Uma frase comum dita pelas mães, muitas vezes, desprovidas de estipêndios, mas não de esperança e de amor a dar a seus filhos dizem aos filhos, sem diferença alguma, pois muitas são corujas e acham seus filhotes lindos, a seguinte frase: "vocês são um presente para nós e um presente para a humanidade".

Deveras, os filhos na família são um presente para a humanidade. Duas razões complementares tornam o tema muito atual e apropriado: o primeiro é posito, ou seja, o fato de a Igreja Católica desde sempre reconhecer e proclamar que os filhos são parte essencial da família; que ela existe, afinal para eles, que sem eles, ela perde muito da sua substância. A segunda razão tem algo de negativo e é que, em nossos dias, as famílias, de modo geral alegam muitos problemas, alguns até intransponíveis, para ter filhos – o resultado é que esses são cada vez mais raros.

Que os filhos sejam parte integrante e até præcipua pars ou família, já o afirmava Santo Agostinho no IV século: foi ele quem, colocando o bonum prolis como uma das razões de ser da família, ao lado da expressão de amor e da superação da libido, exaltou o lugar dos filhos na constelação familiar. Nos séculos seguintes, teólogos e moralistas colocam em relevo a família e seus valores e chegam a afirmar ser nulo e inválido um casamento, no qual um dos dois ou dos dois cônjuges excluem deliberadamente o bonum prolis. Diga-se de passagem que tratando-se da impossibilidade orgânica de gerar filhos e transmitir a vida, a Igreja Católica jamais considerou nulo tal casamento (considerando incapacitado para o casamento o casal impossibilitado do ato sexual que, embora não seja o elemento mais importante, é, sim elemento essencial e imprescindível para um matrimônio válido do ponto de vista sacramental).

E que sentido os filhos em uma família são um presente para a humanidade. Sob que condições o são? Não é simplesmente por serem concelebrados, gerados, gestados e dados à luz: é no sentido de constituírem outras tantas pessoas humanas dotadas de matéria e de espírito, isto é, de um princípio vital que é, ao mesmo tempo, alma imortal; dotadas, portanto de corpo animado e de potência ou finalidades espirituais (inteligência e razão, vontade livre, afetividade, sensibilidade etc.). Presente para a humanidade os filhos o são, portanto, na medida em que são educados. Desde que a educação não seja concebida como introdução, de fora para dentro, algo no interior do educando, nem como uma espécie de domesticação de um animal, lapidação de uma pedra bruta ou colocação de estacas para sustentação de uma planta, mas como tirar de dentro do educando algo que ele já tem embutido, como virtualidades ou potencialidades. Talvez fosse mais exato dizer que, presente para humanidade, um filho se vai tornando sob o influxo pedagógico dos pais (e teríamos que acrescentar: sob o influxo de outras instâncias pedagógicas como o sejam a escola, a igreja, os grupos de crianças e jovens, os mass-media...). Permitam-me enfatizar, neste ponto, primeiro, que não se educam filhos quando os fatores educativos estão em conflito entre si, criando antagonismos internos, no educando e levando-o a jogar tais fatores um contra os outros segundo seus interesses; e, segundo, que a família é o primeiro elemento educativo e por isso não deve ser prejudicada pelos outros, quais quer que sejam.

Condição, pois, para que seja um presente para a humanidade é que os filhos recebam na família alguns elementos insubstituíveis como sejam:

a) Uma escala de valores nos quais os pais acreditem fortemente, valores humanos e sobrenaturais, valores éticos-morais, cívicos, de convivência humana, religiosos, espirituais, valores hierarquizados segundo uma ordem racional de importância: valores em escala sempre atualizada;

b) Uma justa socialização, isto é, que a vida na micro-sociedade familiar prepare os filhos para viverem na macro-sociedade que é a cidade, o país, o mundo...

c) Um crescimento e amadurecimento afetivo indispensável para o equilíbrio e harmonia pessoal e para a convivência humana;

d) Uma saudável formação da consciência, seja da consciência psicológica como da consciência moral, religiosa e espiritual (o importante é que não seja uma consciência perplexa ou errada mas reta);

e) Uma educação para o amor (para amar, ser amado e sentir-se amado) o que é infinitamente mais do que mera informação, instrução e até mais do que simples educação sexual. A educação para o amor é que leva a criança, adolescentes ou jovens a amar como pessoa outra pessoa e não outra coisa ou objeto.

f) Verdadeira disposição para a vida em Cristo em permanente tensão para a santidade.

Outra condição para serem presente para o mundo é que sejam filhos de paternidade e maternidade responsáveis. Essas expressões para serem entendida na sua inteireza e na sua plena verdade devem ser lidas nos dois sentidos: para a Igreja, a paternidade e maternidade, responsáveis significa acolher os filhos que, segundo a prudência cristã e evangélica, um casal pode ter. Neste sentido, tanto é irresponsável ter filhos pelo puro jogo dos instintos, por meio de uniões incontroladas, quanto não ter os filhos que poderiam levar o casal a maior plenitude humana.

Para ser bênção para a humanidade os filhos devem ter recebido e dado afeto. É basicamente impossível que se torne bênção para a humanidade uma criança abandonada, entregue a própria sorte ou criada sem as condições mínimas de verdadeira educação por uma mãe também abandonada. Mais impossível ainda para meninos e meninas de rua ou na rua; há um matiz entre os dois conceitos: menino na rua é o que passa o dia girovangando, mas à noitinha volta para casa. O menino de rua nem a noite volta, porque lhe falta inteiramente a casa. A causa da multiplicação dos meninos(as) de rua, principalmente nas grandes cidades, parte de um certo contraste existente em milhares de casais: a mulher, por insegurança do futuro, medo e angústia faz de tudo para ter um filho com o homem com quem convive porque pensa que, tendo o filho com ele, o prende, consolida a união. O homem, em virtude do machismo, pensa que é tanto mais homem quanto mais mulher tiver. Vence sempre o machismo o que aumenta o número de nascimento de crianças que nem tem pai mal podem contar com a mãe. Só a educação capacita para resolver o problema.

Em vão se procuraria fazer que seja bênção para a humanidade filhos corrompidos pelos meios de comunicação social. É direito-dever dos pais exigir da TV que é outorgada a concessão dos governos, que não continue a ser destruidora dos valores familiares e corruptora de menos, crime punível pela legislação brasileira. Ao lado disso é preciso formar o espírito crítico dos filhos adolescentes.

Como pode ser bênção para os outros, para a humanidade, uma criança que foi prostituída aos 8 ou 9 anos de idade, como conheço casos, a fim de ganhar o dinheiro que lhe dão, de satisfazer instintos bestiais, de homens degenerados (pais, padrastos e outros) , de ajudar a família. No Brasil, o problema se torna grave e inquietante e está em grande discussão. Pessoalmente considero crime hediondo e desejo para que ofende deste modo e irremediavelmente a personalidade do(a) menino(a) violentado, a pena máxima do país.

Dificilmente se converte em dádiva de Deus e bênção divina para os outros um menino que, desde cedo, evadiu-se da escola para poder trabalhar muito, a fim de ajudar os pais a ganhar o sustento da casa. Não pode ser feliz e nem ser fruto de luz e de bênção para a humanidade, filhos sem pai e/ou mãe porque os tem, mas não recebem deles carinho, diálogo, amizade. Os poderes públicos têm de usar criatividade, clareza e vigor para debelar o trabalho infantil em benefício dos pais , mas em prejuízo da criança.

Por último, mas não menos importante, só poderão vir a ser uma bênção para a humanidade filhos que recebem uma adequada educação, não só ética e moral, mas também religiosa. Assim me parece justo distinguir três níveis, a saber:

a) O primeiro é o nível do senso religioso da criança, falo do senso absoluto, do transcendente, senso de um Deus pessoal e não mera energia cósmica anônima e sem rosto. Essa formação do senso religioso é típica do ambiente familiar. Aconselho frequentemente os pais a rezar junto dos filhos desde a tenra infância. Mesmo se não entendem palavras e conceitos, absorvem atitudes e sentimentos. Um bispo italiano a quem um entrevistador na TV perguntou: "Quando foi que pela primeira vez o doutor captou algo da existência e do ser de Deus?", respondeu: "no olhar de minha mãe". E um padre francês jesuíta, iniciador da renovação do centro litúrgico, David Júlien, disse que aprendera a rezar vendo seu pai – que para ele era o símbolo da força e do poder, ou onipotência prostrar-se em oração diante do invisível.

b) O segundo nível é o de catequese: aprofundamento da fé e/ou revelação. Esta começa na família e deve continuar na paróquia ou na comunidade.

c) O terceiro é o nível do ensino religioso dado na escola, seja esta privada (particular, confessional ou não) ou pública. O ensino religioso distingue-se da catequese por ser transmissão de conhecimento muito mais abrangente sobre Deus Criador, a religião e as religiões, as relações de Deus com o homem e do homem com Deus. A escola, mesmo pública, no Brasil ainda tem no currículo e está na constituição, sendo facultativa para o aluno. Este não deve ser proselitismo e respeitoso do pluralismo cultural algo indispensável para a formação da personalidade.