A França tornou-se nos séculos XVII e XVIII o principal ponto de referência     dos acontecimentos da História da Igreja. Além da questão jansenista, tomou grande vulto a questão do Galicanismo: uma Igreja nacional francesa.

O absolutismo dos reis da França começou a se firmar com Filipe IV, o Belo, que reinou na Idade Média entre 1285 e 1314. Fortaleceu-se depois com o exílio do Papado em Avinhão e com o grande cisma do Ocidente. Cristalizou-se com Carlos VII e chegou ao auge com Luís XIV ( 1643-1715), o Rei-Sol que afirmava: "O Estado sou eu". Este monarca era católico e pretendia dominar todas as coisas, até mesmo a Igreja. Chegou a infligir humilhações ao Papado durante seu reinado.

Aconteceu que em 1680 as religiosas de São Pedro Fourier estavam para eleger legitimamente sua superiora, quando Luís XIV  quis impor-lhes uma superiora de outra ordem. Estas Apelaram para o Papa Inocêncio XI que mandou que procedessem a eleição através de uma Bula. Esta Bula foi rejeitada pelo parlamento francês e o rei resolveu convocar uma assembléia geral do clero francês, que se reuniu em Paris entre 1681 e l682. Nesta assembléia alguns prelados do rei se mostraram irritados com a intromissão do pontífice  na Igreja da França. Eles alegavam que essa intromissão era contrária a uma "Concordata" firmada com a França pelo Papa Leão X, em l516. Por isso o Bispo Jacques Bossuet (1627-1704), encarregado pela assembléia,  redigiu quatro artigos que definiam os limites do poder papal na França. Todos os presentes aprovaram os artigos que ficaram conhecidos como a "Declaração do Clero Galicano". Essa declaração  tomou o vigor de lei e afirmava o seguinte:

l) O Papa recebeu de Deus um poder meramente espiritual. Os reis, em questões temporais não estão sujeitos, nem direta e nem indiretamente a alguma autoridade eclesiástica. Por isso não podem ser depostos por estes e nem seus súditos serem desobrigados do juramento de fidelidade.

2) Os decretos do Concílio de Constança que estabeleceram a supremacia do Concílio sobre o papa, tem vigor de lei perene.

3) O exercício da autoridade papal é regrado pelos cânones da Igreja Universal, pelos princípios e os usos que, desde época remota, se observam na Igreja Galicana.

4) Em decisões de fé o papa tem voz preponderante, mas só irreformável depois de obter o consentimento da Igreja inteira.

O Bispo Jacques-Bénigne Bossuet, que redigira estes artigos, era de fato um homem zeloso e grande orador sacro, promotor da união entre católicos e protestantes. Todavia tinha um profunda admiração pelo poder absoluto de Luís XIV. Chegava a afirmar:

"Todo poder reside inteiramente na pessoa do rei, não podendo existir outra autoridade além da sua. Um poder tão grande não emana dos homens, mas sim de Deus, que estabeleceu os reis para governar o mundo  em seu Nome, os quais a mais ninguém senão a Ele devem prestar contas dos seus atos. Os súditos devem ao rei obediência e respeito. Toda desobediência é grave falta cometida contra ele".

Ao tomar conhecimento dos artigos galicanos o Papa Inocêncio XI protestou mas não impôs aos franceses nenhuma censura eclesiástica para evitar a iminente ruptura de relações. Aliás, o próprio Rei Luís XIV não queria separar-se da Igreja Católica, porque sabia que no fundo isso tiraria muito de seu prestígio. Também as suas convicções religiosas eram tão firmes e por isso não lhe permitiam ir tão longe em seu absolutismo. Pouco depois o Papa Inocêncio XI se recusou a confirmar dois candidatos a bispo que haviam participado da assembléia e que o rei havia lhe apresentado. Luís XIV declarou que aquilo era uma violação da "Concordata" e proibiu os bispos que o papa nomeava de irem a Roma buscar sua Bula de confirmação. A conseqüência desse litígio é que durante seis anos os titulares de trinta dioceses francesas não receberam a ordenação episcopal. Ainda que o rei nomeasse os bispos, somente o papa podia autorizar a ordenação episcopal desses candidatos.

A situação só foi suavizada com o sucessor de Luís XIV, o Rei Luís XV, que tomou a defesa da Igreja na questão do Jansenismo. Contudo a idéia de uma Igreja Nacional na França não foi abandonada e voltaria com força total na Revolução Francesa, no final do século XVIII.

Vale ainda lembrar que o Jansenismo, suscitando uma atitude de indiferença frieza nos cristãos, criava um clima favorável ao Galicanismo, da mesma forma que o Galicanismo favorecia o Jansenismo pois ambos lutavam contra Roma.