Em maio de 2021, expediu-se o parecer negativo do relator a propósito do famoso Projeto de Lei 4.754/2016, que visava a obstar o assim chamado ativismo judicial. 

O eminente relator, deputado Pompeo de Mattos, só não desenhou o porquê da inconstitucionalidade do referido projeto de lei. É o que pretendo fazer sumariamente neste artigo. 

O Projeto de Lei 4.754/2016 pretendia acrescer à Lei 1.079/1950, no artigo 39, o seguinte inciso: "usurpar competência do poder legislativo ou do poder executivo". Vale dizer, o ministro do STF que usurpasse a função dos outros poderes estaria cometendo crime de responsabilidade. 

Penso que, como afirma o próprio relator no parecer, é decerto mister calibrar o equilíbrio entre os poderes: "(...) entendo que as proposições trazem à tona preocupação legítima quanto à necessidade de se encontrar um equilíbrio entre os poderes, porquanto, ao longo dos últimos anos, é inegável o fato de o poder judiciário ter obtido maior importância" (p. 14 do r. parecer). No entanto, não se excogitou o meio adequado. Se não, vejamos. 

Todo crime tem de ser tipificado. Por exemplo, o delito de furto consiste em "subtrair, para si ou para outrem, coisa alheia móvel" (artigo 155 do Código Penal Brasileiro). Tipificar determinada ação significa indicar os verbos que a perfazem, juntamente com os necessários complementos gramaticais. No exemplo ora examinado, perpetra a terrível infração quem subtrai algum bem de outra pessoa. Observe a clareza do legislador. Empregou-se um verbo transitivo direto, "subtrair", porque o comportamento malsão do delinquente objetiva retirar determinado pertence do patrimônio da vítima: um "bem móvel, para si ou para outrem". 

Volvemos, agora, ao caso do projeto de lei, legitimamente rechaçado pelo relator, devido à clara inconstitucionalidade e, principalmente, em virtude da carência de lógica semântica. 

Pergunto: o que quer dizer "usurpar"? Pode ser tanta coisa, não é? Se um juiz da corte suprema prolata determinada decisão, uns a tacharão de usurpadora de outro poder da república, mas haverá quem riposte que se trata de decisório imaculado, nos estritos limites da jurisdição. E agora? Está certíssimo o insigne relator! "Usurpar competência do poder legislativo ou do poder executivo" é locução oracional dúbia, subjetiva, passível de variegadas interpretações caso a caso.  

O que fazer, então? Em eventual novo projeto de lei, seria necessário criar uma formulação sintática que declinasse comportamentos concretos, usurpadores de outro poder. Quando o ministro do supremo usurpa outro poder? Fazendo o quê? Praticando que atos? Qual é o teor da sentença que efetivamente usurpa outro poder republicano? A resposta a estas perguntas teria de constar do malogrado projeto de lei. 

 

Edson Luiz Sampel 

Professor da Faculdade de Direito Canônico São Paulo Apóstolo (da Arquidiocese de São Paulo).