Missa na memória de S. Josemaria

Basílica de Fátima

26-VI-2012

1. Acabámos de escutar o Evangelho da pesca milagrosa (Lc 5, 1-11), na sequência da pregação de Jesus e do trabalho esforçado dos pescadores. Quando Jesus chegou à margem do lago de Genesaré, os pescadores lavavam as redes e remendavam-nas. Conhecemos os nomes deles: Pedro, André, Tiago, João, ... Tinham passado a noite num trabalho fatigante sem apanharem nada. A experiência de outras vezes dizia-lhes que não deviam parar. Só de madrugada reconheceram que não havia peixe nas imediações. Noutro dia voltariam a tentar. Todos nós apreciamos as pessoas que, como aqueles pescadores, fazem o seu trabalho com perfeição: um bom médico, um bom electricista, uma boa cozinheira. O serviço que eles prestam não tem preço, ficamos-lhes muito gratos.Mas qual o motivo por que eles trabalham tão bem? Dá-nos a impressão de que a maioria pensa no dinheiro. Trabalhando bem, as pessoas voltarão a chamá-los; e, se cobrarem moderadamente, mais pessoas estarão em condições de os chamar. Deste modo, não só ganham mais, como também deixam mais pessoas satisfeitas.

Esta preocupação pelos outros é um motivo nobre para o trabalho. Mas não haverá outra motivação mais elevada? Para alguns, é o cumprimento do dever. Para nós, cristãos, seria fazer a Vontade de Deus. Assim, com esta santificação do trabalho, contribuímos para uma alegria maior, a alegria de quem se aproxima de Deus.

2. Na Missa de hoje, celebramos um Santo dos nossos dias que dedicou a sua vida a ajudar as pessoas a encontrarem Deus no seu trabalho diário, com todas as suas consequências. É S. Josemaria Escrivá, Fundador do Opus Dei. Era sacerdote diocesano, ordenado três anos antes, quando no dia 2 de Outubro de 1928, em Madrid, Deus lhe fez ver o que queria dele. Desde esse momento, intensificou a sua oração e o espírito de sacrifício, assim como o seu trabalho sacerdotal: pregação, confissão, direcção espiritual, atenção dos doentes. Deste modo, ajudando sacerdotalmente as pessoas, levava-as a descobrir Deus nas situações concretas da vida familiar e profissional, para pedirem a Deus ajuda para superar as dificuldades e para oferecerem a Deus o que conseguiam fazer, dedicando-se aos outros na família, no trabalho e, em particular, aos necessitados.Em Outubro próximo terá início o Ano da Fé que o Papa Bento XVI instituiu para celebrar os 50 anos do começo do Concílio Vaticano II (1962). Perante o afastamento cada vez maior, de muitos cristãos, da fé em Cristo e da sua moral, devido ao ambiente de materialismo e de relativismo que nos rodeia, o Santo Padre sente a necessidade de os cristãos conhecerem melhor a Deus, na sua Santíssima Trindade e na sua Encarnação em Cristo, assim como a moral das bem-aventuranças. Por isso, exortou que voltássemos a ler o Catecismo da Igreja Católica e nos ajudássemos com o nosso testemunho.Quando terminou o Concílio Vaticano II (1965), já o Papa Paulo VI sentira a mesma necessidade, perante as confusões doutrinais e morais que se difundiam naquela época na Igreja, instituindo ele em 1967 o Ano da Fé. S. Josemaria, que há muitíssimos anos vivia em Roma, sofria com essa situação e decidiu colaborar com o seu testemunho de sacerdote. Em 1970 iniciou uma série de viagens, fazendo uma grande catequese, que o levou pela Europa até à América do Sul, e terminou pouco antes do seu falecimento, em 26 de Junho de 1975.Em 1972 veio a Portugal e passou por Fátima, como fazia sempre que vinha ao nosso país, pois tinha muita devoção a Nossa Senhora e queria rezar nos locais onde ela era venerada. Quando chegou aqui, foi fazer a visita a Jesus Sacramentado na Capela do Lausperene, localizada então na Casa de Nossa Senhora das Dores. Depois dirigiu-se à Capelinha para rezar o Terço, mas como estava a celebrar-se uma Missa e a Basílica também estava ocupada, rezou o Terço na Colunata, diante da primeira estação da Via Sacra, de joelhos, juntamente com as pessoas que iam chegando. Depois pôde entrar na Basílica e a seguir foi rezar diante da venerada Imagem de Nossa Senhora de Fátima, na Capelinha (M. MARTÍNEZ, Josemaría Escrivá - Fundador do Opus Dei, Peregrino de Fátima, DIEL, Lisboa 2002, pp. 104-111).

3. Era a nona vez que vinha a Fátima. Normalmente, vinha ao nosso país para se encontrar com os seus filhos espirituais e continuar a ajudá-los na santificação da sua vida quotidiana. Nalguma ocasião veio expressamente ao Santuário para rezar a Nossa Senhora de Fátima por alguma intenção particular. Assim aconteceu da primeira vez, graças à intervenção da Irmã Lúcia, cujos restos mortais repousam nesta Basílica. Foi em 1945. Mons. Josemaria Escrivá tinha ido à Galiza visitar o Bispo de Tuy, seu velho amigo, e este quis apresentar-lhe a Irmã Lúcia, que então vivia no convento das Doroteias. Quando se encontraram, compreenderam logo que ambos tinham uma missão a cumprir. Lúcia insistiu para que fosse a Fátima. Ante a dificuldade para atravessar a fronteira, ela prontificou-se a arranjar a autorização necessária para poder entrar no nosso país. E assim, acompanhado pelo Bispo de Tuy e mais três pessoas, S. Josemaria esteve com o saudoso Bispo de Leiria, D. José Alves Correia da Silva, com os pais dos videntes e rezou diante da Imagem de Nossa Senhora de Fátima, pedindo pelo futuro trabalho apostólico no nosso país. Mais tarde, quando vinha a Portugal com tempo, como aconteceu em 1972, trazia uma autorização da Santa Sé para poder encontrar-se com a Irmã Lúcia no Carmelo de Coimbra, contando com a sua oração pelo trabalho apostólico do Opus Dei (M. MARTÍNEZ, cit., pp. 73-76).

S. Josemaria Escrivá é o primeiro peregrino de Fátima a ser elevado aos altares; por isso se celebra hoje a sua memória no Santuário. Em 1992, por ocasião da sua beatificação, celebrou-se uma Missa de acção de graças no recinto do Santuário para uma grande peregrinação. Entre os participantes encontrava-se Amália Rodrigues. Ela explicou por que tinha vindo. Por aqueles dias, o então Bispo de Leiria-Fátima, D. Alberto Cosme do Amaral, dera uma entrevista sobre S. Josemaria. D. Alberto convivera muito de perto com o Fundador e assimilara o espírito do Opus Dei na sua vida sacerdotal. Nessa entrevista, para mostrar a humanidade de S. Josemaria, contou que, numa ocasião em que o visitara em Roma, Mons. Escrivá quis ter uma amabilidade com ele e pediu que pusessem a tocar um disco de Amália. Enquanto escutavam, comentou que a cantora tinha uma voz maravilhosa e que rezava por ela. Uma pessoa próxima de Amália soube da entrevista e disse-lhe que tinha no Céu um santo que rezava por ela. Por isso, Amália quis vir encontrar-se com D. Alberto para escutar pessoalmente a sua recordação. Nesta Basílica, como sabem, encontram-se os restos mortais dos dois Bispos de Leiria referidos; os de Amália estão no Panteão Nacional.

4. Voltando aos pescadores do lago de Genesaré, vemos que o trabalho bem feito é a base da nossa santificação, é a colaboração na obra criadora de Deus, que faz tudo muito bem (Gen 1, 31). Se Jesus se mete na vida deles é para dar novo sentido à sua tarefa. Orienta o próprio trabalho humano tal como Deus o quer, suscitando neles a fé. Depois de uma hesitação bem natural, Pedro rende-se a Jesus: "Porque tu o dizes, lançarei as redes" (Lc 5, 5). Não só aumentou a sua confiança em Jesus, como viu que valeu a pena mesmo humanamente. Também um de nós pode ser tentado a dar a primazia ao seu trabalho por lhe parecer urgente, ou indispensável para ganhar mais dinheiro ou mais honras, ainda que com o risco de faltar à Missa do domingo. Pedimos a Jesus que, nessa ocasião, se meta na nossa vida, nos chame para ele, dispondo-nos a ir à Missa logo de manhãzinha ou até na véspera.Aqui em Fátima, Nossa Senhora veio pedir aos pastorinhos e a todos nós que sigamos ao seu Filho Jesus, rezando e oferecendo sacrifícios pela conversão dos pecadores, os que se afastaram de Deus. Peçamos a S. Josemaria, que recorria tanto a Nossa Senhora, que saibamos corresponder àquela petição através do nosso trabalho de cada dia, mais bem feito, pensando nos outros e querendo agradar sobretudo a Deus. Ámen.

Pe. Miguel Falcão