Emmanuel Milingo, o antigo arcebispo de Lusaka (Zâmbia), que foi o centro da atenção mundial em 2001, ao contrair matrimônio no seio da seita do reverendo coreano Sun Myung Moon, foi demitido do estado clerical por suas repetidas ordenações episcopais sem mandato do Papa.

O comunicado da Santa Sé, que divulgou a notícia hoje, esclarece que se trata de "um fato totalmente excepcional", mas assegura que a Igreja mantém os braços abertos para o seu regresso, com "a esperança do seu arrependimento".

"Manifestando esperança em sua conversão, a Igreja renova o que já se declarou no dia 26 de setembro de 2006, isto é, que não reconhece e não pretende reconhecer no futuro estas ordenações e todas as ordenações que destas se derivem e, portanto, o estado canônico dos supostos bispos continua sendo o estado em que se encontravam antes da ordenação conferida pelo Sr. Milingo", esclarece o Vaticano.

Citando o cânon 292 do Código de Direito Canônico, o comunicado vaticano explica o que implica a demissão do estado clerical: "a perda dos direitos e deveres ligados ao estado clerical, exceto a obrigação do celibato; a proibição do exercício do ministério, salvo no que dispõe o cânon 976 do Código de Direito Canônico para os casos de perigo de morte; a privação de todos os cargos, de todas as responsabilidades e de qualquer potestade delegada, assim como a proibição de utilizar o hábito eclesiástico".

"Por conseguinte, torna-se ilegítima a participação dos fiéis em eventuais novas celebrações organizadas pelo Sr. Emmanuel Milingo", indica a Santa Sé.

O comunicado da Santa Sé conclui reconhecendo a "dor da comunidade eclesial pelos graves gestos realizados pelo Sr. Milingo" e pede a oração dos batizados pelo seu arrependimento "e pelo de todos os sacerdotes ou fiéis leigos que de alguma forma colaboraram com ele em atos que atentam contra a unidade da Igreja de Cristo".

De Lusaka a Roma

Emmanuel Milingo (nascido há 79 anos, em Mnukwa Zambia), após fundar a comunidade das Daughters of the Redeemer, foi nomeado arcebispo da capital da Zâmbia, por Paulo VI.

Nos anos 70, começou a realizar exorcismos de forte carga emotiva, sem seguir o ritual romano, em diferentes dioceses do mundo, provocando mal-estar entre os bispos das dioceses afetadas.

Por este motivo, João Paulo II aceitou sua renúncia como arcebispo de Lusaka em 1983 e o acolheu na Santa Sé para trabalhar no Conselho Pontifício para a Pastoral dos Migrantes e Itinerantes.

Nos anos 90, tornou-se famoso por posições extremistas, próximas a grupos tradicionalistas, ao afirmar que superiores de alto cargo da Igreja eram adoradores do diabo. Criticou publicamente, ao mesmo tempo, os sacerdotes que não respeitavam o celibato ou que eram tolerantes com a homossexualidade.

A partir desses anos, começou a manter contatos com membros da seita fundada pelo reverendo Moon. Segundo explicou o Pe. Gabriele Amorth, exorcista da diocese de Roma, em uma entrevista publicada pela Zenit (Cf. 27 de mayo de 2001), o prelado foi vítima da "caça despiedosa" de uma família desse grupo que vivia em Roma.

"Fizeram uma lavagem cerebral nele", acrescentava então o Pe. Amorth.

O "casamento" e a volta

Com 71 anos, Milingo contraiu matrimônio, no dia 27 de maio de 2001, em Nova York, com Maria Sung, uma acupunturista coreana de 43 anos, a quem não conhecia e que lhe foi proposta pelo reverendo Moon, que organizou a celebração.

Pouco depois, no dia 7 de agosto desse mesmo ano, Milingo voou a Roma para encontrar-se com João Paulo II em Castel Gandolfo, quem constatou sua vontade de regressar à Igreja Católica e abandonar Maria, algo que poucos dias depois confirmou o prelado em uma carta. O mediador daquele encontro foi o arcebispo Tarcisio Bertone, então secretário da Congregação para a Doutrina da Fé, atual cardeal secretário de Estado.

Milingo começou, depois, um ano de retiro espiritual na Argentina, assistido de longe pelo arcebispo Bertone e por uma comunidade de sacerdotes do Movimento dos Focolares.

Em setembro de 2002, publicou um livro-entrevista com o jornalista Michele Zanzucchi, com o título "O peixe resgatado do pântano" (Ed. Ciudad Nueva), no qual denunciava o "complô" de que foi vítima na seita do reverendo Moon.

Voltou à Itália para continuar com seu ministério em novembro de 2002, instalando-se em Zagarolo, localidade próxima de Roma. Após o primeiro eco mediático da sua volta ao ministério público, os fiéis deixaram de ir em massa às suas celebrações, deixando o prelado em uma solidão que voltou a ser preenchida pelos contatos com a seita.

A ruptura definitiva com a Igreja Católica aconteceu com a ordenação de bispos em Washington e sua nova militância pela abolição do celibato sacerdotal, em setembro de 2006. Voltou a morar, então, com Maria Sung.