PENSAMENTO FILOSÓFICO

Agostinho pessoalmente não enfrentou as dúvidas quanto à utilidade da filosofia e das artes para o cristianismo.  Diversamente de muitos padres e pensadores cristãos anteriores, dá melhor acolhida às mesmas.

Assim como para São Justino e Clemente, a verdade cristã é a verdade plena e diante dela devem se curvar todas as demais doutrinas filosóficas.  A filosofia cristã é a "sacrosancta philosophia".  As outras filosofias são obras boas enquanto auxiliam a fé cristã.

Por entender ser este papel da filosofia, não hesita em acatar insistentemente as considera falsas filosofias.  Combate os acadêmicos, os manequeístas, os donatistas, os gnósticos, os neoplatônicos e demais filosofias que se opõem intencionalmente contra o cristianismo.

Embora não seja muito dado a esquemas, pode-se deduzir da obra Agostiniana a seguinte classificação programática do conhecimentos humano:

1º Grau - Senso Comum - opinião

2º Grau - As artes Liberais

3º Grau - Ciência (das coisas temporais)

4º Grau - sabedoria (das coisas eternas)

Dentre as ciências e as artes humanas algumas são supérfluas ou rechaçáveis e outras são úteis.  embora as rechaçáveis estão as ciências supersticiosas, como a astrologia.  Das supérfluas são exemplo o teatro e a poesia pagãs.  Entre as ciências úteis estão a escrita, o conhecimento das línguas, a dialética, a retórica, a matemática, a história e as ciências naturais.

Agostinho enfatiza a importância do conhecimento do latim, do grego e do hebraico para a leitura dos textos bíblicos no original.  A dialética é  importante para combater as heresias e a retórica para divulgar o cristianismo.  O conhecimento das matemáticas e da música são importantes para elevar o espírito para a complementação da harmonias celestes.  A história e as ciências da natureza são também úteis à formação geral do bom cristão.

Santo Agostinho é particularmente favorável à filosofia.  Todas as coisas ditas pelos filósofos anteriores, especialmente os platônicos, e que não estejam em desacordo com a doutrina cristã, devem ser tomadas em proveito do cristianismo.  Aquilo que disseram os sábios não deve ser menosprezado.

 

CIÊNCIA E SABEDORIA

A distinção entre ciência e sabedoria tem grande importância para a compreensão do pensamento agostiniano. São dois modos de conhecimento que, também, têm objetos de conhecimento diferentes.  Ao primeiro ele chama de "ratio inferior" e a segundo "ratio superior".

Ratio Inferior (Ciência) tem por objeto as coisas do mundo terreno, temporais e mutáveis, enquanto a Ratio Superior (Sabedoria) se ocupa do conhecimento intelectual das verdades e realidades eternas e imutáveis do mundo suprassensível ou inteligível.

O perigo, segundo o Bispo de Hipona, é dar importância à ciência que à sabedoria ou contentar-se somente com a primeira.

Deus é a verdade suprema e a verdadeira sabedoria consiste em conhecê-lo e amá-lo.

Nestas considerações pode-se observar que Agostinho opõe o mutável ao imutável, o eterno ao temporal, o finito ao infinito.  E, no fundo, há um certo menosprezo pela ciência que trata das coisas do mundo inferior.

 

OS PROBLEMAS FILOSÓFICOS CENTRAIS

No contexto do pensamento agostiniano podemos identificar os seguintes temas como os mais importantes:

* O problema da Verdade - combate ao ceticismo;

* Deus - Sua existência e o Mistério da trindade;

* Antropologia - a valorização do homem;

* A vontade, a liberdade e a graça;

* Tempo, história e política.

 

O PROBLEMA  DA VERDADE: A TEORIA DA ILUMINAÇÃO.

Agostinho, pouco antes de se converter ao cristianismo, vive a experiência do ceticismo ou probabilismo, que herda de sua vinculação com os acadêmicos e que, certamente, é um dos grandes obstáculos à sua conversão.  Depois de convertido, no entanto, a primeira questão de que trata é a da verdade.

Para os Novos Acadêmicos, a sabedoria consistia em permanecer em  dúvida universal na ordem especulativa e, na ordem prática, em regular a sua ação pela verossimilhança.  Santo Agostinho, ainda no retiro durante o qual recebe o batismo, passa a combatê-los veementemente.  A obra Contra  Acadêmicos é a primeira de uma série que marca tal posição.

Segundo ele, a dúvida da qual se alimenta o espírito acadêmico, é, na verdade, por si só argumento para superá-la.  A dúvida é, no momento em que se afirma, uma primeira verdade, a certeza da própria da própria dúvida: quem duvida tem certeza de duvidar.  Quem, por sua vez, duvida tem a certeza de existir, pois, se não existisse não poderia ser enganado.  Além disso, quem duvida, vive, pensa e sabe que o assentimento não deve ser dado temerariamente.  Há um conjunto de verdades que, surgindo da dúvida, colocam-se além da dúvida  e fornecem  uma certeza.

Mas, o problema da verdade não fica nisso.  Do mesmo modo como Platão e Plotino, Agostinho adverte que o conhecimento não se exaure no conhecimento sensível ou no conhecimento intelectual que se alimenta exclusivamente do conhecimento sensível;  tudo aquilo que chega aos sentidos é mutável e provisório, assim como a mente humana é mutável e limitada.  A verdade, porém, é eterna e imutável, infinita.  Isto quer dizer que a verdade não pode ser produzida pelos sentidos e nem resultar dos simples esforços da mente humana. Ao procurar a verdade, o homem a encontrar já presente em si.

Para explicar a presença da verdade no homem, Platão desenvolveu a teoria da reminiscência, exposta no mito da caverna.  Agostinho, inspirando-se em Plotino, explica a presença das ideias eternas e imutáveis no homem por meio da teoria da iluminação. É o verbo, do Evangelho de São João, que "ilumina todo homem que vem a este mundo".  O homem é capaz da verdade enquanto nele resplandece a luz divina na "Ratio Superior".

Em Santo Agostinho o conhecimento se delineia como um processo de ascensão a deus, a começar pela experiência do próprio pensamento até transcendê-lo.  Diz ele:

Não saia fora de ti, retorna a ti mesmo, no interior do homem habita a verdade; mas se julga mutável a tua natureza, supera         também a ti mesmo e tende para lá onde se acende a luz da razão.

É, portanto, a presença em nós da luz divina que ilumina a nossa mente e a torna capaz da verdade.

Mas, se as verdades resultam da iluminação divina, qual é a participação do sujeito na conquista das mesmas? Seria a alma humana totalmente passiva?   Agostinho exclui nos moldes platônicos, cita como argumentos os conceitos que constituem as ciências.  Se, porém, o processo de formação do conhecimento  científico não lhe interessa tanto, a questão das verdades da Ratio superior constitui-se no leitmotiv de abordagem da questão da verdade.

O problema principal é o fundamento dos juízos eternos e necessários: este fundamento, conclui Agostinho, é constituído pelas regras eternas (Aeternae  Regulae), princípios  eternos, que se encontram no homem  antes de qualquer conhecimento.  estas estão presentes no homem enquanto ele é iluminado pela luz divina. Deus, portanto, ilumina a alma humana e a torna capaz de conhecer a verdade: a alma possui uma memória, não empírica ou conquistada, mas anterior a qualquer conhecimento, inata.  O  sentido de inato não é, porém, o mesmo da tradição órfico-platônica.  Agostinho supera o platonismo, já que para ele, o homem só toma conhecimento de tais regras quando se recorda de Deus.  Ouve a sua voz, acolhe a sua iluminação.

Santo Agostinho supera o inatismo platônico e resolve positivamente a questão da participação do homem na conquista da verdade.

 

RATIO SUPERIOR

RATIO INFERIOR

Fonte da luz divina, que torna possível o conhecimento das VERDADES  PRIMEIRAS: eternas e imutáveis.

O conhecimento dessas verdades exige a participação do homem: ele  deve recordar-se de Deus, ouvir a sua voz e acolher a sua iluminação.

Fonte dos conhecimentos sensíveis e de ordem intelectual, relativos ao mundo material e aos entes matemáticos.

Incapaz de, sozinha, atingir as verdades eternas.  Dela  se originam as VERDADES SEGUNDAS