Com a morte de Gregório XVI, foi eleito a 16 de junho de 1846 o Cardeal Mastai-Ferreti  que tomou o nome de Pio IX. Este tinha um vivo sentimento nacional e largueza de espírito. Conseguiu ser estimado mesmo nas regiões onde o Estado Pontifício era menos estimado. Por isso o povo italiano regozijou-se com a sua escolha na esperança de ser libertado do domínio austríaco ( a Áustria dominava a Itália Setentrional ) e experimentarem instituições liberais.

Pio IX era um pastor afável, simpático e jovial. Sofria, porém, de  indecisão e hesitação nos momentos mais importantes. Inseguro como era, adotava meias medidas, que a ninguém satisfazia. Era pessoalmente alheio aos recursos da diplomacia e por isso mesmo entregou grande parte da administração do Estado Pontifício ao seu Secretário de Estado, o Cardeal Antonelli, a quem muito obedeceu. Se Pio IX foi muito criticado enquanto Chefe de Estado, ele não merece nenhuma censura como pastor. Com grande energia plena dedicação entregou-se à suas tarefas de guardião da Santa Igreja elevando extraordinariamente o prestígio do papado, durante o mais longo pontificado da história da Igreja  que foi de 1846 a 1878, 32 anos, portanto. Este grande período é assinalado  por quatro grandes façanhas que merecem ser destacadas: A definição do Dogma da Imaculada Conceição em 1854, a publicação do Syllabus que era um compêndio de proposições errôneas da época, em 1864, a convocação do Concílio Vaticano I (1869-1870) e a queda do Estado Pontifício em 1870.

Veremos, a seguir, como foi o Concílio Vaticano I convocado por Pio IX em 1869, e, em seguida, a queda do Estado Pontifício.

 

O  CONCILIO VATICANO I

Após o Concílio de Trento, a tendência aos esfacelamentos dos valores da Idade Média mais e mais se fez sentir. A Revolução Francesa (1789) significou o brado da razão e do nacionalismo sobre a fé. O século XIX foi marcado pelo materialismo e pelo ateísmo fora da Igreja e dentro dela pelos ecos das tendências conciliaristas e do separatismo que solapavam a autoridade papal e a unidade da Igreja. E foram esses dois fatores que induziram o Papa Pio IX , aconselhado por eminentes figuras do episcopado e do laicato católicos, a convocar o Vigésimo Concílio Ecumênico para o Vaticano.

A grande assembléia de 764 padres conciliares se reuniu de 8 de dezembro de 1869 a 20 de outubro de 1870, tendo por objetivo fazer frente ao racionalismo do século XIX, como o Concílio de Trento o fizera com o protestantismo no século XVI.

Infelizmente, este Concílio foi suspenso (porém não encerrado) de uma forma prematura, em 20 de outubro de 1870, por causa da invasão de Roma pelos patriotas italianos que lutavam pela unificação da Itália. Mesmo assim foram promulgadas duas importantes Constituições Dogmáticas.

 

-     Uma foi a Dei Filius, sobre a fé católica que ensina que Deus se revela através da criação como também através de Jesus Cristo. Por conseguinte, pode ser reconhecido tanto pela razão como pela fé, as quais não podem estar em desacordo entre si.

-   A outra, a "Pastor Aeternus", referente à Igreja, definiu o Dogma da infalibilidade do Pontífice

Romano quando fala "ex-cátedra"  sobre os assuntos de fé e moral.

O Concílio Ecumênico Vaticano I trataria também dos bispos e dos demais membros da Igreja se não tivesse sido interrompido abruptamente por causa da guerra e da queda de Roma. Tal tarefa só haveria de ser tratada no século seguinte com o Concílio Ecumênico Vaticano II.

 

A QUEDA DO ESTADO PONTIFÍCIO

Pio IX abriu seu pontificado concedendo anistia aos desordeiros encarcerados no pontificado de Gregório XVI.Com isso mostrava que tencionava seguir uma orientação mais liberal que seus antecessores. Mandou construir estradas de ferros, autorizou a publicação de novos jornais, abrandou a censura política em todo o Estado Pontifício. À cidade de Roma concedeu a estrutura de municipalidade, tendo esta um prefeito a partir de então. Abriu o acesso de seu ministério a vários leigos, criou duas câmaras legislativas, das quais uma seria nomeada pelo papa e a outra seria eleita pelo povo. Ambas estariam subordinadas ao Colégio Cardinalício como a um Senado. A população italiana se regozijou  profundamente com estas medidas, enquanto a Áustria as via com maus olhos e a França as apoiava.

O ano de 1848, o segundo do pontificado de Pio IX, foi marcado por muitas agitações em vários países da Europa. Em abril daquele ano, o Rei Carlos Alberto, do Piemonte-Sardenha, que encabeçava o movimento de unificação da Península Itálica, declarou guerra à Áustria (que apoiava o Estado Pontifício). O Papa Pio IX, diante do conflito, declarou-se neutro pois não ousava contrariar os patriotas italianos e nem magoar a Áustria católica. O papa procedia assim como um pai comum. Todavia a sua atitude de neutralidade provocou a ira dos nacionalistas italianos que furiosos cercaram o palácio do Quirinal, onde residia o pontífice, e o ameaçaram seriamente. Para salvar-se dos revoltados nacionalistas italianos, Pio IX dissimulou-se sob outros trajes e fugiu para Gaeta, no reino de Nápoles, mais ao Sul, em 24 de novembro de 1848. Lá ele se pôs a salvo, sob a proteção do rei Fernando de Bourbon, de Nápoles.

No dia 9 de dezembro de 1849, aproveitando-se da ausência do papa, uma Assembléia Constituinte reunida em Roma proclamou a República. Houve dolorosas profanações  cometidas  pelos  chefes  revolucionários. Um  deles, chamado  Armellini, incensou o povo afirmando ser este o "único soberano e verdadeiro Deus". Mazzini, no dia de Páscoa, sentou-se no trono papal de São Pedro, e mandou celebrar a liturgia. As igrejas foram saqueadas e muitos clérigos maltratados. Os inimigos da Igreja se aproveitavam do abandono de Roma.

Em Gaeta, o Papa Pio IX apelou para as grandes potências da Europa pois em 1815 o Congresso de Viena tinha reconhecido e confirmado as fronteiras do Estado Pontifício. A Áustria, por ambição, e a França, por rivalidade aos italianos, acorreram ao chamado. Após duras lutas, o general francês Oudinot ocupou Roma em julho de 1849, proclamando aí novamente a soberania pontifícia. No ano seguinte, 1850, o Papa Pio IX retornou à sua sede preocupado com o desencadear dos acontecimentos.

Por causa dos últimos acontecimentos o Papa Pio IX e seu Secretário de Estado, o Cardeal Antonelli, rejeitaram a abertura política que haviam iniciado. Por seu lado, austríacos e franceses mantiveram suas tropas na Itália, a fim de evitar novas insurreições. Isto irritou muito o ânimo dos patriotas italianos que se concentravam agora no reino do Piemonte-Sardenha. Cada vez mais desejosos de mudar o estado de coisas afirmavam: "Igreja livre, no Estado livre". Eles proclamavam que o espiritual e o temporal deveriam ser independentes um do outro. Defendiam a idéia de que a "Casa de Savóia" (dinastia do Piemonte-Sardenha) deveria entrar em Roma para assumir o trono de uma Itália unificada enquanto o Papado, uma vez livre das preocupações temporais, teria a sua plena autonomia para realizar a sua missão evangelizadora no mundo. Essa idéias foram assumidas pelo Primeiro-Ministro do Piemonte-Sardenha Camilo Cavour, homem genial mas maquiavélico, que entre 1852 e 1861 dirigiu a política daquele país. Aliás, em seu território houve perseguição à Igreja: os jesuítas, defensores do papa, foram expulsos, muitos mosteiros contemplativos foram fechados e o clero destituído de suas prerrogativas.

Cavour, em seu maquiavelismo, resolveu lutar pela expulsão dos austríacos da Itália mesmo sabendo que estes eram em maior número que as tropas piemontesas. Como estava ciente de que não poderia vencer os austríacos sozinho, recorreu aos franceses que agora tinham de novo um Imperador, Napoleão III. Vale lembrar que em 1848 os franceses e austríacos foram aliados na defesa do Papado. Mas agora a situação na França havia mudado com a ascensão de Napoleão III e este tinha outra posição em relação aos austríacos. Entrando em acordo com esse monarca, Cavour declarou guerra à Áustria. A guerra foi favorável aos piemonteses que expulsaram os austríacos e Cavour saiu vitorioso. Os patriotas italianos se aproveitaram da situação e se apoderaram dos territórios conquistados aos austríacos, inclusive grandes porções do Estado Pontifício, que eles guarneciam. Pio IX protestou francamente mas de nada adiantaram seu protestos.

O Papa Pio IX, destituído de apoio, decidiu agir e criou o exército de "zuavos pontifícios", formado por voluntários em grande parte estrangeiros. Dirigindo-se a eles recomenda: "Vós partis com a finalidade de guardar as fronteiras do Estado Pontifício. Guardai-vos pois de transpô-las.

Este exército improvisado e despreparado, comandado pelo General La Moricière, foi vencido em Castelfidardo   em 18 de setembro de 1860. Depois dessa derrota o Rei Vítor Emanuel II, do Piemonte-Sardenha, ocupou novas províncias do Estado Pontifício e no dia 27 de março de 1861, foi proclamado "rei da Itália" pelos patriotas italianos e estabeleceu sua  capital  em  Florença.

O sonho dos patriotas era uma Itália unificada com sua capital em Roma mas esta ainda era a sede do Estado Pontifício, que resistia como podia à unificação italiana.

 

Enquanto estes acontecimentos se desenrolavam no Norte e no Centro da Itália, no Sul surgia uma nova ameaça: o patriota Giuseppe Garibaldi, inimigo fanático do poder temporal do papa, avançou com seu exército sobre Nápoles e depois de derrubar o rei Fernando de Bourbon, fundou a república napolitana e anunciou que marcharia sobre Roma. Naquele ano de 1861 o Estado Pontifício estava despojado de dois terços de seu território. Aproveitando-se da situação crítica em que se encontrava o Papado, o Primeiro-Ministro Camilo Cavour insistia em ter Roma como a capital da Itália unificada e prometia aos católicos o respeito à autonomia espiritual da Santa Sé e afirmava que o papa, uma vez renunciando ao poder temporal ( o que ainda restava do Estado Pontifício) exerceria a sua ação pastoral com mais liberdade e eficácia e teria contribuído para a pacificação e união de toda a Itália. Mesmo assim o Papa Pio IX resistiu e recusou-se a ceder um polegada de seu território aos italianos. "Não está em nosso poder" era a resposta firme de Pio IX à proposta de Camilo Cavour. O impasse persistiu enquanto a guerra cessou temporariamente.

Nos anos seguintes, após a morte de Camilo Cavour, o Piemonte fez várias propostas ao Papa Pio IX incitando-o a ceder os restante do Estado Pontifício. Mas o Papa Pio IX e o Cardeal Antonelli respondiam firmemente: "Não podemos". Afirmavam que ceder o território da Igreja não estava em poder do papa ou dos cardeais. Ambos apelavam para a Constituição de São Pio V, que Pio IX tivera de jurar quando tomou posse, e que proibia ao papa alienar, direta ou indiretamente, os bens da Igreja. Nem  para indenizações financeiras, nem acordos e nem para garantias internacionais poderiam demover a Santa Sé de seus princípios. Esta resistência de Pio IX e do Cardeal Antonelli deve ser entendida à luz de fatos passados na história do Papado: a independência territorial do Estado Pontifício era condição indispensável para que o papa não ficasse sujeito à influências a ao controle de soberanos estrangeiros como ocorrera na Idade Média onde o exílio de Avinhão, tirando os papas de seu território e colocando-os à mercê de monarcas estrangeiros  redundara no descrédito do Papado. Era por esta razão que  o Estado Pontifício tinha sua independência respeitada. Era uma garantia da neutralidade do Pontífice desde os tempos de Pepino, o Breve, o rei francês que doara o Estado Pontifício ao Papado no século VIII. Era por isso que Pio IX e o Cardeal Antonelli mantinham-se firmes e irredutíveis.

Diante da recusa papal os italianos passaram novamente à ação e a guerra pela unificação recomeçou. O reino da Itália não poderia ficar dividido ao meio por causa do estado Pontifício. Mais uma vez o exército de voluntários do Estado Pontifício entrou em ação para defender o território da Igreja. Os italianos atacaram novamente e a conquista do que ainda restava do Estado Pontifício parecia iminente.

A Pio IX só restava uma esperança: apelar para as grandes potências da Europa em favor do seu território. Estas, porém, estavam cansadas e desinteressadas do assunto. Foi então que o Imperador Napoleão III, da França, veio em socorro do papa. Um exército comandado pelo General Bazaine, foi enviado a Roma para garantir o papa e o Estado Pontifício. A presença das tropas francesas serviu para conter os italianos. Contudo as operações bélicas continuaram. Os italianos fizeram várias tentativas mas fracassaram diante da tenacidade dos voluntários pontifícios e das tropas francesas.

Em 1867, por instigação secreta do Piemonte, as forças de Garibaldi ao Sul se prepararam para desfechar um ataque fulminante contra Roma. Garibaldi fez então uma incursão sobre Roma com 6 mil homens e por pouco não tomou a cidade. Só não o fez porque as tropas de voluntários papais e o exército francês de Napoleão III o venceram e rechassaram os italianos em 3 de novembro de 1867.

Depois desse derrota os patriotas italianos não atacaram mais e a guerra cessou por algum tempo. Os planos de unificação da Itália foram frustrados momentaneamente e Pio IX conseguiu manter o que ainda restava do seu território contando para isso com o apoio de Napoleão III que manteve suas tropas em Roma, à disposição do papa. Com isso, a Questão Romana ficou estacionária durante três anos, até 1870.

Em 1870, quando se realizava o Concílio Ecumênico Vaticano I, rebentou a guerra franco-prussiana. Os franceses lutavam agora contra os alemães e o Imperador Napoleão III precisou de suas tropas que estavam em Roma, a serviço do papa, para juntarem-se ao exército francês. Como a situação no Estado Pontifício era de aparente calma, julgava que a presença francesa lá era dispensável. A retirada do exército francês de Roma foi fatal para Pio IX. Os italianos se aproveitaram da oportunidade e se lançaram ao ataque. Sem a presença francesa, nenhum obstáculo se opunha agora  à corte de Florença. Em pouco tempo 60 mil soldados piemonteses comandados pelo General Cardona, cercaram Roma. As tropas de voluntários pontifícios, comandados pelo General Kanzler contava com apenas 10 mil homens. No dia 20 de setembro de 1870 iniciam o bombardeio da Cidade Eterna. A defesa da cidade era impossível e por isso o Papa Pio IX ordena a rendição. Os italianos entraram na Cidade Eterna diante dos protestos do Papa Pio IX e do Cardeal Antonelli. Caía o Estado Pontifício e juntamente com ele o poder temporal do papa. Note-se que poucos meses antes, em junho, o Concílio Vaticano I definira o primado do magistério e jurisdição do Romano Pontífice, reconhecendo-se o papel capital do papa no plano espiritual. Parecia uma antevisão das coisas que estavam por vir. Os desígnios da  Providência Divina são imperscrutáveis.

Os protestos do Papa Pio IX e do Cardeal Antonelli de nada serviram. Os italianos conseguiram a unificação da Península e Roma se tornou a capital do reino da Itália. O Papa Pio IX retirou-se para o Vaticano, em sinal de protesto, e de lá recusou-se a sair considerando-se prisioneiro. Em junho de 1871, o Rei Vítor Emanuel II fez a sua entrada solene no Palácio do Quirinal, antiga residência dos pontífices, tornando-a agora a residência do rei da Itália. Pio IX lançou, então, a excomunhão no Rei Vítor Emanuel II, por causa da usurpação consumada.

Para dar um aspecto de legalidade aos acontecimentos,  rei mandou realizar um plebiscito em Roma que lhe deu razão por 40 mil votos contra apenas 46. Depois mandou publicar a "leis de garantias"  que declarava inviolável a pessoa do papa e lhe reconhecia as honras de soberano (mesmo sem terras) e lhe concedia os palácios do Vaticano, do Latrão ,e de Castelgandolfo. O papa teria ainda uma renda anual de 3.224,000 liras. O rei ainda se empenhava em garantir a livre administração pontifícia, inclusive a realização de futuros conclaves e Concílios Ecumênicos.

O Papa Pio IX rejeitou as "leis de garantias" assim como a renda anual pois a aceitação significava reconhecer a usurpação. Ele confiava na solidariedade dos fiéis que para o futuro, como até então, supriria as necessidades do erário pontifício. O governo italiano, sob a  influência da maçonaria, se mostrou hostil para com os sacerdotes e a religião até o início do século XX, quando estourou a Primeira Guerra mundial em 1914. Desde 1870, com Pio IX, todos os papas seguintes se consideraram prisioneiros no Vaticano, mantendo a atitude de protesto ante o governo italiano.

A perda do poder temporal teve o mérito de emancipar o Papado das solicitudes e solicitações dilaceradoras da administração de um Estado. Acabou também com os constantes envolvimentos políticos a que os papas estiveram sujeitos ao longo da história por causa do poder temporal. Dessa forma, o Pontífice ficaria mais livre para cuidar da sua missão espiritual. Hoje nós sabemos que a Igreja, diante das modernas estruturas sociais e políticas, ficaria estorvada pelo poder temporal, porque sabemos que ela está acima de qualquer fronteira política e é mãe de todos os povos, sejam eles de qualquer nacionalidade. Mas é preciso também compreendermos as dificuldades do Papa Pio IX e do seu tempo pois em 1870 este pensamento não estava ainda claro.

Pio IX depois da "Questão Romana" viveu retirado no Vaticano até o fim do seu pontificado. Em 1877 celebrou seu 50 anos de ordenação episcopal com grande júbilo. O Pontífice, já bastante idoso, despojado do poder temporal, recebeu inúmeras homenagens dos peregrinos de todo o mundo que vieram a Roma. Estes lhe levaram dons naturais e dinheiro no valor de 7 milhões de francos. Os fiéis do mundo inteiro o amavam sinceramente e o consideravam como "o mártir" e também "a cruz da cruz". E antes que o Rei Vítor Emanuel II morresse em 9 de janeiro de1878, Pio IX suspendeu a sua excomunhão, permitindo que o rei recebesse os últimos sacramentos. Um mês depois, em fevereiro de 1878, o Papa Pio IX faleceu em Roma deixando para trás um rastro luminoso de luta em defesa da fé que talvez poucos tenham sabido admirar.