TRIBUNAL ECLESIÁSTICO AQUILAWYRA

 

Prot. 00.00/00

DIOCESE SEDE OU DIOCESE QUE FAZ PARTE DA JURISDIÇÃO

Nulidade de Matrimônio

DIAS/RAMOS

 

V O T O

1) SPECIES FACTI

A demandante conheceu o demandado na loja em que a mesma trabalhava. Após insistência do demandado, a demandante concordou em saírem, iniciando assim o namoro que durou 5 meses. O noivado durou 7 meses. Havendo neste período muitos desentendimentos, discordâncias e brigas pelo motivo do demandado querer sobrepujar as idéias da demandante, principalmente com relação aos preparativos do casamento religioso.

Ao ver a demandante estressada e chorando muito a mãe disse que abria mão dos gastos se ela quisesse desistir, dizendo que ela não ia ser feliz se discordasse dos desejos dele, pois ele era egocêntrico, só as vontades dele iriam prevalecer. O matrimônio se realizou conforme a vontade "imperiosa" do demandado.

Na lua de mel, o demandado começou a querer controlar o comportamento diário da demandante. Apresentava-se numa posição de superioridade e dominador, com postura "opressora", sendo o dono da verdade, do tipo castrador e desequilibrado mental. Cheio de manias repetivivas, monótonas, psicologicamente agressivas, procurava nos detalhes deprimir, humilhar e pressionar a demandante que desiludida, pensava em não admitir a prole.

A demandante o considerava obsessivo e extremamente sádico, ia de cômodo em cômodo "organizando" tudo, as coisas tinham a posição determinada e ordem, até a ducha tinha a posição certa.

A ritualização de vida do demandado, levou a demandante a pensar que o demandando tinha um sério distúrbio mental ou psíquico.

O Decreto de fixação de dúvida assim foi estabelecido: Se consta da nulidade do matrimônio em apreço: 1- Por incapacidade do Demandado para assumir as obrigações essenciais do matrimônio por causas de natureza psíquica(sadismo) (cân. 1095, 3º); 2- Por simulação parcial da Demandante por exclusão do "bonum prolis" por parte da Demandante (cân. 1101§2)

 

II) IN IURE

1.Incapacidade para assumir as obrigações  essenciais do Matrimônio por causas de natureza Psíquica ( cn. 1095, n.3 ).

Segundo o cânone 1095, n.3, "são incapazes de contrair matrimônio (...) os que por causas de natureza psíquica não podem assumir as obrigações essenciais do matrimônio". Trata-se, como é patente, de m vício do consentimento que nasce da incapacidade para cumprir as obrigações próprias do estado matrimonial por uma causa de natureza psíquica. De acordo com o princípio geral do Direito segundo o qual "ad impossibilia nemo tenetur"., a prova da impossibilidade fática de alguém poder cumprir as obrigações próprias à essência da comunhão de vida e amor que é o matrimônio pressupõe a incapacidade de o contrair validamente. Como é óbvio, a impossibilidade aludida, quando provada, incapacita para a celebração do matrimônio e, se o mesmo foi já efetuado existindo ao tempo da sua celebração essa incapacidade, procede então a correspondente declaração de nulidade, a qual deverá ser estabelecida pelo órgão competente segundo o Direito, em função da presunção "iuris tantum" estabelecida no cânone 1060. Atente-se, no entanto, que a incapacidade sobrevinda, mesmo gravíssima, não pode ser invocada como fundamento de uma declaração de  nulidade de um consentimento que, neste caso, teria sido perfeitamente legítimo e válido. "O nexo entre a existência da incapacidade e o consentimento conjugal implica sim, necessariamente, que essa mesma incapacidade seja entendida, definida e constatada a partir do momento e no próprio momento em que o consentimento mútuo entre os nubentes é expresso" ( M. F. POMPEDA, L'incapcità consensual, in J. A Fuentes (dir.), Incapacidad consensual para las obligaciones matrimoniales, Pamplona 1991, p. 76 ).

Uma deficiência psíquica, para que seja relevante no plano jurídico - canônico, deve ser grave, pelo que com mais motivo deve-se considerar como insignificante qualquer perturbação invocada pelas partes ou testemunhas mas sem o aval correspondente de algum clínico categorizado. "Devemos também recordar - ensina M. F. Pompedda - que o direito em geral,  e o direito canônico em especial, pela sua natureza, deve restringir-se às exigências mínimas nas ações humanas que tenham reflexos e conseqüências jurídicas: e isto, em particular, no que diz respeito ao matrimônio", ao ponto de "dever-se considerar uma exceção  o caso de quem não tem em grau suficiente para permitir-lhe contrair núpcias" ( cf. M.F. POMPEDDA, L'incapacità consensuale, cit., pp 80-81 ).

No entanto, mesmo constando com absoluta certeza a existência de uma patologia psíquica, "para ser apreciada esta causa de nulidade, o que há que provar não é tanto a gravidade da anomalia psíquica, como a impossibilidade do contraente" ( cf. P.J. VILADRICH, comentário ao cânone 1095, cit., p. 675 ). Ou seja, constando a deficiência psíquica, sem a qual, de fato, não procede no âmbito canônico a aplicação do nº 3 do cânone 1095, importa em segundo lugar provar que essa anomalia se traduz numa autêntica impossibilidade de cumprir as obrigações que são essenciais ao matrimônio. Note-se bem que não se trata apenas de alguma inaptidão às exigências matrimoniais nem seuqer de uma grande dificuldade, mas de uma verdadeira impossibilidade, pois só esta ausência absoluta das faculdades mínimas necessárias para o matrimônio é capítulo de nulidade, porque também só essa impossibilidade é verdadeiramente uma incapacidade.

 

2) Simulação parcial da Demandante por exclusão do "bonum prolis" por parte da Demandante (cân. 1101§2)

A exclusão da prole. O Cân. 1101§2, trata sobre a simulação do consentimento matrimonial. A simulação acontece quando um dos cônjuges ou ambos, por ato positivo de vontade, exclui o matrimônio ou algum elemento essencial, ou propriedade essencial.

Dentre os casos de simulação temos a exclusão da prole, que é a decisão de contrair matrimônio, colocando um ato positivo de vontade contrário ao bem da prole. A pessoa quer o matrimônio, mas não quer os filhos, e, muitas vezes, não aceita os atos próprios à geração da prole.

Na jurisprudência, que não é concorde, tanto a exclusão perpétua como a exclusão temporal da prole invalida o matrimônio.   Assim diz uma sentença da Rota Romana: "sem embargo a exclusão da prole para que invalide o consentimento matrimonial deve ser absoluta e perpétua" (C. DE JORIO, SRRD, vol. 62, p. 699, in REVUELTO, F.A., Los capítulos de nulidad matrimonial em el ordenamiento canônico vigente, Salamanca, p. 114).

Outros afirmam que quem exclui temporariamente a prole nega por princípio a vinda da prole no tempo estabelecido, se opõe ao direito do cônjuge de pedir neste período atos em si fecundos, e utiliza meios contraceptivos de alta segurança, muitas vezes não exclui a eventual interrupção da gravidez acidentalmente originada. O importante para estes autores é que, a exclusão não se refere tanto ao tempo, mas a intenção, posto que o que invalida o matrimônio não é o tempo, curto ou longo, de uma condição, mas a exclusão do direito em todo o tempo ou durante um tempo.

Cito uma sentença mais recente, desta linha: "se questa esclusione è uma esclusione ad tempus dello stesso diritto agli atti coniugali in quanto diritto, sarebbe uma vera esclusione dela prole" (C. HUBER, 20.12.1995, citado por FRANCESCHI F. H., L'esclusione della prole nella giurisprudenza rotale recente, in Ius Ecclesiae,vol. 11(1999), p. 161).

O fundamental no meio de prova, não é se houve uma exclusão temporal ou perpétua, mas é a existência de um ato de vontade contrário a prole. Para provar esta exclusão, devemos encontrar a maneira como o cônjuge frustrou a ordenação natural do matrimônio a procriação e a sua fecundidade estrutural: com a negação ao cônjuge dos atos íntimos ? com a concessão dos atos íntimos, mas não conjugais, porque programaticamente contraceptivos ? com o propósito de recorrer ao aborto no caso de gravidez ?

Porém, é importante sublinhar que, não é qualquer abuso no exercício da sexualidade ou falta de responsabilidade com os filhos apenas nascidos, leva a exclusão da prole, mas somente a exclusão do princípio da fecundidade estrutural do matrimônio e do direito dos cônjuges aos atos que lhe são próprios por direito. É a exclusão da prole que toque a intentio prolis, ou seja a intenção, a disponibilidade de fundo à prole.

Com relação a este assunto, Julio César Capparelli nos diz o seguinte:

"O assunto comporta facetas complexas. Entre os que se casam, ocorre com frequência que, por diversas razões, resolvam postergar o nascimento dos filhos, ou restringir o número deles. Em geral, se alegam para isso causas de natureza econômica ( baixa renda, falta de moradia adequada)"... "Entretanto porém pode ocorrer que a exclusão temporária acabe por transformar-se em permanente. Tudo dependerá da possibilidade de se conhecer o desejo real dos cônjuges à época da celebração. O desejo de adiar por certo tempo ou o propósito de só Ter um determinado número de filhos pode representar tanto o exercício normal de um direito à prole, como o depauperamento da ordinatio ad prolem do matrimônio, sem que isso signifique uma exclusão do referido bem. Em outros casos, tanto pode estar associada a uma condição sine Qua non, que restrinja ou exclua o próprio direito; como provocar uma atitude negativa em face dos anseios do outro cônjuge; ou, ainda, revelar uma tendência em transformar o temporário em permanente" ( cf. CAPPARELLI, Julio César, Manual sobre o Matrimônio no Direito canônico, pp. 116 -117, Ed. Paulinas, S. Paulo,1999).

 

III) IN FACTO

O demandado apresentou litiscontestação onde nega alguns termos usados pela demandante. Diz que: "...quanto ao homem opressor e dominador...é ter preocupação e zelo...Quanto...das arrumações...ao me casar, tive que assumir o papel de homem e mulher da casa...Me admira muito da demandante me considerar com grave distúrbio mental e mesmo assim ter convivido comigo...três anos." Quanto a exclusão da prole, diz que "...a colocação do DIU...desde o namoro...tomava pílula anticoncepcional, e que não se dava bem com tal medicação..."

A demandante em seu depoimento diz: "...Na lua de mel...por ocasião de adquirirem presentes para seus familiares, manifestou...seu autoritarismo...após...um ano...casamento...a demandante sentiu-se...oprimida, pelo demandado". Diz que:"...era desejo doentio do demandado que as coisas em casa ficassem milimetricamente arrumadas..." . Quanto a prole diz que"...no inicio do casamento usou pilulas...não se deu bem...razão porque colou um DIU... quando noivos, ajustou ter filhos para mais ou menos , dois anos após o casamento. Antes de chegado este tempo, o demandado insistiu em que deveriam ter o primeiro filho...a ...não aceitava a proposta do demandando de que deveria ela permanecer em casa por mais de um ano após o nascimento do filho, impedida de trabalhar, o que não era seu desejo..."

A mãe  da demandante (fl. 43) diz que: "...nunca  manteve muito contato com o demandado. Achava-o presunçoso, autoritário, encrenqueiro. Embora com estas características, não pode afirmar que fosse...uma pessoa sem juízo..." Quanto aos filhos diz: "...ajustaram ter filhos após dois anos de casamento...o demandado queria desde o inicio...a demandante temia que a existência de filhos pudesse contribuir para submete-la ao demandado".

A irmã da demandante (Fl.46) diz que "...acha que demandante e demandado são pessoas equilibradas..." diz que "...o demandado fazia questão de ter a casa sempre bem arrumada...queria tudo no seu lugar..." Quanto a filhos diz que " ...queriam ter filhos, no inicio do casamento...foi adiado por causa da profissão da demandante. Com o passar dos tempos o que todos pensavam era que na verdade a demandante não queria mis ter filhos por causa da falta de liberdade em sua própria casa..."

A tia da demandante (Fl.49), diz que ambos "..eram pessoas com seu juízo perfeitos...achavam que o demandado era pessoa possessiva...nunca observou atitudes do demandado tendentes a se impor..." Quando a filhos diz que "...a demandante comentou ...que achava que o demandado desejava filhos para prende-la. Em vista deste fato...foi deixando o tempo passar para ver se o demandado mudava para aí então, constituírem prole..." Quanto a organização da casa diz que "...queria que as coisas ficassem sempre certinhas, nos lugares onde ele mesmo as tivesse colocado...no banheiro qualquer respingo no espelho fosse logo limpo...acha que tais atitudes não são próprias de uma pessoa normal".

Uma amiga da demandante (Fl.50B), diz que "...sempre considerou os dois...como pessoas normais...percebeu que o demandado buscava exerceu um controle sobre a demandante no que toca a horários, pessoas com quem saía, roupas que vestia e não desejava que a mesma trabalhasse...o demandado era uma pessoa obsessiva por detalhes, limpeza, procurando demonstrar sempre que era o mais sábio e que era o melhor..." Quanto aos filhos diz que "...no principio o casal desejava ter filhos...a demandante em vista do desenrolar de sua vida conjugal passou a evitar por temer o desequilíbrio do demandado..."

Outra amiga da demandante (Fl. 50E), diz que "...eram pessoas normais e equilibradas...a dificuldade de relacionamento...ter cada um dos dois seus objetivos diferentes...a demandante...concluir sua faculdade...pós-graduação e galgar seus passos profissionais ao passo que o demandado desejava para a demandante que ela se dedicasse mais a casa...talvez quisesse um pouco mais de atenção...". Quanto aos filhos diz que "...o demandado desejava ter filhos enquanto que a demandante não os desejava".

O demandado em seu depoimento diz que "...eu tinha preocupação com a demandante, creio que ela não entendeu bem o que era preocupação e o que é dominação...não sou sádico...sou uma pessoa extremamente organizada...procuro fazer perfeito, mas não me considero perfeccionista...eu sou um homem exigente, em alguns momentos um pouco perfeccionista, mas não controlador..." Quanto aos filhos diz que"...nunca falou que não queria filhos comigo...cheguei um dia a ajoelhar-me na beira da cama, pedindo um filho a ela...", diz ainda que "...o que mais atrapalhou o casamento foi a ausência da demandante, dando  maior importância ao lado profissional do que ao lado famílias...nos primeiro tempos mesmo tendo que fazer todas as tarefas de homem e de mulher da casa, até um ano e meio não houve graves problemas; eu era feliz..."

O pai do demandado (fl.63) diz que "...no final do primeiro ano começaram os problemas. Meu filho sempre gostou de crianças e ele queria ter filhos o que não acontecia com a demandada...ele não é uma pessoa autoritária porque permitia que ela usasse contraceptivo...eu creio que ela não queria ter filhos visando a carreira...o principal ponto da discórdia era a falta da presença como dona de casa..." diz que "...meu filho nunca teve nenhum problema de ordem física ou psíquica..."

A mãe do demandado diz que "...como educadora...ia perceber no meu filho algum desvio de conduta e com certeza o levaria a fazer um tratamento...o demandado é exigente em relação a organização e zelo, cuidado com as suas coisas... A demandante era mais preocupada com sua vida profissional...ele deixava fazer os cursos, inclusive matinha alguns...a demandante não assumia o papel de casada, não quis ter filhos e continuou preocupada com sua carreira..."

Outra testemunha diz que (Fl.75) "...nunca percebi nada de anormal em ambos. Os acho equilibrados. Eu tive uma maior convivência com o demandado. Ele quem me dava ordens no sentido de administração já que a demandante isto não fazia...ele é uma pessoa calma, tranqüila, tem bom coração...a demandante não assumiu as obrigações de dona de casa, por exemplo: a mesma saia cedo e nem café fazia...era alheia às coisas da casa, inclusive comigo..."

A irmã do demandado (fl.83) diz que "...nenhum dos dois tem problemas psíquicos; são pessoas normais..." diz que o irmão não é uma pessoa autoritária "...gostava das coisas arrumadas em casa, porém não brigava com a demandante, quando as coisas não estavam como ele queria, ele mesmo as fazia...com a demandante quase não estava em casa, o demandado passou a fazer as tarefas da casa, tais como: compras, limpeza, etc...fazia isso apenas para poupar a demandante que estudava..." quanto aos filhos diz "...a demandante queria ter filhos, mas queria primeiro investir na sua profissão; os filhos viriam quando ela tivesse melhor estruturada na vida profissional..."

 

O defensor do vinculo diz que " várias testemunhas que defendem ou acusam, mas não dão base suficiente para os itens em julgamento, mesmo por serem esses quase do foro intimo..."

Concordo com o Defensor do vinculo e suas observações, pois embora a demandante tenha solicitado perícia no demandado para se comprovar sua incapacidade psíquica, a mesma não foi realizada, ficando difícil realmente provar se o demandado tinha ou não essa incapacidade.

Quanto a exclusão da prole, a demandante tinha planos anteriores ao casamento e  desejo de ter filhos, inclusive planejando juntamente com o demandado para dali a dois anos, portanto ela não excluía a prole do seu matrimônio. As provas apresentadas, não dá a certeza moral da nulidade  deste matrimônio pelos capítulos de nulidade apresentados, que enfrentou dificuldades mais pela falta de discrição de juízo da parte demandada que não assumiu o matrimônio.

Portanto, devidamente pesadas as razões quanto ao direito e quanto aos fatos:

"Se consta da nulidade do matrimônio em apreço:

1- 1)- Por incapacidade do Demandado para assumir as obrigações essenciais do matrimônio por causas de natureza psíquica(sadismo) (cân. 1095, 3º); NEGATIVAMENTE

2- Por simulação parcial da Demandante por exclusão do "bonum prolis" por parte da Demandante (cân. 1101§2) NEGATIVAMENTE

 

Cidade, 20 de setembro de 20xx

 

Juíz