Jesus e o Reino de Deus.

Nosso propósito não é colocar a presente pesquisa como paradigma da Cristologia, mas aprofundar esse tema cristológico no campo pastoral e vivencial da Igreja à luz de contribuições de pastores, teólogos e pedagogos.

O tema do Reino de Deus é central na teologia e de modo especial na teologia latino-americana. E temos grandes nomes Libânio, Ellacuría, Jon Sobrinho e outros, pois é o Reino de Deus no Já, numa constante esperançosa do ainda não. Não repetimos o que já muitos falaram, mas aprofundamos neste tema que é hoje é combatido, por um verdadeiro anti-reino, tornando inclusive uma questão até nos meios acadêmicos: hoje há relevância dessa doutrina do Reino de Deus dentro da situação atual, não é criar uma utopia, uma pseuda-esperança ao povo já tão sofrido. Contudo devemos renovar este estudo para que mesmo visto como uma utopia, seja uma utopia profética de Jesus, que morreu, mas ressuscitou dando-nos um marco definitivo de uma esperança sem fim, pois Ele mesmo nos assegurou que estaria conosco até o fim do mundo. Portanto, não há motivos, por piores que possam aparecer, para nos desanimar, pois o que nos anima e nos fortalece é o próprio Espírito Santo que nos renova a alma e nos faz levantar das cinzas das injustiças e da errada valorização do anti-reino.

A utopia feliz, projeção de nossos sonhos, como a Utopia da inquietação,projeção de nossos temores, podem porventura servir de instrumentos teológicos para apreender a misteriosa realidade escatológica do Reino de Deus? Convém, em primeiro lugar, não nos comprometermos  com as correntes equívocas que  tratam deste Reino em si, em sua formulação teocrática ou em seu desvio secularizado - duas faces opostas de uma mesma idolatria. Ora não devemos esquecer que o equívoco a respeito do Reino está no cerne do drama relato pelos Evangelhos, como o confronto do Reino concebido pelos fariseus e até pelos Apóstolos, ao quererem estabelecê-lo sobre Israel, com o Reino chegado para nós.

A Basileia tou Theou (Reino de Deus), cuja unidade os exegetas dos Sinópticos reconhecem na polissemia, e cuja pluralidade de significados obrigará a traduzir pela palavra "Reino", com ressonâncias mais corporativas, pela palavra "Realeza", mais funcional, e, na maioria das vezes, por "Reinado", mais dinâmico constitui o objeto específico do anúncio da salvação.

Ora, no evangelho, o Reino de Deus não se deixa apreender, monopolizar nem mesmo ver às claras. O Cristo usa comparações poéticas, negativas ou positivas, obscura ou claramente, mediante toques sucessivos. Este Reino é uma semente que cresce, um grão de mostarda que se desenvolve, um fermento que faz a massa crescer. Mas ele é de alto preço: é uma pérola, um tesouro, por cuja posse se deixa todo o resto. Rezamos para que ele venha; sabemos que ele se oculta aos sábios e orgulhosos, para dar-se a conhecer aos pequeninos e aos humildes.

Não sendo realidade terrestre, nem paraíso distante, o Reino de deus não pode ser localizado no espaço; não podemos dizer que ele esteja aqui ou ali; é uma realidade, de certo modo, invisível. Tal é o sentido comumente admitido para estes dois versículos tão estudados pelos exegetas. "A vinda do reino de Deus não é observável. Não se poderá dizer: ‘Ei-lo aqui!', pois eis que o Reino de Deus está no meio de vós (ou em vós)", porque, sem dúvida alguma, devem eles ser aproximados do comentário que São Paulo faz "Este Reino é de justiça, paz e alegria no Espírito Santo."

É que a irrupção de Deus em nosso mundo e em nossa temporalidade, pela Encarnação do Verbo, provocou o rompimento do nosso espaço-tempo. Historiadores, exegetas, filólogos, que medem com escrupulosa atenção o enraizamento da Palavra de Deus em nossa terra, devem agora considerar também sua função de inverter totalmente nossas categorias; sob o sopro divino, o espaço e o tempo voam em estilhaços. A realidade teológica pode, então, encontrar a Utopia. Com efeito, não é pelo fato de não estar em "lugar nenhum" que o Reino de Deus deixa de crescer, de se desenvolver, como uma árvore onde se abrigam os pássaros do universo. Não é pelo fato de ainda não estar tudo acabado que tudo deixa de estar cumprido nesta tensão de que falou Oscar Cullmann.

Assim da descrição da Anti-utopia o cristão rejeita a idolatria de uma felicidade dada aos homens "libertando-os do peso de sua liberdade..., dessa tortura do seu reino interior", para retomar as palavras que Dostoievsky atribui ao Grande Inquisidor numa terrível lenda, espécie de versão cristã da anti-Utopia. O Reino não é o totalitarismo da felicidade programada. Dado por superabundância, ele é escolhido ou, pelo menos, recebido livremente pelo homem. Mas, na cidade mística da Utopia dos humanistas, o cristão entrevê a presença misteriosa e, apesar disto, familiar da Cidade "imarcescível", onde não existem nem mancha nem corrupção (1Pd 1, 40), no seio da qual é chamada a se reconhecer, a se aglutinar, a se organizar a humanidade inteira, uma humanidade finalmente libertada de sua ganga, como diz Claudel.

O artigo se apresentará em três momentos:

1º) é um questionar de quem seja Jesus, tendo como fundamentos dados bíblicos e de teologia sistemática.

2º) apresenta o que seja o Reino de Deus, sempre se aproximando da visão crística e de pregação.

3º) parte consideramos  o Reino em sua relação entre o mundo e a Igreja.

O novo potencial que a pastoral explora e dinamiza na Igreja de hoje está ligado à redescoberta do sentido comunitário da ação querigmática, catequética e da necessidade permanente, ao longo da vida do cristão, de educar-se na fé para a realização dos projetos de Deus, de Cristo e da Igreja na busca de uma sociedade evangelicamente sadia e justa, entre outras palavras o princípio do Reino de Deus.


PREVOST, A.  Op Cit., pp. 61-63. Fala da obra de More como de um novo orgnon da Renascença.

Cf. Lc 17, 21.

SCHNACKENBURG, R. Règneet Royaume de Dieu. Essai de théologie biblique, Paris, 1965.

Cf. Mt 11, 25.

Cf. Lc 17, 20-21.

Cf. Rm 14, 17;

"Suplemento do Dicionário da Bíblia, FEUILLET, A. artigo Règne et Royaume de Dieu. Essai de théologie biblique, Paris, 1965.

CULLMANN, O. Le Salut dans I'histoire, Neuchâtel, 1966.

 

De modo significativo, a Lenda é evocada por Huxley, Le retour au meileur des mondes, Paris, 1959, pp. 179-180, e por Lapouge, G. Op.Cit., pp. 288-296.

CLAUDEL, P. L'Apocalypse, Paris, 1952, pp. 201-202.