Dom José Francisco Rezende Dias
Arcebispo de Niterói

Não é de hoje que Nossa Senhora se faz presente em muitos dos apuros humanos. Alguns exemplos importados dos fatos presentificam esse auxílio, inconfundível, incontestável, jamais, deixado na franja da grande História.

Lepanto e Fontainebleau são apenas dois desses nomes, duas evocações históricas. Para quem não crê, nenhuma evidência é suficiente. Mas para quem acredita, como é bom abrir o álbum de fotografias de nossa família religiosa e constatar, admirado: Parece que eu estava lá!

Na tarde de 7 de outubro de 1571, quando as duas forças colidiram, navios batendo uns nos outros, homens armados trocando de embarcações, arcabuzes e canhões disparando, foi o caos. Naquela tarde, ao final da batalha, doze mil escravos cristãos foram libertados, mas outros sete mil padeceram. Numa guerra, não há vencedores: todos perdem. Apesar disso, a Batalha de Lepanto teve um impacto espiritual importante para o catolicismo.

O Papa Pio V enxergava o crescimento Otomano como um risco ao povo e à liberdade religiosa. Antes da batalha, ele insistiu para que todos os soldados fizessem jejum e oração, se confessassem e comungassem – em cada navio havia um padre. Ao final da batalha, a centenas de quilômetros, em Roma, o Papa, no mesmo instante, parou o que fazia, se levantou e deu graças a Deus pela vitória dos cristãos.

É um grande erro considerar um fato histórico fora do seu contexto. No contexto da época, não havia o que fazer. Eles não estavam lidando com religiões, católicos versus muçulmanos, mas com planos de preservar ou destruir uma civilização que, se não foi a melhor, foi a possível, levando-se em conta a extrema capacidade humana de destruição. Uma religião que pregava o amor ao próximo, pode não ter sido a melhor em suas estratégias, mas, sem dúvida, não esteve entre as piores em seu propósito e arcabouço.

O Papa pediu que os soldados levassem o santo Rosário como a arma mais forte. A Europa estremecida via em risco a civilização cristã e a religião católica, que tanto sangue havia custado dos mártires. Em Lepanto, os soldados receberam a Eucaristia e partiram para a batalha, invocando Maria, Auxiliadora dos Cristãos. E ela esteve presente. No mar da Grécia, em 1571, mostrou-se a grande Auxiliadora, durante a milagrosa vitória da esquadra cristã.

No dia 7 de outubro, as forças cristãs eram minoria. Três horas de combate e a vitória coube aos cristãos, que ao grito de “Viva Maria”, hastearam a bandeira de Cristo. Quis o Papa demonstrar sua gratidão à Mãe da Igreja, incluindo na Ladainha a invocação, “Auxiliadora dos Cristãos, rogai por nós”.

A festa litúrgica de Nossa Senhora Auxiliadora foi obra de outro Papa, Pio VII, em 1816. Napoleão, imperador da França, mantinha o Papa preso em Fontainebleau. Para não vacilar, Pio VII recorreu à proteção de Nossa Senhora, prometendo-lhe, assim que fosse libertado, coroar Sua imagem.

Napoleão perdeu o trono, e acabou prisioneiro na mesma prisão onde estivera o Papa. Enfim libertado, o Papa cumpriu seu voto, coroando a imagem de Nossa Senhora. Em agradecimento à Maria, instituiu a festa de Nossa Senhora, no dia de seu retorno a Roma, 24 de maio.

São tantas as histórias envolvendo a presença materna de Maria na Igreja e no mundo, que nem há como contá-las todas. Um pouco de cada vez.

Essas histórias todas fazem parte do nosso álbum de fé, que nos incentiva a coragem. O que caracteriza um apóstolo, homem ou mulher de fé, é a íntima conexão entre o que crê e o que prega. O apóstolo crê para pregar e prega para crer.

O que caracteriza o profeta é a íntima conexão entre o que ele vê é o que ele prega. O profeta nem sempre vê primeiro para pregar depois. Às vezes, ele vê enquanto prega, às vezes, prega enquanto vê, vê para pregar ou prega para ver. Essa ordem dos fatores, realmente, não altera o resultado.

O que caracteriza um santo não é a visão ou a pregação, mas a coerência entre todos os fatores. O santo é um ser de coerência: nada passa, nada falta.

O que caracteriza a vida de todos é a coragem de continuar, enquanto outros recuam. Há muito Lepanto e Fontainebleau do nosso lado, na nossa rua, onde trabalhamos, quem sabe até, dentro de nossa casa. Enquanto não alicerçarmos nossa coragem no terreno da fé, enquanto não olharmos para cima, todo terreno será inseguro, toda certeza, minada, toda batalha, previamente, perdida.

Quando enxergamos as pessoas cobertas de máscaras, o medo do contágio estampado nos olhares, o distanciamento, percebemos que Lepanto e Fontainebleau podem ser aqui, também. Há batalhas que não são travadas no campo de guerra. Há inimigos invisíveis que não sabemos onde está e quase nos levam ao desespero.

Nunca deixemos que o medo assuma o nosso lugar. O medo não nos representa. Quem nos representa é quem nos apresenta: Maria, Mãe de Deus e nossa. Peçamos a ela, constantemente, que abençoe nossos médicos e enfermeiros, nessa luta insana, porém, determinada pelos princípios da ciência. Acreditamos que a epidemia não terá a última palavra. A fé não diz à ciência o que ela deve ser, mas lhe dá a força necessária para ser o que é e desempenhar bem o seu papel.

Peçamos à nossa copadroeira, a Mãe Auxiliadora, que esmagou a serpente e venceu batalhas por nós, e ainda continua vencendo ao nosso lado, que jamais nos permita desanimar, especialmente nestes tempos difíceis de pandemia. Que ela nos mostre, solícita, a Face de Seu Filho Jesus, em quem nossa alma encontra repouso. Amém.