Canonista oferece uma visão de três décadas de negociação

A Conferência de Bispos dos Estados Unidos (USCCB) está envolvida ativamente no tratamento do problema dos abusos sexuais por parte do clero desde meados da década de 1980, afirmou a advogada canonista Sharon Euart, Irmã de misericórdia, ao pronunciar a palestra Direito canônico e crise dos abusos sexuais por parte do clero: uma visão geral da experiência dos Estados Unidos.

A intervenção aconteceu em uma jornada sobre direito canônico realizada no dia 25 de maio, patrocinada pela conferência episcopal dos Estados Unidos e pela Associação de Direito Canônico da América.

Os organizadores explicaram que o evento "foi celebrado em resposta ao interesse dos meios de comunicação nos abusos sexuais por parte do clero".

Participaram quatro palestrantes, com vídeos e textos e a jornada também incluiu sessões de perguntas e respostas e ainda um debate online.

A irmã Euart se referiu aos 30 anos de intercessão dos prelados e ofereceu uma visão geral da experiência dos bispos.

Começou sua conferência explicando que "o direito canônico da Igreja prevê, desde a Idade Média, que o abuso sexual a menores é uma ofensa grave".

"Os pecados contra o sexto mandamento com menores são considerados atos criminais - recordou. Este tipo de crime sempre foi condenado."

A revisão mais recente do Código de Direito Canônico, publicado em 1983, reduziu o número de delitos e penas eclesiais, explicou a religiosa, mas a "condenação do abuso sexual de menores por parte do clero foi considerado um crime que se castigava com a demissão do estado clerical".

Simplificando

A irmã Euart explicou que precisamente este castigo foi o enfoque inicial dos esforços dos bispos dos Estados Unidos para trabalhar com a Santa Sé ao enfrentar os abusos sexuais.

Explicou que o Código de 83 oferece duas opções para impor uma dimensão do estado clerical: "a petição voluntária da laicização por parte do sacerdote em questão (...) ou a demissão do estado clerical por meio de um processo judicial, um tribunal formado por três sacerdotes-juízes qualificados".

Os bispos dos Estados Unidos queriam e buscaram um processo mais racional, um "processo administrativo de demissão do estado clerical" que deixaria o processo de tomada de decisões nas mãos do bispo diocesano.

A irmã Euart destacou que buscavam, de fato, um processo que lhes permitisse "que o sacerdote fosse demitido do estado clerical com base nas necessidades pastorais mais que como um castigo", no qual o critério para destituir fosse a futura proteção das crianças.

"Quando os debates entre os representantes da Conferência Episcopal dos Estados Unidos e da Santa Sé não chegam a um acordo sobre um procedimento administrativo não-penal, o Papa João Paulo II criou em 1993 criou uma comissão conjunta de representantes da Santa Sé e a USCCB para estudar o processo judicial penal e propor maneiras de simplificá-lo" acrescentou.

"O trabalho da comissão conjunta deu lugar a proposta de derrogações do código canônico, ou seja, mudar as leis específicas, para proporcionar uma aplicação mais ampla do processo penal da demissão nos casos de abuso sexual de menores", explicou.

Continuando, disse: "As derrogações foram aprovadas majoritariamente pelos bispos e então, com algumas modificações, promulgadas pela Santa Sé em 1993".

Explicando as coisas

No final dos anos 90, explicou a advogada canônica, a maioria das dioceses dos Estados Unidos já aplicava alguns sistemas para tratar das questões dos abusos sexuais, adotaram princípios, estabelecendo comissões de revisão e implantando outras medidas.

Segundo a irmã Euart, "as questões canônicas pendentes eram principalmente garantias de que os sacerdotes que eram pederastas não voltassem ao ministério e que estas decisões fossem confirmadas por parte do dicastério competente para isso em Roma".

"Nesse momento, parecia haver uma falta de transparência sobre a congregaçõão romana que tinham autoridade final nestas questões, uma situação que deixou vários bispos frustrados nas suas tentativas disciplinares para sacerdotes infratores."

Em 2001, um documento de João Paulo II explicou as dúvidas, afirmando que a Congregação para a Doutrina da Fé "tem autoridade eclesial exclusiva e é para proporcionar normas processuais especiais para declarar ou impor sanções canônicas nos casos referentes a estes delitos canônicos".

As normas do documento de 2001 incluem as disposições que refletem nas derrogações aprovadas para os Estados Unidos pela Santa Sé em 1993, explicou a religiosa.

Isso finalmente foi concretizado nas Essential Norms for Diocesan/Eparchial Policies Dealing with Allegations of Sexual Abuse of Minors by Priests or Deacons (Normas essenciais para políticas diocesanas no tratamento das denúncias de abusos sexuais de menores por sacerdotes ou diáconos, N.do T.), aprovadas pela Santa Sé no mesmo ano.

A posteriori

A irmã Euart propôs algumas observações como possíveis lições da experiência dos bispos.

Sugeriu que os debates públicos sobre a questão logo nos anos 80 deveriam ser de grande ajuda, pois assim o "público seria consciente do compromisso dos bispos para tratar o problema como da má conduta liderar a crise".

A religião destacou a importância da responsabilidade, dizendo que "os bispos necessitam então, e continuam necessitando hoje, assumir o problema, aceitar sua responsabilidade por suas eventuais defeituosas soluções e garantir que os casos futuros sejam tratados com rapidez e eficácia".

Uma terceira observação foi referida aos "complicados" processos canônicos. Na opinião da especialista, o direito canônico não foi o problema.

"O problema foi a renúncia dos bispos em utilizar as disposições do direito canônico existentes então para retirar aos sacerdotes do ministério - explicou. As ferramentas canônicas estavam lá."

Neste sentido, a conferência elogiou as palestras feitas em 2003 para formar advogados canônicos na aplicação de processo canônicos penais.

Duas faces?

A complexidade destas questões se tornou evidente mais uma vez, com as perguntas dos participantes do seminário à irmã Euart e a seus companheiros.

Foi necessária uma breve explicação teológica do eterno sacerdócio, frente à dimensão do estado clerical.

Outros esclarecimentos se referiam à natureza lenta do direito canônico e levaram um membro da mesa - o Pe. John Beal - a compará-lo com qualquer processo legal.

O especialista afirmou que o direito canônico, como o direito americano, está comprometido com o devido processo para o acusado.

Disse que em qualquer sistema legal, "vai ser dado ao acusado um julgamento justo [...], terá que se comprometer com alguns processos bastante lentos".

Como exemplo, referiu-se à complexidade de levar diante da justiça os perpetradores dos ataques terroristas de 11 de setembro de 2001.

Outra pergunta se referiu a um "amigo advogado canônico" que tratou de defender os dois sacerdotes de acusação de abusos sexuais, sacerdotes que ele considerava inocentes.

Neste sentido, o Pe. Beal destacou que "houve um tempo nos ‘velhos maus dias' em que sempre a palavra era dada aos sacerdotes mais influentes [...] que à vítima".

Mas, continuou, "o pêndulo oscilou em outra direção e agora, quando se faz uma acusação que não é explicitamente falsa, cabe ao acusado provar sua inocência; houve uma mudança considerável".

Também se referiu ao jogador da Liga Nacional de Futebol Ben Roethlisberger, acusado de agressão sexual em março.

Então afirmou que "em um processo canônico, ele teria que deixar a Liga nesse momento", já que a quantidade de provas encontradas pelo fiscal e consideradas insuficientes pelo ministério público "teriam sido suficiente em um julgamento canônico sobre abuso sexual".

O sacerdote não fez nenhuma declaração sobre se o pêndulo oscilou agora até um "ponto razoável".

Afirmou que somente com uma evidência sobre o tema, foi um julgamento melhor realizado que outros com mais provas.