Quando o presidente Bolsonaro prometeu nomear para o STF um ministro "terrivelmente evangélico", tinha em mente, sem dúvida, procurar, entre os protestantes, alguém qualificado para o importante cargo. Todavia, se procedermos à interpretação um pouco mais ampla da frase "terrivelmente evangélico", verificaremos que, ainda assim, não fugimos do que cogitou o supremo mandatário. No fundo, na cabeça do presidente da república, a já famosa locução significa o seguinte:  "estado de espírito de uma pessoa tenazmente atrelada aos valores morais cristãos". Para Bolsonaro, os irmãos separados grosso modo satisfazem tal requisito.  
            O Supremo Tribunal Federal outrora contou com um ministro "terrivelmente" católico! Escrevo o advérbio entre aspas porque, o falecido magistrado, em que pese a sua ligação com entidade assaz conservadora, antes da posse, deu uma entrevista, asseverando que a religião não interferiria em seus votos. Como assim? E o cânon 225, §2.º, que manda os leigos animarem e aperfeiçoarem a realidade temporal com o espírito do evangelho? Ora, são João Paulo II condena a nefasta ideia de que o agente político tem de separar o âmbito privado do público (Evangelium Vitae, 69). Ensina o grande pontífic e: "(...) Essa ideia errônea chega ao extremo de afirmar que, no desempenho das funções públicas e profissionais, deve-se prescindir das próprias convicções, para se pôr a serviço de qualquer petição dos cidadãos (...), aceitando como único critério moral no desempenho das funções públicas somente o que está estabelecido na legislação" (Evangelium Vitae, 69b). Nem mesmo a constituição federal circunscreve a atividade do agente público aos parâmetros estritos da lei, uma vez que, desde 1998, a moralidade passou a integrar um dos princípios da administração pública (artigo 37).  
            Posto isto, um ministro "terrivelmente evangélico" – que pode ser um julgador católico também, porque nós outros igualmente nos pautamos pelo evangelho – respeita a laicidade do Estado e a autonomia da ordem temporal, consoante prescreve o cânon 227, porém, está cônscio de que os valores cristãos, os quais clarividentemente permeiam a carta magna, devem iluminar o mister jurisdicional e qualquer outro quefazer público.  
            Por fim, enquanto Bolsonaro exprime visão "religiosa", ou melhor, ética ou moral, acerca do papel dos membros da corte excelsa, há eclesiásticos católicos, sob influxo positivista, dizendo que o critério de escolha do novel ministro precisa observar apenas a reputação ilibada e o notório saber jurídico do candidato.   

Edson Luiz Sampel
Professor da Faculdade de Direito Canônico São Paulo Apóstolo, da Arquidiocese de São Paulo.