Mc 8,27-35

Caros irmãos e irmãs,

A liturgia da Palavra deste domingo faz ecoar uma vez mais aos nossos ouvidos o convite para conhecermos os projetos de Deus para a nossa salvação.  A primeira leitura nos apresenta um profeta anônimo chamado pelo Senhor a testemunhar a sua Palavra junto à humanidade. Entretanto, ele enfrenta a perseguição, a prisão, a tortura, o sofrimento e a morte (v. 6). O anúncio fiel das propostas de Deus para o mundo e para os homens provoca sempre confrontos com a força da morte.  Mas o profeta experimenta o socorro do Senhor e fortalecido por esse socorro, foi possível superar todas as contrariedades e as dores. Ele nada teme, pois confia plenamente no Senhor e sabe que não ficará desiludido (vv. 7-9). 

O que mais impressiona neste texto é a serenidade com que o profeta, prisioneiro e sofredor, enfrenta o seu futuro. Essa serenidade vem de uma total confiança no Senhor.  Está, contudo, consciente de que sua vida não foi um fracasso, pois quem confia em Deus e procura viver na fidelidade ao seu projeto, triunfará sobre a perseguição e a morte. 

E é dentro deste contexto que Jesus é apresentado no Evangelho, como o Messias, enviado ao mundo por Deus, para oferecer aos homens o caminho da salvação. Cumprindo o plano do Senhor, Jesus mostra aos discípulos que o caminho da verdadeira vida não passa pelos triunfos e êxitos humanos, mas pelo amor e pelo dom da vida, até à morte, se for necessário. Jesus vai percorrer esse caminho; e quem quiser ser seu discípulo, deve aceitar percorrer um caminho semelhante. 

A primeira parte do Evangelho tem como objetivo fundamental levar à descoberta de Jesus, como o Messias que proclama o Reino de Deus. Ao longo de um percurso que é mais catequético do que geográfico, os leitores do Evangelho são convidados a acompanhar a revelação de Jesus, a escutar as suas palavras e o seu anúncio, a fazerem-se discípulos que aderem à sua proposta de salvação. Este percurso de descoberta do Messias termina com a confissão messiânica de Pedro, em Cesaréia de Filipe, uma cidade situada no Norte da Galiléia, perto das nascentes do rio Jordão. Tinha sido construída por Herodes Filipe, filho de Herodes o Grande, no ano 2 ou 3 a.C., em honra do imperador César Augusto, daí a origem do nome Cesaréia de Filipe.

Na segunda parte do Evangelho, o objetivo do Evangelista São Marcos é explicar que Jesus, além de ser o Messias, é também o “Filho de Deus”. No entanto, Jesus não veio ao mundo para cumprir um futuro de triunfos e de glórias, mas para oferecer a sua vida como um dom de amor aos homens. Ponto alto desta catequese será a afirmação do centurião romano junto da cruz quando proclama: “Realmente este homem era o Filho de Deus” (Mc 15,39).  E é, neste sentido, que o Evangelho traz uma pergunta de Jesus dirigida aos seus discípulos que com ele caminhavam.

Jesus começa por questioná-los: “Quem dizem os homens que eu sou?” (Mc 8,27).  Após receber deles respostas bem variadas: João Batista, Elias, um profeta... indica que as pessoas reconhecem apenas que Jesus é um homem enviado ao mundo com uma missão, como os profetas do Antigo Testamento… Mas não vão além disso. Na perspectiva dos “homens”, Jesus é apenas um homem bom, justo, generoso, que escutou os apelos de Deus e que Se esforçou por ser um sinal vivo de Deus, como tantos outros homens antes dele (v. 28). É muito, mas não é o suficiente: significa que os “homens” não entenderam a novidade de Jesus, nem a profundidade do seu mistério. 

Em seguida, Jesus volta a pergunta aos seus discípulos: “E que dizem vós que eu sou?” (Mc 8,29).  A resposta adequada só pode dar aquele que aceita seguir o caminho de Cristo e viver em comunhão com Ele, como é o caso de Pedro, que agora responde: “Tu és o Messias” (v. 29).  A opinião dos discípulos acerca de Jesus vai muito além da opinião de Pedro e dos Apóstolos. Dizer que Jesus é o “Messias”, o Cristo, significa dizer que Ele é o enviado por Deus para oferecer a salvação definitiva ao Povo de Israel. A resposta de Pedro estava correta. No entanto, podia prestar-se a graves equívocos, numa altura em que o título de Messias estava conotado com esperanças político-nacionalistas. Por isso, os discípulos recebem ordens para não falarem disso a ninguém. Era preciso clarificar, depurar e completar a catequese sobre o Messias e a sua missão, para evitar perigosos equívocos.

Podemos ainda sublinhar duas questões, a primeira (vv. 31-33) é a explicação dada pelo próprio Jesus de que o seu messianismo passa pela cruz; a segunda (vv. 34-35) é uma instrução sobre o significado e as exigências de ser discípulo de Jesus. E começa, portanto, por anunciar que o seu caminho vai passar pelo sofrimento e pela morte na cruz (vv. 31-33). 

Jesus sente a necessidade de explicar aos seus discípulos que terá ele que sofrer, ser condenado à morte e depois ressuscitar.  Jesus revela a eles a sua identidade: Um Messias sofredor, um Messias servo; obediente à vontade do Pai até perder a sua vida, como já prescrevia o profeta Isaías na primeira leitura (cf. Is 50,5-9). 

Pedro não está de acordo com este final e opõe-se, decididamente, a que Jesus caminhe nesta direção. A oposição de Pedro significa que a sua compreensão do mistério de Jesus ainda é muito imperfeita. Para ele, a missão do “Messias, Filho de Deus” é uma missão gloriosa e vencedora; e, na lógica de Pedro, que é a lógica do mundo, a vitória não pode estar na cruz. Diante desta incompreensão de Pedro, Jesus certifica que aquele que quiser ser seu discípulo deve aceitar ser, como Ele, servo de todos, formar a cruz e o acompanhar neste itinerário.

Diante da sua oposição, Jesus dirige-se a Pedro com uma certa dureza, pois é preciso que os discípulos corrijam o pensamento e passem a olhar o seu messianismo na perspectiva do Plano de Deus a ser realizado por Jesus. O plano de Deus não passa por triunfos humanos, nem por esquemas de poder e de domínio. Passa pelo dom da vida e pelo amor até às últimas consequências, de que a cruz é a expressão mais radical. Ao pedir a Jesus que não embarque nos projetos do Pai, Pedro faz lembrar as tentações no deserto, que Jesus experimentou no início do seu ministério (cf. Mc 1,13). As palavras de Pedro pretendem desviar Jesus do cumprimento dos planos do Pai. Jesus não está disposto a aceitar uma proposta que o impeça de concretizar, com amor e fidelidade, os projetos de Deus. 

Depois de anunciar o seu futuro, Jesus convida os seus discípulos a seguir um percurso semelhante. Quem quiser ser seu discípulo deve “renunciar a si mesmo”, “tomar a cruz” e seguir Jesus no caminho do amor. 

A pergunta feita por Jesus: “E vós, quem dizeis que Eu sou?” deve, de forma constante, ecoar nos nossos ouvidos e no nosso coração. Responder a esta questão obriga-nos a pensar no significado que Cristo tem na nossa vida, na atenção que damos às suas propostas, na importância que os seus valores assumem nas nossas opções, nos esforços que fazemos, ou que não fazemos, para segui-lo.  Também hoje podemos perguntar:  Quem é Cristo para mim?  E imbuídos pela fé, saibamos repetir como Pedro: “Tu és o Cristo, o filho de Deus vivo”. 

Estejamos sempre mais conscientes e fortalecidos na nossa adesão a Jesus Cristo e ao seu Evangelho. Decidir acompanhar Jesus Cristo que se fez servo de todos exige uma intimidade cada vez maior com Ele, meditando a sua Palavra, para tirar dela a inspiração para o nosso agir.  Assim seja.

D. Anselmo Chagas de Paiva, OSB