Introdução:

O problema da admissão das mulheres ao sacerdócio ministerial parece ter nascido, de forma geral, por volta do ano de 1958, após a decisão tomada em setembro, desse mesmo ano, pela Igreja luterana da Suécia, de admitir mulheres no ministério pastoral. O acontecimento causou numerosos comentários. Estas decisões constituíam também, para as Comunidades que se originaram da Reforma do século XVI, uma inovação. Recordemos, por exemplo, com quanto vigor a Confessio fidei Scotiae de 1560 acusa a Igreja Romana de fazer concessões abusivas às mulheres em matéria de ministério. No entanto, a iniciativa sueca, pouco a pouco, foi ganhando terreno entre os reformados (cristãos), sobretudo na França, onde diversos Sínodos nacionais tomaram decisões no mesmo sentido.

A admissão das mulheres no ministério pastoral não parecia que iria levantar problemas propriamente teológicos, uma vez que aquelas comunidades que se tinham separado da Igreja Romana haviam rejeitado o sacramento da Ordem.

Contudo, a situação se agravou na medida em que algumas comunidades, como a anglicana, que intentavam conservar a sucessão apostólica da Ordem, procederam à ordenação de mulheres: o bispo anglicano de Hong Kong, de acordo com o próprio sínodo, ordenou três mulheres em 1971; em seguida, em julho de 1974, entre os episcopalianos em Filadélfia, verificou-se a ordenação de onze mulheres, se bem que foi declarada válida logo em seguida pela Câmara dos bispos.

Em junho de 1975, o sínodo geral da Igreja anglicana do Canadá, reunido em Quebec, aprovava o princípio baseado no qual se poderia dar o acesso das mulheres ao sacerdócio, no que foi seguido em breve, a partir de julho de 1975, também pelo sínodo geral da Igreja anglicana da Inglaterra.

O Concílio Vaticano II deu uma palavra diretiva: "Como em nossos dias a mulher participa cada vez mais ativamente em toda a vida social, é de grande importância a sua mais ampla participação também nos numerosos campos do apostolado da Igreja" (AA, n. 9).

Perguntamos: até onde é que poderá chegar tal participação? O Romano Pontífice  Paulo VI, numa troca de cartas com o bispo anglicano de Cantuária em 1975, foi Peremptório quando disse: "Vossa graça está bem informado, evidentemente, acerca da posição da Igreja católica quanto a esta matéria: ela sustenta que não é admissível ordenar sacerdotes mulheres, e isso por razões verdadeiramente fundamentais" (in SEDOC 9, pp. 886s).

A DECLARAÇÃO DA

SAGRADA CONGREGAÇÃO PARA A DOUTRINA DA FÉ

SOBRE A QUESTÃO

DA ADMISSÃO DAS MULHERES AO SACERDÓCIO MINISTERIAL

I - A atitude de Cristo:

1.     Jesus Cristo não chamou mulher alguma para fazer parte dos Doze. Não serve o argumento de que não o fez para não se chocar com a mentalidade da época. Isto, porque Ele tomou várias atitudes que se chocaram com os hábitos de então:

a)     Conversou com a Samaritana (Jo 4,27).

b)    Permite que a pecadora se aproxime dele (Lc 7,37s).

c)    Mostra que não se deve ser mais severo com uma falta de uma mulher do que com a de um homem (Jo 8,11).

d)    Não hesita em afastar-se da Lei de Moisés, para afirmar a igualdade dos direitos e deveres do homem e da mulher perante os vínculos do matrimônio (Mc 10,2-11; Mt 19,3-9).

2.    Durante o seu ministério itinerante, Jesus fez-se acompanhar não somente pelos Doze, mas também por um grupo de mulheres: Maria Madalena, Joana, Susana e muitas outras que os serviam com seus haveres (Lc 8,2s).

3.    Contrariamente à mentalidade judaica, que não reconhecia grande valor ao testemunho das mulheres, são elas as primeiras testemunhas da Ressurreição de Cristo e a informar os Onze da mensagem pascal (Mt 28,7-10; Lc 24, 9s; Jo 20, 11-18).

4.    Nem sua própria Mãe, tão intimamente associada ao seu ministério e cujo papel sem par é bem enfatizado pelos Evangelhos de São Lucas e de São João, nem ela, por conseguinte, foi investida do ministério apostólico, muito embora Ela superasse em dignidade os próprios Apóstolos.

II - A prática dos Apóstolos:

1.     A comunidade dos Apóstolos manteve-se fiel à atividade de Jesus. No pequeno círculo dos que se reuniram no Cenáculo depois da Ascensão, Maria ocupava um lugar privilegiado (At 1,14). No entanto, quando da eleição de um novo Apóstolo não foi nela que recaiu a escolha, mas sobre Matias (At 1, 21-26).

2.     No dia de Pentecostes, o Espírito Santo desceu sobre todos, homens e mulheres (At 1,14; 2,1), no entanto, o anúncio e o cumprimento das profecias, foram feitos por Pedro e pelos Onze (At 2,14).

3.     Quando, juntamente com São Paulo, os Doze saíram dos limites do mundo judaico entrando no mundo greco-romano, ali num mundo que os obrigou a romper com certas práticas mosaicas, teriam podido introduzir a ordenação de mulheres, mas não o fizeram. Não obstante no mundo helenístico, numerosos cultos de divindades pagãs estivessem confiados a sacerdotisas.

4.     Podemos verificar, através do livro dos Atos e das Epístolas de São Paulo, como as mulheres trabalhavam juntamente com os Apóstolos em prol do Evangelho (cf. Rm 16,3-12; Fl 4,3): Priscila, Lídia, Febe e outras. Contudo, em momento algum foi posta a questão de conferir a essas mulheres a ordenação.

5.     Nas Epístolas Paulinas, exegetas autorizados notaram uma diferença entre duas fórmulas usadas pelo Apóstolo: ele escreve "meus colaboradores" quando se refere indistintamente a homens e mulheres que colaboram com ele (cf. Rm 6,3; Fl 4,2s) e usa o termo: "colaboradores de Deus", (cf. 1Cor 3,9; 1Ts 3,2), quando se refere a si mesmo a Apolo, e a Timóteo por estarem consagrados, diretamente, ao ministério apostólico e à pregação da Palavra de Deus.

 

III - Valor permanente da atitude de Jesus e dos Apóstolos:

1.     Poderia a Igreja desligar-se hoje da atitude de Jesus e dos Apóstolos, no que respeita a este assunto, considerada por toda a tradição até nossos dias como normativa?

2.     O fato de Jesus não ter confiado às mulheres nem mesmo à sua Mãe um ministério que se assemelhasse aos Doze não foi de modo nenhum por motivos socioculturais. Sabemos que Jesus rompeu com vários preconceitos em relação a discriminações que havia contra as mulheres.

3.     E como se explica que no meio ambiente grego, onde tais discriminações contra as mulheres não existiam, os Apóstolos não admitiram nenhuma mulher ao ministério ordenado?

4.     Não obstante as palavras preeminentes de igualdade de São Paulo aos Gálatas: "Quando fostes batizados em Cristo, revestiste-vos de Cristo. Não há judeu nem gentio, não há escravo nem livre, não há homem nem mulher: todos vós sois um só em Cristo Jesus" (Gl 3,27-28). Assim mesmo, os Apóstolos nunca confiaram a mulheres o ministério propriamente apostólico, se bem que a civilização helênica não tivesse em relação às mulheres os preconceitos existentes no judaísmo. A Igreja, por conseguinte, inspirando-se na prática de Jesus e dos Apóstolos, como podemos verificar nos Evangelhos, no livro dos Atos dos Apóstolos e nas Epístolas, não se julgou autorizada nunca a admitir mulheres à ordenação sacerdotal.

5.     Dois textos de São Paulo (1Cor 14, 34-35 e 1Tm 2, 11-14) serviram de base para os teólogos explicarem que a mulher não pode receber nem poder de magistério nem poder de jurisdição. Santo Tomás usa o texto da Primeira Epístola a Timóteo para fundamentar a sua tese de que a mulher está num estado de submissão e se serviço, porque ela foi criada depois do homem e porque ela é a primeira responsável pelo pecado original. São Paulo diz também: "O chefe da mulher é o homem" (1Cor 11,3).

6.     A prática da Igreja, por conseguinte, reveste-se de um caráter normativo: o fato de conferir a ordenação sacerdotal somente a homens encerra uma tradição continuada no tempo, universal no Oriente e no Ocidente e vigilante para reprimir tempestivamente quaisquer abusos. Esta norma, que se baseia no exemplo de Cristo, é seguida assim, porque é considerada conforme com os desígnios de Deus sobre a sua Igreja.

 

IV - O Sacerdócio Ministerial à luz do Ministério de Cristo

1.     O ensino constante da Igreja, reiterado e determinado pelo Concílio Vaticano II e recordado também pelo Sínodo dos Bispos em 1971 e por esta Sagrada Congregação para a Doutrina da Fé na sua Declaração de 24 de junho de 1973, proclama que o bispo ou o presbítero, no exercício de seu ministério, não age em seu nome próprio, "in persona própria", mas o sacerdote age então, não somente em virtude da eficácia que Cristo lhe confere, e sim em nome de Cristo, "in persona Christi", isto é, fazendo o papel de Cristo, até o ponto de ser a sua própria imagem, quando pronuncia as palavras da consagração. Esta fórmula, conforme foi entendida pela tradição, implica a ideia de que o sacerdote é sinal, e os sinais sacramentais, diz Santo Tomás representam aquilo que eles significam por uma semelhança.

2.     Insiste-se num argumento de que seria importante, na verdade, que Cristo fosse representado por um homem, se a condição masculina do mesmo Cristo tivesse um lugar essencial na economia da salvação. Ora - diz-se - é impossível dar à sexualidade um lugar privilegiado na união hipostática; o essencial é a natureza humana como tal, assumida pelo Verbo, e não são as diferenças acessórias, quais o sexo, ou então a raça. Se a Igreja admite que homens de todas as raças possam representar validamente Cristo, porque haveria ela de recusar às mulheres esta capacidade para representar? Resposta: As diferenças étnicas não atingem a pessoa humana tão intimamente como a diferença dos sexos.

3.     O sacerdote age em nome da Igreja, com a intenção de fazer aquilo que ela faz. Assim diziam os teólogos da Idade Média, que age também "in persona Ecclesiae" ou seja, em nome de toda a Igreja e para a representar. Contudo, convém lembrar que o sacerdote representa a Igreja que é o Corpo de Cristo. No entanto, se o faz, é porque primeiramente representa o próprio Cristo, que é a Cabeça e o Pastor da Igreja.

 

V - O Sacerdócio ministerial no mistério da Igreja:

1.     Quando se propõe o acesso das mulheres ao sacerdócio pelo fato de elas, nos dias de hoje, terem alcançado o que se designa por "leadership", em muitos campos da vida moderna, parece esquecer-se de que a Igreja não é uma sociedade como as outras e que nela a autoridade, o poder, são de uma natureza muito diferente, uma vez que andam normalmente ligados ao sacramento, conforme esclarece a Declaração. A experiência nos ensina que aquele raciocínio é um perigo, isto porque todas as vezes que se procura resolver os problemas da Igreja com fórmulas e métodos próprios das sociedades civis, sempre se acaba entrando num beco sem saída.

2.     A Declaração assinala também o defeito do argumento que basearia a reivindicação do sacerdócio para as mulheres na passagem já mencionada da Epístola de São Paulo aos Gálatas (3,28), segundo a qual não existe já, em Cristo, distinção entre o homem e a mulher. Entretanto, para São Paulo, havia aí em vista o efeito do batismo; e a catequese batismal dos Padres viria a insistir, com frequência, neste mesmo ponto. Uma coisa, porém, é a igualdade absoluta na vida batismal, e outra coisa é a estrutura do ministério ordenado, o qual constitui na Igreja o objeto de uma vocação e não um direito inerente à pessoa.

3.     É preciso não esquecer que o sacerdócio não faz parte dos direitos da pessoa. Mas é algo que depende da economia do mistério de Cristo e da Igreja. O múnus sacerdotal não pode tornar-se a meta de uma promoção social. Cristo escolheu "os que Ele quis" (Mt 3,13).

4.     A Declaração da Sagrada Congregação para a Doutrina da Fé termina indicando, com discrição, um duplo esforço a promover, do qual, talvez, esta controvérsia acerca da ordenação das mulheres - se viesse a concretizar-se - tenderia a desviar a atenção dos pastores e leigos da Igreja.

O primeiro é de ordem doutrinal e espiritual: a tomada de consciência da diversidade das funções na Igreja, onde a igualdade não é identidade, deveria ter como resultado levar a desejar o único carisma que pode e deve ser de fato desejado, a caridade conforme nos exorta São Paulo (1Cor 12-13): os maiores no Reino dos Céus não são os ministros, mas sim os santos, diz a Declaração, com uma fórmula que parece ser tomada como um mote a ser cultivado.

O outro esforço a envidar é de ordem apostólica e social. Ainda se está longe de ter tomado bem consciência da grandeza da missão da mulher na Igreja e na sociedade, como para a redescoberta, entre os fiéis, da verdadeira face da Igreja. E se está longe ainda, infelizmente, de ter combatido todas as desigualdades de que as mulheres continuam a ser vítimas, não apenas no campo da vida pública, profissional ou intelectual, mas até mesmo no interior da célula familiar.

 

Um discernimento científico-crítico:

1º argumento: Um dado importante é de que a Sagrada Congregação, ao redigir este texto, não analisou o texto da Escritura segundo o método moderno da exegese, mas segundo os métodos tradicionais de análise dos textos: Formgeschichte, Traditiongeschichte e Redationgeschichte.

2º argumento: "O sacerdote age na pessoa de Cristo. Ora Cristo era homem, logo só o homem pode ser sacerdote". Mas o silogismo certo é: "O sacerdote age na pessoa de Cristo. Ora Cristo era pessoa, logo a pessoa pode ser sacerdote". O erro do primeiro silogismo consiste em ter dois termos médios sendo um diferente e tem que ser o mesmo.

3º argumento: Quando o documento insiste que segundo a Economia da Salvação Cristo ao encarnar assumiu a imagem do homem, ora dentro da Economia da Salvação deve haver um correspondente entre o Sacerdote e a pessoa de Cristo, logo o sacerdote deve ser um homem. Contudo, se este argumento é válido, devemos responder com um aforismo teológico dos Padres que diziam: "O que não foi assumido, não foi remido". Daqui se deduz que se somente a natureza humana masculina foi assumida, então a mulher não foi remida.

4º argumento: O documento cita São Paulo quando diz em Gl 3,28: "Não há judeu nem grego, não há escravo nem livre, não há homem nem mulher; pois todos vós sois um só em Jesus Cristo". Insiste a Sagrada Congregação que não se pode usar este argumento porque não se trata de igualdade, mas da justificação da fé. De fato, reconhecemos que o assunto fundamental é o da justificação da fé, mas há que ter presente a igualdade fundamental entre o homem e a mulher. Se não admitimos que a mulher possa ascender ao ministério sacerdotal, como fica a igualdade entre o homem e a mulher?

5º argumento: Afirma o documento que o sacerdócio é um carisma, por conseguinte, como o carisma é uma graça, ninguém tem direito a ele. Contudo, se conscientes desta realidade se reconhece que o homem tem as qualidades para o sacerdócio, porque não reconhecê-las também na mulher? Daí resulta que uma vez que tem as qualidades, também tem iguais direitos. Isto porque a Igreja está a serviço do Reino.

 

Excurso: TESE DE WALTER KASPER SOBRE O MINISTÉRIO SACERDOTAL

 

I - Problemática atual:

1.     A maneira de entender o ministério sacerdotal é uma das questões cruciais na Igreja pós-conciliar.

a)     Falta de vocações.

b)    Discussão do celibato obrigatório.

c)     Os repetidos conflitos entre padres e leigos e entre padres e respectivos superiores.

2.     No passado o ministério eclesial tomou, em grande parte, a forma externa sociológica própria desse tempo. Daí que hoje muitos padres não se identifiquem com velhas formas da concepção do ministério sacerdotal.

3.     A fundamentação bíblica do ministério sacerdotal vai-se tornando cada vez mais difícil. Do ponto de vista dogmático e da história da Igreja, realizaram-se mudanças consideráveis na compreensão e no exercício do ministério sacerdotal.

4.     Na medida em que a Igreja se pretende tornar novamente presente no mundo através de seus ministros e não se quer fechar num ‘gheto' sacral terá que fazer um "aggiornamento", ou seja, uma leitura mais atualizada da sua natureza e missão.

 

II - Fundamentação teológica:

1.   Toda a teologia do sacerdócio ministerial tem de partir, necessariamente da inequívoca afirmação da Sagrada Escritura de que só há um mediador entre Deus e os homens (1Tm 2,5) e um único Sumo Sacerdote: Jesus Cristo (Hb 8,6; 9,15; 12,24).

2.   Através do sacerdócio de Jesus Cristo e na sua pessoa, Deus e o mundo são definitivamente reconciliados. O sacerdócio de Cristo não precisa, por isso, nem da continuação nem do complemento que lhe pudessem dar outros sacerdotes humanos. É a perfeição de todo o sacerdócio; com Ele todo o sacerdócio atingiu o seu termo. Por isso Jesus Cristo é o único sacerdote da Nova Aliança.

3.   A fé em Jesus Cristo torna-se, assim, pressuposto decisivo para se assumir o ministério sacerdotal. Concretamente, a participação no sacerdócio de Cristo dá-se mediante a obediência da fé e a disponibilidade para o serviço.

 

III - Fundamentação eclesiológica:

1.   A participação no ministério sacerdotal de Jesus Cristo compete primariamente a toda a Igreja (no sentido de comunidade). Já no Antigo Testamento todo o Povo de Deus é designado povo sacerdotal (Ex 19,6; Is 61,1; 2Mac 2,17). Também no Novo Testamento todos os cristãos em conjunto são povo real e sacerdotal com a vocação de proclamar as maravilhas de Deus e oferecer sacrifícios espirituais (1Pd 2,5; Ap 1,6; 5,10).

2.   A responsabilidade e a fundamental igualdade de todos não significa que, na Igreja todos possam fazer tudo. Pelo contrário, existem na Igreja "diversos ministérios" (1Cor 12,5), entre os quais existem diferenças essenciais. Paulo enumera tais ministérios (carismas): o apóstolo, o pregador, o poder de fazer milagres, o dom das curas... (1Cor 12,28).

Importante é ter presente que os carismas podem variar pela liberdade do Espírito e conforme a situação histórica.

Os carismas pertencem, por conseguinte, à permanente estrutura da Igreja. Para Paulo, o carisma não é outra coisa senão um serviço que se presta no interior da Igreja (comunidade) (Rm 12,4; 1Cor 12,4) cada cristão possui o seu carisma.

Cada carisma deve servir ao bem comum (1Cor 12,7).

3.   O ponto de partida para uma nova compreensão do ministério sacerdotal reside, por conseguinte, no carisma de governo da comunidade. Este ponto de partida corresponde à maneira de dizer usual da Escritura.

Efetivamente, quando a Sagrada escritura quer designar os ministérios na Igreja, evita não só todos os títulos disponíveis nessa altura para nomear a autoridade de um cargo, (como télos) substituindo-os por designações que exprimem simples função de serviço e administração (diaconia e oiconomia). Evita, também, toda a qualificação sacro-cultural (sacerdotes, pontifex) e substitui-os por designações de função, tiradas do domínio profano.

Paulo refere os carismas de assistência e de governo (1Cor 12,28); o dos que presidem (1Ts 5,12; Rm 12,8), e dos que afadigam pela comunidade. (1Ts 5,12; 1Cor 16,16).

Bispos e diáconos encontramo-lo pela primeira vez na comunidade de Filipos (Fl 1,1) e tem na sua origem um acento de caráter a-cultural e a-sacral.

Bispo: cargo de inspeção; governador; agente da polícia; agente municipal; agente de construções.

Diácono: servente de mesa; emissário; administrador; co-piloto; assistente no culto.

Nas comunidades Judeu-cristãs, em vez de bispos e diáconos encontramos os presbíteros (cf. At 11,30; 14,23; 15,2).

Importante observar que em todos estes títulos, está em primeiro lugar a função de governo da comunidade. Não entendido como autocrático, mas sempre interpretado como serviço, e só pode ser exercido em colegialidade e em cooperação com todos os carismas.

É importante observar que os ministérios de bispo e diácono correspondem a tipos diferentes de comunidade. No início eram autônomos. Só pouco a pouco é que foram sendo reunidos no esquema hierárquico dos três graus, havendo já indícios seus nos Atos dos Apóstolos (20, 17.18) e nas Cartas Pastorais (Tt 1,5.7), surgindo abertamente em Inácio de Antioquia.

4.   A delimitação precisa entre ministério e comunidade, bem como dos ministérios entre si, tem de fazer-se segundo o princípio da economia sacramental, isto é, segundo as correspondentes necessidades dos fiéis, para cujo serviço e ministério existe.

Isto dá-nos hoje uma liberdade relativamente grande, ao reformarmos de novo o modo de entender e efetivar o ministério sacerdotal.

5.   O nosso ponto de partida para a determinação do essencial no ministério eclesial é, pois, o carisma do governo, o serviço em ordem à unidade da Igreja.

Com este ponto de partida definimos o ministério sacerdotal não já, em primeira linha, a partir da sua função cultual-sacramental-consagrante e dos seus poderes ministeriais ontológicos, mas a partir da sua função eclesial-social.

 

IV - Funções do ministério sacerdotal:

1.   A função única de governo, própria ao ministério, desdobra-se em diversas funções isoladas, as quais derivam organicamente da única tarefa fundamental: o serviço em ordem à unidade da Igreja (comunidade).

Concretamente a unidade da Igreja concretiza-se:

a)   Na unidade da fé.

b)  Na unidade da celebração eucarística.

c)   Na unidade do serviço mútuo e comunitário do amor.

2.   A Igreja, reunida na fé, realiza-se de modo mais concreto e "denso" na unidade da celebração eucarística, sinal particular de unidade. (1Cor 10,17).

Compete ao ministério, por conseguinte, como serviço em ordem a essa unidade, a presidência da celebração eucarística. Existe, por conseguinte, entre o ministério sacerdotal e a Eucaristia íntima conexão.

A partir do reconhecimento desta conexão fundamental se podem mais facilmente aproximar de uma solução algumas difíceis questões limite: Houve casos na história em que provavelmente "não-ordenados" recitaram a oração eucarística. Ainda que tais casos se não possam considerar como abusos, é um fato de que a responsabilidade pública pela comunidade da mesa eucarística e pela sua unidade compete ao ministério. Não teria sentido fazer uma celebração eucarística em oposição ao ministério, despojando-se a Eucaristia da sua mais profunda realidade.

3.   É indiscutível que a Igreja se realiza no serviço mútuo e comunitário do amor. Pertence ao ministério uma função tendo em vista a união da comunidade.

4.   Esta função nada tem a ver com um exercício autoritário do poder. Muito pelo contrário, ela consiste em levar os carismas a existirem uns com os outros, de maneira inteligente e fecunda, a descobri-los e despertá-los, proporcionar-lhes espaço; estimulá-los; mas, também, quando necessário, à ordem e exortar, quando põem em risco a unidade da Igreja.

Do sentido profundo do ministério, se deduz que o ministério eclesial é de estrutura colegial. A colegialidade se entende dos bispos entre si, destes com o Bispo de Roma, da relação dos padres entre si e destes com o seu bispo e também as relações entre o carisma do governo e os outros carismas da Igreja.