Ao interdizer o emprego do vocábulo "católicas" no nome da famígera pessoa jurídica que defende o pecado mortal do aborto, o colendo tribunal paulista espancou dúvidas, pois, doravante, a indigitada associação necessita obter outro nome para se apresentar à sociedade e, destarte, vicejará menos barafunda na mente de católicos incautos. O aresto recente da corte paulista merece encômios.

Gostaria de frisar nuança relevante, grosso modo desprezada pela extrema-esquerda. A constituição da república alberga valores cristãos, sobreposse católicos. Não poderia ser diferente, uma vez que o Brasil nasce com uma missa celebrada em 26 de abril de 1500. De fato, permeiam a carta política bastantes normas axiologicamente cristãs. Desta feita, promulgou-se a constituição sob a proteção de Deus (preâmbulo). Ao contrário dos constituintes de 1967/69, que se restringiram a pleitear o ajutório divino, escrevendo no preâmbulo a frase deprecatória "invocando a proteção de Deus", os fautores da carta em vigor deram por certa a salvaguarda ou proteção divina. Pergunta-se. Se o chamado poder constituinte originário, que deu vida à constituição, foi exercido sob a proteção de Deus, o hodierno poder constituinte derivado, tripartido em legislativo, executivo e judiciário, igualmente há de ser exercido sob a proteção de Deus? O preâmbulo da constituição não implica mero atavio ou costume. Di-lo lapidarmente o ínclito professor José Cretella Júnior:  

"Como o preâmbulo é elemento integrante da constituição, assim que promulgada, não há a menor dúvida de que a ele se deve recorrer, quando surgem problemas de hermenêutica (...)" (Comentários à Constituição de 1988, vol. I, Forense, São Paulo, p. 76).  

Afere-se que o valor ético-religioso inculcado na ditosa locução "sob a proteção de Deus" sempre espargirá luz sobre o labor hermenêutico e outrossim na composição dos litígios. Aliás, o instituto da conciliação advém do direito canônico, ordenamento jurídico de raiz religiosa. 

O Estado é deveras laico, entretanto, é, também, teísta, porquanto a constituição federal foi promulgada sob a proteção de Deus e ela custodia valores como liberdade de crença e religiosa, ensino religioso, casamento, moral (moralidade) administrativa etc. Os crucifixos nas repartições públicas, máxime nos tribunais, parecem evidenciar esta realidade, sendo constrangedora a ablação desses símbolos do cristianismo. 

Penso que o acórdão da corte paulista foi prolatado com este pano de fundo jurídico-ético-filosófico. As revoluções (marxista etc.) diuturnamente chocam-se com o catolicismo e, por conseguinte, com os valores morais abroquelados na constituição. Não chegaria ao ponto de asseverar que a constituição vigente é contrarrevolucionária, mas possui entranhas ou alma contrarrevolucionária, vez que elaborada em quadra histórica favorável a que se escrevessem no texto constitucional regras ainda não conspurcadas por ideologias.  Detém este  feeling  o povo brasileiro conservador, a maioria, e, então, entristecem-se os compatriotas com certas interpretações forçadas das leis e da constituição; contudo, rejubilam-se com sentenças como as do Tribunal de Justiça do Estado de São Paulo, que simplesmente, refratárias à ditadura do relativismo, amoldam o pensamento à realidade, isto é, expõem a verdade: entre o catolicismo de dois mil anos e a defesa revolucionária do aborto vige incompatibilidade cabal!   

 

Edson Luiz Sampel 

Professor da Faculdade de Direito Canônico São Paulo Apóstolo (da Arquidiocese de São Paulo). Autor, entre outros livros, de "Elementos de Direito Eclesiástico Brasileiro" (Santuário, 2019).