A Revolução Francesa foi um acontecimento que marcou toda uma época. Ela foi o desfecho da desagregação que solapava a Igreja e a sociedade da época. Em particular é o termo final do Movimento Racionalista que desde 1750 se propagava na França sob a orientação de Voltaire, Diderot, D'Alembert, Montesquieu e Russeau.

A Revolução Francesa foi provocada também pelas graves desordens sociais que afetavam o país. A corte real vivia em luxo extremo, a nobreza era uma classe privilegiada, que participava dos prazeres e festas do palácio real. O clero, sobretudo os prelados, também formava uma classe privilegiada. O povo, porém, sofria na miséria acabrunhado por pesados impostos dos quais as outras classes eram isentas. A necessidade de reformas era inevitável.

Tudo começou quando, em 1789 o Rei Luís XVI  convocou os Estados Gerais que era uma Assembléia formada por representantes da nobreza, do clero e da burguesia para tomarem algumas medidas que salvassem a França da bancarrota que as guerras a tinham lançado. Estes, uma vez reunidos, se declararam uma Assembléia Constituinte e começaram a legislar. Essa  Assembléia decidiu permanecer reunida até que pudesse dar à França uma constituição. Alarmado com o curso dos acontecimentos, o Rei Luís XVI destituiu seu ministro Necker, um dos principais responsáveis pelas idéias reformistas. O povo de Paris viu neste fato uma ameaça para todas as suas esperanças de reformas e se insurgiu. No dia 14 de julho de 1789 a multidão tomou de assalto a Bastilha libertando todos os presos que ali estavam.

Entre os reformistas estavam os que defendiam a transformação da França numa monarquia constitucional (a exemplo da Inglaterra) e até os mais radicais que defendiam a proclamação da república. A princípio Mirabeau pôs-se à frente do governo e tentou transformar a França numa monarquia constitucional mas os radicais apregoavam o fim da monarquia no país.

A Igreja começou a padecer com a Revolução. No dia 13 de fevereiro de 1790 foram supressas todas as Ordens e Congregações Religiosas exceto aquelas que se dedicavam aos enfermos, à educação e à ciência. No dia 12 de julho de 1790 foi desferido um outro golpe, mais forte ainda, sobre a Igreja, a saber: a Constituição Civil do Clero que prescrevia, entre outras coisas:

a)   Que as sedes episcopais e paroquiais seriam preenchidas por eleição, sendo eleitores as mesmas pessoas que elegeriam os representantes civis, qualquer que fosse a respectiva religião.

b) O bispo eleito seria confirmado pelo Metropolita ou pelo mais antigo bispo da província e não pelo papa. Os párocos seriam confirmados pelo respectivo bispo.

Todos os clérigos foram obrigados a jurar obediência a essa nova Constituição. Houve, porém, atitudes opostas e uma terça parte do clero (cerca de 25 a 30 mil eclesiásticos) prestou o juramento, tendo à frente o bispo Talleyrand e cem deputados eclesiásticos. A outra parte do clero e todos os demais bispos (exceto cinco) recusaram o juramento, permanecendo fiéis à Igreja e ao papa, tendo o povo a seu favor. Assim a Igreja ficou dividida na França: os que juraram obediência à nova Constituição foram chamados de "Juramentados" enquanto os que se recusaram a fazê-lo, mantendo-se fiéis à Igreja, de "Refratários". Os fiéis desertavam as igrejas do juramentados e procuravam o clero refratário.

No dia 13 de abril de 1791 o Papa Pio VI condenou oficialmente a Constituição Civil do Clero e declarou suspensos todos os clérigos juramentados, caso estes não se retratassem dentro de um prazo de quarenta dias. E ainda declarou inválidas as eleições eclesiásticas que obedecessem às normas civis. Muitos dos clérigos juramentados recuaram e se retrataram no prazo dado por Pio VI.

Conta-se que Expilly, vigário nomeado bispo por Talleyrand, ofereceu ao seu coadjutor a paróquia de São Martinho de Morlaix; Ao coadjutor, que era refratário, tendo recusado a oferta, Expilly lhe perguntou: "Como você fará para viver ?" Este então respondeu-lhe ? "Sr Reitor, como fará V.S. para morrer ?"

A Assembléia Constituinte, tendo terminado sua missão, deu lugar à uma Assembléia Legislativa, composta de deputados extremistas, com menos de trinta anos de idade em sua maioria, entre os quais havia dezessete sacerdotes constitucionais (juramentados).

 

Diante da situação cada vez mais crítica o Rei Luís XVI decidiu abandonar o país e fugir para um lugar seguro com sua família. Não teve sorte. Perto da fronteira com a Áustria foi aprisionado e levado de volta a Paris debaixo dos apupos populares e mantido em prisão domiciliar com a família.

A situação interna se agravava. Os clérigos refratários foram encarcerados e deportados e as restantes da Congregações Religiosas foram fechadas. Em setembro de 1792 deu-se um terrível massacre nas prisões de Paris. 191 dos assassinados seriam beatificados, mais tarde, como mártires em 1926.

A Assembléia Legislativa deu lugar a um Governo chamado Convenção Nacional tendo à frente Robespierre, Danton e Marat. Estes tornaram-se chefes supremos da nação e implantaram o regime do terror. Usando a guilhotina como meio de execução, Robespierre  eliminou os chamados inimigos da revolução. No início de 1793 o Rei Luís XVI, acusado de traição, é executado na guilhotina. Dois meses depois foi a vez de sua esposa, a Rainha Maria Antonieta, ser executada. O governo da Convenção se agasta também contra a Igreja porque o Papa Pio VI teve a "ousadia" de celebrar as exéquias do rei. Uma nova perseguição à Igreja acontece: dois bispos e 216 membros do clero são executados na guilhotina enquanto muitos sacerdotes e religiosos são forçados a pôr-se a salvo com sua fuga para além das fronteiras.

A Revolução assanha-se furiosa contra a Igreja! O Governo da Convenção Nacional introduziu o divórcio em toda a França e instituiu o casamento civil obrigatório. Para cancelar o passado cristão, foi criado o Calendário Republicano que compreendia doze meses de trinta dias, divididos em três décadas. No fim dos anos ordinários se acrescentaria cinco dias suplementares. No fim dos bissextos, haveria seis dias a mais. No dia 7 de novembro de 1793, o Cristianismo foi oficialmente  renegado e, em  seu lugar, foi  aclamada a religião da Razão e da Natureza. A Catedral Notre Dame de Paris foi transformada em templo da Deusa Razão que sob a forma de uma mulher frivolamente vestida, recebeu honras divinas em seu novo santuário. A deusa foi colocada no altar mor do templo; cantaram-lhe hinos apropriados, enquanto os deputados e o povo dançavam. Houve profanações abomináveis nessa e em muitas outras igrejas da França. Os sinos foram transformados em canhões, a prataria dos templos fundida em moedas e as relíquias foram queimadas ou atiradas ao vento.

O clero deixou de ter existência legal e muitos presbíteros, após muitos maus tratos, foram deportados para a Ilha do Diabo, na Guiana, ou para a África. Outros que conseguiram escapar ao controle do governo, celebravam o culto sagrado à escondidas

A situação estava tensa demais para que se pudesse conservar por muito tempo. Por isso, Robespierre, e seus partidários resolveram atenuar as coisas para aliviar a tensão. O ateísmo foi repelido como algo de aristocrático, a Convenção votou a crença num Ente Supremo e na imortalidade da alma. Foi novamente permitida a abertura das igrejas, os sacerdotes refratários receberam ordens para celebrar a missa desde que jurassem obedecer à República e suas leis, entre as quais já não constava mais a Constituição Civil do Clero.

Em 1795 o Governo da Convenção Nacional caiu. Terminava o regime de terror de Robespierre. Implantou-se uma constituição revisada e a direção do país passou às mãos de um pequeno grupo de cinco pessoas chamado de Diretório. Este governo, que durou de 4 de novembro de 1795 a 9 de novembro de 1799, pouco diferia do anterior pois as prisões, deportações e execuções continuaram. O próprio Robespierre foi executado na guilhotina que tanto serviço lhe prestara antes, ao eliminar seus inimigos.

O Governo do Diretório continuou a agir com rigor contra os inimigos da Revolução e de forma impiedosa contra a Igreja. Nove mil sacerdotes são exilados ou encarcerados sendo que trezentos deles foram mandados para a ilha do Diabo, na Guiana, a colônia francesa da América "da qual não se voltava mais" de tão mortífero que é o clima e horríveis as doenças.

A situação interna na França não era das melhores pois a Áustria e a Prússia haviam conseguido algumas vitórias nas guerras contra esta e a população estava desiludida com os rumos da Revolução especialmente pela forma como o Diretório governava o país. Multidões reacionárias  reuniram-se em Paris e aos gritos de "viva o rei" começavam a pedir a volta da monarquia. Foi aí que surgiu a figura de um militar jovem e ousado chamado Napoleão Bonaparte. O governo do Diretório confiou a Napoleão a tarefa de submeter os descontentes e esvaziar as ruas de Paris. Num típico exemplo de artilheiro, Napoleão limpou as ruas de Paris com breves descargas de canhões. Depois, colocando-se a serviço da Revolução, tornou-se general do exército francês e comandou a campanha na Itália. O Estado Pontifício é ocupado pelas tropas francesas comandadas por Napoleão Bonaparte. O Papa Pio VI teve que renunciar a alguns territórios, assim como a alguns manuscritos e obras de arte e ainda foi obrigado a pagar  35 milhões de francos. Tropas francesas foram mantidas ocupando Roma.

A ocupação francesa em Roma provocou insatisfação na população local e houve tumultos. Um oficial  francês foi  assassinado num  desses confrontos e como conseqüência  o  Diretório usou esse pretexto para  ordenar ao General Berthier que ocupasse a Cidade Eterna. As cenas de libertinagem ocorridas em Paris repetiram-se também em Roma: Na entrada da ponte de Santo Ângelo foi colocada a estátua da liberdade calcando aos pés as insígnias papais. Além disse, despojaram-se as igrejas, capelas e conventos.

Os franceses depois de ocuparem Roma depuseram o Papa Pio VI do poder temporal e proclamaram a "República Romana". Um comissário francês se apresentou ao Pontífice  pedindo-lhe que abdicasse e apresentando-lhe o distintivo da Revolução pediu que este o colocasse sobre a túnica papal. Pio VI manteve-se firme e respondeu-lhe: "Fui eleito papa e morrerei como papa. Vós podeis causar tribulações a um velho de 83 anos, mas não por muito tempo: estou em suas mãos; vós tendes somente o corpo mas não o meu espírito".

Diante disso os franceses prenderam-no e o levaram escoltado até Sena, onde foi deixado preso no convento dos agostinianos com uma guarnição francesa. Esta foi apenas a primeira fase do triste exílio pois três meses depois um terremoto pôs abaixo o convento e o papa teve de ser transferido para a cartuxa de Florença. Pouco depois, quando as doenças o debilitavam cada vez mais, foi levado para Parma, para Turim, depois para além dos Alpes onde ficou em Briançon, em Grenoble e finalmente levado para a fortaleza de Valença onde passou seus últimos dias. Pio VI faleceu no dia 29 de agosto de 1799. A Igreja ficava sem papa e também sem ter como escolher seu substituto pois Roma estava ocupada pelos franceses.

Dois meses depois da morte de Pio VI, no dia 9 de novembro de 1799, o Governo do Diretório foi derrubado num golpe de Estado liderado por Napoleão Bonaparte. Este instituiu o regime do Consulado pelo qual a França seria governada por três cônsules e ele, Napoleão, seria o Primeiro-Cônsul. Começava uma nova fase na história da França e também da Igreja pois Napoleão iria trazer graves transtornos para o papado e a Igreja na França.