Quando o Papa Pio VI morreu no dia 29 de agosto de 1799 em Valença, na França, para onde os franceses o tinham deportado, a Igreja se via numa situação tão  crítica como nunca havia antes. Com efeito, a França, "filha primogênita", caíra na incredulidade; a Itália estava invadida e convulsionada; a Alemanha, contaminada pelo Iluminismo; a Bélgica havia sido incorporada à República Francesa; Portugal e Espanha eram governados por ministros hostis à Igreja. Na Inglaterra e nos Países Baixos os católicos eram minorias flutuantes, enquanto a Polônia estava dividida entre as três potências vizinhas (Áustria, Prússia e Rússia). O Catolicismo parecia em agonia! Dizia-se que Pio VI teria sido o último papa. Oradores irônicos faziam a oração fúnebre da Igreja com frases blasfematórias. Como eleger um pontífice num ambiente tão rebelde e agitado?  Os cardeais estavam ou prisioneiros, ou deportados ou dispersos, em liberdade. A situação era caótica e desalentadora!

Diante das circunstâncias, o governo francês estava convencido de que os cardeais não cometeriam a ousadia de reunirem-se em Roma para escolherem um novo Pontífice. Mesmo assim o conclave se reuniu, não na Roma ocupada pelas tropas francesas, mas em Veneza, no Norte da Itália, e no dia 14  de março de 1800 elegeram o Cardeal Barnabé Chiaramonti, um monge beneditino, que tomou o nome de Pio VII. O novo papa era um homem profundamente religioso, ao serviço de Deus e da Igreja e por toda a vida gostaria de ser simplesmente o monge Chiaramonti. Pio VII, juntamente com Napoleão Bonaparte, seriam as duas figuras mais importantes dessa época no cenário europeu e na história da Igreja.

Quanto a Napoleão, não queria ser um ateu, mas um deísta (alguém que segue a religião natural). Quando criança, na Córsega, recebeu da mãe uma educação católica o que o tornou sensível aos valores religiosos. Dessa forma ele ia à missa, mas só por conveniência ou por respeito às tradições. Como quer que seja, enquanto Primeiro-Cônsul da França, Napoleão queria manter um entendimento com a Santa Sé. Sabia que para fortalecer sua posição na França, precisava do apoio dos católicos, que continuavam a ser uma força no país. Quando a religião fora de novo permitida pelos revolucionários da Convenção, o júbilo do povo fora  imenso de modo que a polícia chegava a denunciar em 1798 o "fanatismo" que fizera progressos na sombra.

Os austríacos e napolitanos em guerra com os franceses, penetraram na Itália e os derrotaram. Com isso eles conseguiram expulsar os franceses da maior parte da Itália e libertaram Roma. Isso permitiu que Pio VII, que estava em Veneza desde a sua eleição, retornasse à Cidade Eterna.

Em breve Napoleão fez saber ao papa que queria entrar em negociações. Estas se realizaram, mas com grandes dificuldades por causa das tendências galicanas dos franceses. Finalmente, a Cúria Romana fez concessões e foi assinada uma Concordata em Paris no dia 15 de julho de 1801. Em 17 artigos atribuía grandes poderes ao Estado sobre a Igreja. Essa Concordata dava a Napoleão o direito de nomear todos os novos bispos diocesanos do país enquanto o papa daria apenas a instituição canônica, ou seja, a ordem sagrada. Com isso, todos os bispos deveriam renunciar, inclusive os "juramentados".

No dia 18 de abril de 1802, Napoleão mandou promulgar essa Concordata acrescida de 77 artigos, ditos "orgânicos", impregnados de Galicanismo ainda mais avançado. Ficava determinado que os professores dos Seminários eram obrigados a ensinar os quatro artigos galicanos. Pio VII protestou mas sem êxito. Napoleão os apresentava ao povo francês como fruto de suas conversações com a Santa Sé. Isso, é claro, era evidentemente falso, pois tais artigos exigiam o beneplácito do governo para a publicação, na França, de qualquer decreto do papa ou de Sínodo realizado no estrangeiro. Proibia, ainda, aos bispos de usar outros títulos a não ser os de "cidadão" ou "senhor". Além disso, sínodos e legados papais não poderiam agir na França sem a autorização do Governo.

Quando a Concordata entrou em vigor, 38 dos 81 bispos católicos do grupo dos Refratários (fiéis ao papa) recusaram-se a deixar suas dioceses. Napoleão então exigiu do papa a deposição dos mesmos e que fizesse valer os termos da Concordata. Pio VII então, não teve outra alternativa e, de acordo com os termos da Concordata, teve de depor os bispos. Tal gesto se tornou um acontecimento inédito na história da Igreja! Pela primeira vez bispos eram punidos por permanecerem fiéis ao papa ! Foi então que Pio VII pode perceber o quanto tinha sido nocivo para a Igreja a assinatura da Concordata com Napoleão.

A ambição de Napoleão levou-o a novos conflitos com a Santa Sé. Com efeito, em maio de 1804, Napoleão, através de um plebiscito, foi aclamado Imperador dos franceses. Convidou o Papa Pio VII para ir a Paris a fim de sagrá-lo e coroá-lo. O papa, após hesitar, acabou aceitando o convite  porque espera obter de Napoleão, em troca, a anulação das leis sobre o clero francês. Assim ele parte em direção a Paris depois de haver orado longo tempo sobre o túmulo de São Pedro.

No dia 2 de dezembro de 1804, na Catedral de Notre Dame de Paris, o Papa Pio VII sagrou Napoleão mas no momento da coroação foi o próprio que a colocou sobre a cabeça. Tal procedimento contrariava o cerimonial e era grave afronta ao pontífice ali presente, convidado justamente para a cerimônia da coroação. Este aturou o gesto, esperando obter alguma compensação ou retratação de artigos galicanos. Iludia-se, porém: Napoleão apenas restaurou algumas  Congregações Religiosas como as Irmãs de Caridade, os Lazaristas, entre outras, e aboliu o Calendário Republicano ainda vigente. Pio VII entrou em litígio com o imperador porque como não pode conseguir tudo  que justamente desejava pretende retornar logo a Roma. Napoleão, por seu turno, procurou reter o papa na França a fim de utilizá-lo como seu instrumento. Mas Pio VII, prevendo qualquer artimanha da parte de Napoleão, fora prudente e antes de deixar Roma havia assinado a sua renúncia ao Papado, válida para o caso de não retornar à Cidade Eterna dentro de um ano. Contudo, em 4 de abril de 1805 o Papa Pio VII  regressou a Roma um tanto humilhado pelo tratamento que Napoleão lhe impusera. Ao chegar a Roma, Pio VII cria a Congregação dos Negócios Eclesiásticos Extraordinários, que tratará das questões de política eclesiástica com os diversos governos e que seria dirigida por um Cardeal Secretário de Estado.

É importante registrarmos que nas guerras de conquista de Napoleão, mais da metade da Europa caiu em suas mãos. Com isso, no ano de 1806, desapareceu o Sacro Império Romano-Germânico, que fora criado na Alta Idade Média, com a coroação de Carlos Magno, naquele natal de 800, pelo Papa Leão III.

Novos conflitos surgiram. Napoleão estava em várias campanhas militares enfrentando principalmente  a Inglaterra. O papa que havia se recusado a dissolver o casamento do irmão de Napoleão, Jerônimo Bonaparte, e a reconhecer seu outro irmão como rei de Nápoles, recusou-se a fechar o porto de Civitavecchia à frota inglesa. Diante da recusa do papa Napoleão ordenou a invasão do Estado Pontifício, inclusive a cidade de Roma.  No dia 2 de fevereiro de 1808, Roma foi ocupada pelas tropas francesas comandadas pelo General Miollis. Três meses depois, em 17 de maio, o Estado Pontifício foi incorporado ao Império Francês "para sempre". Napoleão estava convencido de estar agindo corretamente porque, assim fazendo, "revogava" as doações que Pepino, o Breve, fizera ao papa Estêvão II em 754  a fim de constituir o Estado Pontifício".

O Papa Pio VII respondeu lançando a excomunhão em todos os usurpadores desde Napoleão até o último executor das ordens imperiais. O monarca se inquietou com o fato, mas quis se mostrar intrépido: quer a abdicação de Pio VII. O papa recusa e Napoleão ordena a prisão do Pontífice. Na noite de 6 de julho de 1809, tropas francesas comandadas pelo General Radet, tomam de assalto o Palácio do Quirinal e prendem o Papa Pio VII juntamente com o Cardeal Pacca (aquele mesmo que na questão do Febronianismo, exortou os párocos e bispos a permanecerem fiéis ao papa e à Igreja, contra os abusos dos arcebispos alemães). Os Cardeais também foram presos e vinte e seis deles foram levados para a França a fim de serem mais rigorosamente controlados.

Pio VII foi escoltado pelos franceses e levado em direção aos Alpes. Na viagem fizeram uma parada no asilo do Cenísio. Em seguida o Pontífice foi levado para Savona, no Norte da Itália, onde ficou detido.

Uma nova animosidade surgiu quando Napoleão quis se  separar da sua esposa Josefina para se casar novamente com Maria Luísa, da Áustria, alegando nulidade matrimonial por falta da forma canônica e do consentimento devido. Para julgar o caso recorreu aos tribunais franceses que, é claro, lhe deram razão. O caso, porém, era de competência papal exclusiva pois os casos de matrimônios nas famílias reais são exclusivamente da alçada do papa para se evitarem maquinações desonestas. Mesmo assim, na base desse parecer inválido, Napoleão contraiu novas núpcias com Maria Luísa da Áustria, no dia 2 de abril de 1810. Treze dos Cardeais residentes em Paris recusaram-se a comparecer à cerimônia. Diante de tal fato Napoleão os "desencardinalizou", obrigou-os a vestirem-se de negro e a espalharem-se pela França.

Em Savona, o papa continuava detido, sofrendo todo o tipo de vexames da parte do Imperador excomungado. Foi indignamente maltratado, pois lhe tiraram os livros, a pena, a tinta e o anel.

Como haviam muitas dioceses sem bispos na França, visto que o papa não queria aceitar as nomeações de Napoleão, o monarca reuniu em Paris um Concílio Nacional de 104 bispos no ano de 1811, sob a presidência do Cardeal Fesch, tio do Imperador. O Concílio começou por jurar fidelidade ao papa. Foi então dissolvido por ordem do monarca e de novo convocado. Cedeu à pressão e decretou que aos Metropolitas caberia o direito de confirmar os candidatos episcopais caso o papa não o quisesse fazer dentro de seis meses. Pio VII, detido em Savona, acabou aceitando a resolução e publicou-a em seu próprio nome.

Napoleão não se deu por satisfeito com o fato de que o papa não aprovara apenas mas teve a ousadia de usar a sua autoridade para publicar o decreto em seu próprio nome. Declarou então  como nula a Concordata de 1801 e dissolveu o Concílio. Ele tinha em vista fazer outras reivindicações, inclusive a de que dois terços dos cardeais fossem nomeados pelos reis e a de fazer o papa residir na França. Mas ele preferiu aguardar pois entrara em guerra com a Rússia e pretendia proclamar tais reivindicações quando ele retornasse vitorioso da guerra com os russos, como ele esperava.

Entrementes Napoleão mandou que o Pontífice fosse transferido de Savona para o Castelo de Fontainebleau, perto de Paris, em junho de 1812. Ele alegava que os cruzadores ingleses poderiam levar o papa residente no litoral da Itália. Na verdade Napoleão queria entrar em novas negociações com o pontífice. Na viagem para Fontainebleau o papa estava muito cansado e doente e tiveram que fazer novamente uma parada no asilo Cenísio. Lá os religiosos administraram-lhe os sacramentos porque parecia que a vida do Pontífice estava chegando ao fim.

Em sua campanha militar contra a Rússia, Napoleão sofreu uma grande derrota em Moscou. Seu exército foi derrotado sobretudo pelo frio e pela neve e teve de bater em retirada. Voltando da Rússia, Napoleão mais uma vez procura o Pontífice prisioneiro e lhe arranca uma nova Concordata.

Em janeiro de 1813 Napoleão e Pio VII definiram onze artigos preliminares da nova Concordata: o papa renunciaria ao poder temporal e residiria na França ou na Itália com uma renda anual de dois milhões de francos. As nomeações dos bispos seriam feitas pelo imperador. Os Metropolitas lhes dariam validade canônica, sem a intervenção do papa. O imperador tinha ainda outras pretensões que o papa rejeitou. Já concedera muita coisa, porque estava doente e fisicamente muito abatido. Assim, em 13 de fevereiro de 1813, Napoleão publicou esse projeto de Concordata como se fosse algo definitivo. Foi chamada "a Concordata de Fontainebleau". Napoleão mandou que se celebrasse a reconciliação em todas as igrejas da França com um Te Deum solene.

Enquanto isso, restabelecendo-se da doença, Pio VII se apercebe que tinha cedido demais e tomou consciência do grave dano que causaria à Igreja a aplicação da nova Concordata. Também os treze cardeais que haviam sido punidos por Napoleão por não comparecerem ao seu casamento com Maria Luísa da Áustria, aproximaram-se do papa e o apoiaram e fizeram-no ver quão exorbitantes tinham sido as concessões e que não poderiam ser mantidas, principalmente a da renúncia ao Estado Pontifício. Diante disso o Papa Pio VII, inquieto, anulou a Concordata de Fontainebleau e no dia 23 de março de 1813 escreveu uma carta a Napoleão  informado-lhe que retirava as concessões feitas e chamava o imperador para novas negociações. Napoleão irritou-se furiosamente, mas teve que se conter porque a situação política lhe era desfavorável.

Os inimigos de Napoleão se aliaram e agora combatiam a França por todos os lados. Os exércitos franceses foram expulsos da Itália. Os aliados  se apoderaram de quase toda a Itália e também de parte da França. Roma também foi libertada. Dessa forma Napoleão viu-se obrigado a dar liberdade ao papa. No dia 10 de março de 1814 o Papa Pio VII pôs-se à caminho de Roma. Na viagem de volta faz uma parada em Savona, onde esteve prisioneiro, e deposita uma coroa de ouro sobre uma imagem de Nossa Senhora , como gratidão. No dia 24 de maio o papa chega a Roma onde é recebido com júbilo por todos o povo. Mais tarde ele instituiu a festa de Nossa Senhora Auxiliadora a ser celebrada em 24 de maio, dia da sua chegada em Roma.

Enquanto os romanos festejavam o retorno do Pontífice à Cidade Eterna, no Castelo de Fontainebleau, onde o papa havia sofrido tantas humilhações, Napoleão, derrotado, era obrigado a abdicar ao trono francês e a seguir exilado para a ilha de Elba. No ano seguinte, Napoleão conseguiu escapar de Elba e desembarcar na França e marchar em direção a Paris onde reassumiu o governo francês por cem dias.  Nessa  ocasião, o  Papa Pio VII, se transferiu para Gênova, no Norte da Itália, temendo uma invasão de Roma pelos franceses. Contudo, Napoleão lançou-se mais uma vez no combate a seus inimigos. Estes novamente se coligaram  contra ele. Napoleão foi definitivamente derrotado na batalha de Waterloo no dia 18 de junho de 1815. Preso, dessa vez foi exilado para a ilha de Santa Helena, na costa africana, onde passou  últimos anos de sua vida.

Depois da derrota de Napoleão, as nações vencedoras reuniram-se em Viena, na Áustria, em 1815, no famoso "Congresso de Viena" a fim de tomarem decisões e definirem a situação política da Europa após as guerras napoleônicas. Uma dessa resoluções foi a chamada "Santa Aliança", inspirada pelo Czar Alexandre I, da Rússia, que propunha o restabelecimento de todos monarcas em seus tronos, bem como o de todos os Estados de antes das guerras de Napoleão. A Santa Aliança defendia, ainda, a restauração do absolutismo. Com isso, o Congresso de Viena restabeleceu o Estado Pontifício reconhecendo Pio VII como soberano temporal do mesmo. Reconheceu ainda aos Núncios Apostólicos o direito de precedência em relação aos demais embaixadores.

Uma vez livre das pressões napoleônicas, Pio VII aplicou-se à organização do Estado Pontifício, depredado pela guerra e pilhado pelos franceses. Restaurou a Companhia de Jesus em toda a Igreja pois estava convencido de que ela tinha a sua missão a cumprir no século XIX. Pio VII criou ainda a bandeira do Estado Pontifício nas cores amarela e branca e complementada com o brasão da Santa Sé.

Com a França e outros países da Europa as relações da Santa Sé melhoraram. Foram assinadas diversas Concordatas que regeriam as situação da Igreja neste ou naquele país. Estes acordos testemunhavam o prestígio do papa, que de novo era acatado como o centro inabalável do governo da Igreja.

Pio VII morreu em 1823 com 81 anos de idade depois de um pontificado de 23 anos. O seu governo ressentiu-se da falta de energia, que teria sido absolutamente necessária, mas assinalou-se pela grande caridade que teve para com seu adversário, Napoleão Bonaparte. Nos últimos seis anos de vida do monarca exilado em Santa Helena, o papa empenhou-se nobremente em aliviar a sorte do exilado. Além disso hospedou seus familiares, cuidando para que nada lhes faltasse. Dessa forma ele venceu moralmente o herói de seu século, adquirindo grande prestígio junto a seus contemporâneos.

A história desse papa é mais uma vez o testemunho de quanto infeliz foi, para a Igreja, a união com o Estado. Em vez de colaborar com os grandes projetos pastorais do papa, os regimes monárquicos procuraram aproveitar-se da Igreja para realizar seu planos políticos.