Penso que ultimamente tenho sido um tanto quanto “fundamentalista”. Observo tal postura em alguns dos artigos que publico. Nada obstante, encontrei um antídoto contra todo jaez de fundamentalismo religioso: a exortação apostólica “Evangelii Gaudium”, do papa  Francisco. Meu contato com este documento precioso se deu de várias maneiras. Inicialmente, gravei-o em áudio para meu amigo deficiente visual, frei Anselmo Fracasso, OFM. Depois, li e estou relendo e estudando a benfazeja exortação.

A fé não é da mesma natureza que a matemática! Assim, para os que, após lerem autores de segunda mão, realçam a ortodoxia, sempre há o risco do fundamentalismo ou de certo gnosticismo, conforme exproba Francisco: “(...) uma fé fechada no subjetivismo, onde apenas interessa determinada experiência ou uma série de raciocínios e conhecimentos que supostamente confortam e iluminam, mas, em última instância, a pessoa fica enclausurada na imanência de sua própria razão ou dos seus sentimentos.” (“Evangelii Gaudium, n.º 94).

Certos apologetas coevos, os quais frequentam a Internet e outros meios de comunicação, cumprem deveras o relevante múnus de comunicar o inconcusso e bimilenar ensinamento da Igreja, contudo, esses senhores deveriam também ler a supramencionada exortação papal. No fundo, vejo que no pontificado de Francisco os fundamentalistas perderam o chão. Demais, os seguidores e fãs de determinados corifeus da ortodoxia, não se isolem da comunidade paroquial e de seu bispo, porque há o perigo de que esse zelo extremo pela fé se transforme  em “consumismo espiritual”. Com efeito, escreveu Francisco: “O isolamento, que é uma concretização do imanentismo, pode exprimir-se numa falsa autonomia que exclui Deus, mas pode também encontrar na religião uma forma de consumismo espiritual à medida do próprio individualismo doentio.” (“Evangelii Gaudium”, n.º 89).

Infelizmente, em alguns grupos ou movimentos eclesiais de cunho conservador, onde se enaltece tanto a fidelidade ao magistério, quase não se fala na Doutrina Social da Igreja. Deslembra-se, assim, que as questões sociais, como a opção preferencial pelos pobres, não exclusiva, nem excludente, constituem parte integrante do evangelho pregado por nosso Senhor Jesus Cristo (“Solicitudo Rei Socialis”, são João Paulo II).

Termino aqui esta mea culpa, rogando aos que se dizem católicos praticantes e grandes defensores do papado, para que passem a ouvir mais atentamente o atual bispo de Roma, amando-o e respeitando-o como vigário de Cristo.

Edson Luiz Sampel

Doutor em Direito Canônico pela Pontifícia Universidade Lateranense, do Vaticano.

Membro da União dos Juristas Católicos de São Paulo (Ujucasp), da Sociedade Brasileira de Canonistas (SBC) e do conselho diretor da Academia Marial de Aparecida (AMA).