1.1. A VIDA CRISTÃ SE RESUME NA FÉ

O Concílio de Trento (1547) reconhece a fé como fundamento, como central para a vida cristã, ao afirmar: «a fé é o início da salvação humana, fundamento e raiz de toda justificação, sem a qual é impossível agradar a Deus (Hb 11,6), nem chegar à comunhão de seus filhos» (Ds 1532).

 

1.1.1.EM QUE SENTIDO A FÉ É O INÍCIO E O FUNDAMENTO DA VIDA CRISTÃ?

Não apenas no sentido cronológico (vem antes), mas também no sentido ontológico de ser fundamento e raiz.

Podemos comparar a vida cristã com uma árvore ou uma casa.

O fundamento (o alicerce, a base) é o início da casa, não só porque é o que primeiro se põe na construção, mas por ser o que mantém a casa de pé.

A raiz é o início da árvore, não porque está na terra, onde fora lançada a semente que lhe dá origem, mas porque é a raiz que tira da terra o alimento que, elaborado em seiva, dá vida à árvore: é a raiz que sustenta a árvore em pé através de todas as tempestades. Assim também a fé na vida Cristã.

 

1.1.2. O QUE É A FÉ? (Visão Catafática)

Do ponto de vista teológico, a fé é DOM e RESPOSTA (cf. 1Cor 12,3 -0 reconhecimento de Jesus como Senhor é possível graças ao Espírito Santo).

O dom supõe uma dimensão relacional: o doador e o receptor. O dom, como tal, pode ser acolhido ou rejeitado. A fé é acolhida, na liberdade e na consciência (pessoa) do dom que Deus faz de si mesmo em e por Jesus Cristo. Em outras palavras, a fé refere-se à experiência e as exigências que comporta a mensagem de Jesus. É a resposta que o ser humano deve dar à mensagem do Evangelho.

A fé se realiza no encontro de duas liberdades: a liberdade de Deus que toma a iniciativa e a liberdade humana que acolhe.

A Bíblia toda atesta a fidelidade do amor de Deus. Deus toma a iniciativa e não volta atrás. Porém, a liberdade humana é sempre contextualizada. O ser humano só chega a ser humano dentro de um contexto cultural: cosmovisão, valores, sentido, etc. a liberdade humana não pode passar por cima do contexto. Caso o contexto contenha antivalores, valores anticristãos - com os quais ficamos impregnados, dificultará e muito a resposta ao apelo de Deus. O contexto cultural vai afetar a expressão da fé e da própria vivência da fé. Porém, o contexto embora tenha muito peso, não é decisivo pois Deus pode salvar e salvar em qualquer contexto cultural e em qualquer religião.

Para o NT a fé é antes de mais nada uma opção de vida. Para os(as) discípulo(as) ter fé em Jesus Cristo era compartilhar sua existência concreta, ou seja, como Cristo invocar o Pai, como Cristo fazer a sua vontade, como Cristo viver para o Reino, como Cristo relacionar-se com homens e mulheres, particularmente com os mais necessitados.

O(a) discípulo(a) de Cristo se caracteriza, portanto, pela aceitação livre da pessoa do Messias, mas esta aceitação não se limita a uma aprovação teórica, e sim se constitui como tal, ao assumir realmente a vida de Jesus Como diz São Paulo, trata-se de revestir-se de Cristo.

 

1.1.2.1 A ESTRUTURA DA FÉ CRISTÃ

A fé cristã reclama uma dimensão pessoal, dialogal, enquanto é experiência pessoal de encontro com Deus e de acolhida do dom de Deus, que é Ele mesmo revelado em Jesus Cristo e possibilitado pela ação do espírito Santo. A acolhida desse dom, porém, nunca pode ser reduzida a uma experiência individualista, pois é possibilidade oferecida pelo espírito Santo, através da comunidade eclesial como é também professada, aprofundada e celebrada na Igreja. É isto que professamos no credo: "creio na Igreja uma, santa, católica e apostólica". Esta é sua dimensão comunitária.

O objeto de nossa fé é Deus e somente n'Ele pode repousar nossa Esperança. Porém, a fé de cada cristão(ã) é professada e celebrada dentro de uma comunidade, da qual se é membro, e se tem consciência de que nesta comunidade eclesial está presente o senhor Crucificado-Ressuscitado e que o Espírito Santo a anima, vivifica, concede unidade, distribui os carismas e nos santifica.

A expressão "a fé da Igreja" (fides Eclessiae) tem um duplo sentido:

ü  um objetivo que constitui o que a Igreja crê, é o conteúdo da fé (fides quae), é digamos a dimensão institucional da fé, o conteúdo daquilo que se crê e que possibilita identificar a Igreja como tal em relação a outros grupos religiosos;

ü  outro subjetivo, a Igreja que crê, a Igreja como sujeito da fé, é a dimensão mais existencial da fé (fides qua).

Estes dois sentidos são inseparáveis, pois, os membros da Igreja, são os fiéis que deram adesão (fides qua) ao conteúdo da fé, como caminho de salvação e reunidos professam e celebram o conteúdo da mesma fé, com o qual se identificam (fides quae)

A fé, enquanto atitude fundamental do ser humano diante de Deus, brota da liberdade humana capacitada pelo próprio Deus, mas não sendo um ato cego, uma atitude irrefletida, contém certa inteligibilidade, razoabilidade. Isto significa que o crê (fides qua), que exige o comprometer a própria vida, implica sempre uma compreensão do que é crido (fides quae).

 

 

1.1.2.2. O QUE A FÉ NÃO É? (Visão Apofática)

Ø  Fé não é igual expressão da fé, embora seja muito comum tal identificação. Santo Tomás já observara que o ato de fé não se dirige ao enunciado, e sim à realidade crida (Deus). Portanto, a expressão está a serviço da fé (experiência salvífica) que ela deve mediatizar.

Ø  Fé não é o conjunto de sabedoria, não é o saber sobre a fé, não é a organização desse saber (doutrina da fé, catequese), tampouco o discurso sobre a fé.

Ø  Fé também não deve ser confundida com sua expressão litúrgica (sacramentos) essa supõe aquela.

Ø  Fé não é a mesma coisa que religião. A fé estará sempre e necessariamente envolta numa linguagem concreta e mediatizada por um horizonte cultural determinado. O conjunto destas mediações da fé, de ordem individual e social, de cunho ético ou jurídico, é o que se chama religião. A  religião é a manifestação, o anúncio o testemunho da fé, através de alguns sinais exteriores. Ela desvela explícita, dispõe e ordena a experiência salvífica da fé. A fé nunca é encontrada em estado puro.

 

1.1.2.3. A CONTEXTUALIZAÇÃO DA FÉ

Ter Fé é seguir Jesus Cristo, entregar-se a Deus que se comunica na história. Porém, a entrega a Deus, o seguimento de Jesus realiza-se em diversas circunstâncias, em situações políticas, econômicas, sociais, culturais diferentes. A expressão da fé varia:

a) Com a situação da pessoa - a fé sofrida do enfermo, a fé combativa do profeta a fé confiante da mulher do povo, a fé aventureira do missionário, a fé heróica do mártir, a fé ilustrada do teólogo, etc.

b) Com a situação sócio-histórico cultural - a fé confessora dos primeiros cristãos a fé evidente da Idade Média, a fé conquistadora e missionária do século XVI a fé humilde e dialogante do século XX.

A fé é sempre entrega a Deus no seguimento de Jesus na força do Espírito Santo. Porém, as circunstancia históricas exigem que a fé seja concretizada da maneira diferente.

 

1.1.2.4. AS DIFICIÊCIS DA FÉ

A fé transforma nossa vida e a faz segundo Deus, quer dizer, a faz transformadora e criadora de vida. Ao falar de deficiência da fé ou pecados contra a fé não nos referimos a os pecados formais contra a fé: a apostasia a heresia, o ateísmo. Nos referimos aqui por contraditório que pareça, da falta de fé no(a) crente. As deficiências da fé ocorrem no campo teórico do conhecimento e no campo da vida moral da pessoa e da comunidade.

O divórcio entre fé e vida é um sintoma da deficiência da fé que se expressa nas formas de injustiça que enfraquecem e violentam nossa convivência social e que se manifesta, especialmente, na pobreza externa, na violação da dignidade da pessoa e dos direitos humanos.

Quando a fé é mera crença e não vida transformada pelo Evangelho, não devemos estranhar as numerosas ausências do(a) cristã(a) nas tarefas da vida como são a organização da política, da economia ao serviço do bem-comum e da defesa dos direitos e da própria vida. Não participar da vida da sociedade não é apenas falta de cidadania, é também, deficiência da fé.

Se a vida cristã se resume na fé e a fé é entrega, livre a Deus, no seguimento de Jesus na força do Espírito Santo, que se manifesta no empenho efetivo para que todos tenham vida e vida em abundância, qual o significado dos sacramentos? É isto que veremos a seguir:


"A Deus que se revela é devida a obediência da fé (Rm 16,26; cf. Rm , 5; 2Cor 10,5-6); por ela, entrega-se o homem todo, livremente a Deus, oferecendo a Deus revelador o obséquio pleno da inteligência e da vontade e prestando voluntariamente assentimento à sua Revelação. Para prestar esta fé, necessário a graça divina que se antecipa e continua a ajudar e o auxílio interior do Espírito Santo, auxílio requerido para mover e converter a Deus os corações". (DV 5).