidade dos conteúdos objetivos da revelação, como primeiro momento para a justificação (DS 1526).

O Vaticano I caracteriza a fé como livre resposta do homem à Deus, depois da intervenção da graça que, que ilumina a inteligência e a dispõe à aceitação do conteúdo revelado: "A Igreja católica professa existir uma virtude sobrenatural mediante a qual, pela graça de Deus que inspira e ajuda, cremos serem verdadeiras as coisas reveladas por Deus, não por causa da verdade intrínseca das coisas, enxergadas com a luz natural da razão, mas por causa da autoridade do próprio Deus que revelador, que não pode enganar-se nem enganar" (DS 3008).

O mesmo concílio também condena o fideísmo e o pietismo (DS 3009-30010; 3031-3036), os sinais da revelação (milagres,profecias e a Igreja em si mesma) passam a ser a forma que permite ao ato de fé corresponder às exigências da razão, podem garantir a credibilidade do que é exposto, por serem conhecidos pela razão, segundo suas próprias leis, são também idôneos para serem cridos e acolhidos mediante um ato da vontade. A Igreja também passa a ser um sinal de credibilidade de si mesma e da mensagem que transmite.

  • "A prova tirada dos milagres de Jesus Cristo, sensível e impressionante para as testemunhas oculares, não perdeu sua força e seu fulgor para as gerações seguintes" (Dz 1624).
  • "Esta fé, mestra da vida, indicadora da salvação, expulsadora de todos os vícios e mãe fecunda e nutridora das virtudes, confirmada pelo nascimento, vida, morte, ressurreição, sabedoria, prodígios, profecias de seu divino autor e consumador Jesus Cristo brilhando (...) pela luz da celeste doutrina e enriquecida pelos tesouros dos dons celestes, clara e insigne sobre tudo pelas pregações de tantos profetas, pelo esplendor de tantos milagres pela constância de tantos mártires, pela glória de tantos santos, conseguidas diante das saudáveis leis de Cristo, e adquirindo forças cada dia maiores mesmo pelas perseguições, invadiu somente com o estandarte de Cristo o orbe universo por terra e mar, desde oriente a ocidente e, desbaratada a falácia dos ídolos, afastada a névoa dos erros e triunfando dos inimigos de toda espécie, iluminou com a luz do conhecimento divino a todos os povos, gentes e nações, por bárbaras que fossem em sua inumanidade, por divididas que estivessem por sua índole, costumes, leis e instruções, e submeteu-os ao suavíssimo jugo do mesmo Cristo, anunciando a todos a paz, anunciando os bens (Enc. Qui Pluribus, Pio IX).

Algumas conquistas do Vaticano II a respeito: retorno ao conteúdo da fé, ou seja, traz a revelação com seu conteúdo objetivo para o centro da reflexão teológica. Segundo a DV 5 a fé é "obediência" do "homem que se entrega a Deus" completamente: "agora, porém, manifestado e, pelos escritos proféticos e por disposição do Deus eterno, dado a conhecer a todos os gentios, para leva-los à obediência da fé" (Rm 16,26).

 

 

IV. A FÉ: A RESPOSTA DO HOMEM A DEUS

"A teologia fundamental será estudada como disciplina introdutória à dogmática e, melhor, como preparação, reflexão e desenvolvimento do ato de fé (o "Creio" do Símbolo), no contexto das exigências da razão e das relações entre a fé, as culturas e as grandes religiões. Mas é também uma dimensão permanente de toda a teologia, que deve responder aos problemas atuais apresentados pelos alunos e pelo ambiente em que eles vivem e no qual amanhã exercerão o seu ministério" (A Formação Teológica dos Futuros Sacerdotes 108).

 

1. O HOMEM É "CAPAZ" DE DEUS

O "ato de fé" não aconteceria se o homem não possuísse a capacidade de conhecer e de amar o seu Criador, como é atestado pela própria Sagrada Escritura: "Deus criou o homem para a incorruptibilidade e o fez imagem de sua própria natureza" (Sb 2,23).

A experiência do pecado dos primeiros pais: "Comeste, então da árvore que te proibi de comer! O homem respondeu: ‘A mulher que puseste junto de mim me deu da árvore, e eu comi! Iahweh Deus disse à mulher: ‘Que fizeste?' E a mulher respondeu: ‘A serpente me seduziu e eu comi'", trouxe como conseqüência a inclinação para o mal e as mais variadas e trágicas formas de sua manifestação entre os homens.

Porém o homem ainda pode reconhecer em si uma superioridade aos demais elementos materiais: sua alma espiritual e imortal, com efeito ele participa da inteligência divina, através de sua inteligência se descobre superior à universalidade das coisas.

Através de sua inteligência e pelo dom  do Espírito Santo  o homem na fé contempla o mistério do plano divino: "Dotou-os de língua, olhos, ouvidos e lhes deu um coração para pensar. Encheu-os de conhecimento e inteligência e mostrou-lhes o bem e o mal. Pôs sua luz nos seus corações, para lhes mostrar a grandeza de suas obras"

  • "É coisa sabida quão grande estima têm a Igreja pela razão humana para demonstrar com certeza a existência de um só Deus pessoal, para provar invencivelmente, pelos sinais divinos, os fundamentos da mesma fé cristã, igualmente para expressar de maneira conveniente a lei que o Criador gravou nas almas dos homens e, finalmente, para alcançar algum conhecimento dos mistérios" (Encíclica Humani Generis, Pio XII, 12 de agosto de 1950).
  • "O raciocínio pode provar com certeza a existência de Deus e a infinitude de suas perfeições. A fé, dom do céu, é posterior à revelação" (Dz 1622).

 

2. NATUREZA E CONTEÚDO

 

Esse conceito de fé como resposta do homem ao Deus que se revela pode ser encontrado na Escritura mesma, no AT crer significa entregar-se a Deus: "Israel viu o grande poder que Iahweh havia mostrado contra eles. E o povo temeu a Iahweh, e creram em Iahweh e em Moisés, seu servo" (Ex 14,31); no NT encontramos essa resposta como "obediência da fé": "agora, porém, manifestado e, pelos escritos proféticos e por disposição do Deus eterno dado a conhecer a todos os gentios, para leva-los à obediência da fé".

"Pela fé o homem submete completamente sua inteligência e sua vontade a Deus. Com todo o seu ser o homem dá seu assentimento a Deus revelador" (DV 5). Trata-se de uma entrega ou resposta integral, ou seja, sem reservas a exemplo de Abraão "Ele creu no Senhor, que lho creditou como justiça" (Gn 15,6) e da Bem Aventurada Virgem Maria "Eu sou a serva do Senhor; faça-se em mim segundo a tua palavra" (Lc 1,38).

Este acolhimento que o homem faz da Revelação divina não significa uma renúncia à busca pessoal da verdade, mas o homem dá assentimento ao pensamento de Deus mesmo, que no novo testamento se manifesta nos sinóticos como anúncio do Reino de Deus e proclamação do amor misericordioso do Pai; nas cartas de São Paulo e nos Atos dos Apóstolos o evangelho da paixão, morte e ressurreição de Jesus, Deus e único salvador de todos os homens; em João é a própria pessoa de Jesus, Verbo feito carne, cheio de graça e de verdade, em quem contemplamos a glória do Pai.

Porém não se trata de uma atividade meramente humana, são fundamentais para a fé os auxílios internos do Espírito Santo e é ele mesmo quem capacita o próprio homem a conhecer sempre mais profundamente a revelação.

 

3. AS CARACTERÍSTICAS DA FÉ

  • A fé é uma virtude sobrenatural: "...pela qual, com a inspiração e ajuda da graça de Deus, acreditamos ser verdadeiro o que por Ele foi revelado, não pela intrínseca verdade das coisas percebidas pela luz da razão, mas pela autoridade do próprio Deus que revela, O qual não pode enganar-se nem enganar-nos" (Conc. Vaticano I, Const. Dogm. Dei Filius, c. 3, Dz 1789).
  • A fé é perfeitamente racional: antes de nos obrigar a crer, Deus prova-nos, por meio do milagre e da profecia, que é Ele que em verdade revelou.
  • Fé divina: a verdade em que se crê foi revelada por Deus.
  • Fé católica: a verdade foi revelada por Deus e definida solenemente pela Igreja.
  • A fé é movida pela graça: a vontade aceita a verdade de fé movida pela graça, pois a fé é uma virtude sobrenatural que ultrapassa amplamente o âmbito das forças meramente naturais do homem.
  • Necessária para a salvação: "sem a fé...é impossível agradar a Deus (Heb 11,6) e chegar ao consórcio dos filhos de Deus; daí que ninguém obteve jamais a justificação sem ela, e ninguém alcançará a salvação eterna, se não perseverar nela até o fim (Mt 10,22; 24,13)" (Vaticano I - Cap.3).

 

 

 

Apêndices:

1.     Teologia fundamental enquanto epistemologia teológica.

2.     Algumas passagens dos documentos Sapientia Christiana e A formação teológica dos futuros sacerdotes, que tratam da fundamental.

3. Exemplos de estrutura de tratados de Apologética e de teologia fundamental (um de apologética e dois de fundamental)

 

 

 

 

Apêndice I -  trechos dos documentos Sapientia Christiana (de e A formação teológica dos futuros sacerdotes, da Sagrada Congregação

 

Exigências do ensino teológico

 

a)     Exigências fundamentais

 

1)    Natureza da teologia

 

18. Em primeiro lugar, é necessário chamar a atenção para a natureza da teologia. Mesmo renovando-se e adaptando-se às exigências dos tempos, a teologia permanece, na continuidade da tradição, fiel a si mesma como ciência da revelação cristã. A fides quaerens intellectum, isto é, a fé que impele a procurar e a desenvolver a própria inteligibilidade, consegue, por meio da teologia,

 

6) A teologia fundamental

107. Todas as matérias teológicas supõe como base do processo racional a teologia fundamental, que tem por objeto de estudo o fato da revelação cristã e a sua transmissão na Igreja, tema estes que estão no centro de toda a problemática sobre as relações entre a razão e a fé.

108. A teologia fundamental será estudada como disciplina introdutória à dogmática e, melhor, como preparação, reflexão e desenvolvimento do ato de fé (o "credo" do símbolo), no contexto das exigências da razão e das relações entre a fé, as culturas e as grandes religiões. Mas é também uma dimensão permanente de toda teologia, que deve responder aos problemas atuais apresentados pelos alunos e pelo ambiente em que eles vivem e no qual amanhã exercerão o ministério.

109. Função essencial da teologia fundamental é a reflexão racional que o teólogo, juntamente com a Igreja, partindo da fé, faz sobre a realidade do cristianismo como obra de Deus que se revelou e se fez presente em Cristo, e da própria Igreja como instituição querida por Cristo para prolongar sua obra no mundo. Ela é pois concebida como uma teologia de diálogo e de fronteira, em que - além do confronto entre fé e razão em termos abstratos - se entra em contato com as religiões históricas (hinduísmo, budismo, islamismo); com as formas reflexas do ateísmo moderno (especialmente de Marx, Freud e Nietzsche); com as formas vividas de indiferença religiosa num mundo secularizado, caracterizado pelo predomínio dos processos tecnológicos e industriais e dos valores econômicos; e finalmente, com as exigências dos próprios crentes que, no mundo de hoje, trazem em si novas dúvidas e dificuldades e põem questões novas à teologia e à catequese.

Para responder às exigências e às experiências que provêm destas categorias de homens, a teologia fundamental procura fixar o sentido que, em tal situação, Cristo, a sua mensagem, a Igreja têm para provocar a adesão de fé como caminho para chegar a Deus.

 

 

 

 

 

Apêndice II - estrutura de um tratado de apologética clássica

 

Introdução ao curso de apologética cristã

1. Deus, sua existência e natureza

1.1. A existência de Deus

1.2. Natureza e atributos de Deus

2. A alma humana: espiritualidade, liberdade imortalidade.

2.1. Espiritualidade da alma humana

2.2. Liberdade da alma humana

2.3. Imortalidade da alma humana

 

 

Curso de apologética cristã

 

Parte I - A religião cristã

Noções gerais e questões preliminares

Noções gerais

Sobre a religião

Sobre a revelação

Fim e divisão deste curso

As três fases históricas da religião revelada

Discussão de três questões preliminares

Função que a razão desempenha em matérias de fé

Meios que produzem a certeza preparatória para a fé

Mistérios da religião

 

Valor histórico da Sagrada Escritura

Considerações gerais

Valor históricos dos Evangelhos

Autenticidade dos Evangelhos

Integridade dos Evangelhos

Veracidade dos Evangelhos

 

Demonstração da divindade da religião cristã

Observação sobre o método desta demonstração

O milagre e a profecia

Natureza do milagre

Possibilidade do milagre

Possibilidade de verificar o milagre

Força demonstrante do milagre

A profecia, sua natureza e qualidade

Dez provas sobre a divindade da missão de Jesus Cristo e da religião cristã, sua obra (os milagres de Jesus; A ressurreição de Jesus Cristo; a realização das profecias sobre a pessoa e missão de Jesus Cristo; Os milagres dos apóstolos e discípulos de Jesus Cristo; Cumprimento das profecias feitas pelo próprio Jesus Cristo; a prodigiosa propagação da religião cristã; o testemunho dos mártires; maravilhosos frutos do cristianismo ou prodigiosa transformação que ele operou no mundo; os ensinamentos de Jesus Cristo; santidade incomparável de Jesus Cristo

Divindade de Jesus Cristo

Resumo das provas obtidas e conclusão da primeira parte

A religião cristã é divina

A religião cristã é obrigatória para todos os homens

 

Parte II - A Igreja Católica romana

Noções preliminares

Assunto e divisão da segunda parte

Noções gerais sobre a Igreja

 

Só a Igreja Romana é a verdadeira Igreja de Jesus Cristo

Sinais distintivos ou notas da verdadeira Igreja

Notas da Igreja em geral

Divisão das notas

Notas positivas: Unidade, santidade, catolicidade da Igreja, apostolicidade

A igreja possui as quatro notas positivas da verdadeira Igreja

O protestantismo não possui as notas da verdadeira Igreja de Jesus Cristo (não tem a unidade; não tem a santidade; não tem a catolicidade, nem a apostolicidade; a regra de fé dos protestantes é contrária à vontade de Jesus Cristo

A Igreja cismática não possui os sinais característicos da verdadeira Igreja (unidade, santidade...)

O primado da sé de Pedro ou o papado

 

Sobre algumas prerrogativas concedidas por Jesus Cristo à sua Igreja

Indefectibilidade da Igreja

Autoridade ou poderes da Igreja (poder de ensinar; poder de administrar os sacramentos; poder de governar)

Infalibilidade da Igreja

A sua natureza e a sua necessidade

 

 

 

 

 

 


Que correspondem na verdade ao esquema proposto pelo professor: 1ª parte: situar o problema no conjunto da fé da Igreja; 2ª parte: desenvolver o tema proposto seguindo uma rigorosa metodologia teológica: testemunhos da Escritura, Tradição e Magistério (teologia positiva), e uma reflexão teológica séria (teologia especulativa).

Eis alguns exemplos de concepções da fundamental: "Por tanto, hoje se poderia definir a teologia fundamental como a função crítica e hermenêutica de toda a teologia"(C. Geffré). "Se nos perguntarmos qual é o polo de atração e o centro de unidade das questões aparentemente heterogêneas que dependem da fundamental, pensamos que esse centro é a Palavra de Deus e a realidade que a ela responde: a fé do homem"(R. Latourelle, 1969). "Se consideramos, em conseqüência, que a teologia fundamental deve consistir naquela atividade teológica (para a qual tão freqüentemente não há lugar em certas teologias) que se dedique a examinar criticamente seus postulados e esteja sempre disposta o pôr em tela de juízo seus próprios pressupostos" (R. Pannikar, 1969)

Encabeçada pelos trabalhos de H. Niebecker, R. Guardini, K. Rahner e D. -M. Dewailly.

cf. DV 2. Comparar com no. .... da Constituição Dei Filius, do Vaticano I.

R. Latourelle, Nova imagem da fundamental, in Problemas e perspectivas da teologia fundamental.

São dignos de menção o II simpósio de teologia fundamental (Gazzada, 6-11 de setembro de 1964), considerado o primeiro ponto de referência para a visão histórica atual; o número 6/1969 de revista Concilium, que apresenta um balanço da disciplina feito por diversos especialistas de fundamental, e o livro "problemas e perspectivas da teologia fundamental", organizado por Latourelle e O'Collings.

Apresentamos no apêndice o trecho desse documento que trata especificamente da fundamental.

Fisichella, R. Revelación, evento y credibilidad. Está também em consonância com outras definições (por outras: Latourelle, Congr.

Extraído do livro: Devivier, Pe. W. Curso de apologetica christã. Exposição raciocinada dos fundamentos da fé.