Antes de examinarmos definitivamente o texto proposto, vimos a necessidade de elencar pontos que cremos ser importantes para melhor compreensão deste.

Depois de ter sido regenerado na fonte da graça e de se ter tornado filho de Deus, o cristão nunca mais deveria voltar a cair na escravidão e na infelicidade do pecado, mas levar sempre sem mancha a cândida veste que lhe entregou o sacerdote, conservando intacta, até à morte, a inocência batismal.

Sabemos, porém, que isso não acontece! As tentações e ilusões do demônio, a violência das paixões, a fragilidade da natureza decaída levam muitas vezes a melhor: a obra da graça é destruída e nós precipitamos outra vez no abismo do pecado e do mal.

 

Mas Deus, misericordioso, tem compaixão e o sangue de Jesus torna a lavar a nossa alma, curando de novo todas as feridas e todas as chagas e restituindo a vida divina que perdêramos por causa  do pecado.  Essa prodigiosa maravilha de ressurreição espiritual é realizada, por intermédio do sacerdote, no sacramento da Confissão ou Penitência.

 

O Termo - Penitência - pode designar uma dor a detestar os seus propósitos por serem ofensas de Deus, e a tomar o firme propósito de se emendar e satisfazer. Significa também o ato desta virtude, isto é, a dor espiritual do pecado cometido. É o sacramento da Penitência ou da Confissão, designado antigamente pelos termos: Mistérios da reconciliação, Indulgência, Segundo Batismo, Imposição das Mãos etc.

 

"A Penitência ... é necessária por ocasião, à maneira de um remédio, que não entra no funcionamento normal da vida, mas socorre-o em  caso de sofrimento ou deteriorização do organismo.

E como, por desgraça, ora pequeno, a Penitência é também necessária.".

Eis o texto que trata do caso de Incesto, vemos inclusive a menção da carta pré-canônica:

 

"É geral ouvir-se dizer que entre vós  existe luxúria, e luxúria tal que não se encontra nem mesmo entre os pagãos: um entre vós vive com a mulher do seu pai!

E vós estais cheios de orgulho! Nem mesmo vos mergulhamos na tristeza, a fim de que o autor desse mal fosse eliminado do  meio de vós? Quanto a mim, ausente de corpo, mas presente em espírito, já  julguei, como se estivesse presente, aquele que assim procedeu. É preciso que, em nome do Senhor Jesus, estando vós e o meu espírito reunidos em assembléia com o poder de nosso Senhor Jesus, entreguemos tal homem a Satanás à perda da sua carne, a fim de que o espírito seja salvo no dia do Senhor.

Não é digno o vosso motivo de vanglória! Não sabeis que um pouco de fermento leveda toda a massa? Purificai-vos do velho fermento para serdes nova massa, já que sois sem fermento. Pois nossa Páscoa, Cristo foi imolada. Celebremos, portanto a festa, não com velho fermento, nem  com fermento de malícia e perversidade, mas com pães ázimos: na pureza e na verdade.

Eu vos escrevi em minha carta que não tivésseis relações com impudicos. Não me referia, de modo geral, aos impudicos deste mundo ou aos avarentos ou aos ladrões ou aos idólatras, pois então tereis que sair deste mundo. Não; escrevi-vos que não vos associeis com alguém que traga o nome de irmão e, não obstante, seja impudico ou avarento o idólatra ou  injurioso ou beberrão ou ladrão. Com tal homem não deveis nem tomar refeição. Acaso compete a mim julgar os que estão fora?  Não são os de dentro que vós tendes de julgar?  Os de fora Deus julgá-los-á. Afastai do meio de vós".

A carta é por si mesma circunstancial, um diálogo a distância, aponto de reconhecermos nas respostas de Paulo as questões e opiniões destinatários. A finalidade neste ponto é, sem dúvida, remediar as práticas não condizentes com o evangelho que existem nesta jovem comunidade, que vivia numa cidade que era a mais corrompida da época.

A Igreja regia diante do pecado conscientemente, seja de forma preventiva, isto é, a comunidade ressentia uma forte obrigação de assegurar sua impecabilidade, que convinha não só a seus chefes, mas a todos os membros, evitando ocasiões de pecado, aconselhando e exortando, rezando uns pelos outros; seja de forma curativa: a comunidade sentia-se obrigada a expulsar de seu seio o pecador endurecido pela consciência que tinha da santidade da Igreja; com isto evitava a contaminação dos outros membros e buscava a correção do pecador, fazendo-o cair na conta de seu estado.

O que acabamos de dizer é fundamentado justamente por este Texto clássico acima transcrito de 1Cor 5, 1-13, que trata de como devia comportar-se a comunidade no caso do incestuoso de Corinto.  Paulo exige seu afastamento, sua exclusão da comunidade, que não deve ter relações com ele, nem mesmo nas refeições e reforça sua exigência citando o Deuteronômio: "Afastai (= tirai) do meio de vós" . Esta ação rigorosa da comunidade restringe-se a seus membros pecadores, uma vez que estes a atingem com o seu pecado, podendo prejudicá-la seriamente: "Não sabeis que um pouco de fermento (= mau) leveda (pode fazer fermentar = danosamente) toda a massa?" . A exigência de expulsão expressa por Paulo é feita em nome e com o poder do Senhor Jesus ; o pecador deve ser "entregue (= abandonado) a Satanás" a fim de que apareça visivelmente sua escravidão ao demônio, fruto do pecado, e sua exclusão da comunidade dos santos;  "para destruição da carne", isto é, do homem carnal e pecador; "a fim de que o espírito seja salvo", tomando consciência de sua situação possa converter mais facilmente transformando-se em homem espiritual. De fato a entregue a Satanás não é propriamente um ato ativo de entrega, mas um ato de constatação; foi o próprio pecador que, livre e conscientemente, pela sua relação de Deus, entregou-se ao poder do mal. Daí que na verdade a Igreja não exclui, apenas manifesta a auto-exclusão do pecador.  Aqui, logo, temos um modo de agir e inclusive uma exclusão do irmão pecador da comunhão de vida cultural e social da comunidade devida a sentença pronunciada pela comunidade junto com Paulo e tal sentença é proferida no nome e com a autoridade do Senhor Jesus. O sentido e a finalidade desta exclusão é duplo: livrara a comunidade santa do perigo do mau fermento e entregar o culpado a Satanás para sua conversão, uma vez que o poder dado a Paulo por Cristo é para edificação e não para a destruição. Não é fácil a determinação dos critérios que levavam a comunidade primitiva a ver numa ação concreta um pecado grave: a obstinação na falta, o ataque a uma verdade de fé. Aqui neste texto é  exigida um afastamento do pecador com relação à comunidade concreta.  Não é mera  disciplina externa, o pecado  e distanciamento comunitário definem a situação do homem diante de Deus. Portanto se um cristão vem a pecar gravemente ele ofende não somente a deus, mas atinge também a Igreja; enquanto ele era santo por pertencer a uma comunidade de santos, seu pecado não é somente o de um indivíduo isolado, mas o de um membro da comunidade onde Deus está presente e age pelo Espírito. A Igreja primitiva tinha consciência, se não teórica, ao menos existencialmente.

O Sacramento da penitência é uma das provas mais comovedoras e admiráveis do amor e da misericórdia de Deus. Cada vez que um cristão, perdido no caminho do pecado, sente na alma a infelicidade do mal cometido e, sinceramente arrependido, se lança aos pés de um confessor implorando o perdão divino, renova-se a grandiosa cena do Evangelho, do filho pródigo que volta aos braços do pai, e realiza-se um milagre da graça: a ressurreição espiritual de uma alma, que, aos olhos da fé é muito mais importante que a ressurreição de um morto. E, no céu - como no-lo atesta o Divino Mestre - "há mais alegria por um só pecador que se arrepende, do que por noventa e nove justos que não têm necessidade de penitência!" (Lc 15, 7).

 

No texto que acabamos de examinar deve ter esta figuração presente que colocamos no parágrafo anterior, ou seja, devemos uma atualização correta e justa do texto sagrado a nossa realidade pastoral, revalorizando este sacramento que está em crise não deve nos desencorajar, mas que é tão profundo e que deve sempre ser valorizado principalmente nas comunidades dos santos que é a paróquia, de modo particular. O valor educativo da Confissão no terreno sobrenatural é imenso, mas também sob o aspecto meramente natural, ela tem uma importância indiscutível. Com efeito a Penitência nos habitua à reflexão e ao controle de nós mesmos, forma em nossa alma a sensibilidade e delicadeza de consciência, leva-nos a reconhecer e a reparar os nossos erros, acostuma-nos à sinceridade; bem compreendida e praticada, é a mais alta escola da retidão moral e de formação da personalidade e do caráter, ficando sempre em pé, porém, que os motivos principais que nos movem à confissão não devem ser estes benefícios morais ou desabafo psíquico, e sim o arrependimento, o propósito de emenda e o desejo do perdão e da graça de Deus, elementos indispensáveis para que recebamos este precioso sacramento.

 

A disciplina da Igreja já conheceu várias modalidades, e a crise de cada uma delas foi sempre um desafio à geração respectiva à busca de novas formas, mais significativas, de mediatizar aos homens o perdão de Deus; neste sentido elas têm um profundo valor: fazem-nos voltar ao núcleo original deste sacramento, procurando vê-lo em toda a sua força e limpidez no testemunho neotestamentário e na tradição da Igreja, obrigando-nos a remover toda a poeira de práticas, ritos e formulações, acumulada no correr dos anos e deixando-o emergir e brilhar em toda a sua verdade. Sem dúvida, atualizar este texto clássico de Paulo é vivenciar a comunidade dos santos hoje, que é a paróquia, que é a família, trabalho também muito árduo e penoso. Enfocar acima de tudo o sentido positivo deste sacramento que é um prodígio de amor, da misericórdia e da graça: o filho, perdido no caminho do pecado, volta aos braços do pai, e sua alma, morta à graça, ressuscita à vida e à amizade com Deus que se dá no relacionamento com o próximo, ressurreição esta muito valiosa. Indivisíveis são as alegrias de uma Penitência bem feita, a qual devolve o perdão de Deus e a paz do coração e a volta à comunidade dos santos. A Penitência, ademais, possui profundo valor educativo, tanto sobrenatural como naturalmente falando. É indiscutível o seu benefício influxo no domínio moral e social. (...)

 

 


Cf. Sertillanges. Les Sept Sacraments de L'Église, Lethielleux, p. 78.

Cf. 2Cor 11, 28.

Cf. 1 Cor 8, 10ss.

Cf. 1Jo 5, 16ss.

Cf. v. 13.

v. 6b.

v. 3s.

Cf. v. 5.