LAICIDADE NA RELAÇÃO IGREJA-ESTADO E O
ACORDO BRASIL-SANTA-SÉ

Genacéia a Silva Alberton

INTRODUÇÃO

A laicidade do Estado brasileiro tem sido frequentemente apontada como razão inibidora para a atuação da Igreja no espaço público. A garantia constitucional acerca da liberdade religiosa no Brasil (art. 19, I, da Constituição Federal) não tem evitado crítica à ação da Igreja Católica, que firmou com a República Federativa do Brasil o Acordo Brasil-Santa Sé, definido como Estatuto Jurídico da Igreja Católica no Brasil.
Não é de causar estranheza que, num país como o Brasil, em que se tem exacerbado, após a Constituição de 1988, a busca por uma identidade política afastada de intervenção religiosa, o Acordo esteja causando polêmica. Embora se apresente como um documento decorrente de interesse de Estado, do ponto de vista das relações internacionais há, certamente, o interesse específico de uma religião, a católica, fato esse que não pode ser visto como afronta ao pluralismo religioso, mas como efetivo respeito à liberdade religiosa.
O fenômeno das concordatas por parte da Igreja Católica não é novidade e tem razões históricas que cumprirá apenas apontar, visto que o foco de atenção se dirige à análise dos termos do Acordo e a repercussão do documento no Brasil.
O aparente privilégio à Igreja Católica num espaço político em que um laicismo tardio ganha espaço e adesões, evidentemente, suscita o exaltação de ânimos dos não-católicos e ateus, embora não indiferentes. Por outro lado, há o silêncio dos fiéis por desconhecimento; ausência de discussão por parte dos juristas por não lhes parecer compatível pelo afastamento à atividade dos Tribunais Eclesiásticos; pouca repercussão junto ao clero, não se desenvolvendo crítica técnico-jurídica no campo doutrinário.
É evidente, pois, que a análise do Acordo Brasil-Santa Sé oportuniza a discussão acerca da laicidade e sua conformação distorcida pelo laicismo, tomando-se como fonte de identificação as demandas judiciais. Portanto, o critério de argumentação que teremos por base será aquele expresso em processos judicializados.
Esse tema de fundo, Acordo Brasil-Santa Sé, ensejará a reflexão acerca da relação Igreja-Estado, especificamente, a Igreja Católica Apostólica Romana, identificada como Igreja, na relação com o Estado laico brasileiro.
O Direito, por sua natureza, é laico. A controvérsia judicial em decorrência do Acordo Brasil-Santa Sé, incluindo a celeuma acerca do ensino religioso em escolas públicas, denota que o tema é relevante visto que não se trata da defesa de direitos puramente individuais, mas de direito fundamental como é o da liberdade religiosa .
A proposta é analisar até que ponto o movimento de laicidade vem contribuir para o atuar da Igreja no Brasil e qual é a posição do leigo. A partir da Eclesiologia e dos aspectos atinentes à laicidade, será possível reconhecer que a Igreja deve permanecer receptiva ao diálogo racional com o Estado. Impõe-se cooperação mútua em prol do bem comum e da preservação da dignidade humana.
A proposta é analisar até que ponto o movimento de laicidade vem contribuir para o atuar do Estado e da Igreja no Brasil com uma cooperação mútua em prol do bem comum e da preservação da dignidade humana. Eis o motivo pelo qual a primeira parte apresentará o aspecto histórico da secularização e da laicidade; a relação democracia/laicidade e a situação atual no Brasil.
Na segunda parte haverá a análise da repercussão da democracia no Brasil, o fortalecimento da cidadania, laicidade do Estado e os mecanismos oferecidos pelo sistema constitucional nacional, suas limitações e abrangência. A partir daí será examinado o Acordo Brasil-Santa Sé e o esforço do próprio Estado em sua representatividade pelo Conselho Nacional de Justiça no sentido de divulgar e levar à reflexão o Acordo que veio dar uma visibilidade à justiça canônica e favorecer a atuação da Igreja na sua precípua atuação missionária.
Como ponto de referência da relação entre Direito e a Eclesiologia, será analisado o Acordo Brasil-Santa Sé e o esforço do próprio Estado em sua representatividade pelo Conselho Nacional de Justiça no sentido de divulgar e levar à reflexão o Acordo que veio dar uma visibilidade à justiça canônica e favorecer a atuação da Igreja na sua precípua atuação missionária.
As digressões históricas visam atender tanto aos leitores da área da Teologia, quanto aos da área do Direito a quem os dados específicos da história da Igreja possam contribuir para uma reflexão sobre a importância da Igreja no Estado laico.
Na tensão entre o laicidade estatal como não-intervenção da religião no Estado e o respeito pela religião como parte do patrimônio histórico de um povo, a Igreja povo de Deus, especialmente a partir do laicato, deve assumir a sua missão no espaço secular, fazendo presente a Igreja, sacramento em Cristo (LG 1), nas relações pessoais e institucionais.
Fica justificado o tema a ser desenvolvido tendo em vista a forte identificação da laicidade no Brasil, a partir da Constituição de 1988, como "sinal dos tempos". Sendo o Direito "redutor de complexidade", o Judiciário é utilizado como meio para atender as tensões sociais decorrentes da relação Estado-Igreja e da insatisfação daqueles que pretendem ver o Estado imune à influência cultural da religião.
Talvez seja necessário rever a atuação do próprio Estado-juiz que é chamado a abrir um espaço à participação; do Estado laico como tal a quem cabe dar condições para que a religião não fique relegada ao templo, ouvindo, sem resistência, aquilo que pode receber da Igreja Católica Apostólica Romana e desta a quem cumpre a atenção ao laicismo como sinal de oportunidade para ação, institucionalmente e, através dos leigos, no exercício de sua vocação secular.

I LAICIDADE, LAICISMO E SECULARISMO NA RELAÇÃO ESTADO-IGREJA

1 SECULARIZAÇÃO, SECULARISMO E DESMUNDANIZAÇÃO

1.1 SECULARIZAÇÃO E RELIGIÃO FRENTE AO ESTADO

Qualquer reflexão acerca do sentido da religião no Estado laico e as possibilidades de contribuição do discurso teológico no espaço público perpassa pelo sentido da secularização e secularismo.
As reações manifestadas em ações judiciais ao Acordo Brasil- Santa Sé, junto a outras manifestações, como da ojeriza a símbolos religiosos nos espaços públicos, denotam, sem dúvida, a repercussão histórica da secularização como processo de afastamento do divino à atividade humana, base para o fortalecimento do laicismo como distorção da laicidade necessária à liberdade de atuação na relação Igreja-Estado. Por isso, num primeiro momento, a atenção será voltada para a questão da secularização, do secularismo e do que tem se chamado de desmundanização, para, a seguir, vir o tema do laicismo.
Vive-se em uma era secular que traz, como consequencia, dar um lugar próprio à religião, afastando-a de outro espaço que não seja o sagrado. E quando a noção de secularidade se alia a de Estado, evidencia-se a relação entre secularidade e laicidade, visto que a secularidade se dá especialmente nos espaços públicos caracteristicamente laicos, onde as decisões não se fazem pela conotação a crenças religiosas e são apenas mais um feixe de direitos lastreado pela dignidade humana e liberdade, incluindo a religiosa.
Destaque-se o sentido da palavra "século" da qual derivam "secularização" e "secularismo". No cristianismo, a palavra saeculum foi aplicada na Vulgata, de São Jerônimo, para traduzir kósmos na acepção negativa: momento presente, século, em oposição à eternidade, o "reino" prometido por Deus. Por isso, o termo veio a caracterizar o mundo pagão e, mesmo no interior do cristianismo, duas categorias: clérigos e crentes.
Tenha-se presente que o processo de secularização não é unívoco e nem equivale, necessariamente, à descristianização, embora na busca de uma independência temporal, possa coincidir com um processo inclusive de desclericalização, de purificação de estruturas históricas de inspiração cristã. É possível afirmar que a secularização não significa a perda do sentido religioso, mas, sim, identifica-se com uma crise da fé que se manifesta na demitização e racionalização do mundo. O que tende a desaparecer, aponta Mariano Fazio, é a fé em um Deus pessoal e transcendente. O sentido religioso característico do homem permanece, mas encontra outros centros.
A secularização, na sua conotação de ênfase à racionalização, não se restringe à área da teologia ou da ciência da religião, mas se apresenta em diferentes espaços, inclusive no Direito. A transformação iluminista do direito e moral em universos laicos estão na origem do Estado de Direito moderno onde não existe uma conexão necessária entre direito e moral. O direito não reproduz nem possui a função de reproduzir ditames da moral ou de qualquer outro sistema metajurídico, como o divino. Por outro lado, os preceitos e juízos morais, segundo essa convicção, não se baseiam no direito e tão pouco em outro sistema de normas, como o religioso, mas, sim, na autonomia da consciência individual.
Sem dúvida, a secularização deve ser entendida como um processo. Segundo Fernando Catroga, após a década de 60, quando se tornaram evidentes traços de secularização nos países mais industrializados,a partir de premissas lançadas por Durkheim, Troeltsch e Weber, da influência de filósofos, teólogos, sociólogos e historiadores nasceram as teorias clássicas da secularização. Elas estão relacionadas com a afirmação da modernidade, a influência da religião judaico-cristã, o desenvolvimento da racionalidade capitalista e o crescimento de uma civilização urbana com efeitos que vieram desestruturar as formas tradicionais de sociabilidade. De acordo com Catroga, duas seriam as posições-tipo: afastamento do domínio religioso e a transferência.
Na secularização identificada como a saída de setores da sociedade do domínio do religioso, com enfraquecimento da força do religioso, há a consciência de perda de significado social da religião. Decorre do impacto da modernidade que se reflete na relação entre religião e sociedade. Nesse sentido, falar-se-ía em secularização qualitativa, ou dessacralização, distinguindo-se da secularização quantitativa, que corresponde ao decréscimo nas percentagens de pertença dos indivíduos na vida religiosa. A outra tipificação se apresenta como uma "transferência" do conteúdo e dos esquemas elaborados no campo religioso para o campo profano, o que vem a relativizar o que seria a novidade dos tempos modernos.
Com relação à origem da secularização na tradição judaico-cristão, reporta-se a representantes da hermenêutica de teologia liberal protestante, como Gogarten, na teologia da secularização de origem católica como a de Metz, assim como na perspectiva da sociologia da religião em Peter Berger.
Nesse sentido, pode ser entendida a secularização como a paulatina distinção entre o século e as instituições. Segundo Catroga, observa-se que os próprios textos sagrados apresentam a historicidade da revelação do sagrado, a dessacralização da política sintetizada em "... dai a César o que é de César e a Deus o que é de Deus" (Mt 22,21).
Como o cristianismo prometia a salvação em outro mundo, fica rejeitada a confusão característica da sociedade greco-romana, do religioso e o político. Porém, quando o Império Romano tornou-se oficialmente cristão, no século IV, com Constantino, especialmente com o édito de Teodósio em 380, houve um período que Catroga denomina de "longa promiscuidade" entre o religioso e o temporal na forma do cesaropapista e hierocrática, embora nunca tenha havido fusão. Com a autonomização do político ele se subtraiu à influência da Igreja, cultivando o poder temporal para que "César fosse indiferente, neutro ou separado do poder religioso".
Para o historiador português, as razões para situar uma das causas da secularização na herança judaico-cristã podem ser resumidas a três: a afirmação da transcendência de Deus implicou na autonomia do mundo natural e político; Javé foi definido como um "Deus móvel", que intervém em ações específicas na história, sendo a sua aliança com o povo eleito também histórica, abrindo espaço para a possibilidade de o indivíduo ser livre e responsável no tempo; a normatividade mosaica e a esperança escatológica no Juízo Final definiram o novo Deus como um Deus ético e desenharam expectativas projetadas no imanentismo histórico. Dessa forma identifica-se a secularização como processo na sua relação com o cristianismo.

1.2 CONSIDERAÇÕES HISTÓRICAS: O SENTIDO DA SECULARIZAÇÃO E A DESMUNDANIZACÃO

Historicamente, é preciso ter presente que as diversas guerras religiosas fortaleceram, a partir da primeira metade do século XVII, uma revolução política que teve na França o robustecimento do sentido de Estado. Sendo o Estado do rei de "direito divino" se impôs a necessidade de pacificação civil, possível apenas de sobrepor-se à Igreja, evoluindo para a teoria da soberania popular, vista como uma inversão secularizada das concepções jusdivinistas. Isso levou o componente eclesial religioso ficar sobre a "razão" de Estado, como ocorreu no movimento do regalismo em muitos países católicos europeus, recebendo o nome de galicanismo, josefismo e febronianismo.
Com a Revolução Francesa, houve uma efetiva "descristianização" da sociedade e a criação de uma nova ordem política econômica-social que deu força a uma forte corrente anticlerical. Por isso, o Estado vai passar a reivindicar ações positivas no campo da economia com a nacionalização de bens eclesiásticos e da educação, com a educação gratuita, obrigatória e laica. A finalidade era construir uma cidadania e noção de pertença à Nação. Note-se que a raiz histórica dará uma distinção entre o que ocorreu na América em relação ao que ocorreu na Europa, especialmente na França.
No ponto de vista da cultura americana, a religião foi um elemento estruturante da sociabilidade americana, tanto em nível familiar, como na formação das comunidades. Os EUA se autoproclamaram One Nation under God. Porém, segundo Catroga, o Deus invocado não se confunde com o "Deus das Igrejas", embora a religião civil prolongue uma velha tradição bíblica, que coloca o povo americano sob a proteção de Deus. Inobstante a tolerância marcante, lembra o autor que, a despeito dessa liberdade religiosa, nos EUA é quase impossível que um candidato agnóstico ou ateu seja eleito Presidente da República.
Destaque-se, nesse processo de secularização, que a relação entre a secularização e a industrialização resultou do fato de que as realizações científicas e técnicas exigiram um elevado grau de racionalização também em nível de consciências. E esse espírito racional do plano econômico-social se alastrou para outras instituições, especialmente, ao Estado.
Charles Taylor, ao tratar do tema secularização, prefere o termo "secularidade" e estabelece as caracterizações do sentido do termo. A primeira concentra-se nas instituições, especialmente no Estado. Nesse sentido, embora a política das sociedades pré-modernas estivesse embasada ou garantida por alguma fé, o Estado ocidental moderno está livre da conexão de compromisso com Deus. As Igrejas se encontram separadas das estruturas políticas, com algumas exceções como ocorre em países britânicos, por exemplo.
É possível, nesse sentido, que as pessoas venham a se engajar na política sem conotação com Deus. Porém, não há uma secularidade pura, visto que ainda se admitem os feriados religiosos em que o Estado se rende à cultura religiosa do povo. Poderíamos identificar, aí, o que ocorre no Brasil onde temos a festa de Corpus Christi admitido como um feriado em âmbito nacional, não podendo, dessa forma, concluir-se que há um efetivo esvaziamento da sociedade de valores religiosos.
Porém, quando se diz que estamos em uma era secular, o sentido "consiste no abandono de convicções e práticas religiosas, em pessoas se afastando de Deus e não mais frequentando a igreja". Nesse sentido, lembra Taylor, que a maioria dos países da Europa ocidental se tornou secular, mesmo que, no espaço público, mantenham vestígios de referências a Deus.
Num terceiro sentido, a secularidade enfoca as condições da fé. A mudança para a secularidade consiste "na passagem de uma sociedade em que a fé em Deus é inquestionável e de fato, não problemática, para uma na qual a fé é entendida como uma opção entre outras e, em geral, não a mais fácil de ser abraçada". Nessa perspectiva, examinar uma sociedade secular implica examinar uma mudança social de uma sociedade em que é impensável não acreditar em Deus e uma sociedade na qual acreditar em Deus, ter fé, é apenas uma possibilidade humana.
Nesse contexto, do ponto de vista histórico, Taylor identifica o que ele denomina de era da mobilização, era da autenticidade e a "história da subtração". A era de mobilização está vinculada ao que ocorreu na Igreja especialmente após a queda de Napoleão e movimentos subsequentes visando ao fortalecimento do cristianismo. A era da autenticidade corresponde ao período da década de 1960 e todo movimento emancipatório tanto nos costumes quanto no que se referia à religião e o da "subtração" corresponde ao período de pluralismo religioso e relativismo em que vivemos.
Há de se considerar, especialmente na França, que, com a queda de Napoleão, a Igreja Católica da Restauração vai tentar recuperar espaço. A Igreja ultramontanista, que emergiu da Revolução confere uma nova forma a esse imaginário, com o objetivo de reconstituição de uma sociedade totalmente cristã. Esse esforço para restabelecer o cristianismo gerou esforços contrários que tomaram forma de movimentos secularistas. De qualquer forma, foi um período de organização de pessoas leigas em novas corporações, surgindo várias formas de apostolados que vieram a ser chamadas de "Ação Católica". Por essas circunstâncias, Taylor denomina o período como "era de mobilização".
Outro marco importante, em termos de secularidade foi a revolução cultural ocorrida em décadas, tendo a de 1960 como marco simbólico, em que se apresenta uma revolução individualizadora com uma mudança de eixo. Segundo Taylor é o que ele denomina era da autenticidade. O cultivo de si mesmo passou a ser imperativo, com um empenho em tirar o máximo de si, sendo isso espiritualmente satisfatório. Outro aspecto decorrente foi da "liberdade de escolha". Palavras chavões como "liberdade", "direitos", "respeito", "não discriminação" passaram a ser empregadas como universais para neutralizar qualquer argumento.
Em termos de impacto de toda essa mudança sobre o lugar da religião no espaço público, aponta Taylor que as formas religiosas dominantes da "era da mobilização" foram desestabilizadas pela revolução cultural, com uma espécie de estranhamento em relação a muitos aspectos da ética e do estilo de autoridade das igrejas, especialmente do Vaticano. Houve uma rejeição à religião institucional. Portanto, passou-se de uma descrença parcial da elite do século XVIII para a descrença mais ampla, mas ainda parcial, com desafeição e distância da religião no século XX. Houve uma perda de "status" de que gozava a crença em séculos passados, sendo esse o fenômeno maior da "secularização", ou seja, perda de matrizes da crença.
Mas, não é somente isso. O mundo pluralista, com muitas formas de crenças e descrenças que se chocam, segundo Taylor, fragiliza umas às outras, é o que ele denomina como "história da subtração". O resultado do pluralismo e fragilização mútua frequentemente será a retirada da religião da área pública, o que se apresenta como inevitável. A coesão depende de uma ética política, da democracia e dos direitos humanos, firmadas por diferentes comunidades crentes e não crentes. Note-se, porém, que, em decorrência da democracia, o discurso religioso estará muito mais exposto na área pública na medida em que nenhuma posição religiosa tem preponderância e há um senso de liberdade de pensamento. Isso justifica o fato de que, com frequência, haja a afirmação de que alguém é espiritual ou espiritualizado, mas não se considera religioso. Aliado a isso há, na maioria da população, o que Taylor denomina de "religião mínima".
"Ser espiritual, mas não religioso" é um dos fenômenos ocidentais que tem afinidade com a noção de "religião mínima". No período que costumamos denominar pós-moderno está ocorrendo a busca religiosa, cujo resultado ninguém é capaz de prever.
Esse neologismo de pós-moderno é criticado por ser ambíguo, pois se trata de uma modernidade de novo gênero e não simples superação do anterior. Não se assiste o óbito da modernidade, mas, sim, seu "remate". O Estado recua, religião e família se privatizam. Por isso, Lipovetski prefere o termo "hipermodernidade": "uma sociedade liberal, caracterizada pelo movimento, pela fluidez, pela flexibilidade; indiferente como nunca antes se foi aos grandes princípios estruturantes da modernidade, que precisaram adaptar-se ao ritmo hipermoderno para não desaparecer". Todavia, no presente trabalho, é usada a terminologia corrente de pós-modernidade.
Portanto, na evolução da história, na relação sociedade-Igreja, no processo de secularização vai ocorrendo a laicização que aponta para o movimento do religioso que retorna ao século. Há uma dessacralização de atividades dependentes da religião, como a política e normas éticas que, ao atingir o nível de contraposição, se denomina secularismo.
Mesmo ao interno da Igreja, num plano de um novo cristianismo, é possível identificar uma tendência de processo secularizante na direção de um secularismo anticristão. Porém, a secularização não pode ser usada para justificar a marginalização da Igreja e nem mesmo impor o isolamento da fé na esfera privada, exigindo, todavia, um movimento da própria Igreja frente à sociedade, na sua situação secular e na sua pluralidade. O essencial, pois, é procurar meios para responder às expectativas, reconhecidos pelo Vaticano II na autonomia das realidades terrestres (LG 36).
Vale, aqui, uma consideração feita pelo Papa Bento XVI. Em visita à Alemanha, em setembro de 2011, o Papa Bento XVI fez uma declaração aos representantes do Conselho da Igreja Evangélica Alemã (EKD), em Erfurt, cidade onde Lutero iniciou seu caminho teológico. Naquela ocasião, o Papa identificou dois grandes riscos que ameaçam os cristãos, o de uma nova forma de cristianismo algumas vezes preocupante em suas formas e o de adulterar a fé, cedendo à secularização. Por isso, a fé deve ser pensada e vivida para que se converta em algo que pertence ao presente na vivência da sua Palavra e no empenho pela criatura que Deus quis à sua imagem: o homem. Assim, a necessidade de defender a dignidade inviolável do homem, visto que a fé em Deus se concretiza no empenho comum pelo homem.
Se a Igreja quer realizar sua missão deve destacar-se da mundanidade, alertou o Papa, fazendo que o chamado à abertura prevaleça sobre a atenção à organização e à institucionalização. É preciso buscar as pessoas, exigindo do cristão e da comunidade de crentes uma contínua conversão. A secularização, segundo Bento XVI, manifestada em diferentes maneiras como a expropriação de bens da Igreja, cancelamento de privilégios, sempre significaram uma libertação da Igreja de formas de mundanidade. O despojar-se das riquezas leva à pobreza terrena: "liberta de seu fardo material e político, a Igreja pode dedicar-se melhor e de modo verdadeiramente cristão ao mundo inteiro, pode estar verdadeiramente aberta ao mundo".
Portanto, a secularização que liberta leva a Igreja a desmundanizar-se para que possa realizar sua missão, ser instrumento da redenção, anunciando a Palavra de Deus, transformando o mundo e as relações em amor e vida.

2 LAICIDADE E LAICISMO

2.1 LAICIDADE E LAICISMO: DISTINÇÕES

Se a secularização é um componente desafiador quando se trata da fala teológica, nesse afastamento entre esfera religiosa e secular há um elemento característico ou decorrente da secularização: a laicidade.
A laicidade moderna, cujos antecedentes filosóficos remontam a Marsílio de Pádua e Guilherme de Ockham (século XIV) se apresenta como um projeto político de autonomia e independência do poder civil em relação ao religioso e, em alguns casos, especialmente ao clerical.
O objetivo no presente trabalho não é apresentar a evolução histórica, filosófica ou política do tema, mas estabelecer os contornos do seu sentido para identificar a repercussão hoje no Brasil, tendo com base de pesquisa a jurisprudência e o Acordo Brasil-Santa Sé.
Embora muito utilizado o termo "laicidade", há uma gama de conotações que precisam ser explicitadas. Há pontos de encontro e desencontros numa literatura algumas vezes repetitivos. Por isso, a necessidade de reduzir o posicionamento a determinados autores naquilo que oferecem de interesse ao tema.
Ao discorrer sobre laicidade, Vittorio Possenti faz questão de esclarecer qual o sentido do termo-base, ou seja, leigo, que hoje tem sido cada vez mais usado e muitas vezes pouco entendido. Mantém-se o significado primário de leigo em contraposição ao eclesial e aí se fala em leigo ou fiel leigo, integrante do povo de Deus que significa o que é do povo. Porém, na Europa, cada vez mais o termo é usado não como um membro do povo de Deus, mas, sim, relacionado ao não crente. Assim, embora o termo seja usado num e noutro sentido, cuida-se de uma diferença entre "laicidade" e "laicismo".
O laicismo não se limita a admitir a autonomia da esfera civil em relação à religiosa. Ele não considera a religião como um fato positivo na vida pública, mas, sim, como um elemento nocivo e que deve ser relegado a uma esfera exclusivamente privada. Assim sendo, a política deve libertar-se de qualquer contaminação com a religião e os crentes são colocados em um grupo à parte.
Lembra ainda Possenti que há uma diferença entre "laicismo" e "anticlericalismo". O anticlericalismo se volta especificamente a uma posição crítica frente à Igreja e de sua verdadeira ou presuntiva ingerência na vida política. O laicismo é mais profundo e universal, de tal forma que pode conduzir a uma restrição da liberdade religiosa. Para a linha anticlerical,como a de Luis Maria Cifuentes, o uso não claro dos conceitos de laicidade e laicismo é uma intenção de desqualificação política e ideológica por determinados círculos católicos, apresentando-o como uma espécie de "dogmatismo totalitário e estadista que anula a liberdade religiosa em nome da liberdade de consciência".
Afirma Cifuentes que o catolicismo espanhol tem aderido à laicidade, mas se opõe ao laicismo por considerá-lo como um inimigo da liberdade da Igreja católica Por isso, segundo o mesmo autor, fala-se em laicidade e não em laicismo porque, para alguns, laicismo é sinônimo de hostilidade à religião. De qualquer forma, mantém-se a conotação de intolerância antirreligiosa enquanto a laicidade tem uma referência à liberdade de religião e de consciência, assimilando a laicidade à noção de respeito e tolerância.
Com relação ao laicismo e o anticlericalismo, embora haja uma vertente que considera o anticlericalismo como um suporte de base do laicismo, Luis Maria Cifuentes afirma que, especialmente na Espanha, o anticlericalismo é uma reação a abusos de poder da Igreja católica que teriam gerado situação de violência de guerra.
O laicismo anticlerical apresenta-se como negação da tradição cristã. Para essa visão, o Estado secular e laico representa um efetivo superamento da tradição cristã, uma espécie de apostasia coletiva. Tenta, dessa forma, negar as raízes cristãs da civilização européia ocidental e o cristianismo como fator de progresso.
Assim como o secularismo é uma adulteração da secularidade, o laicismo é uma degeneração da laicidade, uma espécie de erro no modo de impor a relação do cristão e do cristianismo com o mundo em nível social. Porém, em temos de laicidade, ainda se impõe a distinção entre "laicidade eclesial" que se tem em vista a situação do leigo cristão na Igreja e a "laicidade civil" motivo pelo qual Possenti propõe o termo laicidade ou laicalidade cristã.
Assim como o sentido de secularização pode encontrar suas raízes no cristianismo, da mesma forma o sentido de laicidade quando Jesus Cristo aponta a diversidade entre Deus e César, ou seja, entre religião e política. Na expressão "daí a César o que é de César e a Deus o que é de Deus" (Mt 22,21; Mc12,17; Lc 20,25) é possível identificar uma autêntica laicidade, com uma alusão ao fato do que é reto em relação ao Estado, sem inibir Deus do que lhe é particular. E da mesma forma não proíbe a influência da religião na esfera pública, pois Deus está acima de César, motivo pelo qual as ações não podem ofender o pequeno, o desamparado, pois é ofensa ao próprio Deus.

2.1.1 Laicismo e a relação de poder da Igreja

Embora a parte histórica não seja o tema específico do presente trabalho que se direciona à situação brasileira frente ao Acordo Brasil-Santa Sé, não é despiciendo fazer algumas colocações a demonstrar que a questão da laicidade como problema político- constitucional e que tem sua causa próxima com as doutrinas liberais acompanhou um processo histórico na separação Igreja e Estado.
A história do povo hebraico, quatorze séculos antes de Cristo, apresenta um Deus que dialoga com o poder, os patriarcas Abrão, Isaque e Jacó: "Não temas, Abrão! Eu sou o teu escudo, tua recompensa será muito grande" (Gn 15.1), e esse diálogo perpassa no decálogo e toda história do povo de Israel.
Na Igreja nascente, era admitida a obediência às autoridades civis, pois os cristãos consideravam que não há autoridade que não provenha de Deus (Rm 13,1-7). Porém, "é preciso obedecer antes a Deus do que aos homens" (At 5,29).
O expansionismo romano nos primeiros séculos do cristianismo fazia com que se aceitasse o sincretismo religioso. Por isso nem sempre os cristãos foram perseguidos, mas a hostilidade era da população pagã e judia. Tanto que, na época de Justino, foi proibida a condenação de cristão apenas pela denominação, sendo necessário ficasse provada a culpa por suas ações.
Desse período, nomes ficaram marcados na história por sua flexibilidade ou intolerância com os cristãos: Trajano, Diocleciano e Galerio, sendo que este último promulgou um Edito de Tolerância, em 311. Galerio justificava a perseguição aos cristãos como a intenção de conduzi-los aos veterum instituta. Como eles são abandonaram o seu Deus, concedeu o direito de adorarem o seu Deus e do Deus dos cristãos ser adorado.
Com o Edito de Milão, de Constantino (313), foi concedida a liberdade religiosa aos cristãos; a restituição dos lugares de culto e dos bens imóveis que foram desapropriados durante a perseguição. Foi reconhecida a Igreja como um corpus, com personalidade jurídica, podendo receber e transacionar os bens.
Essa paz rendeu benefícios à Igreja como a restituição de bens; extensão aos sacerdotes dos ofícios municipais; faculdade de outorgar testamento em favor da Igreja; construções de basílicas; foro episcopal para algumas causas civis e não só eclesiásticas; uso do monograma de Cristo em moedas e estandartes do exército, proibição de servir-se da cruz como instrumento de suplício; medidas contra o adultério, rapto, concubinato, prostituição, convocatório de Concílios, como o de Nicéia, em 325.
Note-se, porém, que Constantino usava o título de Pontifex Maximus como chefe do culto pagão. E mais, a estreita colaboração entre o Imperador e os bispos tinha aspectos positivos e negativos. Era chamado a interferir, como ocorreu na questão ariana e no cisma donatista.
Com isso, no decorrer da história, o equilíbrio do dualismo Poder Público (secular) – Igreja, em diferentes momentos, ficou prejudicado em face de desvios. Do cesaropapismo, forma extrema de monismo secular, à hierocracia, forma extrema do monismo eclesiástico, impõe-se citar ainda o regalismo, em que o poder da Igreja se apresentava como forma de predomínio sobre o secular, especialmente no período do Iluminismo e nos anos que o precederam.
No sistema de relação entre a Igreja e o Poder Público (secular) denominado cesaropapismo, cabe ao chefe do poder a competência de regular e disciplinar a sociedade cristã, exercendo poderes reservados à autoridade religiosa. Ocorre, pois, subordinação da Igreja ao poder estatal o que levou a Igreja a adotar cânones proibindo o Estado de exercer poder eclesiástico.
A doutrina sobre o tema revela que no processo de reconhecimento oficial da Igreja houve períodos difíceis, como o que ocorreu com Juliano, o Apóstata, que tentou voltar ao paganismo e se chega ao Edito Cunctos Populos, ou De Fide Catolica nome dado ao Edito de Tessalônica, decretado pelo imperador romano Teodósio em 27 de fevereiro de 380 pelo qual estabeleceu a religião católica como religião de estado exclusiva do Império Romano, abolindo todas as práticas politeístas do Império, vindo a fechar templos pagãos.
Nesse período, a Igreja e sua doutrina começaram a ser consideradas ius publicum romano. O imperador convocava concílios e no Concílio da Calcedonia (451) foi conferido ao imperador o título de sacerdos imperator. Com Justiniano I (527-565), imperador bizantino, o cesaropapismo se transformou em instituição permanente, sendo a confessionalidade fundamento do poder de governo. A fé foi assumida como princípio de unidade política.
Com a queda do império romano do Ocidente, a divisão do Império em suas partes ocidental e oriental, a adoção do Cristianismo como religião oficial e a mudança da capital para Bizâncio (Constantinopla), o Papa e os bispos passaram a ser considerados pessoas com autoridade e se converteram em defensores civitatis. É possível lembrar, aqui, que no período de denominada Alta Idade Média, os centros da vida eclesiástica constituíram a base da cultura e da política. Os monastérios e catedrais representavam os fundamentos da romanização dos bárbaros.
No contexto histórico, há de se considerar ainda nesse período a figura do Papa Gelasio I.Em carta encaminhada ao Imperador Anastasio, no ano 494, apresentou, de modo teórico, o dualismo cristão, sendo possível destacar alguns princípios: poderes distintos para os governos, sendo que ambos têm origem divina; independência entre si em suas respectivas competências;nenhuma delas está submetida à outra ; os indivíduos que ostentam poder estão submetidos à outra autoridade nas funções que lhe são próprias; a vida espiritual está regulada pelo poder da autoridade eclesiástica, o poder religioso merece consideração mais alta porque a dignidade da vida religiosa é superior à vida temporal.
Merece destaque também a obra do Papa Gregório Magno, que esteve no governo da Igreja de 590 a 604. Foi responsável pela reforma litúrgica, deu impulso à evangelização dos saxões, revelando firmeza na direção da Igreja. Reforçou o papel da Igreja em um período em a Igreja era a instituição capaz de assegurar ordem em fase da ausência de um poder civil forte. Segundo Zeno Hastenteufel, "já se manifestava então a doutrina que, mais tarde foi desenvolvida por Gregório VII, no século XI, sobre a função ministerial do soberano, Ministerium Regis: o poder é dado ao rei para seu reino terrestre seja posto a serviço do Reino dos Céus".
A distinção entre a ordem espiritual e temporal do ponto de vista da Igreja leva à afirmação de que ela, como estrutura hierárquica organizada, na condição de Reino de Deus na terra exige que o poder de quem a guia seja reconhecido por quem detém a autoridade temporal. Carlos Magno recebeu a coroa imperial do Papa Leão III no ano 800, surgindo o Sacro Império Romano Germânico.
Em decorrência da estreita relação nasce a chamada christianitas ou respublica christianorum em que sociedade civil e religiosa se viram unidas. O império devia servir aos fins da cristandade. Os imperadores eram ministros da Igreja, sendo consagrados e coroados pelo Papa. A esse enfrentamento de poderes denomina-se luta das investiduras.
Cumpre considerar, aqui, também a hierocracia, caracterizada pela grande interferência do poder religioso sobre o estatal e que se consolidou com o Papa Gregório VII, alcançando máxima expressão com a Bula Unam Sanctam, do Papa Bonifácio VIII (1302). Defendia-se a superioridade do poder espiritual sobre o temporal, levando os príncipes à jurisdição da Igreja visto que competia ao poder eclesiástico o julgar os pecados e absolvê-los. Assim, a hierocracia medieval dava à Igreja o duplo poder, espiritual e o temporal, sendo que a autoridade temporal dos príncipes era concedido por delegação do Papa.
Os séculos XII e XIII foram a idade de ouro da hierocracia. Entre os Papas mais importantes estão Inocêncio III (1198-1216), Inocêncio IV (1243-1254) e Bonifácio VIII (1294-1303).
Com a morte de Bonifácio VIII e, posteriormente Bento XI que se estabelecera em Perugia, Clemente V se estabelece em Avinhão, na sombra de França. Houve nepotismo que se prolongou com João XXII e o concílio ecumênico realizado em 1311, em Viena, repetia o caráter absoluto do poder pontifício.
Desde os fins do século XV e ao longo do século XVI muitos bispos não tinham interesse em questões espirituais e os príncipes seculares buscavam fortalecer seu poder, assumindo o controle da igreja. Ao conceder os direitos de padroado aos reis de Portugal e Espanha e a reis europeus, os papas estabeleciam que os reis determinassem a vida religiosa e o preenchimento de cargos eclesiásticos. Os príncipes controlavam as ofertas do povo. E, nas cidades, uma burguesia consciente de seu poder lutava contra os direitos do clero, especialmente as imunidades fiscais e isenções jurídicas.
Desde o final do século XIII havia os que defendiam a eclesiologia papalista. Partia-se da monarquia papal desenvolvida em torno das investituras, "o papa, investido da plenitude de poder, significa e é a igreja".
O segundo tipo de eclesiologia era a conciliarismo. Eles se baseavam em Marsílio de Pádua (1290-1342) e em Guilherme de Ockham (1285-1349). Para eles o poder na igreja emana do povo e não há hierarquia de direito divino. O poder eclesiástico é somente espiritual. E o terceiro era a eclesiologia espiritualista. Joaquim de Fiore (1130-1202) predissera a vinda do Espírito e alguns franciscanos assumiram essa doutrina.
No início do século XVI predominou a eclesiologia papalista, embora a eclesiologia conciliarista ainda não havia desaparecido. Isso favoreceu o movimento reformista.

2.1.2 A teoria do poder indireto da Igreja e o regalismo do Estado

Com o movimento reformista de Lutero que, junto com a Bula de excomunhão queimou o Corpus Iuris Canonici, o dualismo Igreja-Estado perdeu sua razão de ser, embora a religião tenha se convertido em assunto de Estado. A Igreja ficou submetida ao Príncipe.
Depois da Reforma do século XVI as relações entre católicos e protestantes eram de irmãos inimigos. Embora a palavra "contrarreforma", ela cobre a primeira fase do movimento de reforma, do concílio de Trento.
Após intensos anos de guerras religiosas que se seguiram, a denominada Paz de Westfalia, em 1648, foi construída sob o princípio cuius regio eius religio. Chega-se à união entre Estado e confissão religiosa. Esse confessionalismo levou à intolerância e às dissidências políticas. Não mais sobrevive o cesaropapismo ou a hierocracia, com a predominância de um ou outro poder. Internamente, por parte da Igreja, surge a teoria da potestad indirectam em relação aos assuntos temporais e o regalismo, ou doutrina do poder indireto do Estado, nos assuntos espirituais.
Considerando a supremacia do valor do fim sobrenatural que corresponde à salvação eterna, é possível concluir que, nas questões temporais, há um poder indireto na medida que essas questões estão relacionadas ao fim sobrenatural.
Os particularismos decorrentes das diversas nacionalidades surgidos nesse período histórico possibilitou aos países reformados o nascimento de igrejas nacionais enquanto que nos países católicos, na mesma linha da tendência nacionalista, aceitavam-se a unidade da fé, a união com o Papa e a submissão da Igreja ao poder dos príncipes.
Foi instrumento do regalismo a liberdade da igreja nacional, assumindo em cada país características peculiares: galicanismo francês, febronianismo alemão, josefinismo austríaco.
O galicanismo é uma concepção que provém do absolutismo de Luis XIV e das ideias de Bossuet que redigiu um 1682 uma Declaração do clero galicano visando a assegurar o poder do rei, o bem-estar dos súditos e a submissão da Igreja. Em relação a coisas temporais os reis independeriam da Santa Sé, o Concílio estaria acima do Papa, devendo este respeitar os costumes e constituição aceitas na Igreja galicana.
Além disso, as definições referentes à fé não poderiam sofrer reforma sem que houvesse consenso de toda a Igreja. A Igreja galicana estaria submetida às ordens do Papa desde que fossem reconhecidas ou assinadas pelo Papa ou pelo Parlamento francês. Luis XIV reuniu o clero, em 19 de maio de 1692, apresentou as "Liberdades galicanas".
Com a Revolução Francesa, em 12 de julho de 1790, a Assembléia Constitucional aprovou a Constituição Civil do Clero, por intermédio da qual os padres católicos passaram a ser funcionários públicos. A Santa Sé fez condenações moderadas a essa concepção para evitar um cisma semelhante ao da Reforma Anglicana na Inglaterra.
O Febronianismo foi outro poderoso movimento dentro da Igreja Católica na Alemanha, na última parte do século XVIII, direcionada para a nacionalização do catolicismo, a limitação do poder do papado, em favor do episcopado, e da reunião das igrejas católicas dissidentes com a cristandade.
Esse sistema recebeu com José II (1780-1790), na Áustria, o nome de Josefinismo. Entre as medidas fortes podemos citar a transformação dos monastérios em centros pastorais, sendo colocada sob a supervisão do Estado a formação de sacerdotes o que levou à diminuição das vocações sacerdotais, sendo também anuladas disposições eclesiásticas acerca do matrimônio canônico.
Aponta-se, porém, que esse modelo de relação Igreja- Estado veio auxiliar a Igreja a rever certos danos causados pelos privilégios pontifícios recebidos do poder político, fazendo o necessário retorno da ação da Igreja para o seu interior, favorecendo o fortalecimento do poder Estatal e a transformação da Igreja.
Na Espanha e Portugal o regalismo foi aplicado às colônias americanas e consistiu na responsabilidade assumida pelos monarcas em evangelizar os novos povos.

2.2 O LIBERALISMO E A LIBERDADE RELIGIOSA

O liberalismo foi expressão de valores que foram gestados no século XVIII e XIX em que os homens pensavam em uma nova liberdade com um sistema representativo que implicasse na estruturação jurídica da cidadania.
Na área jurídico-política, dá-se importância à igualdade das categorias sociais e submissão à lei e, consequentemente, ao nascimento dos regimes constitucionais. Na relação com a fé, o liberalismo trouxe como ideias a razão, e, não a revelação, sendo a razão a fonte de conhecimento e critério de verdade. Como consequência, a razão era livre frente a qualquer poder que pretendesse dominá-la. A liberdade de culto também deu predominância à separação Igreja-Estado, sendo a única relação possível a Estado e cidadão.
As primeiras formulações de liberdade religiosa, a Declaração de Direitos da Virgínia de 1776 e Os Direitos dos Homens e do Cidadão, de 1768, foram resultado de revolução. A posição norte-americana garante a liberdade religiosa e o poder político se apresenta como incompetente para determinar a religião ou a confissão dominante.
Diferente foi a experiência francesa. Criou-se uma religião revolucionária e uma Igreja dependente da revolução. A religião ficou no âmbito da consciência pessoal, devendo o Estado ser agnóstico. A separação era entendida como a separação da Igreja nacional da Igreja de Roma. Houve uma submissão da Igreja à vigilância do Estado através de leis regalistas que pretendiam limitar a presença social das confissões aos princípios iluministas. O Estado estava acima da Igreja que se converte em associação civil regulada por leis civis.
Algumas medidas tomadas foram a proibição de votos perpétuos; secularização dos bens eclesiásticos; clero se converte em parte da burocracia estatal; secularização do matrimônio; supressão de ordens e congregações, especialmente as contemplativas ; organização da Igreja pela autoridade civil, como paróquias e dioceses.
Importa, aqui, destacar que,a partir do sistema liberal, surgiram três correntes que se mantiveram no século XX com relação à relação Igreja-Estado: coordenacionista (Concordatas); sistema de separação entre Igreja e Estado; Estado inimigo e perseguidor da religião. Atualmente, em que pese a tendência laicista, com separação entre Igreja e Estado, a Igreja tem mantido o sistema concordatário.
A liberdade religiosa não impede a atuação concordatária da Santa Sé, como ocorreu no Acordo Brasil-Santa Sé, visto que a cooperação, o entendimento e o diálogo entre Estado e Igreja é o caminho que está sendo percorrido, inobstante as manifestações estremadas e relativistas de um laicismo desagregador.

2.3 ELEMENTOS DA LAICIDADE E O MANIFESTO LAICO

Ao tratar de laicidade é possível, conforme estudiosos do tema, traçar algumas características que são recorrentes: imparcialidade, indiferença, neutralidade, procedimento como se Deus não existisse, laicidade como cânone metodológico.
Como sinônimo de imparcialidade do Estado a laicidade se apresenta como salvaguarda da liberdade religiosa, observado o pluralismo religioso e cultural. Como conseqüência, de forma complementar, a indiferença da laicidade promove condutas de não-discriminação.
Pela neutralidade exigida à laicidade, a autoridade civil age como um guardião, deixando o agir social e o agir como se Deus não existisse,obrigando aos crentes a renunciarem no debate público a referência e argumentos relativos à transcendência. A laicidade como critério metodológico induz o respeito à realidade e à racionalidade que podem ser usados por crentes e não crentes sobre valores da vida comum e dos fundamentos jurídicos e políticos para a convivência civil, levando ao diálogo e responsabilidade. Isso demonstra o amplo leque de elementos quando se utiliza o termo laicidade.
Refere Possenti, na contextualização da laicidade, que uma nova categoria que ainda está em fase de definição seria a de "sociedade pós-secular". Ela corresponderia a uma cultura que não admite a incompatibilidade de princípio entre a esfera religiosa e civil e que adota esses critérios da laicidade conforme delineados.
A laicidade se apresenta com disponibilidade entre razões seculares e fés religiosas, reconhecendo-se reciprocamente. Torna-se possível, assim, chegar a alguns objetivos fundamentais e participar de discussões especialmente quando se trata de proteção da pessoa e questões fundamentais envolvendo a questão da vida como embrião, eutanásia, aborto .
Dar um espaço para a laicidade se torna indispensável. Quanto mais se abrir espaço à discutibilidade mais nos afastamos de atitudes fundamentalistas. Por isso, ela deve ser valorizada como uma dimensão da própria natureza humana. A laicidade implica, pois, em uma disponibilidade à cooperação e à escuta e não se coaduna com o laicismo que se constitui em uma degeneração ideológica negativa, especialmente anticlerical. Portanto, para os laicistas, mesmo denominados de moderados, a condição da laicidade é a separação entre esfera política e religiosa. Dessa forma, o cidadão fica protegido da ingerência do clero, especialmente das religiões historicamente organizadas, como é a Igreja Católica. Portanto, quando os autores que escrevem sobre o tema referem-se a Igreja, significa Igreja Católica Apostólica Romana.
Quando se afirma que o laicismo na Europa tem tido forte repercussão, é importante ter presente que essa maximização do movimento tem menos de quinze anos. Tomamos como ponto de referência o Manifesto Laico Italiano, de 13 de novembro de 1998, seguido por novos pontos no I nuovi punti del Manifesto Laico, de 3 de junho de 2000. E assim o faço, levando em consideração que a sede do poder da Igreja Católica está na cidade do Vaticano.
O início do Manifesto é impactante: "Existe também uma outra Itália. E isso se deve levar em conta". Essa outra Itália do Manifesto é a que reconhece a autonomia e pluralismo do Estado, sem ingerência da hierarquia eclesiástica, que diz sim à liberdade de expressão de todas as religiões e não ao que denominam de privilégios da Igreja Católica.
Segundo o Manifesto, não apenas os católicos, mas o próprio Vaticano far-se-ia um partido, intervindo oficialmente em campanha política contra a lei de interrupção voluntária da gravidez, regulamentação de fecundação artificial e reconhecimento dos casais de fato.
A Igreja romana é acusada de não tratar os cidadãos de forma igual, motivo pelo qual propugna a prerrogativa da civilidade para que haja um governo de todos e não apenas dos católicos praticantes. Defende-se a autonomia do Estado e aponta-se diretamente contra os privilégios da Igreja católica com linguagem claramente anticlerical o que fez Norberto Bobbio não aderir ao Manifesto.
A situação não é inusitada, pois no movimento de separação de Igreja e Estado vemos diferentes manifestações na Europa, como a Lei de Separação da Igreja e do Estado da República de Portugal, datada de 20 de abril de 1911 que dispunha no Artigo 2º:
A partir da publicação do presente decreto, com força de lei, a religião católica apostólica romana deixa de ser a religião do Estado e todas as igrejas ou confissões religiosas são igualmente autorizadas, como legítimas agremiações particulares, desde que não ofendam a moral pública nem os princípios do direito político português.
E a liberdade religiosa como direito fundamental está expresso na Declaração Universal dos Direitos do Homem, de 1948. Essa liberdade religiosa, quando relacionada à laicidade do Estado, significa que o Estado deve assumir uma posição de neutralidade, equidistante de convicções de crença. A laicidade vai demonstrar os modos concretos dessa prática e o laicismo se apresenta com uma conotação ideológica que valoriza as dimensões mais universais do ser humano, para favorecer uma sociedade livre, aberta e inclusiva. Por esse motivo, as associações laicas, trazem à discussão assuntos não apenas políticos, mas aqueles referentes à inclusão social de grupos minoritários como imigrantes e homossexuais, a liberdade de práticas de eutanásia, interdição da prática de mutilações sexuais rituais identitárias em crianças (excisão e circuncisão ), liberação de drogas, entre outros.
Em Manifesto, a Associação Cívica República e Laicidade (R&L ) portuguesa destaca que a atuação no espaço público é de todos, motivo pelo qual se opõe ao que denomina privilégios reconhecidos à Igreja Católica, procurando formar, pela implementação da laicidade, um discurso humanista em contraponto às estruturas institucionais de corporações religiosas junto da opinião pública.
Sobre a laicidade no século XXI em que religiões e convicções filosóficas se constituem socialmente em locais de recursos culturais, existe da mesma forma vigilância para que a laicidade não adote aspectos de religião civil, motivo pelo qual há uma consciência de que a laicidade não seja concebida como uma ideologia anticlerical e seja efetivo princípico fundamental de convivência.
Adverte o pesquisador Roberto Blancarte que, embora comum na prática, laicidade não é o mesmo que a separação Estado-Igrejas. Aponta que Dinamarca e Noruega que têm igrejas nacionais como a luterana e cujos ministros do culto são considerados funcionários do Estado, são laicos na medida em que as formas de legitimação política são fundamentalmente democráticas, existindo autonomia do político frente ao religioso. Da mesma forma, há países formalmente laicos, mas que estão condicionados pelo apoio político proveniente de uma ou mais Igrejas majoritárias do país.
Para Blancarte, a ampla definição de laicidade está independente do regime legal de alguns países, dependendo mais da maior ou menor legitimidade proveniente de instituições religiosas. Os países de implantação protestante são bastante laicos embora tenham Igrejas nacionais ou oficiais. Onde as igrejas ortodoxas estão mais arraigadas, como Grécia e Rússia, o Estado ainda depende de legitimidade proveniente da instituição religiosa. Há países majoritariamente católicos onde há uma relação tensa entre o Estado que busca a autonomia de gestão e a Igreja que, segundo ele, "pretende moldar a política pública".
Não é possível, todavia, que o laicismo que geralmente se apresenta com uma conotação anti-Igreja, especificamente àquela que historicamente por muito tempo teve primazia no Ocidente, que é a Católica Apostólica Romana, venha inibir a manifestação de pensamento dos crentes. Isso porque, atuando em sociedade, não poderá o cristão católico se omitir à manifestação acerca de temas polêmicos e que trazem repercussão na reflexão de valores na sociedade.
No Brasil, há diferentes manifestações por um Estado laico, no sentido de afastar qualquer ingerência ou privilégio. Porém, a jurisprudência brasileira tem se inclinado pela aplicação dos princípios de direito do Estado que não se afastam daqueles do direito eclesiástico, ou seja, admitir a laicidade do Estado e da Igreja como uma conquista civilizatória que permite o diálogo fecundo e o cooperação (GS 76).

3 A LAICIDADE E A ECLESIOLOGIA

3.1 LAICIDADE E ECLESIOLOGIA TOTAL NA PERSPECTIVA DE BRUNO FORTE

A consciência da necessidade de reforma interna e diálogo com o mundo iniciados no Concílio Vaticano II lastrearam as discussões pós- conciliares. E um dos temas recorrentes tem sido a do fiel leigo integrante ativo do povo de Deus, o que se alia à questão da laicidade. Embora não seja comum aos teólogos a preocupação com o tema da laicidade, Bruno Forte é citado como referência, inobstante a sua atenção se volte precipuamente á atuação dos leigos, ao que denominamos laicato.
Segundo Bruno Forte, o Concílio superou duas grandes reduções: cristomonismo e eclesiocentrismo, vindo a redescobrir a profundidade trinitária da Igreja e a destinação final para a Glória. O povo de Deus (Ecclesia viatorum) é peregrino, povo do êxodo e sua missão é conservar viva a espera vigilante e empenhativa: "o vir da história de Deus suscita o ir da história de Deus", concebida no desígnio salvífico.
Na relação Igreja e realidade terrena é importante ter presente as origens. Na Igreja "mistério", o apelo à origem faz compreender a Igreja como "dom", pois não é esforço do homem, mas oferta gratuita de graça divina. E também nos leva a repensar a Igreja "na História". A redescoberta do primado de Deus trindade sobre o seu povo peregrino no tempo levou a redescoberta de uma "eclesiologia total", eclesiologia da unidade que precede e fundamenta toda distinção carismática e ministerial.
O apelo ao fim leva a Igreja a relativizar-se a si própria e ao mundo. Ela se descobre pobre e serva, sempre reformanda, convidada a uma contínua purificação e renovação, relativizando também as grandezas do mundo, tudo submetido ao juízo da cruz e da ressurreição. A Igreja é exigida a assumir as esperanças humanas, verificando-as sob crivo da ressurreição. Nessa inspiração da presença cristã nos diferentes contextos culturais, políticos e sociais, em nome de sua "reserva escatológica", a Igreja não pode se identificar com nenhuma ideologia, mas tem força crítica de empenho para a justiça e paz.
A percepção renovada das origens do alto e do destino final para a glória de Deus traz como consequência a identificação da igualdade fundamental de todos os batizados, condição de povo reunido na unidade da Trindade.
Renovada a consciência de índole escatológica fica evidenciada a vocação universal à santidade na comunhão eclesial, sendo que a tensão entre o "já" e o "ainda não" faz perceber a provisoriedade e complexidade da Igreja, rica pela variedade de dons e serviços.
Em relação ao leigo, como povo de Deus e do laicato em sua atuação específica na Igreja, Bruno Forte destaca a etimologia do termo "laikós", que deriva de "laós", povo. O sufixo "- ikós" confere ao adjetivo um significa que designa uma categoria oposta à outra no meio do povo. Segundo Bruno Forte o termo foi poucas vezes utilizado nas versões gregas da Bíblia, sendo fixado por Tertuliano o "laicus" como o cristão que não pertence ao clero. Todavia, historicamente, essa distinção foi sendo repensada havendo amadurecimento da própria Igreja sobre a importância de todos os integrantes da comunidade eclesial.
Como consciência dessa concepção do laicato refere Bruno Forte o III Congresso Mundial do Apostolado dos Leigos (1967), a constituição do Consilium de Laicis, reestruturado em 1976 como Conselhos para Leigos que visa ao serviço e promoção do apostolado leigo. Houve ainda o Sínodo dos Bispos de 1987 dedicado ao tema vocação e missão dos leigos na Igreja e no mundo.
Na perspectiva da antropologia cristã, o Concílio, na Lumen Gentium, fez uma descrição tipológica e não ontológica dos leigos, compreendendo como leigos os cristãos, exceto da ordem sacra e estado religioso (LG 31) a quem caberá o exercício do sacerdócio comum dos fiéis (LG 10). A unidade está em Cristo, fundamento do ser cristão.
Destaca Bruno Forte a superação de binômios hierarquia-laicato e religoso-não-religioso em favor do binômio comunidade-ministério e carismas. Há um deslocamento de uma concepção eclesiológica piramidal "hierarcológica", Cristo-hierarquia-povo, para uma visão comunional, Espírito - comunidade-ministérios e carismas – comunidade, onde a Igreja aparece suscitada pelo Espírito em sua unidade e articulações.
E o aspecto comunicacional dá um sentido à secularidade. Toda a comunidade de fiéis é interpelada pelo saeculum, embora alguns, por dom livre do Espírito Santo, possuam um relacionamento mais próprio com ele. Todos são chamados a relacionarem-se com as realidades mundanas observado o proprium carismático e ministerial.
Propõe o teólogo a recuperação da laicidade na eclesiologia, com o reconhecimento do saeculum e da atuação do leigo nesse âmbito Lembra que a recusa da laicidade era uma atitude eclesiocentrista pela qual a Igreja era percebida como "sociedade perfeita", auto-suficiente, parecendo possuir soluções para tudo, atitude que isolou a Igreja perante o mundo moderno. Na práxis da Igreja também havia a recusa da autonomia do mundo ligada à valorização exacerbada do sagrado com uma absolutização da mediação da hierarquia.
À Igreja docente, ativa no magistério e na ação sacramental e pastoral se contrapunha à igreja discente, formada por fiéis cuja obrigação era escutar, obedecer e deixar-se guiar.Com nova postura trazida pelo Vaticano II, a Igreja passa a ser não apenas a que ensina, mas a que escuta e aprende.O mundo torna-se parte integrante e ativa do diálogo da salvação. Essa visão externa também teve repercussão interna (Igreja ad intra), recuperando o que Bruno Forte denomina de eclesiologia total. São reconhecidas a dignidade e autonomia de cada batizado, advindo, como consequencia, a identificação da responsabilidade dos leigos.
No ponto de vista da eclesiologia total, supera-se a divisão da Igreja em classes e a conexão específica leigos-secularidade. Restitui-se o primado à ontologia da graça, embora não se perca o foco do compromisso de animação evangélica por parte do secular. A Igreja assume a laicidade como uma dimensão que qualifica o corpo de batizados, com exceção dos ministros ordenados e dos religiosos.
Por outro lado, considerando que todas as condições de vida, mesmo dentro da Igreja, têm dimensão mundana, político-social, torna-se necessário assumir uma atitude carregada com essas ressonâncias. Logo, a laicidade na eclesiologia não está atrelada a um único componente da realidade eclesial. Toda a comunidade deve confrontar-se com o "saeculum", "deixando-se marcar por ele em seu ser e em seu agir. A igreja inteira deve caracterizar-se por este relacionamento positivo com a laicidade".
Essa recepção crítica da laicidade pela eclesiologia, segundo Bruno Forte, se realiza em três níveis: relacionamentos intraeclesiais (laicidade na Igreja); responsabilidade comum dos batizados em confronto com o secular e da mediação que se deve realizar entre salvação e história (laicidade da Igreja) e no plano do reconhecimento por parte da Igreja do valor próprio e autônomo das realidades temporais (laicidade aceita pela Igreja).
A laicidade na Igreja respeita a autonomia do mundano. Os batizados são sujeitos em que a dignidade e a responsabilidade que lhes são próprias devem ser reconhecidas e promovidas. Logo, a laicidade na Igreja leva à tolerância e ao diálogo o qual se funda teologicamente na eclesiologia de comunhão. Assim, a laicidade na Igreja significa liberdade do cristão, primado da consciência e responsabilidade de cada um pela plenitude da verdade.
Segundo Bruno Fortes, do sensus e do consensus fidelium, na perspectiva da Igreja que ensina e aprende, recebe e doa o Espírito, há uma abertura à aceitação da laicidade na Igreja.
A laicidade da Igreja corresponde à responsabilidade de todos os batizados em vista da ordem temporal. Cada batizado é chamado a ser alguém atuante na situação histórica, exercendo o papel crítico-profético. Há, com isso, a superação do apostolado leigo como mera colaboração ao hierárquico e a separação entre o sagrado e o profano.
Todos devem cooperar com os outros em vista da evangelização da comunidade. Define-se a laicidade da Igreja "como co-responsabilidade de todos os batizados no processo de mediação entre salvação e história, como presença dos cristãos na aventura humana".
O reconhecimento crítico da laicidade na eclesiologia comporta também a laicidade do mundo quando a Igreja dá valor próprio e autônomo das realidades terrestres. Supera-se o eclesiocentrismo em prol de uma eclesiologia dialógica e ministerial. É a Igreja em diálogo e a serviço de todos os homens.
Lembra Bruno Forte que é possível propor a superação da categoria do laicato. Os "leigos" não existem como categoria, a não ser negativa. Portanto, preferível seria falar em cristãos, na variedade carismática e ministerial que o Espírito suscita. Mas, mantendo ao laicato o mesmo deve ser visto positivamente pela riqueza carismática e ministerial.
Quanto à secularidade, a responsabilidade como saeculum é de todo cristão, cada um devendo exercitá-lo conforme o dom recebido e o seu ministério. Portanto, o ministro ordenado não pode desinteressar-se da realidade temporal, devendo, porém, ocupar-se da mesma em relação ao seu específico ministério. Igual exigência se faz aos demais frente à sua responsabilidade em relação à realidade mundana observado o respectivo carisma.

3.2 A TEOLOGIA EM DIÁLOGO COM O MUNDO

A falência histórica dos modelos ideológicas que dominaram a modernidade fez naufragar o otimismo acerca da condição humana.
Em decorrência, Bruno Forte aponta duas razões como motivadoras da exigência de falar de Deus no interior da cultura do que ele denomina de "pós-modernidade": um vazio e uma expectativa.
Há o triunfo do vazio, da renúncia a fortes motivações, a cultura da "decadência" que priva a pessoa da paixão pela verdade. A questão não é a falta de Deus, mas o fato de que as pessoas não sofrem mais dessa falta em face da doença da indiferença.
Surge uma nova necessidade de sentido, razões para motivar a vida e o compromisso do totalmente Outro. Há uma expectativa cujo desafio é descobrir a pessoa para além de todo protagonismo, aberta ao mistério, interpelada pelo Outro soberano e transcendente que entra em nossa história e chama na liberdade à comunhão Consigo. Gratuidade como gratificação e a crescente consciência das exigências da solidariedade colocam-se nessa busca de sentido. Há uma espécie de redescoberta do Último: "Não obstante o aparente triunfo da decadência, emergem sinais de uma expectativa e de um possível retorno de Deus...". Porém, para atrair as pessoas a Deus, a Igreja deve voltar-se continuamente a Ele, pertencer-Lhe sem reservas.
Por outro lado, as situações de opressão, de exploração fazem surgir um compromisso pela libertação inspirado em Jesus Cristo, tomando-se consciência dos oprimidos. É necessário, para isso, admitir uma "desprivativação" da mensagem cristã que leva o teólogo a se inserir na história de seu povo. Abre-se espaço a uma teologia antropológica em que o sujeito é lido como pergunta aberta e a revelação é resposta radical a essa abertura.
Como verdade viva e pessoal, Cristo não é imposto a ninguém e sua verdade não cessa de ser veritas indaganda. Por isso a teologia é pensamento do outro; do Outro transcendente que se revela e convoca o outro próximo, imediato ou remoto. A teologia nasce na história e reflete a condição humana, a destinação ao encontro com o mistério da encarnação do Verbo. A teologia é crítica, consciente do hoje eclesial e mundano, relacionando vida e fé, memória do passado, profecia, estimulada pelas interrogações.
Nessa perspectiva, o teólogo é um crente que experimentou o dom do encontro e, com outros crentes, se sente vinculado por laços de comunhão de tempo e espaço, a serviço "põe sua inteligência e seu coração, bem consciente dos limites que lhe são próprios", espera ser sinal do Eterno, sentinela da justiça.
Chamado à comunhão, o teólogo serve à comunidade para ordenar o vivido, exprimindo-o, esclarecendo-o e purificando-o à luz da Palavra de Deus de tal forma que ela se torne comunicável em diferentes situações históricas. Na linguagem de Bruno Forte, é necessário a escuta do êxodo e do advento para discernir, na complexidade da história eclesial e social, os sinais do Mistério.
Cabe ao teólogo assumir o presente, com a escuta da condição humana. Para isso, é preciso discernimento que implica, segundo Bruno Forte, em três momentos: assumir a complexidade; o confronto com a Palavra de Deus;a indicação de pistas provisórias e críveis. Assumir a complexidade é deixar-se inquietar em seus preconceitos e aceitar o fato de que não há diagnósticos fixos. Por isso, a necessidade de a pesquisa teológica servir-se da mediação cultural e socioanalítica e de ciências humanas que possam lhe dar um melhor conhecimento do mundo e de suas linguagens, mundo com quem se autocomunica o Outro e identifica-se a beleza. Sem a convicção em fáceis certezas, a teologia vive na história. Na Palavra procurará a luz necessária para orientar seu caminho, tendo coragem e paciência para esperar onde não houver ainda clareza. Desse modo, de acordo com Bruno Forte, a "Palavra se deixará reesclarecer com novas ressonâncias".
Esse discernimento dispõe o teólogo a propostas apenas provisórias e críveis. E o que essa reflexão crítica da fé compreende da escuta da Palavra e do discernimento da complexidade vai constituir a profecia teológica para o hoje da Igreja e do mundo. A partir de Cristo, objeto, fundamento e medida, a teologia é chamada a oferecer a mensagem da fé ao próprio tempo.
A questão, porém, é como dialogar no mundo quando a argumentação não é a fé. Bruno Forte admite a tensão entre a imensidade do mistério de Deus e a mutalidade da história. Na proposta de abertura da teologia a outros saberes, a teologia "imperfeita" não deve fechar-se a um sistema completo, tendo a prática como locus theologicus para discernir os sinais dos tempos, enquanto serviço à koinonia, à martyria e à diakonia da Igreja.
Na relação entre racionalidade científica e racionalidade teológica a questão não é a separação fé e razão, mas o risco de sua "excessiva" conciliabilidade. Não é possível perder de vista que a racionalidade teológica está radicada na memória eclesial da palavra da fé, "promessa e advento revelado" em Jesus Cristo. Ela usa paradigmas e linguagem do tempo em que se processa, sem perder de vista a fonte, a força do Outro.
Porém, não há como reconhecer a afirmação da autonomia do mundo profano em relação ao religioso, o que Bruno Forte denomina de "mundanidade do mundo". Nesse sentido, a laicidade para ele equivale à secularidade, com reconhecimento do valor do que é próprio do século. Logo, sem afastar-se da laicidade, a Igreja é chamada a responder os desafios do diálogo num espaço não caracterizado pela crença, mas que deve estar centrado no valor do humano e na sua dignidade.

4 DEMOCRACIA ESTATAL E A SÃ LAICIDADE

4.1 A DEMOCRACIA E SUA REPERCUSSÃO NA LAICIDADE

Não é possível identificar o sentido do laicidade sem uma recuperação do sentido de Estado e de democracia.
O liberalismo que deu suporte à Revolução, ao centrar seus interesses no indivíduo e nas suas iniciativas, apresentou uma teoria antiestado, em que pese tenha se fortalecido o movimento de unificação-centralização através da burguesia conservadora, especialmente com Napoleão. Ao Estado ficou reservado o papel de manutenção da ordem e segurança, proteção das liberdades civis e a liberdade pessoal, assegurando também a liberdade econômica no âmbito do mercado capitalista. Era um Estado "inibido".
Essa liberdade individualista era freio à formação de associações. Porém, com a revolução industrial, os operários oprimidos sentiram a necessidade de se manterem em grupos de pressão. A luta de classes gerou novamente a crise. A proteção de caráter coletivo se impunha e o Estado precisou se adaptar às mudanças sociais.
Lembremos que a Rerum Novarum, de Leão XIII, publicada em 15 de maio de 1891, teve como preocupação a exploração e pobreza dos trabalhadores, especialmente da Europa e dos Estados Unidos.
O Estado social foi a resposta à crise do liberalismo econômico, vindo a tomar corpo a partir de 1918 e se consolidando com a depressão de 1929. A guerra levou a repensar práticas sociais e a depressão econômica impôs uma política de intervenção por parte do governo.
A Igreja, nesse período, não se manteve alheia às angústias do mundo, tendo relevância da Encíclica Quadragésimo Anno, de Pio XI em 15 de maio de 1931. Essa encíclica celebrou os 40 anos da Rerum Novarum. Atualizou a Doutrina Social da Igreja, apresentando a preocupação da Igreja pelos trabalhadores mais pobres, apontando para a necessidade de uma justa ordem social.
Aponta-se o direito da Igreja e o seu dever de tratar de assuntos sociais, não podendo renunciar ao ofício de que Deus a investiu de divulgar a ordem moral a que se subordinam a ordem social e questões econômicas.
A esse Estado se agregaram conteúdos, direitos fundamentais. A preocupação com as garantias individuais que deram suporte ao Estado liberal clássico massificado se deslocou para a proteção a direitos sociais. Nesse sentido, o Estado sancionador tornou-se cada vez mais um Estado Social de Direito intervencionista.
O Estado visava criar situação de bem-estar que garantisse o desenvolvimento da pessoa humana, rumo a um Estado Democrático de Direito, impondo à ordem jurídica e à atividade do Estado uma atividade de transformação.
Nessa evolução do Estado liberal houve o paulatino afastamento do atuar da Igreja na esfera social que lhe era comum, tendo a democracia como elemento importante de manifestação e participação social ativa de todos, crentes e não crentes.
Porém, isso se restringe a uma visão ocidental, não sendo possível supor que os valores relacionados à liberdade, autonomia e igualdade como direitos de todos os homens sejam aceitos por todas as culturas. Porém, as credenciais do pós-nacionalismo parecem ser a possibilidade de criação de uma comunidade política assentada em princípios fundamentais entre os quais a democracia e o Estado de Direito, posição defendida por Habermas.
No plano interno, a conexão do Estado com a democracia apontada por Habermas se explica conceitualmente tendo em vista a interrelação entre as liberdades subjetivas de ação do sujeito privado e a autonomia pública do cidadão. Entretanto, alerta Blancarte, que os representantes de instituições políticas não devem procurar a legitimidade na fonte religiosa, pois a legitimidade de suas decisões vêm da sua representatividade da vontade popular. Portanto, não se pode buscar a legitimidade política no religioso, pois enfraquece a fonte de autoridade do Estado laico-democrático, que é o povo.
O direito de comunicação e participação é que garante o agir no uso público das liberdades, dando assim iguais oportunidades a todos. Portanto, a atuação do indivíduo no espaço público é a base democrática legitimadora do próprio agir. Note-se, porém, que,no conceito procedimental de democracia, será preciso ter presente a circulação oficial e não-oficial de poder. Nesse sentido cumpre questionar qual o poder da Igreja, ou especialmente do cristão nessa democracia.
Do ponto de vista não-oficial, o poder social tende a instrumentalizar o poder comunicativo gerado no processo político. É aí a importância da atuação dos sujeitos em outros espaços de poder, da atuação dos centros de consenso fora dos planos decisórios do Estado. É possível, em decorrência, identificar na democracia um espaço de manifestação do cristão.
Comparando a idéia de democracia no Estado constitucional em relação à Igreja, Ratzinger aponta que a democracia constitucional é representativa, uma forma de exercer a soberania e o controle. O portador da soberania é o próprio povo por seus representantes. Interessa à democracia que a res publica seja bem governada. O Estado é para si, fundamentalmente o próprio fim, "realiza-se plenamente no bonum commune, no bem comum dos seus cidadãos". Entretanto, em relação à Igreja, ela não tem em si nenhuma autoridade e não resulta da soma das atividades humanas. A finalidade da Igreja não é o governo dos próprios valores e bens, mas o que nela se trata é verdade do Evangelho de Jesus Cristo. Cumpre a ela "manter irredutível a palavra de Deus como exigência feita ao homem, e como esperança ele presente". Cumpre à Igreja e ao ministério eclesial atuar na forma que mais se enquadre no Evangelho.
Continuando sua reflexão sobre a interpretação democrática do conceito de Igreja, Ratzinger refere que as palavras-guias da eclesiologia conciliar apresentam pontos de inserção da tese de democratização e aí citam-se fraternidade, carisma, colegialidade, sinodalidade, povo de Deus. A fraternidade cristã, no sentido bíblico, conduz à paternidade de Deus e à adoção dos homens no Filho Jesus, demonstrando a qualificação fundamental da existência na fé, mas não lhe dá cunho diretamente institucional-político.
Quanto à democratização as palavras mais decisivas são: carisma, sinodalidade como extensão da colegialidade, povo de Deus. Há representação de Igreja como isenta de domínio. Mas, carisma não está ligado a um princípio democrático, mas pneumático, que, portanto, não está disponível a todos.
O papel do povo de Deus não pode induzir em erro quando se fala em direito de voto do povo de Deus ou quando faz crítica ao múnus episcopal que não encontra limites no povo de Deus, mas, só no papa. Quando assim se pensa, povo de Deus não significa mais a Igreja, distribuída entre clero e leigos, mas exclusivamente aos leigos. A palavra ecclesia, tomada no seu sentido primário significa "o encontro dos cristãos para a anamnese da morte e ressurreição do Senhor". Portanto, a Igreja tem como o seu modelo constitucional na reunião anamnética e não no conceito de povo.
Quanto à estrutura sinodal não há de admitir um sínodo misto como autoridade governamental, pois não pode ser entendido o governo da Igreja como assunto meramente político-administrativo. A função de presidir a Igreja é "serviço imparticipável", sendo o governo de poder espiritual.
Mas, reconhece Ratzinger que a democratização, com suas diferentes significações e até mesmo mal compreendida, tem a "voz do povo" tem sido historicamente instância da Igreja, não para com ela concordar, mas a partir dela refletir, esclarecer. Todos os momentos oferecem oportunidades e perigos para a Igreja. Por isso, é uma "insensatez e uma ausência de visão crítica" pensar que a Igreja pode se fechar no passado. A era da democracia é um apelo também dirigido à Igreja que deve assumir uma posição crítica e aberta.

4.2 A SÃ LAICIDADE CRISTÃ

Na evolução da história da Igreja há uma crescente consciência da laicidade e da sua importância na abertura de espaço ao diálogo e à fidelidade cristã.
Segundo Martin Rhonheimer, esse processo que culmina no capítulo quinto da Encíclica Centesimus Annus (1991), de João Paulo II, onde há o reconhecimento da necessidade de uma sã teoria do Estado.
Leão XIII na Encíclica Immortale Dei escrevera sobre a diferença de poderes, eclesiástico e civil, reconhecendo a autonomia tanto do poder temporal como do espiritual, observando a soberania autônoma do Estado. Embora ainda apontasse como pecado do Estado não ter cuidado com a religião, houve, segundo Rhonheimer, uma abertura a novas soluções. Através da mobilização dos leigos, a evolução passa pela aceitação da ideia de democracia por parte de Pio XII (1939-1958).
João XXIII (1958-1963), na sua Encíclica Pacem in Terris, defendeu os direitos dos homens e a busca da paz afirmando que "a paz permanece palavra vazia de sentido, se não se funda na ordem [...] construída segundo a justiça, alimentada e consumada na caridade, realizada sob os auspícios da liberdade".
O Concílio Vaticano II e o magistério social pós-conciliar, na Encíclica Centesimus Annus, de João Paulo II, reconheceram a modernidade política, sem imposições. Da mesma forma, na Encíclica Deus Caritas Est, de Bento XVI, há essa disponibilidade de olhar o Estado. Esses documentos marcaram uma mudança na relação da Igreja com o mundo.
O Estado democrático de direito se converte, assim, em projeto catalisador da racionalização do mundo da vida que aponta muito além do político. Mesmo sendo laico, o Estado muitas vezes é chamado a resolver questões que repercussão religiosa para o cristão. Em matéria de argumentos envolvendo questões religiosas em face do Estado, o Direito é chamado a trazer solução à controvérsia.
Note-se apenas que o Direito estatal não poderá levar em conta questões teológicas, mas especialmente argumentos de razão pública com base em princípios ordenadores e em valores que podem ser compreendidos por crentes e não crentes com atenção à dignidade do próprio ser humano, base dos direitos humanos visto do ponto de vista individual, coletivo ou transindividual.
No Estado, essa dignidade é preservada constitucionalmente como direito fundamental que vai ser sopesado no âmbito da laicidade. A sã laicidade vai implicar em que o Estado reconhece a religião como presença pública.
Eis o motivo pelo qual se seguirá com uma análise da situação constitucional no Brasil em relação ao aspecto do direito à religião e dos princípios necessários ao exame de questões com suporte no ordenamento jurídico constitucional de um Estado laico, mas não ateu.

II LAICIDADE NO BRASIL E O ACORDO BRASIL – SANTA SÉ

1 ANTECEDENTES E A LAICIDADE DO ESTADO BRASILEIRO ATÉ A REPÚBLICA

Embora o objetivo do trabalho não seja meramente histórico, não é possível fazer uma reflexão acerca da situação do Brasil na relação Igreja-Estado sem uma breve consideração sobre os antecedentes e a tensão entre a identidade do Estado laico e a Igreja. O que se identifica é a tendência ao alijamento de elemento religioso em espaço público pelo fato de ser o Estado laico, que se contrapõe à consciência de que, por ser Estado laico, a liberdade religiosa permite que crentes venham a se manifestar na esfera pública.
A religião católica no Brasil esteve presente desde o período do descobrimento e foi, inegavelmente, importante para o desenvolvimento cultural e social do país. A evangelização do período colonial (1500-1800) foi fortemente condicionada por situações históricas. Marcadas pelo catolicismo português, a religiosidade conservava elementos tipicamente medievais, como a intercessão dos santos, devoções e manifestações externas como romarias, promessas, festas.
A religião era utilizada para dar ao "projeto colonial" uma legitimação de caráter sacro à expansão lusa. Embora houvesse um projeto de "conversão dos gentios", o interesse era a atividade comercial. Logo, no Brasil, a evangelização se iniciou incrustada num projeto de interesse político e econômico.
Na relação Igreja e Estado, no período do Brasil colonial, há de se considerar a existência do padroado. A origem do padroado português está relacionado à "Ordem de Cristo", uma espécie de associação religiosa laica, formada por nobres, com fins militares. Surgiu em 1319, com os fundos da extinta Ordem dos Templários (1312).
O papa Calisto III (1455-1458) pela Bula Inter Coetera, de 13 de março de 1456, concedeu à Ordem de Cristo a jurisdição espiritual das conquistas portuguesas. Porém, com o decorrer dos anos, a Coroa portuguesa assumiu a chefia da Ordem de Cristo, sendo o rei reconhecido como seu grão-mestre pela Bula Praeclara Charissimi (1551), do Papa Júlio III.
Portanto, o rei de Portugal detinha a função de chefe político e superior religioso, como pessoa sagrada, sendo considerado pelo Romano Pontífice como filho "fidelíssimo". Segundo, Henrique Matos, o rei se tornava "papa" efetivo da Igreja em seus domínios. Com isso, é certo que, no período do Brasil colonial, considerando a situação de Portugal, o Estado se sacralizava na medida em que a fé católica era religião oficial do Estado.
Em decorrência do padroado, a Igreja tinha uma dependência da Coroa, pois a ela estavam subordinadas as nomeações eclesiásticas e sustentação do clero. Além disso, era pequeno o número de padres para os serviços pastorais. O dízimo cobrado pela Coroa de 10% sobre as rendas dos colonos era geralmente desviado das finalidades religiosas. Ao mesmo tempo, o Estado dependia do clero para legitimar o seu poder.
Após a criação da Diocese da Bahia (1551), foram instituídas outras três dioceses,em 1676, em Pernambuco e Rio de Janeiro e, em 1677, no Maranhão. Até o fim do período colonial havia um arcebispo, na Bahia, seis bispos e dois prelados. Os bispados eram sufragâneos da Bahia, com exceção do Maranhão e Pará que continuavam sob a jurisdição de Lisboa. O grande empecilho na criação de novas dioceses era exatamente a dependência da Coroa em decorrência do sistema do padroado.
Nesse período, o laicato era constituído pelos brancos do mundo colonizador e negros, índios e mulatos do povo colonizado. Participavam na construção das igrejas com suas contribuições e trabalho. Formavam confrarias com a devoção a determinados santos e pelas quais lhes era concedida a dignidade de ter direito a enterro, procurando um espaço de liberdade. Serviam para salvar a dignidade dos africanos.
Com o Brasil Holandês (1637-1644) ficou intensificada a influência calvinista embora houvesse tolerância religiosa. Mas, mesmo após a saída de Nassau (1644), a atuação calvinista se intensificou.
No século XVIII o Brasil passou a ser influenciado pela maçonaria que propugnava a liberdade de imprensa, liberdade religiosa e a separação Igreja e Estado. Associada á Revolução Francesa, a maçonaria foi considerada um dos inimigos do cristianismo e da Igreja.
Embora Portugal tenha se mantido isolado do processo de secularização iniciado com o movimento do Renascimento e reforçado pelo racionalismo do século XVIII, houve alteração com a era de Pombal. Ele que pretendia criar um Estado forte, inspirando-se nas ideias iluministas em voga na Europa onde príncipes e reis católicos afirmavam a independência religiosa dos estados em relação ao papa e a submissão da Igreja ao Estado. Pombal tomou medidas restritivas aos jesuítas, culminando com a acusação de que teriam participado de regicídio (1758), procedendo à expulsão oficial da Companhia de Jesus dos domínios portugueses (3.9.1759).
O despotismo esclarecido no campo político tende à nacionalizalação da Igreja e ao movimento de autonomia das igrejas locais. Também surgiu uma ilustração católica que não lutava pela Igreja, mas por mudanças internas. Na Colônia,diversos movimentos nativistas ocorreram, salientando-se a Inconfidência Mineira (1789) e Revolução Pernambucana (1817) dos quais participaram representantes do clero e religiosos.
Na primeira Constituição do Brasil independente, outorgada em 25.03.1824, a religião católica apostólica romana continuou sendo a religião do Império (art. 5).
Após tratativas diplomáticas, Leão XII, através da Bula Praeclara Portugalliae (15.05.1827), criou para o Brasil as ordens de Cristo, Santiago e Avis, conferindo ao Soberano o padroado. Porém, o Governo rejeitou a bula papal por entender que o padroado era um direito imperial próprio, sendo ociosa a concessão, pois o direito do padroado existia por forca da constituição imperial. Não havendo uma concordata com a Santa Sé, o Império fez uso de seus direitos, ocorrendo medidas anticlericais.
A par da crise do clero secular, as ordens religiosas também passaram a ser impedidas de atuação. A Santa Sé recusou a separação das ordens religiosas de seus superiores de Portugal, fazendo-o apenas a partir do pedido dos regulares. Mas havia pressa em nacionalizar os regulares, sendo, então, criados empecilhos de atuação e acesso a cargos por estrangeiros. Além disso, D. Pedro proibiu o ingresso de noviços, passando, posteriormente, a confirmar a necessidade de licença imperial para a recepção dos novatos.
Em 12 de julho de 1827, Bernardo Pereira de Vasconcelos apresentou projeto propondo que a disciplina da Igreja ficasse a cargo da nação brasileira. Destaca Henrique Cristiano José Matos que, nessa etapa da história nacional, a Igreja continuou ligada ao Estado, no regime do regalismo, como reedição do padroado colonial. Merece destaque o fato de que, no decurso do Império, o catolicismo brasileiro apresentou duas tendências opostas: tendência nacionalista e aproximação de Roma.
Nos anos que se seguiram foram extintas várias congregações: a de São Felipe Néri, em Pernambuco, carmelitas em Sergipe, sendo abolida a ordem das carmelitas descalças também na Bahia.
Em 1831 foi sancionado o Código Criminal do Império do Brasil, sendo consolidados em dois artigos a nacionalização (art. 79 e 80). Ficou tipificado como crime o reconhecimento por cidadão brasileiro de obediência a superior fora do Império, com pena de prisão de quatro a seis meses, sendo mais grave a pena se fosse cometido por corporação podendo chegar a oito anos de prisão.
As investidas de Feijó contra o celibato e os movimentos liberais no Brasil levaram à crise que se deu na nomeação do bispo do Rio de Janeiro em decorrência da morte de Dom José Caetano de Azeredo Coutinho, em 1833.
Indicado o nome de Pe. Dr. Antonio Maria de Moura, candidato eleito pela Regência, o mesmo foi vetado em decorrência de sua tentativa de abolição do celibato, embora a alegação ter sido o fato de ser filho ilegítimo, sofrer de epilepsia e, sem as devidas dispensas, ter sido ordenado sacerdote fora da diocese onde nascera.
A Regência de Feijó ameaçava fazer ordenar o indicado Bispo. Houve rompimento com a Santa Sé, mas a situação foi superada pela intervenção do Arcebispo da Bahia que lembrava terem sido aceitas pelo Brasil as doutrinas de Trento nada havendo a ser discutido.
Mesmo assim, em 1838, Feijó propôs um concílio nacional, visando a restabelecer a autoridade do Metropolita, estabelecendo uma uniformidade na Igreja brasileira. Entretanto a proposta foi rejeitada porque o Governo não teria poderes para decidir sobre a matéria apresentada a exame.
Na relação histórica do Brasil com as religiões, ainda deve ser levada em consideração a presença dos luteranos no país. As imigrações de germânicos favoreceram o ingresso de não católicos em território brasileiro, acrescentando-se ainda o fato de não haver interferência do governo no seu sistema interno como ocorria com o catolicismo.
A presença protestante se deu como protestantismo de imigração e de missão, pois o catolicismo era visto como "desvio do verdadeiro cristianismo". O descaso da política oficial para com a religião de Estado continuava. Em 1843, o Império declarou o direito de padroado independentemente da concessão pontifícia e transformou como norma legal a designação das igrejas matrizes para nelas se realizarem as eleições.
Essa situação, porém, foi alterada. A Igreja Católica no Brasil foi reorganizada, rompendo com a tradição regalista da Metrópole marcada pela posse de Dom Antonio Ferreira Viçosa como bispo de Mariana, Minas Gerais, em 1844.
Houve uma aproximação com a Santa Sé, com a adesão às ideias chamadas de "ultramontanas". Mas, embora reforçada a preocupação com a formação dos seminaristas, a Academia Jurídica que fora fundada juntamente com a do Recife, no ano de 1827, e que funcionava no largo São Francisco, era centro de polêmicas. Lá professavam o progresso advindo da razão e defendiam-se posições anticlericais.
Em 1855, houve a chamada supressão "branca' das antigas ordens religiosas, sendo vedado o ingresso de noviços até que a questão fosse resolvida via concordata, que não veio a acontecer. Graças à ação do episcopado reformador que buscava o modelo eclesial tridentino, contra os liberalismos, na segunda metade do século XIX, diminuiu a presença de padres no parlamento e nos movimentos insurrecionais.
Em contraste à postura dos prelados, a maçonaria promovia palestras públicas, tendo Joaquim Nabuco dentre a militância anticlerical. Entretanto, no crepúsculo do império, os bispos estavam mais vigilantes e leigos ativos, com a organização de associações católicas, jornais confessionais,embora tenha havido anticlericais de relevo, como Rui Barbosa e a maçonaria tivesse força no governo.
O golpe militar de 15 de novembro de 1889 proclamou a república, não tendo havido interferência da hierarquia eclesiástica. Foi abolido o padroado e não foi admitida religião oficial. A todas as confissões foi conferido do direito de reger-se sem interferência do governo temporal.
Embora mantivesse a situação de religião majoritária, Igreja Católica no Brasil passou a conviver num Estado laico.

2 RELIGIÃO COMO DIREITO FUNDAMENTAL E A CIDADANIA NAS CONSTITUIÇÕES BRASILEIRAS

2.1 ANTECEDENTES CONSTITUCIONAIS E SITUAÇÃO DA IGREJA ANTES DA CONSTITUIÇÃO CIDADÃ DE 1988

O crescente processo de laicização que se aproxima do laicismo, como na questão do uso símbolos religiosos em prédio público, não é isolado e se apresenta num contexto histórico-político. Por isso, serão feitas breves considerações sobre o período da Proclamação da República até a Constituição de 1988.
Note-se que a única constituição que faz referência expressa à religião católica é a Constituição Política do Império do Brasil, de 25 de março de 1824. Toma-se como fonte de referência a obra de Henrique Cristiano José Matos, onde, por questão de apresentação didática, a situação da Igreja no Brasil nesse período é descrita em cinco etapas: o catolicismo defensivo (1890-1922); a reconstrução da cristandade (1922-1945); os leigos em uma Igreja militante (1922-1945): uma nova autocompreensão da Igreja (1945-1968) e os novos rumos da Igreja (1968 -2000).
Como a obra foi editada tendo em vista os 500 anos do descobrimento do Brasil, ela limita a análise a 2000. Porém, um novo contorno se faz no País a partir da assunção do Partido dos Trabalhadores na liderança do governo. A situação de Estado emergente e a inclusão do Brasil como referência internacional aumenta a autoestima do cidadão e torna mais ferrenha a busca de reconhecimento das diferenças, há um aumento da percepção da dignidade humana como direito fundamental. Por outro lado, essa circunstância permite a inclusão do Brasil no calendário de importantes eventos católicos, como a V Conferência Geral do Episcopado Latino-Americano e do Caribe, em 2007 e a próxima Jornada Mundial da Juventude, em 2013.
A Constituição republicana de 24 de fevereiro de 1891 consagrou a separação oficial entre Estado e Igreja e não fez qualquer referência expressa à Igreja Católica. Reconheceu apenas o casamento civil (art. 72, § 4º), deu caráter secular aos cemitérios (art. 72,§ 5º), estabeleceu o ensino leigo enquanto dever do Estado (art. 72, § 6º), extinguindo a possibilidade de privilégio a algum culto religioso (art. 72, § 7º).
Desde o Império de Dom Pedro II, o Executivo se tornara forte e centralizador. Pelo Padroado, era o imperador que possuía competência eclesiástica. Ele nomeava bispos e autorizava ordenações. Porém, liderada por seus bispos, a Igreja do Brasil se unia a Roma. Era decisiva uma renovação na Igreja que se fazia sentir em duas vertentes: formação do clero e catequese para o povo. Foram, então, enviados alunos para o Colégio Pio latino-americano para preparar formadores para os seminários.
Preocupados com a falta de conhecimento acerca da religião por parte do povo, os Bispos insistiam em sermões dominicais, catequeses após as missas, formação para jovens e adultos, inclusive concedendo indulgências especiais tanto para quem assistisse à catequese como para quem a desse.
Através da Bula Ad Universas Orbis Ecclesias (27.04.1892), de Papa Leão XIII, foi dado início à reorganização da Igreja no Brasil, sendo criadas províncias eclesiásticas, a do Norte (Setentrional), com sede na Bahia e a do Sul (Meridional), com sede no Rio de Janeiro. Religiosos estrangeiros vieram ao Brasil, favorecendo a educação católica e área hospitalar com a construção de casas de misericórdia. Surgiram também iniciativas em termos de imprensa, com várias revistas católicas, entre elas a Ave Maria, em São Paulo, em 1897, e o Mensageiro do Coração de Jesus, dos jesuítas, no Rio de Janeiro, em 1897, sendo que esta última ainda mantém impressão regular.
Segundo consta na página do Ministério de Relações Exteriores, em 1893, houve o reconhecimento da personalidade jurídica das Igrejas e de seu direito de propriedade. Em 1901, a Internunciatura Apostólica no Brasil foi elevada ao nível de Nunciatura Apostólica. Em 1905, Dom Joaquim Arcoverde de Albuquerque Cavalcanti, arcebispo do Rio de Janeiro, foi o primeiro Cardeal da América Latina e somente no ano de 1919 é que a representação brasileira na Santa Sé foi elevada à categoria de Embaixada e a Nunciatura no Brasil era promovida a 1ª classe.
No ano de 1922, no centenário da Independência, ocorreu a Semana da Arte Moderna que demonstrava o inconformismo cultural. Houve também a fundação do Partido Comunista e ocorreu a Revolta do Forte de Copacabana, no Rio de Janeiro, por iniciativa de tenentes que exigiam reformas políticas. O Presidente Artur Bernardes, mineiro católico, aproximou-se da Igreja por entender que, através dela, seria possível restabelecer a moral e a ordem no Brasil. A Igreja começou a reivindicar lugar privilegiado na sociedade civil para restaurar o "Estado Cristão".
Com a eleição de Pio XI (1922-1939), houve um programa de recristianização da sociedade, sendo promovida a militância dos católicos para combater o laicismo. No Brasil, tiveram muita repercussão os Congressos Eucarísticos Nacionais, sendo o primeiro realizado em 1933, em Salvador.
A depressão econômica mundial de 1929, com a quebra da Bolsa de Nova York, teve reflexos também no Brasil. Aliaram-se os criadores de Minas Gerais e do Rio Grande do Sul, representados por Getúlio Vargas que procurou apoio na Igreja Católica. Assim, a Revolução de 1930 ocorreu sem sangue graças a intervenção pessoal do Cardeal Leme que convenceu o presidente Washington Luís a não resistir às forças revolucionárias.Segundo Henrique Matos, o prestígio da instituição eclesiásticas na década de 1930 foi conseguida por via de autoridade, mediante decretos, leis, acordos.
Selou-se o pacto constitucional entre Igreja e Estado que resultou na Constituição de 16 de julho de 1934, constando no preâmbulo a confiança em Deus. Seguiu-se o golpe Vargas, de 1937 a 1945. Houve o período do Estado Novo e o Brasil teve a Constituição de 1937 com uma formatação nacionalista-autoritária. Do ponto de vista político é preciso apontar que, embora não tenha havido reconhecimento oficial de privilégio, pelo fato de a religião não ser materia constitucional, o Presidente Vargas e Dom Leme garantiam a continuidade da aliança por concessão, embora não expressamente prevista como garantia constitucional.
Essa relação Igreja e Estado, no período Vargas, foi prejudicial à ação evangelizadora, levando a uma acomodação. Nesse interim, a militância católica leiga da classe média começou a participar de ações evangelizadoras através da Ação Católica, mas a inserção leiga era ainda dependente do clero. Todavia, o amadurecimento do laicato foi favorecido pelos avanços da eclesiologia do Concílio Vaticano II. (1962-1965).
Os Círculos Operários começaram a se desenvolver à luz da Encíclica Social Quadragesimo Anno (1931), de Pio XI. Entretanto, o monismo sindicalista do Estado Novo cooptou os Círculos Operários, que foram utilizados para promover a assistência social e política trabalhista varguista. O movimento operário somente irá reencontrar caminhos independentes anos após, no período de superação da ditadura militar.
Desenvolveram-se, desde então, movimentos renovadores na Igreja, com engajamento do leigo na realidade social, destacando-se a figura de Alceu Amoroso Lima que foi a voz mais expressiva do pensamento católico de vanguarda. Segundo Henrique Cristiano José Matos, Alceu Amoroso Lima sintetizou a militância católica do leigo da Ação Católica.
Em 5 de maio de 1952 fora fundada a Conferência Nacional dos Bispos do Brasil (CNBB). Após o Concílio Vaticano II, a CNBB procurou se ajustar às diretrizes conciliares, porém, a Revolução de 64, com golpe militar, provocou um colapso nas aspirações sociais e reformas.
Nesse período foi destacada a posição firme de Dom Helder Câmara que fora empossado arcebispo de Olinda (12-4-1964) em prol de um compromisso social da Igreja. Houve, com isso, um rompimento histórico da Igreja e o regime militar brasileiro.
Essa virada histórica conduziu a uma militância política por parte de movimentos da Igreja, especialmente da JUC (Juventude Universitária Católica). Entretanto, essa atuação política fez com que houvesse um distanciamento da hierarquia, alterando a atuação dos leigos na Igreja, atuação revigorada após a Conferência de Medellin numa proposta de presença evangélica da Igreja e transformação social.
Outra figura de relevo desse período foi Dom Frei Aloísio Lorscheider, conhecido como Cardeal Lorscheider que foi elogiado pelo constitucionalista Paulo Bonavides pelo fato de suas declarações serem ouvidas e acatadas com respeito, numa atitude de ajuda construtiva e colaboração.
Os anos de endurecimento político, conhecidos como "anos de chumbo" até final de 1970 em face do Ato Institucional n. 5, de 13.12.1968, que conferia poderes excepcionais ao presidente da República, ensejaram arbitrariedades e violação dos Direitos Humanos. Ao mesmo tempo cresciam os novos movimentos populares brasileiros. Havia radical Confederação de Sindicatos (CUT), os Movimentos de Trabalhadores Sem Terra (MST), as associações de moradores de lugares pobres e sua expressão política, o novo Partido dos Trabalhadores (PT). Tudo isso corresponde "até certo ponto produto da atividade comunitária de cristãos dedicados, agentes leigos das pastorais e comunidades de base também cristãs".
Com base nos documentos conciliares, especialmente Lumen Gentium e Gaudium et Spes, houve uma dinâmica eclesial de comunhão e participação e legítima autonomia das realidades terrestres. Fortaleceram-se, as CEBs (Comunidades Eclesiais de Base), tornando-se as Campanhas da Fraternidade instrumento de evangelização.
Surgiram, a partir de 1980, críticas à posição "libertadora" da Igreja no Brasil, sendo os Bispos alertados pelo Papa João Paulo II para que mantivessem "perfeita fidelidade à sua missão essencialmente religiosa".
Com a redemocratização do Brasil, a partir de 1985, e a Constituição de 1988 a sociedade brasileira se tornou cada vez mais pluralista e secularizada.

2.2 LAICIDADE E CIDADANIA NO BRASIL

Com a Constituição de 1988, superado o período negro da repressão militar, o Brasil teve um surto de cidadania. Tanto que a Constituição brasileira de 88 é conhecida como Constituição cidadã pela preocupação no atendimento a direitos individuais, coletivos e transinviduais, direitos humanos, atenção à igualdade de gênero, proteção à discriminação até mesmo religiosa, à preservação ambiental. "Acesso" é a palavra mais utilizada para configurar as propostas dos governos que se sucederam a 1988 no desenvolvimento do povo brasileira e fortalecimento da cidadania.
Por outro lado, empiricamente, dá para reconhecer que o fortalecimento da cidadania centrou o brasileiro na situação de cidadão, integrante de um Estado, distanciando-o da sua condição de criatura. O temor de pressão religiosa conduziu a um acirramento da laicidade que não deveria ser óbice à religião. A Igreja, que teve,nos anos da ditadura, espaço para defender os oprimidos vê-se na contingência de voltar o seu olhar para si mesma, para as comunidades que não percebem os ares da liberdade como possibilidade de continuar a dignificar o Criador, mas parecem perdidos nas luzes da secularidade.
No período colonial, a propriedade rural apresentava-se como um efetivo obstáculo à expansão da cidadania. O interesse precípua era manter viva a força dos grandes proprietários de terras. A imigração era o eixo da oligarquia para substituir a mão de obra escrava do cultivo do café, tanto que a Primeira República foi dominada por São Paulo e Minas Gerais. Com a urbanização surgiu uma classe operária urbana.
A partir dos anos 30 houve aceleração das mudanças sociais e políticas. Alteram-se períodos de ditadura e regime democrático. Nesse período ocorreu a chamada Revolução Paulista de 1932. O governo federal concordou em convocar eleições para a assembléia constituinte, sendo que o voto passou a ser secreto. A isso se acrescenta outra mudança no código eleitoral com a introdução de representação classista.
De 1937 a 1945 o Brasil viveu em regime ditatorial civil, embora as leis trabalhistas tenham se desenvolvido, tanto que a Constituição criou a Justiça do Trabalho que entrou em funcionamento em 1941, sendo que em 1943 foi promulgada a Consolidação das Leis do Trabalho.
Após a derrubada de Vargas foi a vez dos direitos políticos (1945-1964). A Constituição de 1946, manteve direitos civis e políticos, estendendo ainda o direito de voto a todo o cidadão, homem ou mulher acima de 18 anos. Houve, nesse período, liberdade de imprensa e de organização política ate 1964, quando se iniciou o período de repressão.
Durante esse período, a Igreja no Brasil ainda estava no período de pré e pós Vaticano II. Com a repressão militar, muitos religiosos ficaram a favor dos torturados e eram também mal vistos como comunistas, marxistas.
A nova ditadura militar (1964-1974) se apresentava como uma luta contra o comunismo pela preservação da sociedade capitalista. A censura à imprensa eliminou a liberdade de opinião, partidos, sindicatos, associações eram vigiados pelo governo.
Mesmo assim, houve mudanças em termos de universalização da previdência social, sendo que em 1966 foi criado o INPS (Instituto Nacional de Previdência Social). A partir de 1974, houve o inicio de abertura a direitos políticos, sendo que em 1978 o Congresso votou o fim do AI 5, extinguindo-se a censura previa nos meios de comunicação e restaurada a possibilidade de habeas corpus para crimes políticos.
Em 1975 surgiram as CEBs. Os movimentos sindicais com a representatividade da CUT incentivavam as greves, resistindo à repressão, aliando-se a esses movimentos a Igreja Católica e a o OAB.
Em 1985, ocorreu a morte de Tancredo Neves quando estava sendo retomada a supremacia civil no país. Entretanto, o movimento de abertura democrática continuou, sendo, em 1988, aprovada a constituição cidadã.
O Brasil vem, paulatinamente, alcançando um status mundial, com a busca incessante de proteção de direitos das minorias, superação de gênero, ações afirmativas.
De qualquer maneira, tendo a constituição dedicado especial atenção aos direitos e garantias fundamentais, veio expandi-los em relação às constituições anteriores. Houve preocupação com a proteção dos direitos de segunda e terceira geração e não apenas dos direitos e garantias individuais.
Fortalecida a cidadania, aberto espaço à democracia, a Igreja no Brasil não tem mais, na opressão, um estímulo à atuação. Vê-se, assim, na contingência de encontrar caminhos de uma nova evangelização.
Em 12 de outubro de 2010, o Papa Bento XVI publicou uma Carta Apostólica Ubicumque et Semper em que instituiu o Pontifício Concílio para a Promoção da Nova Evangelização Ali ele afirmou que a evangelização efetivamente não é nada de novo, pois é apenas a continuação da obra desejada pelo Senhor Jesus, sendo necessária e insubstituível para a Igreja, apresentando-se apenas como nova em face das circunstâncias. Referiu ainda que a crescente secularização, com a perda da dimensão do sagrado, tem levado a um deserto interior.
Por isso a nova evangelização tem que partir do interno da Igreja, com uma comunidade de fé vida. Por outro lado, lembrou também o Papa que se está a difundir uma nova intolerância: "Ninguém é obrigado a ser cristão. Mas ninguém deve ser tão-pouco obrigado a viver a "nova religião" determinada como única e obrigatória para toda a humanidade".
No Brasil, o que ocorre não é apenas a ressonância do que acontece no mundo ocidental e que alguns chamam de "pós secular". A tendência de arrojo da laicidade e o uso do Estado laico como forma de contraposição à ação da Igreja se apresenta como resultado de um movimento histórico de cidadania que se fortalece. O exercício da cidadania leva à participação do leigo como resultado de ação democrática.
A visita do Papa Bento XVI ao Brasil, em 2007, abriu oportunidade de debate entre a relação Estado e religiões a partir da relação Estado e Igreja Católica, realizando-se encontros na Escola Superior da Magistratura, em Porto Alegre, na sede da Ordem dos Advogados do Brasil, no Rio de Janeiro e na Faculdade de Educação da USP.
Questões como o uso de símbolos religiosos em órgãos públicos, passou a ser questionado, causando indignação para os cristãos. Note-se que essa discussão é tardia no Brasil, visto que na Europa há muito tempo a questão vem sendo discutida.
Porém, a ofensiva não se reduz a temas que atingem apenas o respeito à cultura religiosa. Há questões éticas envolvendo a discussão acerca do aborto, manipulação de células tronco, descarte de embriões mal-formados, anencefalia e outros temas polêmicos envolvendo para os cristãos valores fundamentais e pressupostos de valorização do ser humano enquanto uma pessoa em sua unidade em que o aspecto espiritual não deve ser relegado.

3 ESTADO LAICO, LIBERDADE RELIGIOSA NA CONSTITUIÇÃO DE 1988 E INSTRUMENTOS DE CONTROLE DE CONSTITUCIONALIDADE

3.1 A LIBERDADE RELIGIOSA NA CONSTITUIÇÃO FEDERAL BRASILEIRA

Quando se fala em liberdade religiosa no âmbito do Estado como direito fundamental, é preciso ter a noção precisa do que se entenda por direito fundamental. Não se trata, aqui, de direito fundamental do ponto de vista teológico de conceitos fundamentais da vida moral da pessoa mas, sim, do ponto de vista jurídico. E, nesse sentido, direitos fundamentais são direitos humanos constitucionalizados, "recepcionados e admitidos como válidos dentro da ordem concreta de um determinado Estado-Nação".
São esses direitos, destaca Bittar, que permitem a salvaguarda da dignidade da pessoa humana. Assim, são indispensáveis para o desenvolvimento de "sociedades democráticas, pluralistas, tolerantes e abertas".
Lembra ainda Bittar que o elenco desses direitos fundamentais estão consignados nos artigos 5º a 17, a Constituição, mas não se exaure ali a tutela, pois eles são disciplinados em outros capítulos, especialmente no Título VIII, ao tratar de previdência social, da saúde, do meio ambiente, da cultura, da educação, família, por exemplo.
No sistema constitucional brasileiro a religião é um direito fundamental e se insere no leque amplo dos direitos humanos e tem espaço específico no art. 19, inc. I, embora não tenhamos uma lei específica sobre liberdade religiosa como ocorre em outros países como Portugal.
Com relação especificamente ao aspecto da religião como direito fundamental do cidadão, o Brasil possui orientação teísta, pois a Constituição refere o nome de Deus no seu preâmbulo. No sistema constitucional brasileiro, a liberdade religiosa se vincula ao princípio da autodeterminação que, no art. 4º, inc. III, da Constituição Federal, identifica a dignidade da pessoa humana como princípio basilar.
A autodeterminação, no plano subjetivo visto sob a ótica do Estado, corresponde às escolhas pessoais de caráter fundamental, fazendo com que a vida seja gerida de acordo com sua esfera de interesses, observadas suas preferências.
Na sua implicação com o Estado Democrático de Direito, a liberdade religiosa se apresenta como um efetivo comprometimento com a democracia e o pluralismo. Essa liberdade tem como pressuposto uma neutralidade do Estado em relação ao fato religioso e, aí, a linha tênue entre Estado e sua relação com a questão religiosa, em face de escolhas que o próprio Estado admite ser possível.
Segundo Paulo Adragão, constitucionalista, há, basicamente, duas matrizes originárias para a neutralidade religiosa do Estado: as de base francesa e as contratualistas (base americana ou inglesa). As de base francesa apresentam tendência laicizante e anticlerical e as teses rawlsianas, de orientação contratualista e formalista, ao contrário, justificam, pela neutralidade, o desconhecimento pelo poder político da dimensão social específica do fenômeno religioso.
Da liberdade religiosa há princípios jurídicos decorrentes que se encontram na Constituição de 1988 e que devem ser considerados na análise de questões referentes a religião: princípio de igualdade religiosa subjetiva; princípio da isonomia das entidades religiosas; princípio da separação institucional; princípio da aconfessionalidade ;princípio da colaboração ; princípio da tolerância ; princípio da adequação cultural.
Pelo princípio da igualdade religiosa subjetiva é vedada a criação de privilégios, benefícios ou vantagens pela adoção de determinado credo. Seu fundamento está no art. 19, inc. I, da Constituição Federal.
O princípio da isonomia das entidades religiosas consiste na proibição a que o Estado proteja, crie, subvencione, estimule, financie ou dê tratamento preferencial a alguma igreja ou comunidade religiosa. Segundo Otávio Rodrigues Júnior, a igualdade jurídico-formal é insuficiente. A base está no art. 19, inciso I, da Constituição Federal.
O princípio da separação institucional expressa distinção jurídica-política entre organismos religiosos e Estado. Essa separação leva, por exemplo, ao fato de não haver qualquer interferência do Estado na nomeação ou afastamento de líderes religiosos o que, historicamente, ocorria no Brasil no período do padroado.
O princípio da aconfessionalidade assegura ao Estado Democrático de Direito que não haja uma religião oficial. O Estado pode ser aconfessional, o que não implica que seja ateísta. Desse princípio decorre o fato de que o Estado não deve manifestar-se em matéria teológica.
O princípio da colaboração, admitido pelo Conselho Nacional de Justiça em procedimento administrativo julgado por aquele órgão, assegura a cooperação legal entre o Estado e as religiões em ordem a que se realize o bem comum e o interesse público.
Nesse item tenhamos presente que, desde 1964, período da repressão política no país, a CNBB tem utilizado as Campanhas da Fraternidade como efetiva manifestação de evangelização, num primeiro momento libertadora e, atualmente, de conscientização de problemas que afligem o povo brasileiro, independentemente de credo. É a Igreja Católica que, no período de Quaresma, tempo de conversão, penitência, jejum e exercício da misericórdia, olha para a realidade do povo e faz com que esse povo pense e aja.
A Campanha da Fraternidade tem como objetivos permanentes: despertar o espírito comunitário e cristão no povo de Deus na busca de bem comum; educar para a fraternidade a partir da exigência evangélica a partir da justiça e do amor; renovar a consciência da responsabilidade de todos pela ação da Igreja na evangelização, na promoção humana, em vista de uma sociedade justa e solidaria. É a Igreja que, com a Campanha da Fraternidade, age em prol do povo, apontando para questões que a ele aflige mas que dependem não só da conscientização dos destinatários mas de uma conscientização das entidades públicas.
Embora seja possível a cooperação entre Estado e Igreja, observe-se que não é admitido repasse de verbas públicas em face do princípio da isonomia religiosa subjetiva e isonomia institucional. Essa vedação, todavia, fica mitigada quando se trata de festejos religiosos de caráter popular que trazem repercussão econômica para o Estado ou Município. Cabe, nesse caso, à administração pública cuidar da infra-estruturar e agilizar procedimentos administrativos não só por ser atividade religiosa, mas por seu caráter cultural e, muitas vezes, turístico, como ocorre na Festa de Navegantes, em Porto Alegre.
Outro princípio em se tratando de liberdade religiosa é o princípio da tolerância que implica na aceitação das diferenças religiosas. Segundo Rodrigues Júnior, inclui a coibição do proselitismo abusivo de tal maneira que ultrapassem os limites da liberdade de consciência.
René Remond lembra que a Igreja Católica, em alguns momentos históricos, por razões circunstanciais, como a Revolução Francesa e as ideias do liberalismo, mostrou-se intransigente, levando-a a condenar a liberdade por verem no liberalismo a fonte de erros e males que afligiam a sociedade. Entretanto, sem referir o Vaticano II, René destaca a importância da Igreja Católica no século XX.
A Igreja Católica aderiu à Declaração dos Direitos do Homem, reivindica a liberdade religiosa para todas as confissões religiosas não como privilégio, mas como Direito comum. Ela aceita a pluralidade de confissões e crenças, assim como também a falta deles, ou seja, a tolerância. Dessa forma, a tolerância se justifica em si mesmo e não pode ser entendida como concessão, mas como respeito em relação a demais crenças.
Outro princípio atinente à liberdade religiosa é o da adequação cultural pelo qual se permite que, em nome da liberdade religiosa, não se possa eliminar os elementos formativos histórico-culturais do povo e do Estado. Essa liberdade está prevista no inciso VI do art. 5º da Constituição Federal. Nesse contexto estão situadas as questões relativas a crucifixos, imagens, estátuas, monumentos religiosos e outros símbolos que transitam entre Religião e Cultura, ambos protegidos pelo art. 215 da Constituição Federal.
Portanto, também quando a questão envolve liberdade religiosa, por ser ela um direito fundamental, há necessidade de examinar o problema do ponto de vista dos princípios constitucionais. O estado brasileiro não é ateu. Logo, a laicidade estatal não inibe a fala da Igreja em matéria que repercuta em valores do povo de Deus e o cristão leigo, no espaço público onde exerça sua atividade, tem a obrigação de exercer o múnus batismal de testemunho, anúncio e denúncia do que não favoreça a vida, dom de Deus.

3.2 O CONTROLE DA CONSTITUCIONALIDADE E A REPERCUSSÃO NA QUESTÃO RELIGIOSA

O princípio da constitucionalidade coloca a supremacia da Constituição no sistema normativo do País, significando que, "no Estado Democrático de Direito, é a Constituição que dirige a marcha da sociedade e vincula, positiva e negativamente, os atos do Poder Público". Ela se coloca no vértice do sistema jurídico do País. Caberá, pois, fazermos um breve exame de como ocorre esse controle para compreensão do motivo pelo qual essa medida foi a utilizada para impugnar disposição do Acordo Brasil-Santa Sé.
A defesa jurídica dessa supremacia constitucional se faz por meio da jurisdição constitucional que se dá pelo método difuso ou concentrado. A justiça constitucional brasileira pelo método difuso é exercida pelos Tribunais que exercem um controle de constitucionalidade.
A ação direta de inconstitucionalidade interventiva federal tem por objeto o controle dos atos dos Poderes estaduais que infrinjam os princípios previstos no art. 34, VII, da Constituição Federal e a interventiva estadual visa ao controle dos atos municipais que violem princípios da Constituição do Estado.
Incidentalmente pode ser arguida, num processo instaurado como preliminar a inconstitucionalidade de lei ou de ato em que o autor apóia sua pretensão. Nesse sentido, a questão passa a ser incidenter tantum visto que faz instaurar um incidente procedimental. Portanto, apenas o réu poderá usá-lo por via de exceção. Em outras hipóteses, poderão ser usadas outras medidas constitucionais como o mandado de segurança, a ação popular, o habeas corpus e o habeas data.
Segundo José Afonso da Silva, não há possibilidade de controle de ofício pelo juiz porque há presunção de constitucionalidade das leis que só pode ser afastada por atuação do réu.
Acrescente-se a isso que o Supremo Tribunal Federal, através da Súmula Vinculante n. 10 veda aos próprios Tribunais, em colegiado, deixar de aplicar alguma norma sob o argumento de inconstitucionalidade.
A decisão que declara a inconstitucionalidade de forma difusa tem efeito apenas entre as partes, fazendo coisa julgada, somente no caso concreto. A norma legal continua sendo aplicada. Qualquer juiz ou tribunal que entenda de forma diversa poderá aplicá-la se a entender constitucional enquanto o Senado Federal por resolução não determinar a suspensão de sua execução.
O método direto de controle de constitucionalidade em tese tem a finalidade é retirar uma cláusula ou norma viciada do ordenamento jurídico em face de incompatibilidade com a Constituição Federal, sendo da competência exclusiva do STF. Se o controle for em face de Constituição Estadual a competência é do Tribunal de Justiça.
Essa ação será chamada de genérica quando a discussão de ataque seja norma em tese e interventiva, se a arguição tiver como objetivo fundamentar a intervenção do Estado ou Município. Nesse caso, o instrumento será chamado de "representação" do Procurador Geral da República e, em âmbito estadual, do Procurador Geral do Estado. De qualquer forma se trata de ação direta de inconstitucionalidade.
Portanto, fazem parte do processo de ação de inconstitucionalidade genérica federal o autor, a autoridade ou órgão que produziu a lei ou ato impugnado, o Advogado-Geral da União que defenderá a constitucionalidade do objeto impugnado e o Procurador-Geral da República a quem, não sendo o autor, caberá dar parecer.
Nesse aspecto, quanto à fiscalização da constitucionalidade, a Constituinte de 88 atendeu ao espírito de uma Constituição democrática, igualitária e pluralista, ampliando as disposições sobre o tema em relação às Constituições de 1934 até a de 1946, em que o modelo era apenas difuso-incidental.
A ação direta interventiva, prevista na Constituição de 1934, trouxe um controle direto, porém, em vista de um caso concreto. Somente a Emenda Constitucional nº 16/65 trouxe a possibilidade de representação de inconstitucionalidade apenas pelo Procurador- Geral da República perante o Supremo Tribunal Federal para impugnar ato normativo federal ou estadual que ofendesse a Constituição, incluindo seus princípios.
A ampliação da ADI (Ação direta de inconstitucionalidade) veio acompanhada de ampliação do rol de legitimados. Os legitimados para instaurar o processo de controle normativo abstrato dispõem de legitimidade para requerer concessão de medida cautelar. Para isso, deverão estar presentes os requisitos fundamentais do fumus boni iuris, que corresponde à plausibilidade jurídica da tese; periculum in mora que se evidencia na possibilidade de prejuízo decorrente do retardamento da decisão. A esses a jurisprudência do STF tem acrescentado a irreparabilidade dos danos emergentes dos atos impugnados e a necessidade de garantir a ulterior eficácia da decisão.
A eficácia da cautelar será erga omnes, para todos, e os efeitos, de regra, ex nunc, desde a decisão, sem efeito retroativo. Quanto à decisão definitiva, os efeitos erga omnes são da natureza da ação direta de inconstitucionalidade nos termos do art. 102 § 2º da Constituição Federal.
Acrescente-se ainda que a Emenda Constitucional nº 03/93 criou a ação declaratória de constitucionalidade. Sempre que houver controvérsias em diferentes órgãos judiciais, no controle difuso, sobre a constitucionalidade ou não de uma lei ou ato normativo, para evitar a insegurança jurídica é possível o ajuizamento de uma ação declaratória de constitucionalidade diretamente junto ao STF. São legitimados todos os que o são para a ação direta de inconstitucionalidade nos termos do art. 103 da CF, observados os termos da Emenda Constitucional nº 45/04.
Lembre-se ainda que a lei brasileira permite a participação de interessados como amicus curiae, aperfeiçoando o controle abstrato de constitucionalidade e efetiva participação, havendo também a possibilidade de audiências públicas com o acolhimento de pareceres de peritos.
Aí se apresenta a necessidade de formação de leigos cristãos, pessoas religiosas ou leigas em diferentes áreas para dar suporte a discussões que não têm base apenas na fé, mas na razão que dá lastro à fé cristã.
Observe-se quanto ao amicus curiae, previsto no art. 5º da Lei 9469 de 1997, em seu parágrafo único, que é possível sua atuação quando as causas puderem ter reflexos econômicos, ainda que indiretos, independentemente de interesse jurídico, sendo restrito a pessoas jurídicas de direito público.
Tanto é assim, que Conferência Nacional dos Bispos do Brasil (CNBB), através de sua assessoria jurídica, tem sido admitida como amicus curiae em ADIs (Ações Diretas de Inconstitucionalidade), sendo recente a que envolvia a questão relativa a uniões homoafetivas.
Importa, todavia, é admitir que, no diálogo da Igreja no espaço público, na esfera secular, a linguagem não pode ser da teologia, mas, sim, da razão pública, passível de ser compreendida por crentes e não crentes.
Ao discorrer sobre a razão público necessária ao tratar de questões referentes à relação da liberdade religiosa e o Estado laico, Jonatas Machado se reporta a Rawls para quem a razão pública supõe um ideal constitucional de cidadania. O caráter público se faz por se tratar de bem público quando o assunto é de justiça fundamental, porque seu conteúdo é público, não estando restrita à individualidade. O discurso argumentativo não pode ser de natureza confessional, mas deve ser ordenada pela razão pública. A exigência é de uma linguagem publicamente acessível, observado o princípio da justiça em bases de razoabilidade e racionalidade.
Do ponto de vista da razão pública e a verdade cristã, observado o ensinamento do Papa Bento XVI, segundo Giampaolo Crepaldi, "a razão pública é a razão humana que, no diálogo e na busca, tem como possível alcançar verdade acerca do homem e, em particular, do homem na sociedade". E acrescenta, que a razão pública é crítica, mas construtiva na busca de um consenso das opiniões, para chegar à verdade e ao bem do homem na sociedade em que se confronta a capacidade cognoscitiva e argumentativa.
Impõe-se, em termos de razão pública, reconhecer os fundamentos da dignidade da pessoa humana, os bens comuns, a indisponibilidade dos direitos humanos, a justiça, o senso de liberdade individual e comunitária.
Mas alerta o Papa que a razão pública não é possível se houver uma ditadura do relativismo que funciona como um fundamentalismo pois é autolimitador. Por outro lado, o cristianismo, especialmente o catolicismo, não pode ser render à negativa da verdade que dá significado especial ao sentido do respeito à pessoa humana.
Vimos, portanto, que no espaço do Estado, as questões religiosas podem ser tratadas num nível constitucional, visto que a liberdade religiosa é direito fundamental e que os argumentos devem ser de razão pública capazes de atingir crentes e não crentes.

3.3 A QUESTÃO DO CRUCIFIXO COMO REFLEXO DO LAICISMO TARDIO

A raiz cristã da Europa repercutiu nos sistemas constitucionais de tal forma que a Carta dos Direitos Fundamentais da União Européia traz, no seu preâmbulo, referências às raízes cristãs. Firmou-se também a ideia de que o Estado é laico, mas a sociedade civil não o é. Logo, preservar a laicidade significa harmonizar seus princípios fundamentais: respeito à liberdade de consciência na prática individual e coletiva; autonomia da política e da sociedade em relação a normas religiosas ou filosóficas particulares; ausência de discriminação direta ou indireta. Dessa forma, a laicidade é um pressuposto da democracia,podendo ser reconhecido como um princípio constitucional.
Essa democracia favorece o livre acesso ao Judiciário como garantia do cidadão e titulares de direitos para proteção de bens e interesses. Embora o sentido de interesse jurídico não se confunda com o interesse moral ou político, com fundamento em alegada inobservância da laicidade vem sendo questionada, por exemplo, a manutenção de crucifixos em prédios públicos.
A ONG Brasil para Todos solicitou providências junto ao Conselho Nacional de Justiça. Vê-se, pois, que não é questão de laicidade, mas de laicismo, visto que se dirige contra uma realidade de ordem cultural, que não afronta o senso comum ou qualquer garantia constitucional.
Assim, embora tal posição se apresente como defesa à laicidade estatal, é o que se denomina, no interno do presente trabalho, de laicismo "tardio", visto que repete reações européias quando a realidade do povo brasileiro é diversa.
Daniel Sarmento, ao discorrer sobre o assunto, analisando o tema do ponto de vista constitucional, sustenta que tanto crucifixos como quaisquer outros símbolos religiosos não podem estar em espaços eminentemente públicos como do Poder Judiciário, sob pena de ofensa a princípio da laicidade do Estado.
Para Sarmento, a laicidade está relacionada à igualdade que, num contexto de pluralismo religioso, seria injustificável ao Estado laico tratamento desfavorável em relação aos não crentes ou que não pertençam ao credo privilegiado. Trazendo exemplos de decisão da Suprema Corte dos Estados Unidos e do Tribunal Constitucional alemão, Sarmento destaca a proibição de uso de símbolos religiosos, como crucifixos, em estabelecimentos públicos tendo em vista a separação Estado e religião.
Em relação à jurisprudência brasileira, dá como exemplo o julgamento da Ação Direta de Constitucionalidade nº 113.349-01, ocorrido em 11 de maio de 2005, em São Paulo quando foi discutida a validade de inserção de versículo bíblico em impressos oficiais do Município de Assis, apontando vício de inconstitucionalidade material por afronta ao princípio do Estado laico.
Com relação ao uso do crucifixo em local público, especialmente no Judiciário, tendo em vista a laicidade estatal, entende ser dever do Estado evitar as confusões simbólicas com confissões religiosas, ainda que majoritárias.
Em São Paulo, foi proposta ação civil pública pelo Ministério Público Federal, pleiteando retirada das repartições públicas do Estado de São Paulo de todos os símbolos religiosos, especialmente a cruz por ser a maior representação da fé cristã. Ao discorrer sobre o episódio, tendo em vista ter sido negada a liminar postulada, Fernando Carpez defende a tolerância. Afirma o Procurador de Justiça, Presidente da Comissão de Constituição e Justiça da Assembléia Legislativa do Estado de São Paulo que cabe ao Estado não encorajar a intolerância e supremacia de um restrito grupo de pessoas. A questão tem suscitado diferentes posicionamentos, inclusive da Corte Internacional de Direitos Humanos.
Em sentença datada de 18 de marco de 2011, em recurso do governo italiano contra precedente da própria Corte, a mesma confirmou posicionamento no sentido de que o uso de crucifixo em prédio público não corresponde a influencia negativa aos alunos, mas é decorrência de uma cultura.
Todavia, essa decisão veio se contrapor a precedente que tinha posição contrária. Naquela ocasião a Corte havia apontado que o dever de neutralidade e imparcialidade do Estado é incompatível com a poder de apreciar a legitimidade de convicções religiosa ou modalidade de expressão das mesmas. No contexto de ensino a neutralidade garante o pluralismo. Portanto, julgamento posterior, de março de 2011 veio demonstrar como razoável a tolerância.
No mesmo sentido foi a manifestação do Conselho Nacional de Justiça, destacando a ausência de ingerência de uma determinada religião em espaço público com relação à manutenção de crucifixo em salas de audiência porque ultrapassa os limites religiosos e conserva vínculos culturais da sociedade nacional. Foi aplicado, no caso o princípio da adequação cultural.
Essa mesma adequação levou à declaração de inconstitucionalidade pela Justiça do Rio de Janeiro de um decreto municipal de 2007 que interditava o uso de símbolos sagrados católicos em carros alegóricos em desfiles de carnaval. Entenderam os magistrados que seria uma violação ao direito de expressão.
A tensão surgiu inicialmente em 1989, quando a Escola de Samba Beija Flor colocou uma réplica da estátua do Cristo Redentor, símbolo do Rio, num carro cheio de mendigos. A Igreja protestou e a imagem teve que ser coberta por um pano negro. No entanto, sobre a mesma foi colocada uma faixa onde se lia: "Mesmo proibida, olhem para mim!".
No Rio Grande do Sul, ao contrário, a supremacia da neutralidade estatal levou, na sessão do Conselho da Magistratura do Tribunal de Justiça realizada no dia 6 de março de 2012, ser acolhido recurso promovido pela Liga Brasileira de Lésbicas e outras entidades sociais sobre a retirada dos crucifixos e símbolos religiosos nos espaços públicos dos prédios da Justiça gaúcha.
Os juízes contrários, sustentaram que o crucifixo está em consonância com a fé da grande maioria da população brasileira, não havendo registro de algum usuário do Judiciário que tenha se sentido constrangido com a presença de símbolo religioso da cruz em sala de audiência. Somente 49 dos 200 juízes presentes no Congresso participaram da discussão, ficando 24 votos favoráveis à retirada e 25 contrários.
O então presidente do Tribunal, Desembargador Osvaldo Stefanello, rechaçou consulta da AJURIS, mas a questão voltou a ser colocada. No dia 27 de janeiro de 2012 o então presidente Desembargador Leo Lima acatou o parecer do Juiz – Assessor Dr. Antônio Vinicius Amaro da Silveira que utilizou o preâmbulo da Constituição Federal de 1988 para justificar a presença de símbolos, levando-se em consideração também as raízes predominantemente cristãs do País.
Houve recurso dos autores da ação propostas por organizações ligadas a direitos homossexuais, das mulheres e o recurso foi acolhido, por unanimidade, com voto pela retirada dos crucifixos em prédios do Poder Judiciário.
Pedido idêntico foi encaminhado à Câmara Municipal de Porto Alegre, não tendo sido ainda debatido, pois o governo aguarda parecer da Secretaria Estadual de Justiça e Direitos Humanos.
Perante o Conselho da Magistratura do Rio Grande do Sul o Processo tomou o nº 0139-11/00348-0, sendo ementada a decisão nos seguintes termos:
EXPEDIENTE ADMINISTRATIVO.PLEITO DE RETIRADA DOS CRUCIFIXOS E DEMAIS SÍMBOLOS RELIGIOSOS EXPOSTOS NOS ESPAÇOSDO PODER JUDICIÁRIO DESTINADOS AO PÚBLICO.ACOLHIMENTO. A presença de crucifixos e demais símbolos religiosos nos espaços do Poder Judiciário destinados ao público não se coaduna com o princípio constitucional da impessoalidade na Administração Pública e com a laicidade do Estado brasileiro, de modo que é impositivo o acolhimento do pleito deduzido por diversas entidades da sociedade civil no sentido de que seja determinada a retirada de tais elementos de cunho religioso das áreas em questão. PEDIDO ACOLHIDO.
Com relação à posição do CNJ sobre o tema, manifestou-se contrariamente o Relator. Por sua vez a Associação dos Juristas Católicos do Rio Grande do Sul, por seus representantes, ingressou com pedido de reconsideração (n. 0139-11/000348-0) alegando, em síntese, a ilegalidade da decisão reconsideranda tendo em vista precedente do Conselho Nacional de Justiça e o fato de que não caberia decisão ao Conselho da Magistratura que não detém competência jurisdicional, funcionando como órgão consultivo ou de assessoramento da alta Administração Judiciária do Estado.
No mérito, pugnou pela modificação da decisão visto que a presença de crucifixo na sala de audiência ou de julgamento não expressa concessão de preferência ou prerrogativas especiais do Estado, sendo que a proibição da presença de crucifixos no espaço público formal está em desconformidade com a tradição e espírito constitucional.
O pedido não foi conhecido sob a alegação de que descabe, nos termos do Regimento Interno do COMAG, qualquer recurso ou pedido de reconsideração do julgamento pelo Conselho da Magistratura. Ainda haverá possibilidade de recurso ao CNJ tendo em vista o precedente e a questionabilidade quanto à competência do Conselho para decisão que atinge interesse que supera o aspecto meramente administrativo, por se tratar de valor cultural e tradição, que não é incompatível com o Estado laico que não é ateu.
Destaque-se que esse fato não se identifica com um interesse efetivamente jurídico de lesão ou perigo de lesão a um direito, mas, principalmente, com um marcar de posição, em nível ideológico, que não se apresenta como uma sã laicidade, mas como laicismo.
Embora pareça ser difícil o diálogo e o entendimento, não é a ausência de símbolo religioso no espaço público, sinal da tradição nacional, que vai dar dignidade ou não aos atos ali praticados. É preciso abrir espaço à tolerância, caminho que ainda precisará ser trilhado no País na busca do equilíbrio entre a laicidade estatal e a religião como direito fundamental que também merece ser considerado na sociedade.
O que se vê, portanto, é o uso da argumentação racional na busca de entendimento que se volte ao atendimento de uma razão pública que não seja sufocada pelo relativismo, mas dirija à convivência do pluralismo como exercício da liberdade de consciência.

4 OS TRATADOS NA CONSTITUIÇÃO FEDERAL, AS CONCORDATAS COMO POLÍTICA DA SANTA SÉ E O ACORDO BRASIL – SANTA SÉ

4.1 POSIÇÃO DOS TRATADOS NO SISTEMA CONSTITUCIONAL BRASILEIRO E A SUA INTERPRETAÇÃO

O tratado é um dos instrumentos que geram direitos e obrigações entre nações. O seu uso vem sendo documentado desde a Antiguidade, sendo que o considerado precursor foi o concluído por Ramsés II, em 1292 a.C. com os reis tos hititas, denominado "tratado das pérolas". Ali consubstanciava-se a aliança de cooperação entre egípcios e hititas, incluindo a extradição de refugiados políticos.
O tema é aqui incluído, visto que o Acordo Brasil-Santa Sé está inserido no sentido geral dos tratados, sendo, portanto, regulado pelos seus critérios.
Através de tratados se estabelece a estabilidade de direitos e obrigações, observada a regra do pacta sunt servanda e as limitações estabelecidas em cada nação frente às Cartas Magnas. O importante a destacar é que o Direito dos Tratados moderno tem como seu instrumento-base a Convenção de Viena sobre o Direito dos Tratados, de 23.05.1969, também chamada de Tratado dos Tratados. A Convenção de Viena entrou em vigor, internacionalmente, em 27.01.1980, após o 35º instrumento de ratificação. Antes dessa data, porém, os países já utilizavam a Convenção de Viena como base normativa e fonte de Direito.
Segundo Cretella Neto, os vocábulos tratado, acordo, ajuste, ato, carta, concordata, constituição, convenção, declaração, estatuto, liga, memorando de entendimento, pacto,protocolo são considerados como equivalentes. Essa colocação é pertinente porque a Santa Sé, historicamente, tem feito uso das concordatas e com o Brasil foi lavrado um acordo.
A Convenção de Viena estabelece no seu art. 2.1. alínea a) como tratado "um acordo internacional concluído por escrito entre Estados e regido pelo Direito internacional...". Estão excluídos, por essa definição, os contratos comerciais feitos com país estrangeiro e acordos comerciais entre Estados.
Essa Convenção não levava em conta que outras entidades dotadas de personalidade internacional, como a Santa Sé, pudessem participar de convenções, o que motivou alteração pela Comissão de Direito Internacional, incluindo como legitimados para elaborar tratados o acordo internacional entre Estados e organizações internacionais.
Mas é necessário ter presente que, além do procedimento internacional, na celebração de tratados regulados pela Convenção de Viena, há também um procedimento interno, uma processualística constitucional que, no Brasil, foi incluído na Constituição Federal de 1988.
Ressalta Valério de Oliveira Mazzuoli que, embora intensamente discutida na Assembléia Constituinte, a Comissão de Redação deixou dois dispositivos que aparentam ser antinômicos, que são os arts. 49, inc. I e 84, inc. VIII, da Constituição no que refere à conclusão do ajuste. Todavia, pela leitura do texto legal, é possível perceber que a intenção legislativa é no sentido de que o tratado somente se aperfeiçoa com a decisão do Congresso Nacional.
Depois de ratificados e ocorrida a promulgação com a publicação devida, o tratado não se torna lei interna, apenas tem força de lei. E, no caso de interpretação, ela se dá em favor do tratado que é hierarquicamente superior à disposição interna infraconstitucional. Porém a Constituição Brasileira não apresenta norma expressa sobre o tema, ficando a critério da doutrina e da jurisprudência, especialmente a partir das decisões do STF a quem cabe decidir sobre a inconstitucionalidade de tratado (art. 102, III, alínea "b", da CF).
A posição, pois, é de paridade, salvo quando aplicável o critério cronológico (lex posterior derogat priori) ou da especialidade. Valério Mazzuoli destaca que essa posição está por ser alterada em virtude de voto proferido pelo Min. Gilmar Mendes no RE 466.343/SP onde se discutia a prisão civil na alienação fiduciária em garantia. Os tratados internacionais, no caso de Direitos Humanos, Pacto de San José, estariam em nível hierárquico supralegal, abaixo da Constituição, mas acima de toda a legislação infraconstitucional.
É importante o tratamento do tema porque, quando trabalhamos a questão relação Igreja-Estado, é necessário termos presente os instrumentos estatais utilizados na área civil. No caso do Acordo Brasil-Santa Sé ainda se encontra em tramitação ação declaratória de inconstitucionalidade no que se refere à obrigatoriedade do ensino religioso proposto pela Procuradoria Geral da República em ADI que tomou o nº 4439 em que figura a CNBB como parte.
Aponte-se que a Convenção de Ministros da Assembléia de Deus Unidas do Estado do Ceará (COMADUSEC), por seu presidente Bispo Shelley Macedo da Costa, arguiu a inconstitucionalidade do Estatuto Jurídico da Igreja Católica no Brasil aprovado pelo Decreto Legislativo nº 698, de 2009, afirmando que o referido documento afronta o inc. I do art. 19 da Constituição Federal. A ADI tomou o nº 4319. Todavia, foi negado seguimento à ADI por ilegitimidade ativa, ou seja, por se tratar de associação.
Ao Direito que, por sua natureza, é laico, cumpre manifestar-se quando exigida a sua intervenção para superar conflitos. É o Direito que regula as condutas. É ele que dá o norte da convivência social. No momento em que tanto Estado quanto Igreja mantêm a laicidade no contato com o mundo, cumpre buscar aglutinar esforços, na busca de consenso, de entendimento e de razoabilidade no contexto de pluralidade.
O uso do argumento de razão pública supera a crença, mas permite que, no pluralismo, o cristão se faça presente. Cumpre à Igreja enquanto instituição fazer-se ouvir no do Estado, naquilo que lhe couber e, ao leigo, povo de Deus, deixar a marca da bem-aventurança, usando, para tal, os instrumentos que o próprio Estado oferece.
Eis o motivo pelo qual o Acordo Brasil-Santa Sé não deve ser visto como uma ingerência da Igreja Católica no sistema normativo brasileiro, mas, sim, como um instrumento de direito internacional, adequadamente jurídico para preservação de sua autonomia e valorização de sua estrutura.

4.2 AS CONCORDATAS COMO POLÍTICA ECLESIÁSTICA E O ACORDO BRASIL-SANTA SÉ

As concordatas têm sido, ao longo da história, um instrumento de política eclesiástica que implicam no tratamento do fator religioso no país pactuante.
Para Germana Carobene, a presença do instituto durante os séculos deve ser atribuída à capacidade de adaptação e de desenvolvimento no plano jurídico e político.
Do ponto de vista do direito internacional "todo o acordo formal concluído entre pessoas jurídicas de direito internacional público e destinado a produzir efeitos jurídicos" é tratado. Conforme já vimos anteriormente, embora haja termos de usos constantes, como "convenções", "acordos", "ajustes", segundo Resek, "concordata" é estritamente reservado ao tratado bilateral em que uma das partes é a Santa Sé e que tem por objeto "organização do culto, a disciplina eclesiástica, missões apostólicas, relações entre Igreja católica local e o Estado co-pactuante".
Segundo Maria Blanco, a política concordatária mantida pela Santa Sé no último século marcam três diretrizes de sua atuação: a consolidação,a recuperação e a expansão.
Na Europa, esse direito concordatário tem se realizado não apenas com a Santa Sé, mas também com outras confissões religiosas, especialmente com a Igreja Luterana, a Igreja Reformada e a Comunidade Judia, o que vem amparado na linha democrática dos países e no direito de liberdade religiosa.
Para que a separação Igreja-Estado não signifique atitude antirreligiosa países europeus estão se preocupando em harmonizar as Concordatas com leis internas orgânicas sobre a liberdade religiosa. É a tentativa de redescobrir a verdadeira laicidade.
A denominada "nova era das concordatas", por iniciativa de Pio XI ao terminar a I Guerra Mundial, colocou a Santa Sé em posição de abertura a negociações com alguns Estados visando manter a integridade e incolumidade da Igreja assim como a prosperidade da sociedade civil.
Após a Segunda Guerra Mundial, com o novo desenho de novas realidades e a derrubada do bloco soviético, houve novo impulso em termos de relações diplomáticas. Lembra Carlos Salvador que, no 25º aniversário do Pontificado de João Paulo II (1978-2003), teria se consumado o círculo de volta dos países que tinham sofrido ruptura, sinalizando o "universalismo expansivo" da política concordatária.
No enquadramento sócio-político, Salvador coloca como elementos relevantes, além da queda do muro de Berlim, abrindo portas à liberdade religiosa, o ressurgimento de antigos nacionalismos, multiplicando-se os povos que ascendem à independência ideológica e internacional. Negativamente, houve o "rebrotar selvagem dos etnocentrimos", especialmente na África.
Com o fortalecimento das organizações internacionais, sobressaindo-se a União Européia, que reconhecem a proteção dos direitos humanos e direitos conexos como o direito à vida, matrimônio, família, educação, liberdade de reunião e associação, acesso aos meios de comunicação e patrimônio cultural, esses passaram a fazer parte de cláusulas em acordos da Santa Sé com os Estados.
Na perspectiva da Igreja Católica, a posição pós-conciliar, com acento na universalidade, partindo de Roma em direção às Igrejas particulares, ensejou a proliferação de Convênios e Acordos Internacionais com Estados e acordos em nível nacional ou regional das Igrejas particulares e Conferências Episcopais com os governos numa política de expansão universal.
Na elaboração desses acordos há princípios permanentes ou fundamentais, princípios de ordem internacional e princípios específicos.
Os princípios fundamentais são o da recíproca independência e a mútua colaboração conforme enunciado na GS n.76.
A esses princípios se agrega o de submissão ao ordenamento internacional dos Direitos Humanos, observando a liberdade religiosa e o combate a qualquer forma de intolerância religiosa.
Nesse contexto internacional, destaca Salvador, que também sobressai o princípio da pacta sunt servanda pelo qual as partes acordam o cumprimento do acordado nos termos em que foi redigida a Concordata.
Princípio específico que se aplica a determinadas regiões é o da paridade jurídico-estatal entre as grandes Igrejas, especialmente católica e luterana, nas regiões da Alemanha.
As situações políticas decorrentes do término da Segunda Guerra nos três períodos destacados por Salvador como pós-bélico, a partir de 45; pós-conciliar após 1965 e pós-soviético desde 1989, conduziram a tendências que se manifestam especialmente nos preâmbulos em sete aspectos: relação Igreja-Estado; consciência de viver-se em uma sociedade pluralista; comparação com normativa anterior nos casos em que ela tenha havido; recurso a direito interno de ambas as partes; remodelação das relações exigidas por princípios do Concílio Vaticano II e criação de comissões mistas em nível internacional, nacional, regional tal como ocorre em questões relativas ao regime tributário, relativa a bens culturais e assistência.
Ao celebrar acordos, a Santa Sé assegura como fundamento último da política concordatária a Libertas Religiosa et Libertas Ecclesiae assim como os direitos humanos.
Nota-se, pois, que o sistema concordatário está lastreado por princípios que norteiam a relação da Santa Sé com os Estados nacionais para preservar a liberdade religiosa, a liberdade da própria Igreja e da ação de seus fiéis, assim como dos direitos humanos.
No Brasil, não há uma lei infraconstitucional sobre liberdade religiosa porque ela se apresenta como norma constitucional como direito fundamental, o que, todavia, não evitou a polêmica em torno do Acordo realizado pela Santa Sé com o Brasil em 14 de novembro de 2008.
Com a extinção do Padroado e a separação Estado-Igreja com a Proclamação da República, não havia nenhum acordo formalizado entre o Estado brasileiro e a Igreja. Houve apenas um acordo sobre a Assistência Religiosa às Forças Armadas, de 1950, vindo a entrar em vigor somente na data de sua assinatura, em 3 de outubro de 1989.
Com relação ao Acordo Brasil-Santa Sé é digno de nota o fato de ter sido firmado num período de governo de esquerda. Acrescente-se a isso o fato de que o período de entabulação não foi divulgado na imprensa brasileira, o que também não é de causar surpresa, visto que há uma forte influência evangélica no setor de telecomunicações.
Segundo o Núncio Apostólico Lorenza Baldisseri as tentativas inexitosas de acordo do governo brasileiro com a Santa Sé não enfraqueceram o empenho da Conferência Episcopal Brasileira que intensificou os esforços a partir dos anos 80.
Em 13 de novembro de 2008, foi assinado o Acordo Brasil-Santa Sé, sendo ratificado pelo Congresso Nacional em 7 de outubro de 2009. Em11 de fevereiro de 2010, pelo Decreto 7.107, foi promulgado o Acordo Brasil e Santa Sé, assinado pelo Presidente Luiz Inácio Lula da Silva, entrando em vigor a partir de sua publicação, no dia 12. O acordo Brasil e Santa Sé estabelece o Estatuto Jurídico da Igreja Católica no Brasil. O fato gerou polêmica, dando motivo a críticas, especialmente na imprensa escrita e redes sociais, alegando-se afronta à laicidade do Estado brasileiro.
Participaram do ato de assinatura o Núncio Apostólico no Brasil, dom Lorenzo Baldisseri; o Cardeal primaz do Brasil, dom Geraldo Majella Agnelo; o Arcebispo emérito de Brasília, Cardeal José Freire Falcão; o Arcebispo de Brasília, dom João Braz de Aviz.

4.3 A IGREJA CATÓLICA, SANTA SÉ E VATICANO: DISTINÇÕES JURÍDICAS

Antes de adentrarmos nas considerações sobre os termos do Acordo é importante fazer algumas distinções necessárias quando se trata de diplomacia pontifícia.
Nos termos do Cân. 361 do Código de Direito Canônico, a Sé Apostólica ou Santa Sé, no Código, corresponde não apenas ao Romano Pontífice, mas também a Secretaria de Estado, o Conselho para negócios públicos da Igreja e demais organismos da Cúria Romana.
Portanto, não se confunde com a Cidade do Vaticano que é capital da Santa Sé e corresponde a uma área de 0,44 km2, enclave em Roma, além do Rio Tiber, onde se localizam a residência do Papa, Cúria, Dicastérios e o conjunto que corresponde ao Estado da Cidade do Vaticano. Note-se que a Santa Sé possui um Chefe de Governo, que, de acordo com o site oficial do Ministério de Relações Exteriores, é o Cardeal Tarcisio Bertone. O Papa Bento XVI, desde 19 de abril de 2005, é o Chefe de Estado.
Logo, num sentido estrito, a Santa Sé é o Ministério Petrino, o Papa, que se encontra como Pastor da Igreja Universal e como Chefe do Estado da Cidade do Vaticano. No sentido mais amplo, inclui os Dicastérios e os que colaboram no Governo da Igreja.
O espaço territorial do Vaticano visa "assegurar para a Santa Sé, mediante as garantias de seus limites territoriais, o exercício livre e independente de sua Missão Espiritual Universal".
Para dar condições à efetiva missão da Santa Sé, no espaço internacional, o Tratado Lateranense, de 1929, reconheceu a plena soberania da Santa Sé sobre o Vaticano. Logo, Santa Sé é o Estado, reunindo os requisitos para a sua identificação, ou seja, território, população, governo e capacidade jurídica para se relacionar com outros sujeitos de Direito Internacional. Por isso, é um equívoco quando se diz que houve um acordo entre Brasil e Vaticano, visto que a pessoa jurídica de direito internacional é a Santa Sé.
Embora o Código de Direito Canônico, no Cân. 113, § 1º, afirme que a Igreja Católica e a Santa Sé são pessoas morais pela própria ordenação divina, apenas a Santa Sé é sujeito internacional. Por isso, fala-se em Diplomacia da Santa Sé ou Pontifícia e o representante da Santa Sé mantém o título de Núncio Apostólico. A instituição da Nunciatura como entidade jurídica, segundo o Arcebispo Baldisseri, surgiu no século XV. O título de Legatus a latere era reservado a Cardeais para eventos específicos, embora desde o século V tenha começado a enviar representantes perante Imperadores de Bizânzio (Constantinopla), como "Apocrisiários".
Nos termos do Cân. 363, o Legado do Romano Pontífice representa o Papa junto às Igrejas Particulares, Estados e Autoridades públicas a quem sejam enviados. Mas também os Delegados e Observadores junto a Conselhos Internacionais atuam como representantes da Sé Apostólica. Mantém-se a visão da Igreja comunhão, abrindo espaço para a atuação do Núncio não apenas do ponto de vista diplomático em relação às autoridades estrangeiras, mas exercendo função intereclesial.
Embora a Santa Sé por sua natureza soberana, originária, tenha autonomia e poder de auto-organização, não é comum à Santa Sé recorrer a instâncias internacionais. Isso tem sentido porque a ação da Santa Sé não é de natureza propriamente política, sendo orientada a sua ação pela justiça e solidariedade.

5 ACORDO BRASIL-SANTA SÉ: ABRANGÊNCIA, ENTRAVES E PERSPECTIVAS

Como já vimos, o uso do termo Acordo em vez de Concordata não faz diferença em termos jurídicos porque os ambos têm força de tratado internacional. Por outro lado, o escopo foi de recolher normas já existentes para facilitar as relações entre as instituições: "Nesse sentido, o subtítulo "Estatuto Jurídico da Igreja Católica no Brasil" tem sua relevância e os preceitos do direito interno ganham força redobrada em virtude da aquisição da dimensão internacional".
Segundo Lorenzo Baldisseri, Secretário da Congregação para os Bispos, desde janeiro de 2012, o objetivo ao formular o acordo foi recolher os dispositivos existentes na Igreja Católica, muitas vezes consuetudinários, com base na legislação canônica para um Estatuto Jurídico da Igreja Católica que tivesse relevância no Direito Interno e tivesse amparo no Direito Internacional.
Na prática brasileira, publicado o decreto legislativo, para que o tratado entre em vigor é preciso que ele seja ratificado. Portanto, após assinatura do tratado e posterior aprovação pelo Congresso nacional deve haver troca de instrumento de ratificação, no caso de tratado bilateral ou depósito de carta do instrumento de ratificação da parte brasileira junto ao Governo ou organismo responsável pelas funções de depositário.
A doutrina aponta que, com relação à promulgação, a Constituição Brasileira de 88 não estabelece procedimento, sendo praxe, desde o Tratado do Reconhecimento da Independência do Império, assinado com Portugal aos 29 de agosto de 1825, que seja promulgado internamente um decreto. No sistema brasileiro a promulgação executiva e a publicação compõem a fase integratória da eficácia da lei.
Considerando que não há disposição expressa que determine procedimento de promulgação interna de tratados, de acordo com Mazzuoli, é supérflua a promulgação, não violando o princípio da publicidade, pois uma vez ratificado o tratado, o mesmo considera-se publicado desde a data em que o Congresso Nacional o referendou por meio de decreto legislativo nos termos do art. 59 da Constituição. É o que ocorreu com o Acordo Brasil- Santa Sé.
O denominado Estatuto Jurídico da Igreja Católica no Brasil elaborado em forma de Acordo entre Santa Sé e a República Federativa do Brasil foi assinado em 13 de novembro de 2008, no Vaticano, na presença do Presidente da República do Brasil e do Secretário do Estado do Vaticano.
Houve aprovação pelo Congresso Nacional do Brasil em 7 de outubro de 2009, aprovado que fora na Câmara dos Deputados em 27 de agosto de 2009. Celebrada a Troca dos Instrumentos de Ratificação no Vaticano, foi promulgado pelo Presidente Luis Inácio Lula da Silva em 11 de fevereiro de 2010, sendo publicado no Diário Oficial da União em 12 de fevereiro de 2010. Logo, todas as tramitações diplomáticas foram observadas, sendo documento legítimo no campo do direito internacional.
O Acordo Brasil-Santa Sé se apresenta como um necessário instrumento de relacionamento Igreja – Estado em que se admite a tradição cultural do país, preservando a liberdade cidadã.
Há aspectos polêmicos que deverão ser objeto de decisão judicial, pois, tem suscitado demandas judiciais. Há, porém, um fortalecimento da jurisdição eclesiástica e aí identifico o grande avanço na relação de cooperação do Brasil com a Igreja. Acrescente-se que não há de falar em privilégios visto que não há prevalência da Igreja Católica em relação a outras, mas apenas condições para o exercício da missão da Igreja na sociedade brasileira.
Veremos que há incidente de declaração de inconstitucionalidade em relação ao Art. 11, § 1 º, vindo a surgir o impasse em relação à eficácia do Acordo.
Note-se que, havendo conflito entre Constituição e Tratado, sendo a mesma declarada o ato internacional não prevalecerá. Não sendo reconhecida a inconstitucionalidade, o tratado passa a ser incorporado ao sistema jurídico interno.
Há um caminho a ser percorrido que se inicia pela divulgação do próprio Acordo nos meios acadêmicos e espaços públicos de decisão. Superar entraves práticos levará a um aperfeiçoamento interpretativo que somente se fará pela sua aplicação e exame na esfera das relações diplomáticas e, internamente, no Judiciário.
Internamente, considero a necessidade de divulgação do documento entre ministros ordenados e leigos assim como intensa atenção ao procedimento canônico no matrimônio, preparação de agentes de pastoral, formação permanente de instrutores na área religiosa, exigência interna de uma efetiva configuração de exercício do múnus decorrente do batismo numa atividade eclesial.
Após o Concílio Vaticano II, as concordatas para a Igreja têm sentido positivo, não para sanar controvérsias, mas para estreitar laços e cooperação, sem atingir a liberdade de consciência ou permitir ingerência de autoridades civis no âmbito eclesial.
O sentido de fortalecimento de relações e independência para a construção de uma sociedade mais justa constou no Preâmbulo do Acordo Brasil-Santa Sé com oito itens, reafirmando o princípio da liberdade religiosa. As fontes para a Santa Sé são o Código de Direito Canônico e o Concílio Vaticano II e, para o Brasil, a Constituição Federal e demais normas internas.
O Art. 1º reconhece as relações diplomáticas e seus representantes, no caso o Núncio Apostólico acreditado na República Federativa do Brasil e Embaixador do Brasil acreditado junto à Santa Sé.
Fica reconhecido à Igreja Católica, pelo Art. 2º, o direito de desempenhar Missão Apostólica, garantindo o exercício público de sua atividade nos termos da lei brasileira que prevê no art. 5º, inc. VI da Constituição Federal a inviolabilidade a liberdade de consciência e de crença.
No Brasil, a Igreja Católica e todas as instituições eclesiásticos possuem essa personalidade jurídica em conformidade com o direito canônico, podendo haver inscrição no respectivo registro onde também serão averbadas alterações. Há, pois, uma norma preventiva de qualquer outra alteração, visto que não poderá ser alterada a legislação dos Registros Públicos em contraposição a acordo internacional assinado pelo Brasil.
Essa inscrição já está prevista no § 1º do art. 44, do Código Civil, que prevê a liberdade na criação, organização e funcionamento das organizações religiosas, vindo, pois, o Acordo apenas ratificar o que já ocorre.
Quanto à capacidade jurídica da Paróquia, a realidade é de que a responsabilidade com sujeito processual é da Mitra.
Para prevenir questão de nacionalidade, determina o Acordo que nenhuma circunscrição eclesiástica do Brasil dependerá de Bispo que esteja em território estrangeiro (Art. 4º). Veja-se que, aí, a matéria é especialmente do interesse eclesiástico, sendo do interesse do Brasil tão-somente o fato de diminuir a ingerência estrangeira no País, mas que não parece ter sido fundamento do Artigo.
O Art. 5º reconhece a situação de entidade filantrópica às pessoas jurídicas eclesiásticas que persigam fins de assistência e solidariedade social. Tal disposição afasta a celeuma acerca da necessidade de certificado de filantropia para isenção tributária. Tal dispositivo está ligado ao Art. 15 do mesmo Acordo que prevê imunidade tributária às pessoas jurídicas eclesiásticas.
Aliás, é necessário destacar que a isenção é uma forma de dispensa de recolhimento, forma e exclusão de crédito tributário nos termos do Art. 175, I, do Código Tributário Nacional, sendo que o Art. 176 do mesmo diploma legal determina que a isenção sempre decorre de lei. A imunidade, por outro lado, é uma renúncia fiscal como ocorre com a seguridade social, observado o Art. 197, § 7º da Constituição Federal. Em algumas ocasiões o Conselho Nacional de Assistência Social negou certificados de filantropia concedida às entidades de educação e assistência social sem fins lucrativos.
Não importa, aqui, fazer aprofundamento na área tributária. Mas, o problema técnico é que a Constituição Federal, no Art. 150, ao estabelecer os limites do poder de tributar, no inc. VI, alínea "c", proíbe a instituição de impostos sobre patrimônio das instituições de educação e de assistência. Porém, não há referência à instituição filantrópica, e a Constituição refere a beneficiários e não entidades filantrópicas, estando limitada ao Código Tributário Nacional.
O Supremo Tribunal Federal já havia explicitado que a "imunidade prevista no art. 150, inciso VI, letra "b", CF, deve abranger não somente os prédios destinados ao culto, mas também, o patrimônio e renda e serviços...". E note-se que as demandas em que a situação foi examinada a favor de entidades religiosas não abrange apenas a Igreja Católica. Não há, pois, privilégio em relação a outras denominações religiosas.
O que a Santa Sé procurou foi preservar uma situação já admitida jurisprudencialmente para prevenir alterações legislativas contrárias, observando o que já vimos sobre a situação do tratado no ordenamento jurídico brasileiro.
O art. 6º do Acordo refere-se ao patrimônio histórico, artístico e cultural da Igreja Católica, assim como os documentos que estão custodiados em seus arquivos e bibliotecas. Por isso, no sentido de cooperação, assume a República Federativa do Brasil salvaguardar, valorizar e promover a fruição de bens móveis e imóveis, de propriedade da Igreja.
O Art. 7º visa proteger os lugares de culto da Igreja Católica, e de suas liturgias, com proteção a símbolos, imagens, objetos culturais, contra forma de violação, desrespeito e uso ilegítimo. Protege, também edifício e dependência ou objeto afeto ao culto católico, observando a função social da propriedade, de demolição, ocupação ou destinação pelo Estado ao outro fim salvo por necessidade ou utilidade pública, ou interesse social. Note-se que a proteção aos locais de culto e liturgia consta como garantia constitucional, como proteção ao direito fundamental ao culto e exercício de prática religiosa (art. 5º, inciso VI, da CF).
O Art. 8º do Acordo se direciona à assistência religiosa que a Igreja se compromete a dispensar aos fiéis internos em estabelecimentos de saúde, de assistência social, de educação ou similar, estabelecimento prisional, observada que esse serviço é inerente à sua própria missão. Note-se que também há previsão constitucional sobre a prestação religiosa em entidades civis e militares de internação coletiva (art. 5º, VII, da CF). Em 14 de julho de 2000, foi promulgada a Lei n. 9982 sobre o direito de acesso de ministros em estabelecimentos prisionais e ambientes hospitalares.
Em relação ao preso ou interno, é dever do Estado prestar assistência que não será apenas material, saúde, jurídica, educacional, social, mas também religiosa. O preso ou interno não é obrigado a participar de atividade religiosa, mas tem direito de ter à sua disposição local para culto religioso nos termos do art. 24 da LEP (Lei de Execução Penal) combinado com o art. 11, VI do mesmo diploma legal.
Lembra Guilherme de Souza Nucci que, nos termos do art. 5º, XLIX, da Constituição e art. 38 do Código Penal, o sentenciado deve conservar todos os direitos não abrangidos pela sentença condenatória, e um deles é a liberdade religiosa.
A assistência religiosa depende da vontade do interessado em recebê-la.
O art. 9º é restrito à questão do reconhecimento recíproco de títulos acadêmicos. O fato de universidades brasileiras, na área da teologia, algumas vezes não terem curso análogo no Brasil, exige formação no exterior. O reconhecimento da titulação passa a ser facilitado pela disposição do Acordo, visto que a Lei de Diretrizes e Bases de Educação, ao tratar no art. 48, das validações, faz referência a observação de Acordos.
Observando o princípio da cooperação, no Art. 10, a Igreja Católica se compromete a manter instituições de ensino em todos os níveis, a serviço da sociedade e o Brasil reconhece os cursos administrados em Seminários e Institutos eclesiásticos, observado o ordenamento jurídico brasileiro.
Embora o Acordo tenha suscitado contundentes críticas, o Artigo 11 sobre o ensino religioso é que tem causado mais polêmica ao possibilitar o ensino religioso católico como disciplina em horários normais das escolas públicas.
Está sendo questionado o Art. 11 em vista da laicidade do Estado. O Procurador-Geral da República, em exercício, em 30 de julho de 2010, propôs ação direta de inconstitucionalidade e decisão de interpretação conforme a Constituição do art. 11, § 1º em relação ao Acordo entre a República Federativa do Brasil e a Santa Sé, denominada Estatuto Jurídico da Igreja Católica no Brasil publicada pelo Decreto nº 7.107/2010. Objetivo era ver determinado que o ensino religioso em escolas públicas só pode ser não-confessional ou declarada a inconstitucionalidade do Acordo, especialmente pelo consta no Art. 11, § 1º, do Acordo Brasil- Santa Sé (ADI 4439).
Em face do princípio da laicidade do Estado (art. 19, I, da CF) e a previsão constitucional de que o ensino religioso é de matrícula facultava nas escolas públicas de ensino fundamental (art. 210,§1º) é questionada a disposição do art. 11 § 1º do Acordo. Segundo consta na petição, não se pode admitir que "se transforme a escola pública em espaço de catequese e proselitismo religioso, católico ou de qualquer outra confissão".
Trazendo as considerações de Débora Dinis e Tatiana Lionço, na obra Laicidade e ensino religioso no Brasil, a parte autora destaca que não havendo neutralidade estatal no ensino interconfessional, para compatibilizar o caráter laico do Estado brasileiro com o ensino religioso nas escolas públicas, o modelo seria o não-confessional, incluindo posições não-religiosas, como o ateísmo e o agnosticismo.
Pondera também o fato de que os professores deveriam ser do ensino público e não vinculados a igrejas ou confissões religiosas. Estaria, dessa forma, sendo observado o princípio da laicidade do Estado e observado o Plano Nacional de Direitos Humanos que estabelece, como objetivo estratégico, o respeito às diferentes crenças, liberdade de culto e garantia da laicidade do Estado.
Tal proposta, segundo a demandante, estaria em conformidade com a interpretação do art. 33 da Lei 9394/96, Lei de Diretrizes e Bases da Educação.
Com relação ao art. 11, §1º do Acordo Brasil-Santa Sé a autora pondera que seria possível interpretar que seria possível o ensino não- confessional de religião, exposição sobre a doutrina católica. Porém, para observar o princípio da laicidade estatal, requer suprimir do referido artigo do Acordo, a expressão "católico e de outras confissões religiosas".
Pondera, depois, de discorrer sobre laicidade e laicismo que cumpre velar pela laicidade estatal no âmbito do ensino público fundamental considerando que "a simples previsão de ser facultativo o ensino religioso, como meio de evitar um indesejado doutrinamento, está longe de ser suficiente", tendo em vista que a recusa à frequencia das aulas de religião iriam impor um ônus desproporcional sobre crianças e adolescentes.
Aspectos apontados por Baldisseri é o fato de o Art. 11 do Acordo dispor, com base no direito à liberdade religiosa, a pluralidade confessional. Note-se que o ensino religioso para a formação integral da pessoa não se contrapõe à Constituição Federal do Brasil que, no art. 205, determina que o ensino religioso deve visar "ao pleno desenvolvimento da pessoa". Além do mais, o art. 210, § 1º da Constituição Federal prevê o ensino religioso, de matrícula facultativa. E bem pondera Baldisseri que o ensino religioso "não pode ser entendido como alusivo a uma "religião genérica", aconfessional, indefinida, já que tal "religião" não existe. Seria pura abstração mental, sem correspondência na realidade da vida e da sociedade humana".
Por outro lado, Célio Borja pondera que, no art. 19, inciso I, da Constituição Federal, não há a expressão "Estado laico". Há, sim, uma cláusula proibitória de subvencionamento, embaraçamento ou dependência relação Estado-igreja e uma disposição autorizativa de colaboração no interesse público e na forma da lei.
Afirma Célio Borja que o pedido, conforme formulado da ação direta de inconstitucionalidade, importa em modificação de cláusula de tratado por ato judicial o que não é admitido porque alteraria unilateralmente disposição convencional. De qualquer forma, se admitida a inconstitucionalidade, tornaria inoperante a disposição do Tratado embora o Brasil não possa modificá-lo.
Quanto ao ensino confessional de religião, argumenta que a confessionalidade está ínsita na garantia da liberdade de crença que a Constituição assegura como inviolável (CF, art. 5º, VI), sendo a confessionalidade inerente à garantia do ensino de religião.
Especificamente sobre o ensino religioso no Brasil, Débora Diniz, Tatiana Lionço e Vanessa Carrião escreveram obra sobre a questão do ensino religioso nas escolas públicas, com acento no caso brasileiro. Afirmam as autoras que a laicidade entendida como dispositivo político que organiza as instituições básicas do Estado com separação entre a ordem secular e os valores religiosos torna escola pública como espaço que atualiza a controvérsia dos os conteúdos da laicidade.
Lembram que, no Brasil, o ensino religioso nas escolas públicas não é objeto de consenso democrático. Há inexistência de habilitação de professores para o ensino religioso e a LDB (Lei de Diretrizes e Bases), no seu art. 33, previa inicialmente as modalidades de ensino confessional e interconfessional, sendo posteriormente retirada as duas modalidades.
Destacam as autoras que a Lei nº 9.475/1997, que deu nova redação à LDB, foi relatada pelo então deputado Padre Roque Zimmermann (PT/PR), sendo sinal de importância do tema para a Igreja Católica.
Note-se que o Conselho Nacional de Educação resguardou às próprias instituições de ensino, a definição de conteúdo da disciplina, em parceria com grupos religiosos. Vê-se, portanto, que o sentido que o país laico dê ao religioso vai interferir na forma como torna possível essa manifestação no âmbito escolar.
No caso brasileiro, no Rio de Janeiro houve concurso público para ensino religioso, abrindo-se vagas para católicos, evangélicos e outros credos, devendo o pertencimento do professor à comunidade religiosa ser atestado por liderança religiosa reconhecida. Considerou-se, assim, a anterioridade do fato religioso e de que a religião seria um saber para crentes.
Não se vislumbra, de fato, a alegada inconstitucionalidade do artigo 11 do Acordo. Na base de sentido da palavra "religião" está "religare", "religio", não se denotando abusivo o fato de ser visto o fenômeno religioso como prioritário na formação da juventude e observada determinada diretriz.
Na medida em que o ensino religioso continua sendo facultativo, não fere a laicidade estatal. O que não é possível é tornar a religião imbuída de laicidade a ponto de afastar o aspecto transcendental. O respeito pela diversidade religiosa não se confunde com desorientação religiosa.
Considerando, porém, que a questão encontra-se "sub judice" cumpre tão-somente acompanhar e discussão e a audiência pública proposta sobre a questão onde a CNBB atua como amicus curiae. Por outro lado, lançar manifestações sobre o tema é necessário para que os católicos tenham condições de perceber a sua responsabilidade social e discutir, na esfera pública, o que lhe compete também em nível de cidadania e não permitir cerceamento estatal à liberdade de crença e direito à informação.
Outro artigo polêmico do Acordo Brasil-Santa Sé é o 12, que concebe efeitos civis do casamento religioso e homologação das sentenças. Aparentemente não parece haver dificuldade visto que o Código Civil de 2000, no seu art. 226, § 2,º dá efeito civil ao casamento religioso. Porém, a dificuldade se apresenta pelas peculiaridades da sentença canônica em relação à legislação civil brasileira.
Note-se que a sentença afirmativa de declaração de nulidade matrimonial canônica deve ser confirmada, mediante homologação por órgão superior da Santa Sé, no caso, a Assinatura Apostólica, nos termos do Art. 121 e seguintes do Pastor Bônus, Constituição Apostólica sobre a Cúria Romana.
Em se tratando de sentença eclesiástica, homologada pela Assinatura Apostólica, tal sentença é considerada sentença estrangeira. Portanto, seguirá o prosseguimento de carta rogatória. A homologação pela República Federativa do Brasil, salvo regulamentação que venha a ocorrer, será feita pelo Superior Tribunal de Justiça (art. 105, I, alínea 'i' da CF) a quem cabe homologação de sentença estrangeira e concessão de Exequatur às cartas rogatórias.
Com a devida homologação será possível o encaminhamento para averbação no registro competente independentemente de ofício. Se houver qualquer entrave que exija medida judicial, o ingresso em juízo para cumprimento de sentença far-se-á perante a justiça federal (art. 109, inc. X, da CF).
Por outro lado, ainda há a questão da coisa julgada. Somente pode ser homologada a sentença transitada em julgado. Porém, o Cân. 1643 determina que nunca passam em julgado causas sobre o estado das pessoas, aí incluídas as causas envolvendo o vínculo matrimonial. Atente-se que a segurança jurídica exige que, pelo menos formalmente, haja uma preclusividade. Logo, não há de se falar em trânsito em julgado material, nos termos da lei processual civil brasileira (Art. 467, do CPC).
Ao tratar do tema da coisa julgada no Direito Canônico, ressalta Eduardo Talamini que "talvez nenhum instituto no direito processual da Igreja revista-se de tantas peculiaridades, em contrates com os modelos processuais laicos, como a coisa julgada". Aponta o autor que para estabilização da sentença com ou sem formação de coisa julgada, vigora a norma da duplex sententia conformis (Cân. 1641, 1º 1682).
A sentença passada em julgado "goza da certeza do direito,com a presunção que seja justa e verdadeira, não podendo ser mais diretamente impugnada".
O tema é desafiador na lei nacional, mas não é novidade em relação à Santa Sé. Norma semelhante foi acordada no tratado realizado na Espanha. Ao discorrer sobre a questão, Patrícia Alzate Monroy destaca que não cabe ao juiz revisar a fundo a sentença canônica, mas apenas observar o que não contraria a ordem pública do Estado espanhol.
Também não precisa haver exatidão entre as causas de nulidade matrimonial canônica e a civil até mesmo porque o sistema canônico é antidivorcista e admite apenas a relação heterossexual, diversamente do civil.
Portanto, precedentes trazem luzes à situação brasileira. Averbado o matrimônio canônico para efeito civil, a relação matrimonial pela natureza contratual civil se rege pelas normas civis.
Há, porém, ainda uma questão a ser refletida é se, homologada a sentença canônica pelo STJ, poderia algum interessado ingressar com querella nullitatis. Entendo que, por se tratar da lei canônica especial, ela prevaleceria em relação a eventual prazo decadencial da lei nacional, tendo em vista a relevância do matrimônio como sacramento. Entretanto, essa é apenas uma hipótese a título de argumentação.
Do ponto de vista prático, certamente ao profissional da área do Direito a escolha será pelo divórcio civil, ingressando com a nulidade matrimonial canônica apenas para o efeito religioso, visto que na área cível terá espaço legal para solução de todas as questões decorrentes da dissolução do vínculo, incluindo o patrimonial, guarda de filhos, alimentos e demais disposições de reflexo familiar.
Percebe-se, pela leitura de acórdãos do Supremo Tribunal Federal a quem cabia, antes da emenda 45 da Constituição Federal, a homologação de sentenças estrangeiras que há uma presunção de trânsito em julgado. Da mesma forma, havendo dúvida acerca de observância de formalidades, há uma presunção de que cabe ao Tribunal Superior Eclesiástico o cuidado no que concerne às observações das normas canônicas.
Note-se ainda que os efeitos da declaração de nulidade matrimonial canônica, pelo Acordo, chancela a força do casamento canônico. Porém, essa circunstância não impede o divórcio, o que aparentemente não seria possível, observados os termos do Cân. 1055 que declara o matrimônio indissolúvel. Todavia, ao ser registrado no Registro Civil, assume a chancela do Estado, ficando ao amparo das leis nacionais.
Para o cidadão comum, fiel cristão, esse artigo do Acordo pode não ter maior repercussão tendo em vista o desconhecimento acerca dos termos do Acordo Brasil-Santa Sé. Acordo. Aos religiosos, a questão é civil, para os civilistas, a questão tem interesse apenas para os crentes. O assunto tem ficado restrito à área acadêmica de Direito Canônico, aos tribunais eclesiásticos e Sociedade Brasileira de Canonistas.
O Protocolo nº 39045/06 VAR, de 25 de janeiro de 2010, emitido pelo Prefeito da Assinatura Apostólica, observa que caberá ao Supremo Tribunal da Assinatura Apostólica, como órgão eclesiástico de controle superior, exarar decreto executório para homologação em língua portuguesa nos termos do art. 15 da Lei de Introdução do Código Civil.
Como há previsão de que será observada a citação regular da parte demandada ou a decretação de revelia, a Carta Circular orienta que, nos textos das sentenças enviadas para homologação, deve estar explicitada a citação ou decreto de declaração de ausência ao juízo conforme previsto nos arts. 126-134 da Instrução Dignitas connubii.
Em decorrência, a presunção de regular citação pela entrega de correspondência poderá vir questionada. Isso porque, na esfera civil, uma das hipóteses de exclusão da citação por correio é exatamente as ações de estado (art. 222, alínea "a", do CPC) e nessas se inclui a de nulidade matrimonial. Além disso, mesmo na hipótese de citação por carta, a lei civil exige a assinatura do citando.
Logo, a citação em que o recebimento é assinado apenas pelo porteiro do edifício poderá ser questionada especialmente nos casos em que o réu não venha a se manifestar, permanecendo revel. O contato posterior com a parte ré por telefone para confirmar o recebimento é uma possibilidade, mas cumprirá haver, tecnicamente, certidão do notário e não mera informação, pois o notário é o serventuário que tem fé pública.
A essa questão acrescente-se ainda a referente à atuação de advogado. Enquanto na esfera cível, nos termos do art. 133 da Constituição Federal, o advogado é indispensável à administração da justiça, cumprindo a ele a capacidade do ius postulandi nos termos do art. 5º da Lei 8906, na área canônica não há obrigatoriedade dessa intervenção a não ser na área penal e no juízo contencioso, tratando-se de menores ou de juízo que afete o bem público, com exceção de causas matrimoniais (Cân. 1481§§ 2 e 3).
Nos termos estritos do Código de Direito Canônico, para atuar perante os Tribunais Eclesiásticos não basta o advogado ter formação jurídica com inscrição regular na Ordem dos Advogados do Brasil mas deve ser católico, salvo com permissão especial do Bispo.Deve ter sido por este aprovado, constando no elenco de advogados da Diocese ou Arquidiocese. Esse rol fica a critério de conhecimento das autoridades eclesiásticas, não havendo necessidade de comprovação de formação específica na área canônica em que pese o Cân. 1483 assim o exija.
Se o Acordo Brasil-Santa Sé vier a ter efetiva repercussão na questão de nulidade matrimonial canônica, impor-se-á aumentar os quadros de profissionais à disposição das partes com a promoção por partes dos Tribunais Eclesiásticos de cursos de formação continuada.
Certo é que as questões que advierem da aplicação do Acordo Brasil-Santa Sé, em especial no que se refere ao art. 12, dependerá do que for sendo construído em termos de jurisprudência canônica e da interpretação interna por parte do Superior Tribunal de Justiça a quem caberá a homologação da sentença estrangeira.
Considerando que o propósito da presente análise é examinar o Acordo no plano da relação Estado – Igreja, as considerações feitas visam tão-somente acenar para algumas questões que provavelmente serão dirimidas pela jurisprudência ou que poderão ser acertadas em ajustes bilatérias nos termos do art. 18 do mesmo Acordo.
Com relação às disposições seguintes do Acordo, do Art. 13 a 17, verifica-se que a matéria é especialmente atinente a ministros ordenados e religiosos.
A garantia do segredo do ofício sacerdotal, especialmente da confissão, somente veio reforçar o que já está disciplinado em norma processual nacional prevista no art. 406, inciso II do CPC. Lembra ainda Baldisseri, que o sigilo não se restringe ao sacramento da penitência, "mas se estende para outras atividades próprias do Ministério religioso, como a direção espiritual". Embora, para o autor, o segredo do ofício desonera o Sacerdote de depor frente a autoridades públicas em razão do Ministério e impõe aos poderes públicos o dever de proteger a confidencialidade, tal não decorre do art. 13 que se refere "especialmente" o da confissão sacramental.
Portanto, continuará a celeuma a respeito da não obrigatoriedade da autoridade eclesiástica encaminhar cópia de peças de processos de nulidade matrimonial canônica, a pedido da parte, para fazer prova no juízo cível.
O art. 14 é direcionado especialmente às entidades públicas em termos de planejamento urbano para destinação de espaços para fins religiosos.
Cumpre ainda referir os artigos 16 e 17. O art. 16 visa afastar questões que têm sido objeto de discussão na área trabalhista. O vínculo entre os ministros ordenados e fiéis e as Dioceses é de caráter religioso. As tarefas de índole pastoral, litúrgica, catequética de promoção humana podem ser realizadas a título voluntário.
A matéria já está consolidada no Tribunal Superior do Trabalho. Note-se que tanto em relação a religiosos como a leigos que atuam em atividade missionária, não se lhe deve pagamento por ser atuação de caráter voluntário, inerente à atividade de discípulo missionário.
Outra questão relevante a ser tratada no Acordo foi o visto para missionários, no art. 17, abrangendo não apenas a situação dos ministros ordenados, mas também de religiosos e leigos, tornando o Bispo interlocutor oficial visto que a Diocese se equipara, em termos administrativos, aos Ordinariados, as Prelazias e Abadias nos termos dos Cânones 134 e 368 do Código de Direito Canônico.
O fato de ser reconhecido ao Bispo, por direito próprio, o poder de fazer o pedido de visto em nome do sacerdote, religioso ou leigo convidado, assim como o pedido de visto definitivo, não impede de ser o pedido formalizado pelo próprio interessado, observando-se as formas previstas no denominado Estatuto do Estrangeiro.
Vê-se, pois, que há questões em aberto que serão, paulatinamente, resolvidas e que exigem atenção e preparação para atuação no espaço público. O art. 18 prevê que o Acordo poderá ser complementado por ajustes, podendo a Governo Brasileiro e a CNBB, autorizada pela Santa Sé, celebrar convênios.
Com relação à aplicação ou interpretação dos termos do Acordo, o art. 19 dispõe que divergência na aplicação ou interpretação do Acordo serão resolvidos por negociação diplomática direta.
Ao discorrer sobre os artigos 18 e 19, José Bonifácio Borges de Andrade afirma que o que foi denominado de "ajuste" corresponde a um "acordo complementar" de integração do Acordo, o denominado "acordo-quadro", "acordo-geral" ou "acordo base" onde se estabelecem as regras básicas e se possibilita a complementação posterior.
Note-se o relevo dado à CNBB, reconhecida nacionalmente e, nos termos do Acordo, legitimada para interlocução nas tratativas de implementação do Acordo. Veja-se, aí, a atuação efetiva de um órgão da Igreja, com representatividade jurídica civil, atuando especificamente na implementação de um tratado com repercussão para o país.
Destaca José Bonifácio que essa possibilidade de atuação da CNBB celebrar convênios sobre matérias específicas no âmbito de sua atuação tem fundamento no princípio da subsidiariedade pela qual deve ser conferida tarefa específica nos limites de atuação de cada entidade, não interferindo a ordem superior naquilo que é possível ser feita pela inferior. Lembremos que esse princípio foi reafirmada por Pio XI na Quadragésimo Anno ao referir a subsidiariedade da ação do Estado, também observada por João Paulo II, na Centesimus Annus ao discorrer sobre o erro do Estado assistencial, irresponsabilizando a sociedade.
De acordo com a Doutrina Social da Igreja, entenda-se por subsidiariedade, "presença [...] do poder público na sociedade, como responsável, que é, pelo bem comum, mas com a função de ajuda (latim subsidium = ajuda, auxílio) aos cidadãos e aos corpos intermediários na plena realização de seus objetivos".
Logo, não precisará haver atuação direta da Santa Sé, mas, sim, de órgão representativo da Igreja no Brasil, para eventual implementação complementar do Acordo o que dá à CNBB legitimação para atuação num plano de relações com o Estado brasileiro, embora a leitura do texto deixe espaço à interpretação de que não há uma autorização prévia da Santa Sé, mas apenas a legitimação da CNBB para celebrar convênios, desde que autorizada pela Santa Sé. Portanto, cumprirá à CNBB, por sua assessoria, justificar perante a Santa Sé eventuais proposições de complementações ao Acordo.
Embora a via diplomática seja o caminho estabelecido para solução de eventuais divergências na aplicação do Acordo, isso não se aplica ao âmbito interno, tanto que há em tramitação ação visando ver declarada a inconstitucionalidade do artigo referente ao ensino religioso.
Portanto, embora o Acordo já esteja em vigor em virtude da Promulgação através do Decreto nº 7.107, considerando que cabe ao STF (art. 102, III, b) fiscalizar a constitucionalidade dos tratados embora já ratificado, se for reconhecida ofensa constitucional de determinado artigo, o mesmo não terá aplicação interna.
Certo que há opiniões que atestam a superioridade dos tratados, porém, como na situação do Acordo Brasil – Santa Sé as disposições dependerão de lei interna, é possível ser ou não observado o Acordo até mesmo porque o mesmo não é impositivo, mas propositivo.
O artigo 20 do Acordo remete ao Acordo entre República Federativa do Brasil e Santa Sé sobre Assistência Religiosa nas Forças Armadas, de 23 de outubro de 1989, que vem ao encontro da disposição do art. 5º, inciso VII da Constituição Federal. Pelo Acordo de 1989, a Santa Sé constituiu um Ordinariado Militar no Brasil para assistência religiosa aos fiéis católicos das Forças Armadas, sendo que o Ordinariado é canonicamente assimilado à Diocese.
A disposição do Acordo favorece, pois, a organização dessa assistência e se contrapõe à resistência quanto à existência de Diocese Castrense, visto que os subsídios pagos aos Bispos, por indicação vaticana, e integrantes da Corporação Militar, admitidos mediante concurso, o são pelos cofres da União.
O Artigo 20, ao ressalvar as situações jurídicas existentes e constituídas as abrigo do Decreto nº 119-A e o Acordo Brasil e Santa Sé sobre Assistência Religiosa às Forças Armadas, visa a preservar as situações existentes de separação, mas de respeito e cooperação entre Estado e Igreja Católica.

6 LEGITIMIDADE DO LEIGO CATÓLICO NO ESPAÇO DO ESTADO E A DIGNIDADE DO FIEL CIDADÃO

Ao se discorrer sobre a atuação da Igreja do ponto de vista do leigo em relação ao Estado cumpre fazer uma distinção entre a teologia pública, o agir público do leigo e a responsabilidade do leigo cristão na administração pública.
Quando se trata de teologia pública, o interesse é na res publica visando a recuperar as possibilidades de uma dimensão teológica. Essa é uma área de pesquisa em expansão. Rudolf Von Sinner lembra que a religião não abandonou a esfera pública, em que pese tenha perdido a influência que costumava possuir. Aliás, a separação entre as religiões e o Estado é "irrevogável e constitui uma condição para a possibilidade de liberdade e pluralidade religiosa".
Pela teologia pública se procura pensar, refletir e dar uma orientação às igrejas em uma atuação fora de seu espaço específico (membresia ) em diálogo com a sociedade civil, distinguindo-se da teologia política porque é mais ampla que o sistema estritamente político.
Com precisão destaca Sinner, retomando as palavras de John de Gruchy de que o testemunho cristão é público, mas a teologia pública não significa que apenas a Igreja faça declarações públicas ou venha a se engajar em ações sociais, mas, sim, que ela aborda questões de importância pública.
Ao tratarmos da atuação do leigo na administração pública, o enfoque é a função pública em sentido estrito, ou seja, na ocupação de cargos públicos. Os leigos ocupantes de cargos públicos estão sujeitos às exigências do Cân. 225, § 2º. Exige-se uma coerência entre fé e vida, devendo o leigo fiel ter os atos iluminados pelo magistério da Igreja para que o seu serviço esteja voltado à promoção integral da pessoa e do bem comum.
No presente trabalho, porém, em relação à laicidade do Estado brasileiro, a questão é perceber nessa laicidade "sinal do tempo" cumprindo à Igreja permanecer à escuta, pois essa realidade não lhe pode ser indiferente.
O ressurgir da atuação dos leigos na esfera pública em espaços culturais, universidades, tribunais, política, se apresenta como um revigorar. Por outro lado, da Igreja se espera uma atuação firme no assunto que lhe seja relevante, como é o caso do ensino religioso.
Do ponto de vista internacional, a acolhida do Acordo Brasil-Santa Sé deve ser visto como uma reação da Igreja enquanto instituição de fazer valer o espaço que lhe compete frente à nação brasileira.
Para o leigo cristão cumpre a serenidade de tomada de posições em questões geralmente polêmicas. O Seminário Internacional Estado Laico & Liberdade Religiosa realizado em Brasília em 16 de junho de 2011 foi uma nota de reconhecimento de que o Estado laico não é efetivamente um Estado ateu. Ali enfatizou o Ministro Ives Gandra Martins Filho que Estado laico é diferente do laicismo, havendo valorização e respeito ao fator religioso.
A proposta foi elaborar uma publicação para subsidiar o Judiciário em decisões sobre Estado e Igreja, possibilitando que as questões sejam tratadas sem radicalismos.
Infelizmente, as minorias contrárias à religião têm encontrado voz e vez em nome da laicidade do Estado. Na medida em que os embates vão para o Judiciário, será necessário abrir espaços públicos não apenas para discussão, mas para que se ouça, pense e reflita. Será impositivo buscar os argumentos racionais na busca de respostas às tensões. O relativismo moral como chave para convivência pacífica é ilusória. Não podem os fiéis suprir parte de si, da sua fé para ser considerado um cidadão ativo.
A laicidade também é uma ideia que faz parte do cristianismo e que corresponde ao reconhecimento da Igreja quanto aos valores profanos, a sua legitimidade e autonomia. Porém, a sã laicidade exige que a pessoa seja percebida em todas as suas dimensões constitutivas, da qual a abertura à transcendência faz parte.
A natureza secular do leigo favorece sua atuação responsável no espaço público do Estado a ser exercida vocacional mente. Cumpre exercer ação missionária leiga decorrente do batismo inserido na dinâmica do mundo , o que lhe confere a índole secular.
Nos fiéis leigos coexistem dois elementos unidos e teologicamente distintos: o batismo e secularidade inerentes e um modo de configurar a existência cristã e a secularidade batismal como atividade na Igreja, procurando o Reino de Deus com uma finalidade escatológico.
Essa inserção do batizado no mundo se apresenta como efetiva missão para um agir com a razão que tem suporte na fé. Receberá o auxilio espiritual pela Palavra e sacramentos, especialmente a Eucaristia. Do ponto de vista da razão pública, busca-se a racionalidade em uma linguagem acessível usando um discurso legitimador com base na liberdade e dignidade da pessoa humana, valendo-se dos princípios e valores fundamentais.
Se buscamos a verdade e a Verdade é Cristo, nele estaremos amparados na racionalidade da vida, do amor, da solidariedade, conservando e construindo.

CONSIDERAÇÕES FINAIS

Secularização e laicidade são termos que têm perpassado as discussões acadêmicas, especialmente a partir do movimento da modernidade francesa, que, com seu racionalismo exacerbado, deu prioridade à proteção de direitos individuais e fez a própria Igreja repensar a sua situação no mundo. Os documentos que resultaram do Concílio Vaticano II, especialmente Lumen Gentium e Gaudium Spes foram essenciais a uma nova eclesiologia em que a Igreja sacramento em Cristo toma posição de sua relação frente às realidades terrestres e os diferentes ministérios atuantes, entre eles a atuação dos leigos.
A laicidade passou a ser identificada pela Igreja como favorecedora de sua identidade na sociedade. A missão primordial é ser evangelizadora sem admitir a ingerência estatal na administração do que lhe é próprio. Nesse sentido a Igreja também é laica. É sã laicidade que se espera dos fiéis.
A liberdade religiosa é reconhecida como expressão da própria dignidade humana. Portanto, o pluralismo religioso é direito que aponta para diferentes formas de manifestação de fé e de busca da compreensão da realidade divina. Não há motivos para temer a laicidade. Cumpre à Igreja e ao leigo, povo de Deus, ter espaço de atuação em país laico, utilizando-se dessa laicidade para impedir ingerências nas atividades religiosas e naquilo que for adstrito à fé.
Consciente de que é na Igreja que subsistem os meios de salvação (LG 8), a convivência com outros credos é resultado de um amadurecimento reflexivo. Em decorrência, na relação Igreja-Estado é importante identificar como pode ser a atuação do leigo católico no espaço público. Estando na atividade secular, o leigo católico deve testemunhar os valores próprios recebidos da Igreja e desenvolvidos na Igreja. No espaço público do Estado o leigo não pode ser discriminado em face de sua opção religiosa.
Embora a separação Igreja-Estado tenha ocorrido a partir da Constituição de 1891, com a Proclamação da República, o Brasil manteve, historicamente, ligação com a Igreja Católica.
No período de regime militar a Igreja manteve uma aproximação com o povo, havendo perseguição a muitos religiosos que defenderam a proteção aos direitos humanos.Com a recuperação da democracia e a Constituição cidadã de 1988, o Brasil continuou a ser um Estado laico. Houve o fortalecimento de direitos individuais, coletivos e até mesmo supraindividuais, intensificando-se a cidadania laica. O que tem sido discutido na Europa encontra repercussão no país. É o que se poderia denominar de "laicismo tardio", visto que as matérias discutidas no Brasil já foram e continuam sendo objeto de discussões na Europa, não havendo, assim, novidade ou originalidade como na questão dos crucifixos em espaços públicos.
A concepção do fiel como membro do Povo de Deus numa comunhão e participação exigiu, sob ponto de vista da Igreja, que o leigo não atue apenas nos ministérios específicos no interior das atividades religiosas, mas que se possa fazer presente em atividades seculares.
Propõe Bruno Forte a recuperação da laicidade na eclesiologia para que se reconheça a importância do saeculum e da atuação efetiva do leigo nesse espaço que lhe é próprio com o reconhecimento do saeculum e da atuação do leigo, nesse âmbito que Bruno Forte denomina de eclesiologia total, identificando a dignidade e autonomia de cada batizado e, consequentemente, a responsabilidade dos leigos.
O acordo Brasil-Santa Sé faz parte da política eclesiástica e fortalece, interiormente, o princípio da cooperação Estado-Igreja. A religião no Estado Democrático de Direito é expressão de pretensão de transcendência pública do fator religioso, agindo Estado e Igreja com harmonia e cooperação mútua.
Impõe-se, pois, no momento político do Brasil, continuar na busca do fortalecimento da identidade nacional, de conservação dos direitos conquistados. Em prol da laicidade, cumpre ao cristão se fazer presente em temas de repercussão pública, fazendo-se presente, como cristão-cidadão. Faz parte do ser cristão ser participante, atuante, sentir-se corresponsável pela Igreja e pelo Estado do qual faz parte.
À laicidade deve se incorporar o critério da cooperação, agindo a Igreja no que puder a ação do Estado em sintonia com outros setores. Assim como cumpre ao cidadão ter a liberdade religiosa como base do pluralismo, tomando a tolerância como de sadia convivência, cumpre ao cristão perceber que a sua atuação cidadã é fundamental como testemunho de reconhecimento de ser dom de Deus e por isso responsável pela criação da qual fazem parte seus irmãos, o meio social e o próprio Estado, atuando na sua organização e no seu desenvolvimento, numa colaboração construtiva.
A laicidade no Estado Democrático de Direito e numa Igreja pós-Vaticano II corresponde à autonomia Estado-Igreja, que inibe intromissões no que lhe são próprios, mas exige a participação efetiva da Igreja na comunidade política e não inibe e não exclui a cooperação, o diálogo, o entendimento para o cumprimento da missão no que lhe é comum que é estar a serviço do bem comum da comunidade humana. A Igreja está a serviço da pessoa humana, cumprindo ao leigo cristificar suas ações para que tudo que faça se realize na missão.
Do ponto de vista do Estado, cumpre perceber que, em se tratando de relação Estado e Igreja e tudo aquilo que se refere ao religioso, está tratando de questão fundamental e, portanto, não basta apenas decidir. Cumpre ouvir, abrir espaço ao diálogo para evitar o acirramento de ânimos que não permite retirar do conflito oportunidade de crescimento de relações.
Na relação de poder, via judiciário, também será necessário encontrar meios de atendimento de conflitos com efetiva escuta dos interessados, abrindo a possibilidade de entendimento, levando a tensão igreja-Estado para fora do espaço do embate, mas para o diálogo, com exercício da tolerância.
A Igreja, por suas instituições e seus membros, especialmente os leigos, cumpre ver na resistência a oportunidade de reflexão acerca da identidade cristã católica e a responsabilidade pública que advém dessa identidade na preservação de valores fundamentais referentes à preservação da vida e da dignidade da pessoa humana.
Estamos num país laico, sem temer a laicidade em que a razão pública deve ser a base para a argumentação de uma Igreja atenta aos sinais dos tempos e que não se fecha e nem mesmo admitirá ser cerceada em seu agir, na sua missão profética.
Cumpre, pois, à Igreja, especialmente através do laicato na sua atuação no mundo secular, participar de forma ativa no espaço público sob a luz do Espírito Santo Paráclito, sem medo, confiante nas palavras do Senhor: "Eis que eu estou com vocês todos os dias, até o fim do mundo" (Mt 28, 20).

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