Depois da morte do Papa Leão XIII, o conclave se reuniu para a escolha do novo Pontífice. As probabilidades de eleição recaíam sobre o Cardeal Rampolla, austríaco de nascimento e Secretário de Estado de Leão XIII. Foi então que a Igreja se viu mais uma vez vítimas das Concordatas que assinara com as potências européias no século XIX: o governo de Viena, valendo-se de uma Concordata assinada com a Santa Sé, se opôs à eleição do Cardeal Rampolla através de um veto do Imperador Francisco José I, da Áustria-Hungria ( a Áustria e a Hungria, desde 1867 formavam uma única nação, a Áustria-Hungria também chamada de Império Austro-Húngaro, sob o mesmo imperador, Francisco José I ).

Os Cardeais então se voltaram para a figura de um pastor muito estimado pelo seu povo e bastante alheio à diplomacia. Era o Cardeal José Sarto que tomou o nome de Pio X. Ao assumir seu pontificado anunciou logo o seu lema: "Restaurar em Cristo todas as coisas". Propunha a si mesmo três tarefas importantes:

 

l)  Conservar em estado puro a doutrina da fé, preservando-a de qualquer contaminação.

 

2) Estimular a Ação Social dos católicos, continuando a obra de Leão XIII.

 

3) Intensificar e reorganizar a espiritualidade e a pastoral da Igreja. Na política interna seria um  firme defensor dos direitos de Deus e da Igreja.

 

Logo no início de seu pontificado, publicou normas referentes a eleição de um pontífice. Isso era para evitar que se repetisse atitudes abusivas como a que assumira o governo austríaco anteriormente. Deu início, também, ao trabalho de codificação do Direito da Igreja, cujas leis se achavam dispersas em algumas coletâneas e que precisavam ser compiladas de maneira orgânica e sistemática em um só documento. Para tal fim foi nomeada uma comissão em 1904, residida pelo  Monsenhor Pedro Gasparri. Esta comissão trabalhou intensamente na elaboração de tal código mas só pode completá-la  no pontificado seguinte.

 

Foi muito importante a ação do Papa Pio X nos setores da liturgia e da piedade. Até a época do seu pontificado ainda perduravam entre os fiéis os resquícios do Jansenismo e do Galicanismo que os afastavam dos sacramentos e dificultavam o "sentir com a Igreja". Consciente disto, Pio X empreendeu a reforma do Missal e da Liturgia das Horas Canônicas (o Breviário) impregnando estes livros do espírito de "volta às fontes"  inserindo neles muito da Sagrada Escritura, dos Escritos dos Santos Padres da Igreja e documentos da Sagrada Tradição. Devido aos resquícios do Jansenismo os fiéis pouco comungavam. Pio X incentivou a comunhão freqüente  ou mesmo cotidiana. Determinou ainda que a Primeira Comunhão fosse ministrada às crianças desde que estas tivessem o uso da razão. Estas medidas públicas e numerosas cartas particulares deste papa atestam quanto estimava a vida espiritual e a procura dos meios de santificação. Por causa do seu incentivo à comunhão frequente ficou conhecido como "o Papa da Eucaristia".

No setor doutrinário o Papa Pio X teve que enfrentar o "Modernismo", que reinterpretava toda a mensagem da fé, dando a seus clássicos vocábulos sentido totalmente novo. As fórmulas dogmáticas seriam meros e mutáveis símbolos da verdade religiosa, que, como tal não poderia ser conhecida. Pio X  refutando tais erros publicou, em 1907, a Encíclica "Pascendi Dominici Gregis"  que condenava o Modernismo e caracterizava claramente as exigências da autêntica fé católica.

Com relação à Questão Romana, Pio X manteve a firme postura dos seus antecessores e desde que fora eleito retirou-se no Vaticano, considerando-se prisioneiro no mesmo, em sinal de protesto ante o governo italiano. Todavia permitiu que os católicos tomassem parte nas eleições italianas suspendendo um veto emanado por Pio IX.

PIO X  E A  "BELLE  ÉPOQUE"

 

Pio X era um Pontífice extremamente preocupado com a paz de seu tempo. Foi eleito justamente num dos períodos mais calmos de toda a história humana. Desde a guerra Franco-Prussiana de 1870, nenhum outro conflito de grande proporção havia ocorrido na Europa. Esse período de paz e tranqüilidade, que duraria cerca de quarenta anos, seria chamado de "Belle Époque" ( ou Bela Época ). Nesse tempo que marcou o final do século XIX e o início do século XX, a vida na Europa e no mundo em geral era de uma paz e uma calma impressionante. Salvo uma dificuldade aqui ou ali, vivia-se em paz e prosperidade. Os operários organizavam-se em sindicatos, surgiam os primeiros fundos de aposentadoria, a indústria florescia, a ciência dava seus avanços com a descoberta de novos medicamentos, os primeiros automóveis surgiam disputando as ruas das grandes cidades com as carruagens puxadas por cavalos. Surgiam os primeiros cinemas com filmes mudos frutos da maravilhosa eletricidade. O telégrafo unia o mundo inteiro em poucos instantes fazendo as notícias correrem de forma impressionante. Também o telefone surgia aproximando as pessoas. Era o tempo do progresso a passos rápidos. Havia, também, um clima de boas maneiras e de modos elegantes naquele começo de século. Homens de chapéus e bengalas na mão cediam os seus  lugares nas conduções para mulheres elegantes com seus longos vestidos e chapéus na cabeça, com cumprimentos elegantes e  respeitosos. Ía-se ao teatro, aos espetáculos circences, ao ballet, aos passeios de barcos e também às pracinhas das cidades onde as bandinhas tocavam sem parar. Os adultos conversavam e apreciavam enquanto as crianças corriam e brincavam. Toda essa atmosfera de paz e tranqüilidade  fizeram esse período de paz ser chamado de "Bela Época". O mundo parecia ter chegado à plenitude do bom entendimento. Parecia o paraíso na terra aquele começo de século. Havia mais de 40 anos que nenhuma guerra acontecia, sobretudo na Europa. Salvo uma escaramuça aqui ou ali, a paz era mantida. Eram os anos do progresso, do bem estar, da felicidade e da paz.

Mas o Papa Pio X chamava a atenção para essa paz enganadora do mundo. Isto porque sabia que muitas nações fizeram acordos secretos que poderia colocar em risco toda essa atmosfera de tranqüilidade e a paz mundial. Haviam muitas  rivalidades   que nunca foram esquecidas como a da França em relação à Alemanha devido à derrota  de 1870.  A  Alemanha, que  surgira  como  grande potência no final do século XIX, fizera com a Áustria-Hungria e a Itália uma Tríplice Aliança a fim de se auxiliarem em caso de agressão. Por outro lado, em 1907, a Inglaterra, a França e a Rússia se uniram e formaram a Tríplice Entente, ou Entente Cordiale, com o mesmo propósito. Os chefes de Estado se visitavam em clima cordial mas por trás disso tudo as grandes potências se armavam e agarravam-se a um nacionalismo exagerado. Pio X, com toda  razão alertara para o perigo dessa tranqüilidade se desmoronar devido à política de alianças. Bastava apenas um pequeno incidente para fazer acender o estopim.

 

O mundo prosseguia com sua atmosfera tranqüila quando de repente o incidente aconteceu: no dia 28 de junho de 1914, o Arquiduque Francisco Fernando, herdeiro do trono austro-húngaro, foi assassinado em Saraievo, na Bósnia-Herzegovina, juntamente com a sua esposa, a Condessa Sofia, por um terrorista sérvio. A notícia do atentado correu o mundo como uma bomba. O Governo de Viena reagiu com pesadas  exigências à Sérvia, uma vez que se sabia estar esta nação envolvida no atentado. O Papa Pio X lançou um apelo para que se procurasse solucionar a questão através do diálogo mas a Áustria-Hungria estava disposta a eliminar a Sérvia como fator político nos Bálcãs. A tensão aumentou nos dias e semanas seguintes. Contudo o clima de calma se manteve. A Rússia aliada da Sérvia aconselhou o governo de Belgrado a ceder em tudo o que fosse possível a fim de evitar a guerra mas as pressões de Viena aumentavam a cada dia. A Rússia avisou à Áustria-Hungria que não só estava solidária com a Sérvia como também a ajudaria em caso de agressão. Por sua vez o Kaiser da Alemanha informou à Rússia que qualquer agressão à Áustria-Hungria seria considerada agressão à Alemanha. A França se posicionou ao lado da Rússia caso a Alemanha atacasse, enquanto a Inglaterra exigia que se respeitasse a neutralidade de algumas nações como era o caso da Bélgica. Pio X enviou uma mensagem aos principais governantes europeus apelando ao bom senso e concitando a todos a procurarem os meios diplomáticos a fim de se evitar o conflito. Seus apelos foram em vão. Exatamente um mês depois do atentado de Saraievo, em 28 de julho de 1914, a guerra começava com a Áustria-Hungria invadindo a Sérvia. Começava ali a Primeira Guerra Mundial. Acabava-se também a "Bela Época". Um mundo de paz, de modos elegantes e de boas maneiras desabava. Começava a grande matança.

A guerra, uma vez começada se alastrou rapidamente em poucos dias. Dois dias depois, em 31 de julho, a Rússia decretou a mobilização geral para socorrer a Sérvia. No dia 1 de agosto a Alemanha declarou-lhe guerra e esta respondeu declarando guerra à Alemanha e ao império Austro-Húngaro. No dia seguinte, a 2 de agosto, a França decretou a mobilização geral para socorrer a Rússia e atacar os alemães pelo outro lado. No dia seguinte, 3 de agosto, a Alemanha declarou guerra também à França e para desfechar um ataque de surpresa violou a neutralidade da Bélgica invadindo-a na madrugada de 4 de agosto. A Inglaterra, alegando a violação da neutralidade belga, declarou guerra à Alemanha no mesmo dia 4 de agosto e entrou no conflito ao lado da França e da Rússia, contra a Alemanha e a Áustria-Hungria. Em menos de uma semana a Europa se incendiava numa guerra tão espantosa como nunca houvera antes. O mundo estava "bestificado" com o que estava acontecendo. Tal como alertara tantas vezes o Papa Pio X.

Em Roma, Pio X  vê a catástrofe que se abatera sobre a Europa e que tanto havia alertado. O pensamento da violência e da guerra é demais para o Pontífice. Seu coração, sufocado pela dor de tantas mortes, não resiste e ele morre em 20 de agosto, três semanas após o início do conflito. Mais tarde, em 1950, Pio X, o Papa da Eucaristia e defensor da paz, será beatificado e, em 1955, canonizado santo e elevado à glória dos altares.