Mc 9,29-36

Caros irmãos e irmãs,

No último domingo foi possível observar que a preocupação essencial do Evangelista São Marcos na segunda parte do seu Evangelho (cf. Mc 8,31-16,8) é apresentar Jesus como “o Filho de Deus”. No entanto, Marcos tem o cuidado de demonstrar que Jesus não veio ao mundo para cumprir um destino de triunfos e de glórias humanas, mas para cumprir a vontade do Pai e oferecer a sua vida em dom de amor a todos. É neste contexto que devemos lançar o nosso olhar para o relato evangélico que nos é proposto para este domingo.  Jesus e seus discípulos já deixaram Cesareia de Filipe e encontram-se a caminho de Jerusalém.  Ao longo desse itinerário para Jerusalém Jesus vai catequizando o seu grupo de discípulos, ensinando a eles os valores do Reino de Deus e mostrando, com gestos concretos, o projeto que o Senhor tem para toda a humanidade.

Jesus começa anunciando mais uma vez aos discípulos o caminho pelo qual terá que passar: a paixão, morte e ressurreição (cf. Mc 9, 30-31). Ao longo do texto podemos observar que fica evidenciado o forte contraste entre a mentalidade de Jesus e a mentalidade dos seus doze Apóstolos, que não compreendem as palavras do Mestre e rejeitam a ideia de que Ele vá ao encontro da morte (cf. Mc 8, 32). Entretanto, discutem entre si sobre quem deve ser considerado "o maior" (cf. Mc 9, 34).  A catequese de Jesus é feita com paciência, ressaltando que: "Se alguém quiser ser o primeiro, há de ser o último de todos e o servo de todos" (Mc 9, 35). É esta a identidade do amor que se faz serviço até à entrega de si mesmo.

É esta uma das principais mensagens que Jesus quer nos deixar para este domingo, que vem a partir de uma pergunta feita aos seus discípulos: “Que discutíeis pelo caminho?” (v. 33).  Neste caminho Jesus está ligado à misteriosa vontade do Pai pela qual morrerá, como expressão do seu amor e em satisfação redentora por nós.  Os discípulos, porém, no mesmo caminho, estão a discutir honrarias, precedências honoríficas, privilégios e títulos.  O texto demonstra que os discípulos só poderão compreender a sua missão se tiverem entendido e imitado o seu Mestre.  A discussão, de fato, mostra uma certa indiferença dos discípulos com relação ao caminho de Jesus, que é o caminho da dor, do sofrimento, da cruz.  É este o caminho pelo qual eles também estão chamados a ir.

O evangelista São Marcos informa que os discípulos tinham discutido, pelo caminho, “sobre qual deles era o maior” (v. 34). O problema da hierarquização dos postos e das pessoas era algo sério na sociedade palestina de então. Nas assembleias, na sinagoga, nos banquetes, a “ordem” de apresentação das pessoas estava rigorosamente definida e, com frequência, geravam-se conflitos devido a infrações que ocorriam no protocolo hierárquico.

Os discípulos de Jesus estavam imbuídos deste sentimento de honra e glória, uma vez que se aproximava o triunfo do Messias e iam ser distribuídos os postos-chave na cadeia de poder do reino messiânico, por esta razão, convinha ter o quadro hierárquico claro. Apesar de Jesus ter dito pouco antes sobre seu caminho de cruz, os discípulos recusavam-se a abandonar os seus próprios sonhos materiais e humanos.  Esta preocupação dos discípulos de Jesus afeta a essência da proposta apresentada pelo próprio Cristo. Na comunidade de Jesus, só é grande aquele que é capaz de servir e de oferecer a vida aos seus irmãos (v. 35). Dessa forma, Jesus exclui qualquer pretensão de poder, de domínio, de grandeza, segundo a lógica do mundo, pois sabe que isto contradiz a proposta de Deus.

Mas Jesus diz: “Se alguém quer ser o primeiro...”.  Portanto, é ilícito querer sê-lo! O que Jesus muda radicalmente é o motivo desse desejo e, portanto, também o modo de realizá-lo: “Seja o último de todos e o servo de todos” (v. 35). Os homens querem ser os primeiros: é um desejo inato, primordial: não é nem sequer um mau desejo; no fundo, coincide com o desejo de ser, de valorizar a própria existência, de subir mais alto.  Isso, em todos os campos. Mas é preciso que junto a isto esteja a disposição em servir o outro.  Por isso, seguir o Senhor exige sempre do homem uma profunda conversão, uma mudança do modo de pensar e de viver, requer que abramos o coração à escuta, para nos deixarmos iluminar e transformar interiormente.

Jesus foi o primeiro a nos dar um exemplo: “Eu estou no meio de vós, como aquele que serve” (Lc 22,27).  Ele também disse: “O Filho do homem não veio para ser servido, mas para servir e dar a sua vida em redenção por muitos” (Mc 10,45). E Ele, que era Deus, isto é, o primeiro, fez-se servo, isto, é o ultimo (cf. Fl 2,6-7).  E depois de lavar humildemente os pés a seus apóstolos, disse-lhes:  “Eu vos dei o exemplo, para que, assim como eu fiz, vós também façais” (Jo 13,15).

Aos olhos de Deus é realmente o primeiro aquele que se dispõe a estar a serviço de todos.  Não se trata de um servir com segundas intenções ou até visando uma promoção.  Deus considera o primeiro aquele que em seu interior, com toda a sinceridade, assume uma posição de disponibilidade em relação aos demais.  Os postos mais importantes não devem ser um meio de alcançar poder ou domínio sobre os demais, mas sim, um meio de servir a todos.

Jesus completa a instrução aos discípulos com um gesto… Toma uma criança, coloca-a no meio do grupo, abraça-a e convida os discípulos a acolherem as “crianças”, pois quem acolhe uma criança acolhe o próprio Jesus e acolhe o Pai (v. 36-37).  Em certa ocasião, quando foram apresentadas a Jesus algumas crianças, os discípulos as repreenderam, mas Jesus, ao contrário, fez com que elas permanecessem com ele e afirmou que só quem é como elas pode entrar no Reino de Deus (cf. Mc 10, 13-16). 

Na sociedade palestina de então, as crianças eram seres sem direitos e não eram contadas, a partir do ponto de vista legal.  Por sua insignificância social, elas eram equiparadas aos pequenos, sendo, portanto, um símbolo dos débeis, dos sem direitos, dos pobres, dos indefesos, dos insignificantes, dos marginalizados. São esses, precisamente, que a comunidade de Jesus deve abraçar. No contexto da conversa que Jesus mantém com os discípulos, o gesto de Cristo significa o seguinte: o discípulo de Jesus é grande, não quando tem poder ou autoridade sobre os outros, mas quando ama, quando serve os pequenos, aqueles que o mundo rejeita e abandona. No pequeno que se acolhe, é o próprio Jesus que se torna presente. Por isto, Ele também disse: “Quem se faz pequeno como esta criança, esse é o maior no reino dos céus” (Mt 18,4).  Daí compreendemos que se chega ao reino pela humildade e pela simplicidade.

Quem quer preceder o irmão no reino, deve precedê-lo primeiro no serviço, na honra, como nos exorta também o apóstolo São Paulo: “Rivalizai-vos mutuamente na estima” (Rm 12,10).  Esta deve ser a ideia central do cristianismo: retribuir com amor a quem nos ama e com paciência a quem nos ofende.

Na nossa sociedade, os primeiros são os que têm dinheiro, os que têm poder, os que frequentam as festas importantes, os que se vestem segundo as exigências da moda, os que têm sucesso profissional.  Mas, para Jesus, “quem quiser ser o primeiro, será o último de todos e o servo de todos” (Mc 9,35). Na comunidade dos cristãos, a única grandeza é a grandeza de quem, com humildade e simplicidade, faz da própria vida um serviço aos outros. Jesus não se identifica com os grandes, mas com os pequenos.

Peçamos a Deus, com confiança, a sabedoria do coração, por intercessão de quem acolheu em seu seio e gerou a Sabedoria encarnada, Jesus Cristo, nosso Senhor, ela, a Virgem Maria, que se fez a Serva do Senhor, a quem possamos também imitar, pedindo que nos dê o dom da humildade e nos faça crescer sempre mais a nossa união com Ele, que a todo momento nos chama a tomar a nossa própria cruz e segui-lo. Assim seja.

D. Anselmo Chagas de Paiva, OSB